quinta-feira, 31 de outubro de 2024

Venezuela e os agentes do imperialismo

Primeiro, uma preliminar: devemos trabalhar para que os governos do Brasil e da Venezuela voltem a ter boas relações.

Boas relações não é concordar em tudo. Nunca foi e nunca será isso.

Boas relações é, por exemplo, não trocar ataques pelos meios de comunicação, não aprovar resoluções mutuamente condenatórias, não convocar os respectivos embaixadores para esclarecimentos, não questionar o funcionamento das respectivas instituições, não vetar a participação em organismos internacionais etc.

Trabalhar por boas relações é essencial, ao menos para quem defende a integração regional latinoamericana e caribenha.

Hoje, a integração passa por dificuldades. E um dos motivos disto é que a esquerda regional também passa por dificuldades e, além disso, está atravessada por crescentes conflitos entre suas lideranças e seus partidos.

No passado, a sinergia entre os governos de esquerda e progressistas foi fundamental para o sucesso da integração regional. Assim como foi fundamental a sinergia entre os partidos governantes, especialmente no terreno do Foro de São Paulo. 

Hoje, esta sinergia é menor que antes.

Há muitas ações que podem ser feitas para mudar esta situação. Uma delas é melhorar as relações entre Brasil e Venezuela. E para que isso seja possível, um bom ponto de partida é parar de achar que só uma das partes comete erros. 

Nesse sentido, não concordo com a embocadura de Marcelo Zero no artigo Alguns esclarecimentos sobre a Venezuela | Brasil 247

Assim como não fiquei satisfeito com o depoimento de Celso Amorim na Câmara do Deputados (embora nesse caso se deva dar os descontos devidos ao ambiente onde o depoimento foi feito).

Sobre Celso, ler aqui:

https://www.camara.leg.br/noticias/1106455-eleicao-na-venezuela-deve-ser-resolvida-pelos-venezuelanos-diz-celso-amorim

Seja como for, a postura correta, na minha opinião, é tomar nota que erros foram cometidos por todas as partes envolvidas. E concentrar nossas energias, não sobre esses erros, mas sobre como fazer para recompor.

Se estou falando em erros, por óbvio estou tratando de relações entre “países amigos”. Como deve ter dito o analista de Bagé, “amigos também fazem merda”.

Este é um dos motivos pelos quais considero ser pior que um crime, ser um erro adotar teorias conspiratórias. Foi isso que disse no artigo Venezuela: tirem as crianças e a política da sala | Brasil 247

Este artigo foi criticado - surprise!!! - pelo Diário da Causa Operária aqui: Não é 'teoria', imperialismo está conspirando contra a Venezuela - Diário Causa Operária

Segundo está escrito neste artigo do PCO, "o problema não é a colocação do procurador, ainda que ela possa ser exagerada ou errada", "a discussão mais importante não é se o acidente foi ou não real", pois " seja lá qual foi o acidente de Lula", "objetivamente a ausência de Lula nos BRICS revela a política covarde do governo".

Pergunto: se no passado alguém foi acusado de ser agente da Gestapo, não importava saber se isto era verdade ou não??

Óbvio que algumas aparências ganham vida própria, assim como é óbvio que conspirações existem, o imperialismo e a CIA operam pesadamente, atacar a Venezuela objetivamente ajuda os Estados Unidos etc. 

Mas nada disto torna irrelevante saber se algo é ou não real, se alguma coisa aconteceu ou não, sob pena de fazermos raciocínios absurdos tais como o da frase "objetivamente a ausência de Lula nos BRICS revela a política covarde do governo". 

"Objetivamente" a ausência de Lula "revela" que ele sofreu um acidente e não pode viajar. 

A ausência teve efeitos ruins? Sim! Como disse no artigo citado acima, a ausência de Lula "causou prejuízos para o Brasil, que teria podido ter maior protagonismo na reunião de Kazan. Além disso, a ausência de Lula pode ter contribuído para o incorreto tratamento dado à Venezuela".

A política do governo brasileiro frente a Venezuela, na reunião de Kazan, foi na minha opinião errada. Isso na prática ajudou os EUA? Sim. 

Mas nem todo mundo que objetivamente, por ação ou omissão, ajuda os EUA é agente da CIA. 

Por exemplo: neste momento o discurso conspiratório contribui para escalar um conflito que precisamos superar. Se deixar arrastar por teorias conspiratórias ajuda, objetivamente, os EUA. Mas, como já disse, as vezes até os amigos fazem merda. Nem por isso deixam de ser amigos. Até porque, quando se está falando de política externa, o conceito de “amigo” não tem o mesmo significado de “amigo” nas relações pessoais.

Se queremos retomar a integração regional, devemos trabalhar para que os governos do Brasil e da Venezuela voltem a ter boas relações.

O resto é o resto.





Um comentário:

  1. Pelo que me lembro, em 08/01/23 o Presidente Lula não estava em Brasília fisicamente (cumpria agenda em Araraquara) e nem por isso, foi tomada alguma decisão em Brasília - diante dos ataques contra os prédios dos Três Poderes promovidos pelos ditos golpistas - que não estivesse em consonância com os ditames do Presidente eleito (afinal vivemos em plena era de avanço tecnológico que permite todo tipo de comunicação imediata com todos os lugares, até fora do planeta).

    Mesmo considerando que Lula tivesse entrado em coma com a queda em sua casa, isso não o faria estar em silêncio até o momento, sobre o veto de um seus subordinados do Itamaraty à entrada de Venezuela nos Brics.

    Em outras palavras, seu silêncio diz muito: o feito está em consonância com sua decisão.

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