Para
os que não recordam: há algumas semanas, um jornal do Rio de Janeiro publicou nota atribuindo ao deputado Henrique Fontana a acusação de que estaria
havendo compra de votos no processo eleitoral interno do PT.
O
deputado Henrique Fontana negou ter falado em compra de votos, mas reiterou
críticas ao processo de cotização dos filiados e filiadas.
Nesta
ocasião, eu divulguei a seguinte nota: http://valterpomar.blogspot.com.br/2013/09/nota-sobre-compra-de-votos.html
Posteriormente,
reuniu-se a Câmara de Recursos, para apreciar as reclamações feitas por
apoiadores da chapa "A esperança é vermelha". Pelo menos em âmbito nacional, desconheço que
apoiadores de outras chapas tenham assinado recursos acerca do tema.
A Câmara foi eleita pelo DN, funciona há vários anos, sendo composta por 7 pessoas, indicadas com base na proporcionalidade das chapas que concorreram ao PED 2009: Florisvaldo Souza (CNB), Alberto Cantalice (CNB), Paulo Frateschi (CNB), Jorge Coelho (PTLM), Vilson de Oliveira (Movimento PT), Carlos H. Árabe (DS) e Valter Pomar (AE).
Como
resultado daquela reunião da Câmara de Recursos, divulguei o seguinte texto:
No dia 24
de setembro, reuniu-se novamente a Câmara de Recursos, presentes todos os seus integrantes.
O primeiro ponto da pauta foi a discussão sobre 301 recursos,
apresentados por filiados e instâncias, versando sobre cumprimento de prazos e
outros problemas organizativos que afetaram de alguma forma o pagamento de
cotizações individuais.
Sobre estes casos, foi aprovada por consenso uma resolução que reafirma
o dia 30/8 como prazo para pagamentos individuais; e também o dia 30/8 como
prazo para fazer recursos. Ou seja, quem não pagou individualmente e/ou não
recorreu até este dia, não poderá mais pagar a tempo de votar e ser votado no
PED 2013.
Aprovamos, também, uma exceção para a regra acima, a saber: no caso dos
novos filiados, que foram inscritos no Sisfil no dia 30/8, e que por qualquer
razão não conseguiram pagar no próprio dia 30/8. Exclusivamente neste caso, se
os filiados recorrerem, individual e imediatamente junto à Sorg, o Sace emitirá
os boletos respectivos e o pagamento poderá ser feito a tempo de votar no PED. Parece haver cerca de 7 mil filiados nesta situação.
Vencida a discussão sobre esses 301 recursos, passamos a debater os
demais.
O primeiro deles, que a Sorg protocolou sob o número 17/13, agrupava recursos sobre fatos ocorridas em distintas cidades: Colatina (ES), Linhares
(ES), Campo Grande (MS), Poté (MG), Cachoeiro do Itapemirim (ES), Belo
Horizonte (MG), Baturité (CE), Canindé (CE), Ocara (CE), Pacajus (CE), Sobral
(CE), Duque de Caxias (RJ), São João do Meriti (RJ), Maricá (RJ), Macaé (RJ),
Araruama (RJ), B.J.Itabapoana (RJ), Itagauí (RJ), Itaperuna (RJ), Miracema
(RJ), Porto Real (RJ), Valença (RJ), São Paulo (SP), Propriá (SE).
O que havia em comum, em todos estes recursos, era a origem, a
solicitação e o parecer da Sorg.
Todos haviam sido feitos por integrantes e/ou apoiadores da chapa "A
Esperança é Vermelha". Todos solicitavam investigação dos fatos, tendo em vista
indícios de pagamento coletivo disfarçado de pagamento individual. E todos os
recursos eram negados pela Sorg, com o seguinte argumento: “considerando a falta de
consistência das denúncias apresentadas, nosso parecer é pelo não acatamento
dos recursos”.
Questionamos o agrupamento dos recursos e solicitamos que os casos
fossem analisados por tema: havia um grupo de recursos que consideravam basicamente que a variação
no número de cotizações diárias indicava cotização coletiva; havia um recurso
que reclamava de cotização coletiva feita em Belo Horizonte, numa determinada
agência bancária; e havia um terceiro grupo de recursos, apontando a existência, por exemplo, de pessoas falecidas entre os filiados que supostamente teriam cotizado.
O nosso questionamento foi aceito, e enquanto os recursos eram
desmembrados, a Câmara prosseguiu o debate e votação dos demais recursos,
basicamente versando sobre cidades onde houve cotização coletiva (nos termos do
regulamento, ou seja, aqueles casos em que as instâncias partidárias autorizam
a realização de uma atividade de arrecadação financeira, cujos recursos são
utilizados para saldar os débitos do total de filiados naquela determinada
cidade).
Foram analisados casos em Alagoas, Maranhão, Pernambuco, Santa Catarina,
Rio de Janeiro e Minas Gerais.
Prevaleceu, nestes casos, a autorização ou não com base em alguns
critérios, tais como: 1) existência de ata da direção municipal convocando a
atividade de arrecadação; 2) a atividade de arrecadação feita depois da reunião
do DM que a convocou; 3) atividade de arrecadação feita depois da aprovação e
divulgação, para permitir fiscalização.
Com base nestes critérios, várias cidades que afirmam ter realizado
cotização coletiva foram inabilitadas. Os detalhes poderão ser verificados na
ata que a Sorg deve divulgar proximamente. De toda forma, a lista final de cidades em que
houve cotização coletiva parece ter chegado a 700 e o número de filiados potencialmente
beneficiados por este critério poderia chegar a 100 mil (tais números, além de não serem precisos, devem cair, pois nem todas as cidades que solicitaram autorização, receberam, fizeram, arrecadaram e realizaram a atividade militante que neste caso faz-se necessária).
Em seguida analisamos recursos referentes a outros temas. Entre estes
recursos, o mais relevante foi a solicitação feita por duas chapas que
concorrem à direção estadual do PT em Minas Gerais, solicitando o cumprimento
do estipulado em nosso regulamento acerca do Fundo Eleitoral Interno. Sobre
este ponto a Câmara reconheceu a procedência do recurso e determinou o efetivo cumprimento
do dispositivo regulamentar que garante fundos partidários para as chapas e
candidaturas.
Concluída esta etapa, a Câmara de Recursos debruçou-se sobre os três blocos
de recursos apresentados por integrantes da chapa "A esperança é vermelha".
O primeiro recurso agrupou os casos de cidades em MG, ES, RG, CE, SE e
MS. Segundo os recorrentes, alguns fatos, entre os quais o fluxo diário de
cotizações, com picos de pagamentos em determinados dias, indicariam a ocorrência
de pagamento coletivo disfarçado de pagamento individual.
Este recurso foi negado. Os que votaram contra o recurso sustentaram
basicamente o seguinte: 1) que o fluxo de cotizações era compatível; 2) que não
havia indícios, mas hipótese; 3) que ao recorrente cabe o ônus da apresentação
de prova ou indício forte; 4) que não havia como investigar, inclusive porque o
relatório de depósitos bancários na conta do PT não permitiria identificar
hora, local e valor dos depósitos questionados.
O segundo recurso tratava de caso ocorrido em Belo Horizonte. O
recorrente afirmava que num determinado dia e numa determinada agência bancária
teriam sido pagos 3.740 boletos, de uma só vez.
Apesar de que neste caso havia um caso concreto, localizado, específico
e de fácil investigação, o recurso também foi negado, com base nos mesmos argumentos
anteriores.
A respeito do pedido, feito pelos recorrentes, de que se verificasse no
extrato bancário o dia, a hora, o local e o montante dos depósitos –o que
permitiria checar se foi uma única pessoa a pagar— a Sorg respondeu o seguinte:
“a respeito
do horário e do local em que foram feitos os pagamentos o SACE/SNF&P
informa que utiliza transmissão de arquivos por via magnética, baseados nos
padrões FEBRABAN, e, no caso da cobrança de boletos, o banco envia arquivos com
os boletos liquidados identificando o 'nosso número' constante no boleto para
que o sistema entenda o que deve ser baixado, com valor e data do pagamento”
Verbalmente,
o parágrafo acima foi explicado assim: não dispomos dos dados solicitados.
Frente ao questionamento de que o dado existe e pode ser localizado,
argumentou-se que não caberia investigação, uma vez que não haveria provas nem
indícios, somente hipóteses.
O terceiro recurso tratava do caso dos mortos (e também de pessoas que
haviam saído do Partido ou mudado da cidade onde foi feito o pagamento).
Neste caso, salvo na hipótese de homônimos ou de algum milagre, estamos
diante de fortíssimos indícios de que alguém pagou a cotização de terceiros, provavelmente
com base numa lista geral de filiados, sem extrair
da lista pessoas mortas, desfiliadas etc.
Novamente o recurso foi negado, com base nos argumentos já expostos, ainda
que um dos presentes admitisse que o caso em si constituiria um fato “abominável”. Vale dizer que outro integrante da Câmara insinuou que a inclusão de mortos poderia ser uma "maldade" de alguém que visa colocar sob suspeição o processo.
Portanto, todos os recursos foram rejeitados.
A votação foi sempre a
mesma: 5 votos contrários ao recurso (Florisvaldo, Frateschi, Cantalice, Jorge e Vilson), 1 abstenção (Carlos Henrique) e 1 voto a favor do recurso
(Valter Pomar).
Ao longo da reunião, travou-se um debate muito revelador acerca de como
os diferentes setores partidários enxergam a situação do Partido, com destaque
para o PED e para a reforma estatutária aprovada no IV Congresso do PT.
Como as reuniões da Câmara de Recursos não são gravadas, os comentários
a seguir baseiam-se em anotações e na memória, motivo pelo qual prefiro não
citar os autores dos trechos entre aspas.
Para um dos participantes da reunião, a reforma estatutária aprovada no IV Congresso resultaria da confluência entre o "espírito católico" de alguns, o estilo “gerencial”
de outros e o “elitismo de vanguarda” de terceiros. Estes distintos setores
teriam comemorado a reforma estatutária do IV Congresso, achando “que ganharam,
mas não ganharam, porque se trata de um processo inacabado". Até porque não seria “justo” impor um estatuto que “não dá para cumprir”.
A mesma
opinião foi defendida por outro dos participantes, segundo o qual “a
decisão do IV Congresso não estava nem está em conexão com a realidade do PT”.
Um
terceiro participante, defensor do que foi aprovado no IV Congresso, argumenta ser contrário a “linha da investigação" e a favor de um
"balanço crítico". Não considera adequado apresentar recursos sobre casos específicos, pois a solução estaria no “sistema organizativo”, sendo necessário levar em consideração "o efeito que teria socialmente" as denúncias, Opina que se abrirmos para um caso, teríamos que abrir para o todo e caminharíamos para o questionamento do conjunto.
Entretanto, "não se pode dizer que estas contribuições foram feitas de acordo com
o estatuto", entre outros motivos porque fomos "relaxando" na
exigência de que só votasse quem fizesse uma atividade partidária. E os problemas não teriam ocorrido somente nos locais objeto de recurso, mas sim no Brasil inteiro, o que
poderia levar a uma "parada e revisão geral que equivale a suspender o
PED". Como ele não compartilha desta alternativa, defende "medidas
que ajudem na democracia interna" no restante do processo, de agora até a
votação, por exemplo garantindo um “comparecimento sem tutela”.
Defende o estatuto, mas reconhece que ele não foi implementado como "a gente achava", porque sem direção, sem organização na base, “não funciona”. Considera, apesar disto, que
do ponto de vista "financeiro" estamos num estágio superior ao que tínhamos antes
do IV Congresso.
Um quarto
companheiro disse que há uma avaliação crítica "de consenso", mas que
a hora é de “poupar o partido”. Além disso, os recorrentes estariam "forçando a
mão", pois se estaria tomando como indício de irregularidade algo que
decorre do efetivo e legítimo crescimento do Partido.
Sobre este
último argumento, vale lembrar que o fato do Partido ter crescido com base em
filiações em massa é uma coisa, o fato de terem sido feitas cotizações
coletivas disfarçadas de individuais é outra coisa. Ainda que uma coisa tenha
que ver com a outra, o estatuto permite a primeira e proíbe a segunda.
Seja como for, a maioria reconheceu a existência de problemas: “todos sabem que
houve, independentemente de corrente". Um sexto integrante da Comissão
disse que entre os integrantes da própria chapa dos recorrentes "houve gente que
fez pagamento coletivo", mas que ele desestimulou seus correligionários de
apresentar queixa a respeito. Este mesmo companheiro afirmou não querer “levar
a pecha pelo suposto fracasso de alguma tendência no PED”.
Frente a este quadro, caberá aos recorrentes, bem como a chapa "A esperança é vermelha", decidir o que fazer. Por um lado, não nos resta dúvida de que houve cotização coletiva disfarçada de individual. Por outro lado, a extensão desta prática foi tal, que a ampla maioria dos setores integrantes do Partido optou por não apresentar questionamento, temendo as repercussões disto sobre o conjunto do processo. Em terceiro lugar, tudo indica que o desrespeito ao regulamento não se limitará a este quesito. Em quarto lugar, tais atitudes terão impacto sobre a correlação de forças do próximo Diretório Nacional. E, finalmente mas muito mais importante, a atitude majoritariamente permissiva e tolerante frente a estas condutas é parte integrante das profundas fragilidades orgânicas e políticas existentes no Partido.
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