BALANÇO GERAL
O Partido dos Trabalhadores deve fazer um balanço profundo das eleições municipais de 2004. Cada direção municipal, cada diretório estadual, deve analisar os resultados obtidos, confrontando-os com a história e com os objetivos que o PT havia se proposto a alcançar, nessas eleições.
Neste balanço, devemos precisar qual a influência dos fatores estritamente municipais, locais, regionais; e qual a influência dos fatores nacionais, gerais.
O Partido dos Trabalhadores disputa eleições municipais desde 1982. Naquele ano, elegemos 2 prefeitos. Em 1985, elegemos a prefeita de Fortaleza. Em 1987, o prefeito de Vila Velha. Em 1988, vencemos em 36 importantes cidades, entre elas São Paulo, Vitória e Porto Alegre. Em 1996, elegemos 54 prefeitos/as. Em 1996, mais que dobramos, elegendo 115 prefeitos/as. Em 2000, elegemos 187 prefeitos/as. Em 2004, finalmente, elegemos 411 prefeitos e prefeitas.
O crescimento numérico foi acompanhado por uma expansão geográfica. Mesmo assim, está claro que – de 1988 até 2000 – a maior parte das prefeituras governadas pelo PT se concentrava na região sudeste e sul do país. Em 2000, por exemplo, esta região concentrava 131 prefeituras governadas pelo PT; enquanto o Norte, o Nordeste e o Centro-Oeste reuniam 56 prefeituras.
Quanto ao número de habitantes, a trajetória do PT mostra um crescimento constante nas cidades com até 50 mil habitantes (21 em 1988, 35 em 1992, 87 em 1996, 127 cidades em 2000). Mostra um crescimento mais modesto nas cidades acima de 50 mil e abaixo de 200 mil habitantes (6, 9, 19, 31 cidades, respectivamente).
O dado politicamente mais revelador, entretanto, é o relativo as cidades com mais de 200 mil habitantes. Em 1988 o PT elegeu 9 destas cidades; em 1992, elegeu 10; e, em 1996, elegeu novamente 9 com mais de 200 mil habitantes. Já em 2000, houve um salto: elegemos 29 cidades com mais de 200 mil habitantes, sinalizando a ascensão que levaria o PT a conquistar, em 2002, a presidência da República.
O quadro fica ainda mais claro se considerarmos a população total residente nas cidades governadas pelo PT:
1988: 14,9 milhões
1992: 8,3 milhões
1996: 7,9 milhões
2000: 28,8 milhões
A curva é clara: ascendente em 1988, inicia um descenso em 1992 e 1996 (anos de hegemonia neoliberal) e torna-se fortemente ascendente em 2000.
Portanto, a trajetória do PT em eleições municipais combina dois movimentos distintos, um constante, outro variável:
a)um deles, constante, é o do crescimento em número de prefeituras, vereadores, vices e eleitorado, mostrando que o Partido vai se capilarizando e se nacionalizando;
b)outro deles, variável, oscilando ao sabor da conjuntura nacional, é expresso no porte das cidades que governamos, no número de habitantes ou de eleitores que ali residem.
As eleições de 2004 apresentam, de maneira combinada, os dois movimentos: a continuidade do crescimento; e, ao mesmo tempo, uma oscilação negativa nas grandes cidades.
O crescimento fica claro quando olhamos os resultados quantitativos em geral, sem distinguir o porte das cidades: os números absolutos de 2004 mostram que o Partido ampliou o seu número de eleitores, o número de prefeitos/as e vereadores.
O PT foi o partido mais votado, tanto no primeiro (16,3 milhões de votos) quanto no segundo turno (6,9 milhões de votos).
Em 2000, o PT ficou em quarto lugar, entre os votos válidos, atrás do PSDB, PMDB e PFL. Já em 2004, o PT ficou em primeiro lugar entre os votos válidos (17,2%), superando o PSDB (16,5%), o PMDB (15%) e o PFL (11,8%).
Elegemos 411 prefeitos/as, contra 187 eleitos em 2000 (um crescimento relativo de 120%, superado apenas pelo PCdoB e pelo PV, que entretanto elegeram 10 e 56 prefeituras, respectivamente).
Crescemos, também, em número de vereadores: 118 em 1982; 900 em 1988; 1.100 em 1992; 1.895 em 1996; 2.485 em 2000; 3.679 vereadores eleitos em 2004, num total de 10.431.085 votos ou 10,7% do total de votos válidos para vereador em todo o país, o que nos permitiu eleger 7,1% do total de vereadores existentes no Brasil.
Somos, portanto, o terceiro partido mais votado para vereador (atrás do PMDB e do PSDB), quando em 2000 éramos o quinto partido mais votado.
Os 3.679 vereadores eleitos pelo PT estão presentes em 2345 municípios (42% do território brasileiro), um número bastante superior ao de 2000 (quando elegemos vereadores em 1482 municípios).
Para produzir este resultado eleitoral, o PT lançou candidatos em cerca de 5 mil municípios, elegendo 411 prefeitos, 312 vice-prefeitos e apoiando 937 chapas majoritárias vencedoras. Ao todo, o PT participará de 1.660 governos municipais ou 30% dos municípios brasileiros.
Em resumo: quando olhamos os resultados quantitativos em geral, sem distinguir o porte das cidades, constatamos que o PT obteve em 2004 mais uma vitória eleitoral: ampliamos o número de eleitores, o número de prefeitos/as, o número de vices-prefeitos/as e de vereadores.
Mas quando olhamos o resultado do ponto de vista qualitativo, ou seja, quando observamos não apenas os números gerais da eleição, mas também o resultado alcançado nas cidades mais importantes, constatamos que o PT sofreu um revés nas eleições de 2004.
Se considerarmos, por exemplo, o número de eleitores residentes nas cidades governadas pelo PT, em 2000 e 2004, vemos o seguinte:
2000: 21,5 milhões
2004: 17 milhões
Se analisarmos estes números, mais aqueles citados anteriormente, temos uma curva bastante clara: ascendente até 1988, inicia um descenso em 1992 e 1996 (anos de hegemonia neoliberal), torna-se fortemente ascendente em 2000 e inflete para baixo em 2004.
Alguns setores do Partido buscam relativizar esta inflexão. Lembram que o PT elegeu 23 das 96 maiores cidades brasileiras (12 no primeiro turno, 11 no segundo turno), governando 9 capitais.
Outro argumento utilizado para dizer que não sofremos uma inflexão em 2004 é o número de capitais em que fomos vitoriosos: 6 em 2000 e 9 em 2004.
Acontece que o peso político das capitais em que o PT foi vitorioso em 2000 era maior do que o peso político das capitais em que vencemos no ano de 2004. As derrotas em Porto Alegre, São Paulo, Belém e Goiânia não são compensadas pelas novas vitórias em Fortaleza, Vitória, Porto Velho, Palmas etc.
É claro, entretanto, que temos o que comemorar nas eleições de 2004. Além do que foi dito anteriormente, citamos ainda: a reeleição de 44% de nossas prefeituras, inclusive nas capitais de Recife, Aracaju e Belo Horizonte; o crescimento de nossa votação popular, em cidades como São Paulo; a ampliação da presença partidária, no norte, nordeste e centro-oeste; os resultados em Fortaleza e em Vitória (bem como em Cariacica).
Mas não há como desconhecer o seguinte: o PT não atingiu seu objetivo central nas eleições de 2004 – objetivo estabelecido em seguidas reuniões do Diretório e da Executiva Nacional –, que era o de deslocar para a esquerda a correlação de forças do país.
Noutras palavras, tratava-se de dar continuidade ao que se viu nas eleições de 2000 e 2002, preparando o terreno para uma nova vitória em 2006.
Esse objetivo não foi atingido. Pelo contrário, foi a direita que teve sucesso, bloqueando e revertendo aquela tendência que vinha de 2000/2002, enfraquecendo nossas chances de vitória em 2006.
Esta derrota é mais evidente em dois estados.
É evidente no estado de São Paulo, onde perdemos cidades estratégicas, como São Paulo, Ribeirão Preto, Piracicaba, Campinas e Santos; onde tivemos desempenhos ruins em cidades como São Bernardo do Campo; e onde ganhamos por pouco, como em Diadema.
E é evidente, também, no estado do Rio Grande do Sul, onde perdemos cidades igualmente estratégicas, como Porto Alegre, Pelotas e Caxias do Sul.
As eleições de 2004, portanto, acenderam um sinal amarelo para a esquerda e um sinal verde para a direita, que já fala abertamente em abandonar a estratégia de “contenção” (conviver e cooptar o governo Lula) e passar para a estratégia de “aniquilação” (derrotar o PT e o governo Lula).
É por isso que achamos necessário reconhecer que o PT sofreu uma derrota política em 2004. Derrota que nós, da Articulação de Esquerda, já havíamos percebido estar em curso (ver a esse respeito a avaliação feita pela direção nacional da tendência, no dia 15 de outubro).
Fomos derrotados, o PT foi derrotado nas eleições de 2004, porque as eleições mostraram existir uma reversão na tendência popular que nos levou à vitórias importantes em 2000 e à presidência da República, em 2002.
Se esta reversão não for detida, podemos colher uma derrota política e eleitoral em 2006.
Portanto, determinar as causas da derrota política que sofremos em 2004 é algo essencial.
Alguns setores do Partido acham que não houve uma derrota política. Pelo contrário, falam em vitória eleitoral. Outros reconhecem que tenha havido derrota, mas argumentam que não há uma única explicação, mas sim um conjunto de explicações, particulares e não generalizáveis.
Evidente que – numa eleição municipal – há causas locais e regionais que devem ser consideradas. Por outro lado, as causas nacionais influenciam diferentemente cada situação específica. É isto que explica o fato de termos obtido, ao mesmo tempo, numa mesma conjuntura nacional, vitórias e derrotas importantes.
É compreensível que vários setores do Partido resistam a debater em profundidade as causas de nossa derrota. Por isso mesmo, talvez seja útil inverter a questão e responder ao seguinte: porque a direita conseguiu uma vitória política nas eleições de 2004, criando um cenário mais favorável para ela disputar as eleições gerais de 2006?
Em nosso entender, há três razões fundamentais que explicam a vitória obtida pela direita.
A primeira dessas razões foi a unidade da burguesia, já no primeiro turno, mas principalmente no segundo turno.
É evidente que há setores do empresariado e das instituições que expressam seus interesses (os meios de comunicação, a justiça eleitoral, os governos estaduais etc) que apoiaram candidaturas de esquerda ou que se dispersaram em várias candidaturas de centro-direita no primeiro turno.
Esta dispersão e o apoio à candidaturas de esquerda, entretanto, não constituem novidade. Em 2002, por exemplo, parcelas expressivas do empresariado apoiaram ou ficaram neutras frente a candidatura Lula.
A novidade, em 2004, é uma reaglutinação do conservadorismo e do empresariado, em torno de uma tática anti-petista, que teve no PSDB o seu “comitê central”, principal beneficiário, político e eleitoral.
Importante lembrar que, ao mesmo tempo em que o PSDB era o núcleo da campanha anti-petista, setores importantes do PT defendiam uma aproximação estratégica com os tucanos. O presidente da República chegou a falar de fusão entre os dois partidos; já o prefeito reeleito de Belo Horizonte e o ministro Tarso Genro, de ângulos diferentes, enalteceram – mesmo depois do segundo turno – uma suposta “modernidade” tucana.
A participação do empresariado nas campanhas petistas, embora relevante, se deu em escala menor do que o divulgado, compatível com o peso do Partido, sem o caráter orgânico que teve no caso da direita e com uma relativamente pequena participação do capital financeiro (pequena, se considerarmos que é o setor econômico mais beneficiado pela política do governo federal).
Abre parênteses: É importante dizer que o Partido precisa rever radicalmente suas políticas de financiamento. Não é possível esconder as repercussões ideológicas e políticas negativas do financiamento privado de campanhas. Casos como o de Waldomiro Diniz e Rogério Buratti precisam ser debatidos de maneira franca dentro do PT, que precisa tomar medidas duras contra as tentativas de transformar o partido e governos que ocupamos em “escada” para práticas corruptas. Fecha parênteses.
Retornando ao comportamento da burguesia no processo eleitoral: as figuras mais notórias da direita brasileira (ACM, Sarney), mesmo quando aparentemente "apoiadas" pelo Planalto, se enfrentaram com candidaturas petistas (como ocorreu em Salvador e Imperatriz).
É importante ressaltar estes fatos, pois eles demonstram que – ao contrário do que sugere a ultra-esquerda e apesar da política implementada pelo governo federal (ou, quem sabe, para garantir a sua continuidade) – o grande capital opera consciente e deliberadamente para derrotar o PT.
Paradoxalmente, portanto, apesar da política econômica adotada pelo governo federal, a burguesia não teve dúvidas em concentrar suas energias contra o PT, seja para evitar que um fortalecimento do Partido gerasse ânimo para uma “esquerdização” do governo; seja porque a burguesia não pretende terceirizar a aplicação de suas políticas.
Como reconheceu, recentemente, um dirigente da ala moderada do PT: “a elite que elogia a política econômica é a mesma que operou para derrotar o Partido nas eleições”.
A segunda razão que explica a vitória política da direita nas eleições de 2004 é a redução no ânimo da classe trabalhadora, mais exatamente dos seus setores organizados.
Esta redução no ânimo, no entusiasmo, reduziu o caráter militante das campanhas eleitorais, especialmente no primeiro turno. Nosso desempenho nas regiões de concentração operária, especialmente no ABC, deve ser visto como um sinal de alerta nesse sentido.
No caso de algumas categorias – como bancários, servidores públicos, professores universitários – houve mais do que uma redução no ânimo: houve hostilidade aberta, que pode ter se transformado inclusive em abstenção, voto nulo, branco ou até mesmo voto em candidaturas de centro-direita.
É provável que a atitude do governo federal frente a greve dos bancários, por exemplo, tenha tido fortes repercussões eleitorais ali onde a disputa foi apertada.
Apesar disso, de maneira geral não houve deslocamentos em direção ao PCdoB ou ao PSTU, nem tampouco em direção às candidaturas apoiadas pelo PSOL. Fracassou a tentativa de construir uma alternativa eleitoral à esquerda do PT. O que confirma uma opinião que temos defendido, desde o final de 2002: nas atuais condições históricas, não existe alternativa (eleitoral ou não) à esquerda ao governo Lula e ao PT. Ou o próprio governo Lula e o PT giram para a esquerda, ou será a direita quem colherá os frutos da decepção popular.
A falta de ânimo dos setores organizados ajudou a gerar aquilo que os analistas têm denominado de “deslocamento da classe média para a direita”.
O que são as “classes médias”? De maneira geral, o que chamamos de classes ou setores médios compõem um setor social integrado pelo estrato inferior da burguesia e pelo estrato superior da classe trabalhadora.
Noutras palavras: pequenos proprietários urbanos, trabalhadores com salários superiores à média e/ou ocupando funções de gerência etc.
Esses setores constituem uma importante força política e eleitoral, cujo comportamento sempre foi historicamente flutuante.
Estes setores médios apoiaram FHC e o Real em 1994, começaram a se decepcionar em 1998, se deslocaram para o PT e Lula em 2000 e 2002 e, agora, começam a voltar em direção ao PSDB e à oposição anti-petista.
Há vários motivos que explicam esse deslocamento para a direita, por exemplo, a unidade da burguesia e o desânimo dos setores organizados da classe trabalhadora.
Mas o principal motivo – que explica inclusive os dois outros, já citados – é a decepção com as políticas implementadas pelo governo federal.
Num resumo grosseiro, os setores médios percebem a política do governo federal da seguinte forma: tirar dos remediados, para distribuir aos pobres, sem tocar nos ricos.
Esta percepção gera uma forte crítica ao governo federal, em alguns casos “de esquerda”, mas geralmente de direita.
(Importante dizer que, caso nosso governo federal estivesse com uma política claramente voltada a derrotar o setor financeiro, isso não garantiria o apoio dos setores médios. O exemplo do Chile, no governo da Unidade Popular; e o exemplo da Venezuela, no governo Chavez, mostram que a direita e o grande capital têm forte influência sobre os setores médios. Mas, nesse caso, como também mostra a Venezuela, seria possível ter um apoio mais sólido junto aos setores populares e a militância de esquerda.)
Evidente que nossa presença no governo federal também repercutiu positivamente na campanha eleitoral, ajudando a explicar nosso crescimento em algumas regiões e camadas sociais. Mas o efeito sobre os trabalhadores organizados e os chamados “setores médios” foi principalmente negativo.
Esta é a terceira razão, portanto, da vitória política da direita nas eleições de 2004: o deslocamento, para a direita, dos chamados setores médios.
É importante dizer que a direita organizou, preparou, planejou esta vitória.
Contrariando os setores moderados do PT, que pensavam que uma política econômica moderada neutralizaria a direita; e ao contrário do que pensa a ultra-esquerda, para quem o governo Lula é “o governo do capital”, a direita brasileira organizou, desde o início de 2003, a vitória que obteve agora.
Vale a pena analisar os principais aspectos deste processo.
No início de 2003 e até agora, o governo Lula deu continuidade a aspectos essenciais da política econômica do governo tucano.
Alguns setores do PT pensaram que isto teria “tirado o discurso” da direita. Na verdade, isto parece ter “tirado o discurso” da esquerda, ao menos no que toca ao debate programático.
Ao retirar de cena o debate sobre o neoliberalismo, o debate sobre o projeto nacional, o confronto político-ideológico entre petismo e tucanato, o governo Lula preparou um terreno favorável à vitória da centro-direita.
Primeiro, livrando-os do debate sobre a “herança maldita”.
Segundo, gerando contradições entre nosso governo e nossa base social.
Terceiro, tirando do PT e da esquerda a condição de “portadores da mudança”.
Quarto, pasteurizando o debate político, que foi remetido a temas “municipais”, “locais”, “gerenciais” (quando todos sabemos que estas questões são fortemente limitadas pelas macro-políticas nacionais).
Os partidos de direita não tinham interesse em contestar a política econômica implementada pelo governo federal, seja porque concordam com ela, seja porque estamos num daqueles momentos em que uma política econômica globalmente negativa gera alguns efeitos positivos de curto prazo.
Algo que ocorreu sob o governo FHC e que pode voltar a ocorrer sob o governo Lula, hipótese que leva setores do PSDB a tratar com cautela suas perspectivas eleitorais em 2006, apesar das vitórias obtidas em 2004.
Os partidos de esquerda que apóiam o governo Lula, por sua vez, também não tinham interesse em contestar a política econômica do governo federal, seja pelos mesmos motivos da direita; seja porque se avaliou que isto seria eleitoralmente contraproducente; seja para não ter que “justificar” (ou questionar) a postura do governo em temas como a taxa de juros, o pequeno reajuste do salário mínimo e a reforma da previdência.
O fato do debate macro-econômico ter perdido peso na campanha eleitoral de 2004, impediu que o trabalho realizado em 2000 e 2002, de contestação ao neoliberalismo, tivesse continuidade.
Isso prejudicou o PT e fortaleceu principalmente o PSDB. E fez com que, em muitas cidades, o debate fosse concentrado nas políticas locais, como se não houvesse conexão entre a ampliação dos serviços públicos, a segurança e o desemprego, com o predomínio dos interesses do capital financeiro na economia nacional.
Sem ter a necessidade de enfrentar o PT no debate grande programático, a centro-direita deslocou sua crítica para outro terreno: o da política.
Nesse terreno, concentrou seu ataque em três críticas principais: o da democracia, o da ética e o da eficiência gerencial.
Já tratamos, na resolução aprovada pela direção nacional da AE em março de 2004, da questão ética.
Sobre isso, portanto, só queremos acrescentar que algumas das alianças praticadas na eleição de 2004, por exemplo, com Paulo Maluf, forneceram excelentes argumentos adicionais para os ataques hipócritas que a centro-direita faz contra nós – ataques feitos muitas vezes por gente que, em pleno século XXI, mantém de maneira generalizada a compra de votos; ou que ressuscitou, durante a campanha, um padrão anti-comunista que só encontra paralelo próximo no “nível” da campanha collorida de 1989.
De maneira geral, a transposição – para o Partido dos Trabalhadores — da política de alianças adotada na base de sustentação do federal, criou mais problemas políticos do que benefícios eleitorais.
A diretriz partidária para as eleições de 2004 estabelecia que nosso objetivo principal era deslocar a correlação de forças do país para a esquerda, o que deveria se traduzir em vitórias do PT e de seus aliados do campo democrático e popular.
Mas a diretriz realmente implementada pelo setor moderado do PT foi bem mais “ampla”. Na política de alianças, tentou transpor, para o PT, a política de alianças adotada no governo federal; estimulou, consciente ou inconscientemente, a ilusão de que haveria recursos abundantes, vindos do empresariado, para financiar nossas campanhas; adotou uma postura politicamente dúbia do governo federal; e aprofundou, em algumas regiões, uma forma empresarial de fazer campanha.
Em Fortaleza, o PT tinha candidatura própria, mas uma parte de nossos ministros, parlamentares e dirigentes nacionais apoiaram a candidatura de um aliado de esquerda.
Em Porto Alegre, o principal oponente de nossa candidatura era integrante de um partido da base de apoio do governo Lula.
Em Salvador, o candidato do PT não conseguia gravar uma declaração de apoio do presidente da República, mas o candidato do PFL carlista conseguiu uma “cena” (no sentido português e espanhol da palavra) com o presidente.
Em São Paulo, nossa candidatura tropeçou na relação com os partidos da base aliada, no primeiro turno e no segundo turno, com destaque para o desastrado “apoio” de Paulo Maluf.
No Rio de Janeiro, nossa candidatura tentava competir com o favoritismo de César Maia, que por sua vez era tratado como aliado prioritário em Niterói e Nova Iguaçú.
Esta confusão prejudicou principalmente o PT, primeiro porque em vários locais nos jogou na vala comum dos partidos tradicionais, com suas alianças movidas por interesses locais e regionais, em detrimento de projetos nacionais; segundo, porque facilitou a operação de nivelamento programático levada a cabo por vários de nossos opositores (em Campinas, como em Porto Alegre, por exemplo, os partidos antagônicos ao PT mimetizavam muitas das propostas apresentadas pelo Partido).
O caso do Rio de Janeiro é o mais ilustrativo dos efeitos de uma política de alianças sem princípio: depois de traumatizar o PT carioca, obrigando-o a fazer uma aliança com o PDT de Garotinho, chega-se ao extremo oposto, construindo uma política de alianças com todos os setores, tendo como único objetivo derrotar o PMDB... de Garotinho.
Neste contexto, não admira que o desempenho do PT tenha sido pífio na capital do Rio, tendo a comemorar a derrota de Garotinho (junto com a vitória de César Maia), assim como antes se tinha a comemorar a vitória de Garotinho (junto com a derrota da direita tradicional).
Os efeitos negativos da política econômica e a política de alianças adotada pelo Partido contribuíram, ademais, para fazer recuar a militância partidária. Em algumas cidades, esse recuo não foi visto, pelo menos de início, como um enorme problema estratégico; e, no lugar da campanha militante, adotaram-se métodos empresariais de disputar eleição, o que também foi apontado pela direita como “desvio ético” do PT: o uso de “militância paga”.
Quanto a questão da eficiência gerencial, trataremos mais adiante, quando falarmos do balanço setorial da atuação do governo Lula. Mas é evidente que os problemas administrativos e gerenciais do governo federal tem ligação direta com problemas políticos e estratégicos.
Sobre a questão da democracia, a pauta da centro-direita foi resumida por Fernando Henrique Cardoso e por José Artur Giannotti. Em artigo e entrevista para a Folha de S.Paulo, ambos sustentaram que a vitória do PT seria uma ameaça à democracia.
A tese implícita é a seguinte: o PT já tem “poder demais”, como se a verdade não fosse outra, como se a verdade não fosse que a imensa maioria do poder, no Brasil, segue nas mãos de quem sempre o teve.
O desdobramento da lógica de FHC/Giannotti é a seguinte: o PT pode ganhar as eleições, mas não pode indicar seus quadros para compor o governo; pode indicar os Ministros da Cultura e da Comunicação, mas não pode impor limites ao monopólio da mídia e à indústria cultural; pode indicar o ministro da Defesa, mas não pode demitir os gorilas da direita; pode indicar a ministra do Meio-Ambiente, mas não pode bloquear os transgênicos; pode ter o ministro da Fazenda, desde que a política ali implementada seja tucana; pode ter o presidente da República, mas não pode governar o país.
O ataque da direita contra o PT repercutiu fortemente nos setores médios, lembrando muito a tática adotada pela direita contra o governo Chavez.
Aqui como lá, a crítica da direita contra o PT tem um forte conteúdo “anti-pobre”. E, como nos Estados Unidos, parte dos pobres e dos setores médios acaba apoiando a centro-direita, a mesmo centro-direita que foi responsável pelas políticas neoliberais que prejudicaram socialmente a classe média e os pobres.
A centro-direita teve sucesso nas eleições de 2004. Construiu uma tática política e um discurso ideológico, reaglutinou suas forças sociais, recuperou importantes setores médios e populares, conquistou aparatos políticos importantes (como as prefeituras de São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre, combinadas com o controle dos respectivos governos estaduais). E pode vir a contar, em 2006, com dois outros suportes: o governo norte-americano, reeleito; e a possível existência do PSOL, como desaguadouro eleitoral da insatisfação com o PT.
Se o resultado eleitoral confirmou o PT e o PSDB como pólos da política brasileira (algo que não é novidade, pois já se havia verificado em 1994, 1998 e 2002), manteve também um “centro” muito forte, que não acompanhou o PT na maioria das disputas municipais e, portanto, pode ser o fiel da balança nas eleições de 2006.
Boa parte deste “centro” integra a base de apoio do governo federal. Entretanto, convém não se iludir com os resultados obtidos pelos partidos da “base de apoio”. Pois, dependendo da evolução política do país, estes partidos podem constituir uma terceira via ou apoiar uma candidatura tucana em 2006. Neste sentido, a derrota política do PT, em 2004, pode se transformar em derrota eleitoral (e política) do governo federal em 2006.
Nesse contexto, como impedir que a vitória (tucana) em 2004 se transforme na ante-sala da derrota (petista) em 2006? Essa é a principal questão que deve ser debatida pelo PT, nos próximos meses.
A principal resposta para esta questão está, em nossa opinião, numa mudança na política econômica do governo federal.
Articulação de Esquerda
4 de dezembro de 2004
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