O V Congresso Nacional do Partido dos
Trabalhadores deveria ter sido realizado entre os dias 12 e 14 de dezembro de
2013. Mas o que houve nestes dias foi apenas uma “abertura”.
Para compreender o ocorrido, é importante
recapitular alguns fatos e analisar algumas posições.
O V Congresso foi convocado solenemente
em dezembro de 2012. Mas desde o debate sobre a Convocatória do Quinto
Congresso, ficou clara a existência, no Partido, de pelo menos duas posições
distintas a respeito.
Todos reconheciam existir uma contradição
entre as necessidades da luta política imediata, por um lado, e as diretrizes
mais estratégicas e programáticas que deveriam emergir do Congresso, por outro
lado.
Alguns propunham resolver esta
contradição rebaixando o Congresso, transformando-o numa convenção eleitoral.
Outros propunham resolver esta contradição, elevando nossa tática às
necessidades de nossa estratégia.
A polêmica se traduziu, do ponto de vista
prático, na elaboração de um documento de subsídio ao Congresso, que deveria
ter sido debatido pela CEN, pelo DN e em encontros especiais, simultaneamente
ao PED. E que, após o PED, seria refeito, incorporando as contribuições das
teses apresentadas ao debate.
Tais debates “congressuais” nunca
ocorreram. E os debates do PED foram tudo, menos “congressuais”. E, por fim, o
documento apresentado como contribuição ao V Congresso, assinado por apenas
dois (Marco Aurélio Garcia e Ricardo Berzoini) dos vários integrantes da
comissão, é basicamente o mesmo produzido antes do PED. Sendo que chapa “Partido
que muda o Brasil”, que disputou o PED com uma tese, abriu mão desta tese em
favor do documento assinado por Marco Aurélio e Ricardo Berzoini.
Assim, um ano depois de convocado
solenemente, o V Congresso foi convertido em três partes: uma primeira parte, a
“abertura”, realizou-se entre os dias 12 e 14 de dezembro de 2013; a segunda
parte, que vai debater a tática eleitoral, reunir-se-á provavelmente no Rio de
Janeiro em abril de 2014; e a terceira etapa do Congresso, supostamente
conclusiva, vai se reunir em 2015, mês a definir. Sempre com os mesmos
delegados eleitos no PED 2013.
A abertura
Portanto, o V Congresso começou, mas não
terminou. Vejamos como foi cada momento da fase de “abertura”, dedicada a Luis
Gushiken e Marcelo Deda.
A sessão inaugural foi na noite de 12 de
dezembro, resumindo-se a composição de uma mesa com a nova comissão executiva
nacional, com os presidentes estaduais eleitos (com exceção do presidente do
estado do Maranhão, que está sub judice), com Rui Falcão, Lula e Dilma
Rousseff, que fizeram uso da palavra nesta ordem.
Recomendamos a leitura dos discursos
feitos esta noite, que ilustram as contradições do grupo majoritário do Partido
e as debilidades da linha política vencedora no PED. Símbolo destas, aliás, foi
algo que a muitos pode ter parecido “normal”, mas que é de um simbolismo
profundo, especialmente num partido que tanto se propôs a renovar a visão
dominante no movimento socialista acerca da relação entre partido/governo/Estado
: quem deu posse ao novo presidente nacional, aos presidentes estaduais e a
nova direção nacional foram Lula e Dilma.
Na sexta-feira 13 de dezembro, tivemos
três momentos distintos. No final da manhã, uma solenidade dedicada aos presos José
Genoíno, José Dirceu e Delúbio Soares. No início da tarde, uma mesa onde Marco
Aurélio Garcia e Ricardo Berzoini apresentaram seu texto de Contribuição ao V
Congresso. E, depois do almoço, uma terceira mesa que alguns bem humorados
denominaram “momento fórum social”, em que falaram intelectuais, movimentos
sociais e representantes das chapas que disputaram o PED. Nesta terceira mesa,
destacou-se Sonia Fleury, representante do Cebes, que fez uma dura crítica às
contradições da política adotada pelos governos Lula e Dilma.
Finalmente, no sábado 14 de dezembro,
votaram-se emendas e moções. O grupo majoritário adotou como política absorver
todas as emendas, exceto algumas apresentadas por O Trabalho, convenientemente
promovido a “oposição oficial”, pois foi o único setor (exceto a maioria) que
teve o direito de usar da palavra.
Dois temas foram remetidos para outro
momento: os questionamentos à política de alianças foram remetidos para o
Encontro de tática eleitoral, em abril de 2014, quando a tática eleitoral já
estará deliberada na prática; e os questionamentos quando ao PED foram
remetidos para uma comissão, que discutirá alternativas, que caso aprovadas
serão adotadas na eleição da nova direção, no ano de 2017 (o que nos garantirá
uma dupla diversão num mesmo ano: um PED e o aniversário dos 100 anos da
revolução russa).
A voto mesmo, foram dois temas: o
superávit primário e a AP 470. Nos dois casos, coube a Ricardo Berzoini
defender a posição do grupo majoritário, logo ele que sabidamente está em
conflito com seu próprio grupo em tantos pontos importantes.
É muito importante que a organização do
Congresso divulgue os discursos feitos na defesa e na crítica as emendas. A
fala de Berzoini é particularmente importante, porque revelou a falta de
argumentos de mérito para defender as respectivas posições.
No caso do superávit, por exemplo,
Berzoini nos lembrou que o país precisa crescer e que para isto precisa de
investimentos privados e públicos. Mas não conseguiu explicar por qual motivo o
investimento, seja público, seja privado, é beneficiado pela política de
geração de superávits primários. Seu único argumento, ao fim e ao cabo, foi
dizer que o congresso do PT deve apoiar a política econômica do governo. O
problema é que as pedras sabem que grande parte do PT não concorda com esta
política econômica, mas escolheu tratar isto como assunto de bastidor, não como
debate público. Deixando a oposição e setores da base fazerem o debate público
contra nós, aproveitando-se de problemas que todos sabemos que são reais e que
deveriam ser corrigidos com rapidez, como a taxa de juros que voltou a crescer
e como superávit que continua nos oprimindo.
Já no caso da AP470, a fala de Berzoini
deixou no ar uma dúvida imensa: por qual motivo de mérito ele, signatário de
uma emenda que falava em revisão penal e anulação do julgamento, passou a
subscrever outra emenda, que não falava mais nisto. Berzoini, é verdade,
explicou que sua nova posição (ver box na página 21) “unificava” mais o
Partido. Mas não explicou ao plenário do Congresso quais os argumentos dos
setores do Partido contrários à revisão penal e contrários a anulação da AP470.
Finalmente, ia a voto mas foi retirada
por O Trabalho uma emenda referente ao Haiti. Depreende-se que os signatários
confiam que a presidenta Dilma Rousseff vai suspender a participação brasileira
na Minustah.
Votadas estas emendas e as moções, o
Congresso foi encerrado. Ou melhor, a abertura foi encerrada. Para a maioria
dos que lá estiveram, uma coisa é certa: é melhor que o Congresso seja melhor
do que esta abertura, um gasto de tempo e de dinheiro desproporcional a
importância dos debates e resoluções ali aprovadas.
Continuísmo
O essencial da abertura do V Congresso é
que se confirmou que a maioria do Partido decidiu “não mexer em time que está
ganhando”.
Como diz a contribuição assinada por
Marco Aurélio e Ricardo Berzoini: “No ano de 2014 a ação do PT estará
concentrada na reeleição da companheira Dilma Rousseff à presidência da
República, na expansão de suas bancadas no Senado Federal, na Câmara de
Deputados e nas Assembléias Legislativas. Da mesma forma, terá papel central o
aumento do número de seus governadores. Claro está que todos estes embates
eleitorais exigirão a consolidação, ampliação e qualificação de nossas alianças
políticas, essencial não só para vencer as eleições como para o exercício
futuro dos governos em nível nacional e estadual. Ainda que as questões
programáticas em jogo nas eleições de 2014 não possam ser separadas totalmente de
uma política de longo prazo do partido, é necessário evitar que esses temas, de
natureza estratégica, se sobreponham e confundam o debate eleitoral do próximo
ano”.
Traduzindo: não estamos seguros de que a
tática para 2014 ajude a política de longo prazo do Partido, mas estamos
convictos de que colocar agora certos temas de longo prazo pode dificultar
nosso desempenho eleitoral, assim é melhor não misturar as duas coisas.
Esta opção pode ter vários
desdobramentos, inclusive dar certo. Mas há três variantes que nos preocupam.
Na primeira delas, perdemos as eleições
por que não percebemos a necessidade de mudar a tática e a estratégia adotadas
até aqui. Na segunda delas, ganhamos as eleições e fazemos um segundo governo a
altura da tática, mas aquém das necessidades estratégicas, o que terá
consequências até 2018 e em 2018. Na terceira delas, ganhamos as eleições e
buscamos, após as eleições, fazer um giro na atuação do governo, sem ter
construído, durante o processo eleitoral, as bases políticas necessárias para
tal.
Não subestimamos a primeira variante. A direita
está fazendo um grande esforço para produzir uma tempestade perfeita. E nosso
governo tem reagido a isto de maneira recuada, fazendo um grande esforço para
conciliar com os interesses do grande capital e do rentismo. As duas variantes
projetam um cenário perigoso, econômica, política e eleitoralmente falando.
Mas, ainda assim, ainda que no segundo turno, ainda que com dificuldades, o
mais provável é nossa vitória com a reeleição da presidenta Dilma.
Mas, em caso da provável reeleição, a
opção tática e estratégica da maioria do Partido não terá criado as condições
para fazer um segundo mandato superior ao atual. É claro que esta nossa opinião
deve ser matizada: uma vitória petista nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo
e/ou Minas Gerais muda a correlação de forças políticas. Porém, já sabemos de
longa data que a depender da política implementada pelos novos governos
estaduais, uma vitória eleitoral pode se converter num problema político, como
algumas prefeituras conquistadas em 2012 estão demonstrando.
O futuro
Como já foi dito no editorial deste
Página 13, não esperamos da maioria da nova direção partidária uma mudança na
tática ou na estratégia. Continuarão insistindo numa postura geral defensiva e
aquém das necessidades e possibilidades da conjuntura e do período histórico.
Da nossa parte, vamos continuar
insistindo na necessidade de um giro estratégico e tático, assim como no
funcionamento do PT. Achamos que a conjuntura de 2014 tende a ser turbulenta,
que a campanha eleitoral será muito difícil, que o PT precisa de outra postura
e de outra política, seja para vencer, seja para governar, seja para
transformar o Brasil.
E, seja qual for o resultado final de
2014, estamos convencidos de que não teremos um segundo mandato superior ao
primeiro, salvo se o Partido dos Trabalhadores mudar sua orientação.
Por isto, tão logo sejam publicadas,
submeteremos o texto base aprovado neste V Congresso a um minucioso exame
crítico. E faremos um esforço para que o V Congresso aprove resoluções mais
avançadas.
Este esforço significa dar continuidade
ao que defendemos ao longo de todo o processo de eleição direta das direções
petistas: que o PT precisa mudar de estratégia, mudar a tática para 2014 e
mudar o funcionamento partidário.
A atual estratégia do PT é baseada na
ideia de mudança através de políticas públicas. Defendemos que o PT adote uma
estratégia de mudança através de reformas estruturais.
Salvo engano, nenhum petista se opõe às
reformas estruturais. Todos parecem defender a reforma tributária, reforma
política, lei da mídia democrática, reforma agrária, reforma urbana, 40 horas,
universalização das políticas públicas etc.
Assim parece, mas não é exatamente
verdade. Alguns setores do PT se opõem a tais reformas, como vimos por exemplo
toda vez que houve chance real de aprovar a reforma política. Outros setores
defendem tais reformas, mas são contra adotar uma estratégia de mudança baseada
nelas.
Os que pensam assim parecem acreditar que
será possível continuar melhorando a vida do povo, continuar ampliando a democracia,
continuar afirmando a soberania nacional, continuar avançando na integração
regional, sem fazer reformas estruturais.
Nós, pelo contrário, achamos que a
estratégia de melhorar a vida do povo apenas ou principalmente através de
políticas públicas entrou numa fase de “rendimentos decrescentes”. A comparação
entre o segundo governo Lula e o primeiro governo Dilma é uma das provas disto.
Os problemas da saúde pública, por
exemplo, exigem um salto na capacidade de financiamento. O mesmo pode ser dito
de outras questões, como o transporte público. Visto de conjunto, a
“sustentabilidade” das políticas públicas universais exige reforma tributária e
uma mudança radical no serviço da dívida pública.
Mas como viabilizar isto, se o Congresso
seguir majoritariamente composto por representantes do grande empresariado? E
como ter sucesso na batalha da reforma política, sem derrotar o oligopólio da
mídia?
E como viabilizar estas e outras reformas
estruturais, se nossas bancadas, governos, aliados políticos e sociais não
organizarmos nossa atuação em função disto? Se não formos para as eleições de
2014 com o propósito de reeleger Dilma em condições dela realizar um segundo
mandato superior, marcado pelas reformas estruturais? Se nosso Partido não for
capaz de uma atuação militante em favor destes objetivos?
Seja para ganhar as eleições de 2014,
seja para continuar mudando o país, seja para construir um caminho para o
socialismo, o PT precisa adotar uma estratégia democrática e popular, por
reformas estruturais. Esta é a principal tese que defenderemos nas próximas
etapas do V Congresso do Partido dos Trabalhadores.
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