quinta-feira, 28 de junho de 2018

Fatalismo derrotista é a versão masoquista da ilusão


É muito importante ler o texto Lula e a penúltima ilusão, de Aldo Fornazieri, disponível no seguinte endereço:

https://jornalggn.com.br/noticia/lula-e-a-penultima-ilusao-por-aldo-fornazieri#.WzGi5d2Gf_m.whatsapp

O texto resume a longa cadeia de ilusões que, segundo Fornazieri, afetou “setores amplos do campo progressista, principalmente petistas”: a de que “a Câmara dos Deputados não autorizaria o processo de impeachment; a de que o Senado o barraria; a de que o STF anularia o impeachment; a de que Lula não seria preso; a de que Lula seria libertado antes das eleições”.

Fornazieri diz que a próxima ilusão, “que ainda está vigente, a de que Lula será autorizado pela Justiça Eleitoral ou pelo STF a concorrer à presidência da República”.

Fornazieri afirma, também, que “o STF, aparentemente, começou a operacionalizar a estratégia do fato consumado”.

Ou seja: “alcançados os objetivos políticos e consumados os fatos que os produzem, o STF implementará ações restauradoras da ordem aparente da Constituição e do Estado de Direito, que sofreram múltiplas violações por parte do próprio Judiciário”.

Fornazieri está correto quanto às ilusões e também está correto quanto ao que um setor do STF pretende fazer.

Mas que decorrências a esquerda brasileira, especialmente o Partido dos Trabalhadores, deveria tirar disto?

Ao menos no artigo citado, Fornazieri não responde.

Embora não responda, ele apresenta previsões acerca do que vai acontecer. 

Estas previsões trazem implícito que -- não importa o que faça a esquerda -- a situação não deve melhorar.

Segue uma parcial das previsões feitas por Fornazieri:

1) “além do praticamente certo impedimento legal de sua candidatura, Lula será mantido na prisão até as eleições para que seja impedido de fazer campanha para a um eventual candidato do PT no primeiro turno e a um petista ou aliado no segundo turno”.

2) “o mais provável é que [Lula] seja posto em liberdade depois das eleições”.

3) “ao cabo do processo, consumados os fatos, alcançados os objetivos, o STF surgirá novamente como guardião da Constituição, declarará a inconstitucionalidade da prisão após condenação em segunda instância e merecerá elogios da "consciência democrática" e de analistas progressistas e de esquerda”.

4) “após as eleições deverá soprar uma brisa suave. A Constituição, o Estado de Direito e a "funcionalidade" da nossa democracia serão elogiados. Far-se-ão apelos à concórdia e à conciliação. Os espíritos belicosos serão repudiados. As esperanças serão renovadas e um futuro luminoso será pintado. Os que não acreditarem serão crucificados como céticos, niilistas, negativistas, pessimistas”.

5) “mas o Brasil ingressará novamente no seu delirante, triste e deprimente espetáculo. Tudo o que foi feito e o que não foi feito será esquecido. O golpe, as violações das leis e da Constituição, as arbitrariedades, as parcialidades, tudo será passado. Alguns permanecerão ainda por algum tempo presos, mas, talvez, não por muito tempo. Será preciso conciliar, harmonizar. Os agentes do arbítrio continuarão no poder com o regalo de seus altos salários e privilégios imorais. Muitos golpistas e outros golpeados estarão juntos em eleições futuras”.

Pode ser que aconteça tudo isto? Claro que pode, sempre pode.

Mas há alguns “detalhes” que Fornazieri simplesmente desconsidera, ao menos neste texto, a começar pela confusão reinante no mundo e no país, na classe dominante e seus operadores políticos, jurídicos e midiáticos.

Esta confusão contribui bastante para que, até o momento, o grande capital tenha sido incapaz de construir uma candidatura com potencial de vencer as eleições presidenciais de 2018 e seguir aplicando o programa “ponte para o futuro”.

Outro detalhe que Fornazieri desconsidera é que, mesmo preso, mesmo ameaçado de impedimento, Lula segue liderando as pesquisas.

Tratei destes e de outros “detalhes” num texto que pode ser lido no seguinte endereço:

http://valterpomar.blogspot.com/2018/06/aspectos-da-tatica-ate-15-de-agosto.html

A confusão reinante no campo golpista e a resiliência de Lula e do PT abrem espaço para a esquerda se movimentar. 

Mas para ela fazer isso, não basta deixar de lado as ilusões. É preciso, também, não cair no fatalismo derrotista, presente naqueles que acreditam que está tudo dominado, está tudo resolvido, não há nada o que fazer.

O fatalismo derrotista é a versão masoquista das ilusões republicanas.

Os republicanos acreditavam que tudo iria dar certo, bastava seguir a lei. Os derrotistas acreditam que tudo vai dar errado, porque a lei está contra nós.

Não se deve confundir o necessário e bem-vindo pessimismo da razão, com a ideia de que não há nada para ser feito, com a postura segundo a qual a luta não é capaz de alterar a correlação de forças e, portanto, forjar outra história.

Estou, desde sempre, entre os que não confiam nem um pouquinho no compromisso democrático do grande capital, tampouco de seus representantes políticos, midiáticos e jurídicos.

Por isso, sempre tive claro que a cúpula do judiciário pretendia condenar, prender e impedir a candidatura de Lula.

Não confio nem mesmo nos “garantistas” do judiciário. Cá entre nós, por que um dos 5 garantistas não pediu vistas no julgamento do habeas corpus no plenário do Supremo? Porque o presidente da segunda turma não desautorizou a chicana de Fachin?

Mas do mesmo jeito que é um erro acreditar na justiça da justiça, seria um erro não disputar palmo-a-palmo o terreno, seja para aproveitar as brechas, seja para desmascarar a farsa.

O equívoco cometido pela “esquerda jurídica” não é disputar no terreno judicial, o equívoco consiste em achar que a batalha jurídica se determina pelo que ocorre nos tribunais.

De alguma maneira, no texto aqui comentado, Fornazieri incorre em equívoco similar, embora tire daí conclusões opostas aos iludidos.

É verdade, como ele aponta, que “existe um inescrupuloso jogo combinado entre Moro e o TRF4 e entre o TRF4 e o STF. O objetivo evidente e sequer dissimulado desse jogo consiste em manter Lula na cadeia, ao menos até após as eleições, e impedir que ele seja candidato. Este jogo passa também pelo STJ e pelo TSE e tudo será feito para que o objetivo de impedir a candidatura Lula seja alcançado”.

Mas mesmo sendo esta a intenção deles, mesmo que esta intenção seja consumada, o custo e as consequências serão totalmente diferentes se no dia 15 de agosto Lula tiver cerca de 30% das intenções de voto, ou se no mesmo dia ele tiver bem menos do que isso.

Portanto, o que já fizemos, o que estamos fazendo e o que ainda vamos fazer, mesmo que não resulte em vitória total, abre possibilidades maiores ou menores de reação para a esquerda. 

Acho que Fornazieri não trata disso, neste texto que estamos comentando, por entender que “aqueles que manipulam os condões do poder sabem que podem cometer arbitrariedades à vontade, pois não existe força política e social organizada que faça tremer o país, assim como haviam anunciado que se Lula fosse preso, o Brasil não tremeria”.

Fornazieri exagera e por isso erra. Se fossem totalmente verdadeiras as afirmações reproduzidas no parágrafo anterior, por quais motivos estaria sendo necessária tanta arbitrariedade, tanta violência e, principalmente, tanta confusão do lado de lá?

É óbvio para qualquer um que a reação do campo popular está aquém das expectativas e das necessidades. Mas também é evidente que existe um potencial ainda inexplorado, que até o momento vem aparecendo basicamente nas pesquisas de opinião.

Portanto, não existe uma impossibilidade de reação à altura. A questão é de orientação política, de organização e também de tempo.

Nunca é demais lembrar: a orientação política que foi adotada por grande parte da esquerda brasileira desde 1995, orientação que o próprio Fornazieri – quando era dirigente do PT – ajudou a implementar, produziu efeitos colaterais de longa duração.

Agora não adianta desistir, desesperar, nem chorar sobre o leite derramado: trata-se de construir uma linha adequada para transitar, da estratégia adotada desde 1995, para uma nova estratégia. E isto exige não exige apenas outra orientação e prática, também exige tempo.

Pode ser que não haja tempo hábil de fazer esta transição, a tempo de vencermos a eleição de 2018? Pode ser, sempre pode ser.

Mas seria pior que um crime, seria um imenso erro não explorar cada mínima brecha neste sentido.

A batalha não está perdida, longe disso. A guerra, muito menos.

O problema é que Fornazieri prevê que “a falta de capacidade de organizar, mobilizar e criar força ativa por parte de quem almeja mudanças será algo posto no canto escuro do pensamento como um incômodo. E gerações futuras perceberão, em algum futuro, talvez em algumas décadas, que o Brasil retornará a este mesmo ponto em que estamos, pois a sua história é circular. Conceda-se a dúvida, contudo, de que essas gerações terão que decidir se farão surgir líderes, forças e virtudes capazes de quebrar este padrão da nossa história ou se o Brasil continuará andando em círculo”.

Simplesmente não é verdade que o Brasil ande em círculos. Embora continuemos uma nação profundamente dependente, desigual, política e ideologicamente conservadora, a história avança e avançou muito. Aliás, se não tivesse havido conquistas, não faria sentido falar em reação do grande capital.

Agora, a história avança essencialmente porque a classe trabalhadora luta. E o melhor que podemos dar às futuras gerações é lutar para vencer aqui e agora, e não concedendo de forma dubitativa melancólicos votos de êxito futuro.

Lula tem 30% nas pesquisas de opinião. Arquivemos o pessimismo na mesma gaveta onde estão as ilusões perdidas e travemos o bom combate.

Segue abaixo o texto de Fornazieri.

Lula e a penúltima ilusão
por Aldo Fornazieri
Desde que se iniciaram as articulações do golpe para derrubar Dilma Rousseff da presidência da República e para impedir a candidatura Lula nas eleições presidenciais, no início de 2015, setores amplos do campo progressista, principalmente petistas, foram criando uma longa cadeia de ilusões que, uma a uma, foram sendo postas por terra. Esta cadeia foi constituída pelas seguintes ilusões: a primeira, a de que a Câmara dos Deputados não autorizaria o processo de impeachment; a segunda, a de que o Senado o barraria; a terceira, a de que o STF anularia o impeachment; a quarta, a de que Lula não seria preso; a quinta, a de que Lula seria libertado antes das eleições e a sexta, que ainda está vigente, a de que Lula será autorizado pela Justiça Eleitoral ou pelo STF a concorrer à presidência da República.
A penúltima ilusão ruiu nos últimos dias. Neste dia  26 de junho, a segunda turma do STF iria julgar um recurso da defesa de Lula que poderia colocá-lo em liberdade. Num jogo, ao que tudo indica, combinado entre a vice-presidente do TRF4 e o ministro Fachin, resultou que o recurso não foi acatado pelo Tribunal Regional e, consequentemente, não encaminhado ao STF resultando no cancelamento do julgamento. Fachin demorou apenas 45 minutos para tomar a decisão após ser comunicado pelo TRF4.
Para quem ainda não percebeu, é conveniente que se perceba que existe um inescrupuloso jogo combinado entre Moro e o TRF4 e entre o TRF4 e o STF. O objetivo evidente e sequer dissimulado desse jogo consiste em manter Lula na cadeia, ao menos até após as eleições, e impedir que ele seja candidato. Este jogo passa também pelo STJ e pelo TSE e tudo será feito para que o objetivo de impedir a candidatura Lula seja alcançado. A ilusão de que Lula poderia ser libertado em breve havia se acentuado depois que Gleisi Hoffmann foi absolvida das disparatadas acusações de que era vítima. Aqueles que manipulam os condões do poder sabem que podem cometer arbitrariedades à vontade, pois não existe força política e social organizada que faça tremer o país, assim como haviam anunciado que se Lula fosse preso, o Brasil não tremeria.
Para entender melhor a conduta dos julgadores e dos tribunais é preciso atentar para duas estratégias por eles usadas: 1) em se tratando dos processos envolvendo Lula, as decisões dos juízes, desembargadores, ministros e tribunais são aceleradas ou retardadas segundo a vontade e a conveniência manifestas de prejudicar o ex-presidente; 2) o STF, aparentemente, começou a operacionalizar a estratégia do fato consumado. No que consiste exatamente essa estratégia? Alcançados os objetivos políticos e consumados os fatos que os produzem, o STF implementará ações restauradoras da ordem aparente da Constituição e do Estado de Direito, que sofreram múltiplas violações por parte do próprio Judicário.
O primeiro ato da estratégia do fato consumado consistiu na declaração de inconstitucionalidade da condução coercitiva. Por onde quer que se olhasse desde o início, a condução coercitiva era ilegal e inconstitucional. Lula e tanto outros sofreram a violência dessa ilegalidade e o STF permitiu que Moro e outros juízes a utilizassem a la larga. Somente quando os principais objetivos políticos dessa inconstitucionalidade foram alcançados, com todos os seus abusos e parcialidades, o STF, de forma hipócrita, retoma o papel de guardião da Constituição.
Um dos próximos atos de hipocrisia do STF deverá consistir na declaração de inconstitucionalidade da prisão após condenação em segunda instância. Mas isto deverá ser feito após a finalização do fato consumado de que não interessará mais manter Lula preso, circunstância que deverá ocorrer somente após as eleições. Todos sabem que Lula está preso ilegalmente, a partir de duas arbitrariedades. Primeira: não cometeu crime e foi condenado sem provas. Segunda: a prisão após condenação em segunda instância e sem que a sentença tenha transitado em julgado fere flagrantemente a Constituição, fato reconhecido por ministros do STF, a exemplo de Marco Aurélio Mello. Carmen Lúcia é sacerdotisa satânica dessa inconstitucionalidade.
Manter Lula preso ilegalmente vem provocando alto custo político, tanto ao STF, quanto ao Brasil. A repulsa internacional da prisão de Lula é gritante e avassaladora. Assim, o mais provável é que ele seja posto em liberdade depois das eleições. Além do praticamente certo impedimento legal de sua candidatura, Lula será mantido na prisão até as eleições para que seja impedido de fazer campanha para a um eventual candidato do PT no primeiro turno e a um petista ou aliado no segundo turno. Ao cabo do processo, consumados os fatos, alcançados os objetivos, o STF surgirá novamente como guardião da Constituição, declarará a inconstitucionalidade da prisão após condenação em segunda instância e merecerá elogios da "consciência democrática" e de analistas progressistas e de esquerda.
Após as eleições deverá soprar uma brisa suave. A Constituição, o Estado de Direito e a "funcionalidade" da nossa democracia serão elogiados. Far-se-ão apelos à concórdia e à conciliação. Os espíritos belicosos serão repudiados. As esperanças serão renovadas e um futuro luminoso será pintado. Os que não acreditarem serão crucificados como céticos, niilistas, negativistas, pessimistas.
Mas o Brasil ingressará novamente no seu delirante, triste e deprimente espetáculo. Tudo o que foi feito e o que não foi feito será esquecido. O golpe, as violações das leis e da Constituição, as arbitrariedades, as parcialidades, tudo será passado. Alguns permanecerão ainda por algum tempo presos, mas, talvez, não por muito tempo. Será preciso conciliar, harmonizar. Os agentes do arbítrio continuarão no poder com o regalo de seus altos salários e privilégios imorais. Muitos golpistas e outros golpeados estarão juntos em eleições futuras. A falta de capacidade de organizar, mobilizar e criar força ativa por parte de quem almeja mudanças será algo posto no canto escuro do pensamento como um incômodo. E gerações futuras perceberão, em algum futuro, talvez em algumas décadas, que o Brasil retornará a este mesmo ponto em que estamos, pois a sua história é circular. Conceda-se a dúvida, contudo, de que essas gerações terão que decidir se farão surgir líderes, forças e virtudes capazes de quebrar este padrão da nossa história ou se o Brasil continuará andando em círculo.
Aldo Fornazieri - Professor da Escola de Sociologia e Política (FESPSP).


Nenhum comentário:

Postar um comentário