O centenário de nascimento de Pedro Pomar e os 37 anos da
chacina da Lapa motivaram diversas iniciativas, entre as quais duas no mínimo
curiosas.
A primeira delas foi iniciativa do jornal A Nova Democracia,
que na primeira quinzena de novembro de 2013 publicou um texto intitulado Pelo
caminho de Pedro Pomar, relatando um atividade realizada pela Frente
Revolucionária de Defesa dos Direitos do Povo (FRDDP) e defendendo a “reconstituição”
do Partido Comunista do Brasil. De orientação maoista, este grupo foi o
responsável por pichações e colagens de cartazes comemorativos do centenário,
em algumas cidades brasileiras.
A segunda delas foi iniciativa da Liga Bolchevique
Internacionalista, que em seu blog publicou um texto intitulado: “Chacina da
Lapa”: Há trinta e sete anos os chacais da ditadura eliminaram o setor da
direção do PCdoB crítico à guerrilha Maoista do Araguaia.
O referido texto está disponível no endereço http://lbi-qi.blogspot.com.br/2013/12/chacina-da-lapa-hatrinta-e-sete-anos-os.html#more
e contém grande quantidade de erros, sobre os quais passo a comentar, na ordem
em que eles aparecem no referido texto.
A guerrilha do Araguaia não foi realizada “sob orientação
ideológica do Partido Comunista Chinês”. Esta talvez fosse a intenção, mas o
estudo detalhado dos fatos e dos documentos revela que a guerrilha foi marcada
pelo chamado blanquismo, não pelo maoismo.
O texto afirma que João Amazonas e Renato Rabelo estariam
refugiados em Pequim, por fazerem parte de uma “fração dirigente que defendia o
“grande acerto” da tática Maoista”. Amazonas e Rabelo estavam fora do país
quando houve a Chacina, por coincidência. Pedro Pomar, que deveria ter feito a
viagem, ficou por conta da saúde de sua esposa. E Amazonas, acompanhado por
Rabelo, o substituiu na viagem.
O texto afirma que Pedro Pomar e Angelo Arroyo defendiam
fazer uma autocrítica em relação ao Araguaia. Isto é correto apenas no que diz
respeito a Pomar. A posição de Arroyo não era esta. Tanto é que, em suas intervenções na reunião da Lapa, Arroyo
reiterou a defesa do método e das decisões da Comissão Militar do PCdoB,
responsável pela condução da guerrilha.
Não é fato que Pomar tivesse “manifestado para a militância
partidária suas diferenças de avaliação política com Amazonas”. Nas condições
da época, o debate sobre a guerrilha estava compartimentado na direção. Só anos
mais tarde, quando o jornal Movimento publicou o documento de avaliação escrito
por Pedro Pomar, as suas posições tornaram-se públicas para a militância.
Naquela época (1976), João Amazonas não era “secretário
geral” do Partido Comunista do Brasil. O cargo não existia, por conta da
avaliação que se fazia do papel de Prestes no antigo PCB, antes de 1962.
Não é verdade que “Pomar teria sido chamado para uma viagem
de 'advertência' a Albânia, não efetivada em função do grave estado de saúde em
que se encontrava sua companheira”. A viagem era para a China, para informar a derrota
da guerrilha. Pomar era o encarregado, porque havia sido ele que informara aos
chineses sobre a decisão de iniciar a guerrilha. A viagem não ocorreu porque,
como é dito, sua esposa estava com graves problemas de saúde.
Quem primeiro identificou
Jover Telles como provável responsável por prestar ao Exército informações que permitiram localizar o
aparelho do PCdoB em São Paulo, e capturar ou matar metade de seus dirigentes,
não foi a direção do PCdoB, mas sim Wladimir Pomar, filho de Pedro Pomar, membro
do Comitê Central e um dos presos em dezembro de
1976. Na prisão, em conversas com os companheiros,
Wladimir aos poucos montou as peças do que denominou “quebra-cabeças”, organizando informações e indícios que incriminavam Jover.
A responsabilidade de Jover
Telles não se trata de uma “versão”, mas de fatos documentados.
O texto da LBI afirma ser “estranho” que “somente em 1983, no sexto
congresso do PCdoB, se “oficializaria” a expulsão definitiva do “traidor”, ou
seja, quase sete anos após os gravíssimos acontecimentos da Lapa”. Não há nada
de estranho nisto. Em primeiro lugar, houve um inquérito interno. Em segundo
lugar, João Amazonas demorou a se convencer da responsabilidade de Jover
Telles. Em terceiro lugar, estou convencido de que esta demora deve-se também ao fato
de que Jover foi convocado para a reunião por insistência de João Amazonas.
A decisão de organizar uma dissidência no PCdoB não foi de
José Novaes. Esta dissidência foi iniciativa coletiva, encabeçada especialmente
pelos membros do Comitê Central que divergiam em primeiro lugar do balanço que
Amazonas fazia do Araguaia e, em segundo lugar, divergiam de um conjunto de
concepções defendidas por Amazonas e seus aliados.Participaram dessa dissidência Wladimir Pomar, José Novaes,
Tarso Genro, Adelmo Genro Filho, Marcos Rolim, Sérgio Weiggert, José Genoíno, Ozeas Duarte, Ronald Rocha,
Maria Luiza Fontenelle, Jorge Paiva, Luiz Macklouf Carvalho, Humberto Cunha etc.
O texto insiste em defender Jover Telles, chegando a dizer que “diante das circunstâncias criadas (e nunca totalmente
esclarecidas) em torno da militância de Telles, este decide abandonar a
política”. Como foi dito acima, as circunstâncias foram no fundamental
esclarecidas: Jover Telles foi preso, negociou com a repressão e foi através
dele que os militares localizaram a reunião. Mais detalhes podem ser lidos no
livro Massacre na Lapa, de Pedro Estevam da Rocha Pomar, cuja edição mais recente, a terceira, foi publicada pela Editora
Fundação Perseu Abramo.
Segundo o texto “Wladimir toma o rumo da socialdemocracia
ingressando no PT em 1980”. Na verdade, aproximadamente metade da dissidência do PCdoB entra no
PT no início dos anos 80: é o caso de Wladimir, Genoíno e outros. E outra
metade permanece abrigada por mais algum tempo no PMDB (é o caso de Tarso
Genro). Quanto à acusação de “socialdemocracia”, ela não resiste a análise das
posições defendidas por Wladimir, nem à época, nem hoje.
A dissidência, também conhecida como “esquerda do PCdoB”,
sofreu um processo de cisão interna. Parte dos integrantes construiu o Partido Revolucionário
Comunista (PRC). Outra parte se dispersou, indo para o PCB (Alon Feuerwerker),
Convergência Socialista e na maioria ingressando individualmente no PT (Carlos
Eduardo Carvalho, Celeste Dantas, Wladimir Pomar).
José Novaes nunca foi o principal líder do PRC.
O texto da LBI pergunta-se “quem teria de fato 'vazado' para
os genocidas a informação da reunião que poderia ter mudado a linha Maoista do
PCdoB?” A primeira parte desta pergunta já foi respondida , de forma
documentada: foi Jover Telles. A segunda parte da frase está totalmente
equivocada: a crítica de Pedro Pomar à guerrilha do Araguaia não foi uma
crítica ao maoismo. Ao contrário, foi uma crítica baseada no maoismo contra uma
iniciativa guerriheira que, na sua opinião, não era baseada nos ensinamentos da
guerra popular prolongada.
O texto da LBI pergunta “porque somente ao final da reunião
do CC (que durou vários dias) a polícia da ditadura decidiu agir, pondo em
risco o próprio sucesso da operação criminosa”. Em primeiro lugar, em nenhum
momento esteve em risco o sucesso da operação policial-militar. A casa estava
totalmente cercada. Ao que tudo indica, a decisão de atacar ao final fazia
parte do acordo feito com Jover Telles (de permitir que ele ficasse livre) e,
também, buscava garantir que todos os integrantes da reunião pudessem ser
presos ou assassinados (pois está claro que havia a intenção de atacar a casa ao final e matar
os que lá permaneciam: Pedro Pomar e Angelo Arroyo)..
Não é verdade que os militares só “intervieram após o CC do
PCdoB se inclinar, por uma pequena margem de maioria, na autocrítica da
guerrilha do Araguaia”. Os militares atacaram ao término da reunião, mas eles
não tinham a menor ideia do que estava sendo debatido ali. Em segundo lugar, os
registros da reunião mostram que de um lado estavam Arroyo
e Elza Moneratt; de outro lado estavam Pedro, Haroldo, Aldo, Wladimir,
Novaes, Drummond e o próprio Jover Telles.
É incorreto afirmar-se, sem
contextualizar, que Drummond “morreu posteriormente em uma tentativa de
fuga na sede do próprio DOPS”. Ele estava sendo
torturado no DOI-CODI (e não DOPS) quando se desvencilhou dos algozes e, ao
tentar a fuga, caiu no poço da antena de rádio desse centro de torturas. Drummond
é um herói e já havia deixado claro que, se preso, faria o que fosse necessário
para resistir às torturas.
Não é exato dizer que existia uma direção do PCdoB “instalada”
no exílio. Tanto é assim que foi necessário convocar uma conferência nacional
(ver a este respeito o registro em filme desta conferência, disponível na
página da Fundação Maurício Grabois), para recompor a direção.
Diógenes Arruda não foi “ex-tesoureiro do Partidão”. Ele foi
de fato o secretário-geral do Partido Comunista do Brasil, entre 1947 e 1956.
O texto afirma que se consolidou uma “maioria alinhada com o
PTA da Albânia” e reorganizada sobre as “bases políticas da recém ruptura do
partido com o Maoismo, agora considerado como uma das vertentes do
revisionismo, pondo fim à defesa da guerrilha camponesa”. Os fatos são os
seguintes: a disputa no interior do PCdoB coincide com a disputa no interior do
PC chinês, que levou a queda da Gangue dos Quatro e a ascensão definitiva de
Deng Xiao Ping. Naquele momento, o PTA e o PCdoB criticam o “revisionismo
chinês” por ter rompido com o maoismo e não por ser maoista.
O texto afirma o seguinte: “o ex-militante do partido que
teria toda a autoridade moral para elucidar o verdadeiro festival de calúnias
stalinistas, seria Wladimir Pomar. Filho do grande quadro teórico Pedro Pomar,
assassinado na Chacina da Lapa, Wladimir esteve presente naquela reunião do CC,
também na condição de dirigente do partido. Mas o filho não tinha a mesma
estatura ideológica do pai Pedro, e optou por calar-se diante da intensa
polêmica aberta no marco da esquerda comunista”.
Os fatos são os seguintes: Wladimir Pomar esteve preso de
1976 até setembro de 1978. Em decorrência de sua
posição crítica à guerrilha, foi punido pela direção do PCdoB e desligado do
Comitê Central (o que, inicialmente, ocorreu também com Aldo Arantes e Haroldo
Lima, depois reintegrados à direção). Logo que saiu da cadeia, distribuiu o
texto “Em Defesa da
Verdade”, rebatendo as calúnias que vinha sofrendo, e integrou
ativamente a luta interna do PCdoB, tendo escrito vários textos a respeito,
entre os quais um livro inteiro intitulado Araguaia, o Partido
e a Guerrilha. Este livro, publicado pela editora Brasil Debates, tem
312 páginas. Se isto é “calar-se”, não sei dizer o que é falar.
Wladimir divergiu da posição de Ozeas Duarte e José Genoíno,
de transformar a comissão organizadora do Congresso Extraordinário convocado
pela dissidência em Comitê Central e afastou-se da dissidência, ingressando individualmente no
Partido dos Trabalhadores. Isto tudo está fartamente documentado, em muitos
textos, alguns clandestinos, outros publicados por exemplo na revista Teoria e
Política.
No Partido dos Trabalhadores, Wladimir Pomar foi secretário
nacional de formação política e coordenador geral da campanha Lula em 1989.
Posteriormente, desligou-se da direção mas segue filiado ao PT até hoje,
colaborando ativamente no debate teórico.
O texto afirma ainda que “Wladimir seguiu o “tranquilo” o curso de
assessor “intelectual” da burocracia sindical Lulista, o que lhe rende até hoje
muitas vantagens financeiras (atualmente é responsável pelo comércio exterior
com a China)”.
Em relação a primeira parte da afirmação, ficou claro que
entre 1976 e 1990, Wladimir prosseguiu como dirigente político, seja da
dissidência, seja do PT. Em relação à segunda parte da afirmação, é pura
calúnia.
Quem conhece o padrão de vida de Wladimir, que aliás segue trabalhando
até hoje, sabe que simplesmente não procede a afirmação acerca de “muitas
vantagens financeiras”. Quem conhece o seu trabalho, sabe que sua atividade
como consultor nas relações Brasil-China é real, ou seja, não se trata de lobby
nem advocacia administrativa, mas sim produção de estudos, análises, palestras,
organização de visitas, feiras etc. E, por fim, ele nunca foi “responsável pelo
comércio exterior com a China”, seja lá o que isto quer dizer.
Por fim, concordamos com o texto da LBI no seguinte: cabe
honrar a memória e a luta de todos os militantes da esquerda comunista que
caíram sob o tacão assassino da ditadura do capital. Uma bom começo é escrever
textos mais sérios.
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