Contra o golpe e pela democracia: a luta continua
A direção nacional da tendência petista Articulação de Esquerda, reunida no dia 22 de abril de 2016, debateu e aprovou a seguinte resolução.
A direção nacional da tendência petista Articulação de Esquerda, reunida no dia 22 de abril de 2016, debateu e aprovou a seguinte resolução.
1.No dia 17 de abril de 2016, a Câmara dos
Deputados aprovou (367 a favor, 137 contra e 7 abstenções) a admissibilidade do
processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff.
2.O processo de impeachment segue agora para
análise do Senado. Caso os procedimentos e prazos legais sejam respeitados, por
volta de 11 de maio o Senado decidirá, por maioria simples, instalar ou não o
processo contra a presidenta Dilma.
3.Em caso de instalação, a presidenta Dilma
Rousseff será afastada do cargo, assumindo em seu lugar o vice-presidente. Terá
início o julgamento, que será feito pelo Senado no prazo máximo de 180 dias.
4.Em algum momento, o processo será conduzido
pelo presidente do Supremo Tribunal Federal. A condenação prevalecerá caso
receba o voto favorável de no mínimo 2/3 do Senado.
5.A legislação brasileira prevê a
possibilidade de impeachment apenas em caso de “crime de responsabilidade”.
Segundo a acusação aceita pela Câmara dos Deputados, o "crime de
responsabilidade" que a presidenta Dilma Rousseff teria cometido consiste
em... créditos suplementares e
pedaladas fiscais.
6.Tal acusação é uma fraude. O Advogado Geral
da União já demonstrou, sem ter sido refutado, que não houve crime de
responsabilidade. Lembrou, também, que o vice-presidente, a maioria dos atuais
governadores e o ex-presidente FHC cometeram os mesmos atos pelos quais a
presidenta é acusada.
7.Portanto, a maioria da atual Câmara dos
Deputados inventou um pretexto fraudulento para tentar destituir uma presidenta
eleita por 54 milhões de votos. A oposição de direita pretende fazer o mesmo no
Senado. Caso tenha êxito, o atual vice-presidente ganhará a presidência e o
atual presidente da Câmara dos Deputados transformar-se-á em vice-presidente.
8.Impeachment sem crime de responsabilidade é
golpe. No regime político brasileiro, não existe terceiro turno da eleição
presidencial. Se o parlamento (usando o impeachment como pretexto)
transforma-se em câmara revisora, substituindo quem foi eleito por quem é do
gosto da maioria parlamentar, estaremos de volta à República Velha.
9.A Câmara dos Deputados sabe que a presidenta
Dilma Rousseff não cometeu nenhum crime. Tanto é assim, que a maioria dos que
votaram a favor do impeachment não se deu ao trabalho de mencionar a existência
do crime de responsabilidade.
10.Quase todos os que votaram a favor do
impeachment gastaram seus segundos de "fama" acusando a presidenta
Dilma Rousseff, o ex-presidente Lula e o Partido dos Trabalhadores de todo tipo
de barbaridade. Acusações que seriam cabíveis (verdadeiras ou não) numa
campanha eleitoral, mas não são legítimas nem legais como justificativas ou
argumentos de um impeachment.
11.Há inúmeros indícios de que muitos parlamentares votaram a favor do impeachment na expectativa de interromper as investigações em curso sobre eles no âmbito da Operação Lava Jato e/ou devido a gestões empresariais. E há, também, elementos de sobra para o Supremo
Tribunal Federal interromper o processo, seja por conta da inépcia da acusação, da condução do processo e do conteúdo da maioria dos votos. Mas até agora a maioria dos ministros
togados preferiu não agir em defesa da Constituição.
12.Na ausência de crime de responsabilidade,
impeachment é um golpe contra a soberania popular. Um golpe parlamentar, em que
a maioria do parlamento usurpa um direito que é da maioria da população: o de
escolher quem preside o país.
13.Por ser um golpe parlamentar, não é um
golpe menos perigoso, como pode constatar quem acompanhou as declarações de
voto de mais de três centenas de parlamentares.
14.A votação ocorrida na Câmara dos Deputados,
especialmente a justificativa de cada voto, foi uma autópsia ao vivo e em cores
do sistema político brasileiro.
15.Os que votaram contra o impeachment
justificaram seu voto com dois argumentos: a defesa da democracia e a defesa da
classe trabalhadora. Lançaram mão, portanto, de argumentos de natureza pública.
16.Já os que votaram a favor do impeachment
usaram e abusaram de referências a Deus, a suas famílias, bem como ao desejo de
destruir a esquerda. Lançaram mão, portanto, de argumentos fundamentalistas, patrimonialistas, machistas, homofóbicos, fascistas, apologistas da tortura e da ditadura. O comportamento da maioria dos
parlamentares foi repulsivo, constrangendo todo aquele que tiver o mínimo sentido de
dignidade humana.
17.Ficou explícito o confronto entre duas
visões de mundo, duas concepções de Brasil e duas formas diferentes de conceber
a política e a representação popular.
18.Uma delas foi vitoriosa nas eleições
presidenciais de 2002, 2006, 2010 e 2014. A outra foi vitoriosa no plenário da
Câmara dos Deputados, tendo como símbolo o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ),
alguém que vários parlamentares corajosos, homens e mulheres, não tiveram
dúvida em chamar de gangster.
Junto de Cunha e Temer estão a Globo e o oligopólio midiático, o PSDB e o
grande capital, a direita institucional e a direita fascista, as igrejas conservadoras e fortes interesses internacionais.
19.A decisão majoritária da Câmara dos
Deputados é extremamente nociva para as liberdades democráticas, para os
direitos sociais da imensa maioria do povo brasileiro, especialmente para a classe trabalhadora. Por isto estamos
convocados a fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para reverter o
resultado na próxima etapa do processo: o Senado.
20.Como fazer isto foi o principal tema
debatido, desde o dia 18 de abril, por cada pessoa e organização envolvida na
resistência contra o golpe. As análises e resoluções resultantes devem ser
estudadas com atenção pela militância, com destaque para os documentos
divulgados pela Frente Brasil Popular, pelo Partido dos Trabalhadores, pela CUT, pelo MST, pela Marcha das Mulheres e pela UNE.
A dimensão estratégica da contraofensiva conservadora
21.A
votação de 17 de abril e a batalha no Senado fazem parte de uma contraofensiva
conservadora iniciada em 2011, com ramificações internacionais e que já obteve importantes vitórias na América Latina e Caribe, especialmente na Argentina e Venezuela. Fica cada vez mais evidente a participação do imperialismo, inclusive no fornecimento de informações aos condutores da Operação Lava Jato.
22.Esta
contraofensiva possui três objetivos: 1) realinhamento com os Estados Unidos,
afastando-nos dos Brics e da integração regional; 2) redução do salário e da
renda dos setores populares, diminuindo as verbas das políticas sociais,
alterando a legislação trabalhista, reduzindo direitos, não reajustando
salários e pensões, provocando desemprego e arrocho; 3)diminuição das
liberdades democráticas, criminalizando a política, os movimentos sociais e os
partidos de esquerda, partidarizando a justiça, ampliando o terrorismo
policial-militar especialmente contra os pobres, moradores de periferia e
negros, subordinando o Estado laico ao fundamentalismo religioso, agredindo os
direitos das mulheres, dos setores populares, dos indígenas.
23.Sob
comando do grande capital e tendo como tropa de choque os setores médios
tradicionais, fazem parte desta operação a direita tradicional e a direita
fascista, o oligopólio da mídia e setores do aparato de Estado, especialmente
na Justiça Federal, Ministério Público e Polícia Federal.
24.Desde
2011, estes setores implementaram duas táticas que se combinavam e alimentavam
mutuamente. A primeira delas consistia em derrotar o Lula, o PT e o governo
Dilma, empurrando este último a abandonar o programa vitorioso nas eleições de
2014, provocando recessão e descontentamento popular, divisão e desgaste na
esquerda, conduzindo-nos assim para uma derrota nas eleições de 2016 e 2018. A
outra tática residia em destruir Lula, o PT e o governo Dilma,
através da Operação Lava Jato, de uma brutal campanha midiática e de medidas
visando antecipar o fim do governo, via processo no Tribunal Superior Eleitoral
ou através de impeachment no Parlamento.
25.A
votação na Câmara dos Deputados é a prova de que os diferentes setores da
oposição de direita unificaram-se em torno desta segunda tática, empurrando o
país para uma crise política e institucional similar a que caracterizou o
período 1954-1964.
26.Ainda
que setores da direita tenham apostado no golpe do impeachment exclusivamente
por oportunismo tático e sem necessariamente tirar daí conclusões estratégicas,
o fenômeno de conjunto abala os parâmetros dentro dos quais o país vem movendo-se
desde a Constituição de 1988.
27.Derrotados
em quatro eleições presidenciais seguidas, segmentos crescentes da direita chegaram
a conclusão de que a esquerda não pode governar, não pode disputar eleições com
chance de vitória, não pode sequer existir.
28.Vitoriosa
em quatro eleições presidenciais seguidas, segmentos crescentes da esquerda
reagem à contraofensiva conservadora reafirmando seu compromisso com as liberdades
democráticas.
29.Ou
seja: enquanto a direita radicaliza no discurso e na prática antidemocrática, a
esquerda reafirma seu compromisso com a legalidade e a institucionalidade, com
amplos setores afirmando sua defesa do “Estado de direito” e da “democracia
como valor universal”, sem falar naqueles que seguem acreditando nos “objetivos
republicanos” da Operação Lava Jato.
30.Acontece
que não basta que a esquerda tenha disposição democrática. O “jogo democrático”
exige pelo menos dois participantes. Aliás, para que a democracia fosse
realmente um “valor universal”, seria necessário que a classe dominante tivesse
algo mais do que um compromisso formal, episódico e circunstancial com ela.
31.A
medida que a oposição de direita usa a institucionalidade contra a democracia,
a esquerda precisa defender as liberdades democráticas agindo contra as
instituições golpistas. O que torna necessário introduzir imediatamente alterações
na estratégia adotada desde 1995 e aprofundada a partir de 2003.
32.Isto não
é algo para ser feito depois de derrotarmos o golpismo. Se quisermos enfrentar exitosamente
o golpismo de direita e um cada vez mais provável governo golpista, é preciso
abandonar a estratégia baseada na conciliação de classes e na superestimação da
luta institucional.
33.Esta
mudança na estratégia da esquerda brasileira já está em curso. Sinais disso
são, desde o início de 2015, a ênfase na mobilização social, a retomada da
disputa cultural e a construção de unidade de ação, inclusive com setores da
esquerda que não apoiam o governo Dilma Rousseff. Outro sinal de mudança na
estratégia ocorreu quando, chantageados por Eduardo Cunha em dezembro de 2015, recusamos a chantagem. Mas há sinais contrários, também. Após as grandes mobilizações de outubro de 2014, dezembro de 2015 e março de 2016, o governo adotou, insistiu e aprofundou uma opção conservadora, que tem entre seus exemplos a Lei Anti-Terrorismo, o ajuste fiscal recessivo e o PLP 257.
34.Mas
para enfrentar o golpismo opositor ou governista, para recuperar a iniciativa e
retomar o rumo das mudanças, é preciso que esta mudança de estratégia seja
feita por completo, de forma organizada e consciente.
35.Não se
trata, portanto, de duas tarefas estanques e sucessivas: uma tática adequada
para combater o golpismo deve estar combinada com uma estratégia que combine o
institucional com a luta social e cultural, à serviço de um programa
democrático-popular e socialista.
36.O
momento mais adequado para fazer esta alteração na tática e na estratégia teria
sido por volta de 2010, quando a correlação de forças era a mais favorável. Mas
os êxitos aparentes ou reais obtidos naquela época levaram a maior parte da
esquerda a apostar na continuidade de uma estratégia que, como dissemos já
naquela época, entrara na fase de retornos decrescentes. Não apenas apostou-se
na continuidade da estratégia, como se radicalizou na tática de conciliação,
desta vez trazendo para a nossa chapa o vice golpista, implementando assim a
mais desastrada das políticas de aliança: aquela que fortalece os inimigos.
37.Hoje
somos obrigados a mudar de estratégia num momento em que a correlação de forças
é amplamente desfavorável, com a direita empurrando o país para uma profunda crise
econômica, social, institucional e política. Por isto, precisaremos saber
combinar radicalidade estratégica com muito realismo tático.
A direita
está muito próximo de obter uma vitória estratégica
38.A
oposição de direita possui maioria simples no Senado. Portanto, será preciso um
enorme esforço para impedir que eles iniciem o processo contra a presidenta
Dilma Rousseff.
39.Instalado
na presidência, o golpista Temer usará todos os meios para condenar a
presidenta Dilma Rousseff, interditar o PT e Lula, investigar e constranger
todos aqueles que fazem parte do movimento contra o golpe, vencer as eleições
2016, impedir a esquerda de disputar e de vencer as eleições 2018.
40.Não se
trata apenas de Dilma, Lula e o PT. Não é apenas a esquerda que está em
questão. Corre risco o conjunto das forças democráticas e progressistas, os
direitos sociais e trabalhistas expressos na CLT, as liberdades democráticas e
civis garantidas pela Constituição de 1988.
41.É
preciso que isto fique absolutamente claro: a direita está muito próximo de
obter uma vitória estratégica. Só tendo isto claro, cada militante e cada
organização dará o máximo de si.
42.A
batalha contra o golpe tem três etapas, cujas datas aproximadas são: 1) até o
dia 11 de maio, quando o Senado deve votar se instala ou não o processo de
impeachment contra a presidenta Dilma Rousseff; 2) o processo propriamente dito,
que pode durar entre alguns dias até seis meses; 3) após o julgamento e até a
eleição de 2018.
43.Mesmo
que tenhamos êxito em derrotar o impeachment no dia 11 de maio, ou em qualquer
dos momentos seguintes, a luta contra o golpismo terá continuidade, pois o
golpismo (ou seja, a ruptura com a institucionalidade democrática) resulta da
ativação do chip golpista das elites, por ocasião de uma determinada conjuntura
internacional e nacional.
44.A
partir de 2011, a confluência entre a crise internacional, a dinâmica da
economia nacional e as contradições político-sociais acumuladas em duas gestões
presidenciais conduziram a um acirramento da luta de classes no país.
45.Esse
acirramento assumiu diferentes formas, algumas aparentemente confusas (como as
oscilações da política econômica do primeiro mandato de Dilma ou as jornadas de
junho de 2013), outras cada vez mais nítidas (como o segundo turno de 2014 e as
manifestações pró/contra impeachment).
46.O
acirramento da luta de classes é ao mesmo tempo causa e efeito do impasse
estratégico em que está metida a sociedade brasileira: o que está em questão é
o conjunto da obra, ou seja, a definição do padrão de desenvolvimento que o
Brasil vai seguir nos próximos anos e décadas.
47.Neste
contexto, para materializar seus propósitos estratégicos a classe dominante
precisa golpear profundamente as forças de esquerda, os setores populares,
democráticos e progressistas em geral. O impeachment é parte deste movimento,
mas não se limita a ele. Inclui também ações judiciais contra as esquerdas políticas e sociais, condução coercitiva e prisão de lideranças, constrangimento midiático e financeiro, combinado a repressão por parte das forças de segurança e paramilitares.
48.Por
isto, tanto em caso de vitória quando de derrota na luta contra o impeachment,
a tendência seguirá sendo de aprofundamento dos conflitos políticos e sociais.
Também por isto é importante derrotar o impeachment: para que o governo possa
ser, não um instrumento nas mãos da direita, mas um instrumento nas mãos da
esquerda.
49.Como é
óbvio, isto supõe que a presidenta Dilma Rousseff compreenda que é preciso desde
já mudar de política. O governo precisa tomar medidas imediatas de
geração de emprego e recomposição da renda popular, integrar no ministério
lideranças combativas, pactuar um programa de curto e médio prazo com a
esquerda política e social.
50.Nosso êxito na luta pela democracia depende em grande medida destas
mudanças imediatas na política econômica. Mesmo
que algumas não tenham impacto imediato, representam uma sinalização política
fundamental que amplia a capacidade de diálogo e mobilização popular.
51.Um
elenco das medidas emergenciais está na resolução do Diretório Nacional do PT
de 26 de fevereiro de 2016, medidas que vão na mesma linha das propostas que
fizemos já no 5º Congresso do Partido dos Trabalhadores, há um ano. E a Frente Brasil Popular encaminhou à presidenta da República uma lista de medidas imediatas.
52.Se a
presidenta Dilma Rousseff não compreender a necessidade de mudar de política,
será praticamente impossível derrotar o golpe. Mas mesmo que ela altere o
ministério e mude a política econômica, será preciso um imenso esforço de
conscientização e mobilização popular, imenso não apenas devido ao número de
pessoas a serem convencidas, mas também devido ao reduzido tempo que temos pela
frente.
53.As
frentes e organizações engajadas na luta contra o golpe já definiram um
calendário de mobilização, que inclui desde pequenas ações autônomas até
grandes iniciativas unitárias, entre as quais destacamos o Primeiro de Maio,
atividades contra a Rede Golpe de Televisão, o corpo a corpo com os senadores, trancamento de vias, lutas e paralisações em Universidades e empresas, especialmente por ocasião da votação no
Senado por volta de 11 de maio.
54.A esquerda
deve convidar a classe trabalhadora a refletir sobre a declaração de voto de
cada um dos deputados e deputadas, bem como a observar quem ficou de cada lado
no circo da sessão de 17 de abril, em que se misturou o cheiro de esgoto
cavernícola com a falta de senso de ridículo por parte de grande parte dos
“representantes do povo”.
55.Mais do
que convencer os senadores, está em jogo convencer a maioria de nossos colegas
de trabalho, estudo e moradia e através deles criar um movimento de massas que pressione
os senadores a votar contra o golpe. Hoje, a maioria do povo e da classe trabalhadora ainda não está mobilizada em favor do governo; mas é visível que cresce a mobilização e a inquietação com o que pode ocorrer em caso de vitória dos golpistas, especialmente por conta da ameaça de perda de direitos. Na discussão sobre as formas de luta, inclusive a greve geral, nossa política deve levar em conta o estado de ânimo da classe trabalhadora organizada, sempre buscando criar as condições para formas de luta cada vez mais massivas e radicalizadas.
56.Outro bom
argumento no corpo-a-corpo com os senadores será o tratamento que concederemos
aos deputados e deputadas. Não haverá paz nem respeito para com os
parlamentares cúmplices ou patrocinadores do golpe. Cunha e Temer devem receber
atenção especial, pela sua condição de cabeças da vilania. Não haverá paz nem
respeito frente a uma quadrilha de picaretas, que de público fala contra a
corrupção, mas conspira para arquivar todas as investigações contra seus
crimes.
57.Um
terceiro argumento é a defesa da legalidade. Reafirmamos que não haverá paz nem respeito frente a um
governo ilegítimo, resultante de um golpe parlamentar conduzido por
um corrupto, encabeçado por um conspirador que pretende sepultar os direitos
sociais inscritos na Constituição de 1988.
58.É com
este espírito que criticamos, discordamos e pedimos a retirada de propostas que
vão na linha de eleições gerais, referendo revocatório e antecipação das eleições
presidenciais. Aliás, propostas deste tipo nunca deveriam ter sido adotadas
unilateralmente por senadores, lideranças partidárias e integrantes do governo.
Como se vê, continuam existindo entre nós certos hábitos que precisam ser
superados.
59.Claro
que eleições gerais, referendo revocatório e antecipação das eleições
presidenciais parecem soluções mais democráticas do que um impeachment que
resulte num governo golpista. Mas neste momento, qualquer uma destas propostas
implica em questionar a legalidade e a legitimidade de uma presidenta eleita
por 54 milhões de votos, introduzindo entre nós uma estranha variante de
parlamentarismo, em que um governo pode ser derrubado por uma coalizão espúria
entre o poder econômico, o oligopólio da mídia, setores da burocracia estatal e
uma maioria corrupta no parlamento.
60.Mesmo
motivadas pelo desejo de viabilizar uma saída democrática, que proteja a
soberania popular, o resultado prático destas propostas hoje seria jogar água no moinho de uma saída
antidemocrática. O governo e as forças que o defendem não podem adotar
argumentos que no fundo questionam sua legalidade e legitimidade; nem podemos
considerar “democráticas” eleições que ocorram num ambiente de efetiva
“exceção”. Por tudo isto, não consideramos que estejamos num momento adequado
para adotar propostas deste tipo. A situação se altera caso o golpe tenha sucesso, momento em que caberá avaliar qual deve ser nossa tática durante o processo, num período marcado pelas Olimpíadas e pelas eleições municipais. Desde já podemos dizer que faremos de tudo para impedir que o governo golpista cumpra o mandato para o qual ele não foi eleito. Neste contexto, será imperativo defender que se devolva ao povo uma decisão que só ele tem legitimidade para adotar. Há várias formas de fazê-lo, entre as quais a convocação de uma Assembleia Constituinte que faça uma reforma política, a eleição de um novo Congresso Nacional e do presidente da República.
61.Hoje, entretanto, é hora de concentrar energias para lutar contra um golpe que ainda não se consumou. Para isso devemos levar em devida conta as diferenças
e problemas existentes entre os golpistas:
a) a
batalha pela opinião pública e pelas ruas deixou de ser um passeio para a oposição;
b) a capacidade de mobilização da esquerda é maior do que eles pensavam e
dificultará a governabilidade dos golpistas;
c) um governo encabeçado por Temer
e Cunha tem um DNA corrupto e corruptor, ajudando a desmascarar a hipocrisia do
argumento utilizado contra o PT;
d) não haverá como esconder que um governo
resultante de um golpe parlamentar significa um retrocesso para um país que há
muitos anos elege diretamente seu presidente;
f) não há unidade, nas
oposições de direita, acerca da tática e da candidatura presidencial em 2018,
ao tempo em que Lula persiste como forte referência do campo democrático,
popular e progressista.
62.Não devemos minimizar nem superestimar os problemas e contradições existentes na oposição de direita. Como já foi dito, apesar do crescimento da mobilização popular, a maioria do povo e da classe trabalhadora ainda não está engajada em defesa da democracia, o que ajuda os golpistas. Por outro lado, o crescimento do desemprego poderá ser utilizado, pelo Capital e por um cada vez mais provável governo Temer, para chantagear a classe trabalhadora, seja no sentido de derrubar os princípios da CLT (colocando o negociado acima do legislado e generalizando a terceirização), seja no sentido de fazer a reforma da previdência. Além disso, o imperialismo e o grande capital tem tanto interesse em liquidar a esquerda, que não devemos subestimar sua capacidade de manobra.
63.Portanto, embora os golpistas estejam comprometidos com um pacote de maldades, isto não quer dizer que haverá necessariamente uma reação à altura por parte dos setores populares, até porque um governo golpista poderá tentar imputar suas maldades à suposta herança maldita que teriam recebido dos governos encabeçados pelo PT, contando para isto com a barragem publicitária do oligopólio da mídia.
64.No dia 17 de abril, a luta contra o impeachment sofreu uma grande derrota e a batalha no Senado será muito difícil. Entretanto, por todos os motivos citados, não deve ser tratada por nós como se fosse uma batalha perdida. E mesmo que assim fosse, ainda assim seria preciso lutar “casa-a-casa” contra os golpistas, pois quanto maior for nossa resistência agora, mais fácil será a retomada posterior.
65.As eleições de 2016 devem ser vistas como parte desta luta, motivo pelo qual é fundamental reafirmar que não faremos alianças com os partidos e lideranças golpistas. Mantida a decisão do STF, as eleições municipais de 2016 serão também um momento importante para o PT realizar uma autocrítica na prática da prolongada promiscuidade de amplos setores da esquerda brasileira com o financiamento empresarial privado. Mas precisamos saber que será necessário muto tempo, muita coragem e muita autocrítica para reconstruir nossa credibilidade junto a amplos setores da classe trabalhadora e da esquerda. Um Partido que por decisão majoritária de sua direção nacional abriu suas portas para figuras como o senador Delcídio do Amaral tem muitas contas a prestar.
A unidade
popular pode ser o saldo estratégico deste processo
66.Em todo
o país e no mundo inteiro, centenas de milhares de militantes foram às ruas para lutar contra o
golpismo, numa mobilização ao mesmo tempo linda, potente e generosa, que está
constituindo na prática uma ampla
frente popular, democrática e progressista.
67.A unidade popular é necessária não apenas para lutar contra o retrocesso, mas para criar
as condições para voltar a avançar. Portanto, devemos continuar investindo no trabalho
unitário e na mobilização de massas. Até porque é da sua existência que depende a viabilidade da nova estratégia que estamos chamados a
construir. Neste sentido, reafirmamos o acerto que foi construir a Frente Brasil Popular, o diálogo com a Frente Povo Sem Medo, o esforço para atrair o PSOL e demais setores da oposição de esquerda. Destacamos, também, a atitude do PCdoB, do PDT e do PCO, entre outras organizações envolvidas com afinco na luta contra o golpismo.
68.Na
esquerda brasileira continuarão existindo diferentes análises, programas, estratégias
e táticas. Mas isto não constitui um obstáculo intransponível, ou seja, não
impede nosso êxito em defender e ampliar os direitos sociais, as liberdades
democráticas, a soberania nacional e a integração regional. Nem impede a luta
pelo socialismo.
69.Nos
marcos desta pluralidade, precisamos da máxima unidade que for possível em
torno de uma política acertada. Nos momentos em que o vento está a favor, erros
de análise e de política são atropelados pelas mobilizações. Mas nos momentos
em que o vento sopra contra, uma análise correta pode fazer muita diferença.
70.Como já
dissemos, o ajuste em nossa política não pode se limitar a inflexões táticas. É
preciso tirar as devidas conclusões do esforço feito pelo PT e por amplos
setores da esquerda, forças democrático-populares e progressistas desde 2003. A
esquerda deve pensar suas feridas, avaliar o resultado e decidir os próximos
passos, que incluem alterações na estratégia e na tática.
71.Tenhamos
ou não êxito nas próximas batalhas contra o golpismo, a esquerda como um todo,
especialmente o Partido dos Trabalhadores, precisam encarar de outra forma um
conjunto de questões estratégicas, programáticas e organizativas. Não cabe aqui
retomar a discussão sobre o acerto ou erro da estratégia adotada desde 1995 e
aprofundada desde 2003. Nossa posição a respeito é clara e detalhada em
inúmeros documentos.
72.Neste
terreno das interpretações, há duas que fracassaram: a da “ultraesquerda” e a
dos “ultramoderados”. Embora pareçam antagônicas, na verdade são simétricas,
pois ambas acreditavam que o capital, o oligopólio da mídia e a direita seriam
tolerantes com a presença do PT no governo federal.
73.Para a
ultraesquerda, o PT seria um instrumento da classe dominante. Para os
ultramoderados, o PT estaria demonstrando como salvar o capitalismo brasileiro
de si mesmo. A vida derrotou ambas as posições. Assim como derrotou a posição
dos que desvinculavam a luta pela democracia da luta por mudanças na política econômica. Derrotando, igualmente, os que viam
traços “republicanos” na usina farsesca de Curitiba. Os setores majoritários da esquerda brasileira estão convocados a realizar uma análise crítica e autocrítica da experiência iniciada em 2003, das concepções que a orientaram e das atitudes que as caracterizaram, como a conciliação de classes, a superestimação da institucionalidade em detrimento da luta social e cultural, a terceirização das instâncias coletivas em favor de lideranças individuais.
74.Apesar
de ter se conciliado com o grande capital, com a direita e com o oligopólio da
mídia, o PT continuou sendo um estranho no ninho. As elites nunca apreciaram
sua presença no governo, nem as importantes, porém estruturalmente tímidas,
políticas que colocamos em prática desde 2003. As elites suportaram o que somos
e fizemos, enquanto a relação custo-benefício justificava. Ou seja, até 2010.
75.Para derrotar
a ofensiva da direita e retomar o caminho das mudanças, precisamos combinar os movimentos
táticos já descritos, com uma reorientação estratégica que nos ajude a evitar –
num futuro próximo, quando superarmos a defensiva– cair na mesma situação em
que estamos hoje.
76.Até
porque as mudanças ocorridas na conjuntura internacional, na conjuntura
nacional e principalmente na postura dos capitalistas, dos setores médios e
populares não permitirão apenas repetir, atualmente, o que foi feito no segundo
mandato de Lula.
77.Concordando
ou não com o que foi feito naquele momento, hoje é preciso mais radicalismo. Ou
seja, desvencilhar-se da conciliação com o grande capital, com a direita e com
o oligopólio da mídia.
78.Num
certo sentido, trata-se de retomar uma ideia muito simples que constava na resolução
do Encontro do PT realizado em 2001, em Recife: não sairemos do modelo
neoliberal sem ruptura. Em 2002, esse conceito foi explicitamente retirado das
diretrizes partidárias e agora deve ser reintegrado com honras.
79.A
ruptura com o neoliberalismo poderia ter sido feita em 2003 e certamente deveria
ter sido feita em 2010, quando a correlação de forças foi a mais favorável
destes 14 anos de governo federal petista.
80.Hoje,
numa situação muito mais difícil, somos convocados a dobrar a aposta na opção
que fizemos diante da crise de 2007-2008: mais investimento público, mais
desenvolvimento industrial, mais mercado interno, mais integração regional,
mais políticas públicas, mais salário e emprego, mais Estado. Mas não basta
repetir o que fizemos naquela época, porque a situação mudou.
81.Só
haverá retomada sustentável do crescimento, acompanhada de uma ampliação
continuada dos direitos da classe trabalhadora, se forem atendidos cinco
pressupostos:
a) quebrar
os oligopólios que controlam a economia brasileira, com destaque para o
financeiro privado;
b)
reconstruir a indústria nacional em todas as suas dimensões, com destaque para a Petrobras (a
esse respeito, é preciso derrotar a ação combinada entre setores do governo e
da oposição de direita, que está promovendo a retomada da privatização e o fim
das políticas de conteúdo nacional e de partilha), a Vale (que deve ser
retomada pelo poder público) e para um plano de obras públicas que, por meio da
construção civil, gere um efeito positivo em todo o setor industrial
(destaque-se o impacto que obras de habitação e saneamento terão sobre
epidemias como as causadas pelo Aedes).
c) ampliar
e baratear a oferta dos bens que compõem a cesta básica (alimentos, transporte,
moradia, saúde, educação etc.), sem o que teremos um desenvolvimentismo
conservador. O nosso caminho é outro: elevar o emprego e a renda dos setores
mais vulneráveis da classe trabalhadora.
d) os três
pressupostos acima só se materializarão se houver ampliação da intervenção
estatal, inclusive em termos de reforma agrária, reforma urbana e políticas
universais.
e) também,
como é óbvio, se houver uma correlação de forças que sustente as medidas
apontadas, o que remete para a democratização da comunicação social, a reforma
política e a democratização do Estado (inclusive dos aparatos de justiça e
segurança pública).
82.É possível, além de derrotar a contraofensiva conservadora, criar as condições para uma ofensiva da esquerda? Não há como saber. Mas sabemos que, em caso de derrota, um preço muito alto será pago pela classe trabalhadora, no Brasil e região. Motivo pelo qual temos o dever de continuar lutando. Sendo importante, para o êxito desta luta, estudar a situação mundial como um todo, em particular a ofensiva da direita em países da região, como Argentina e Venezuela.
83. A direita nos ataca por conta de nossas qualidades. Mas tem êxito nesta operação devido, em boa medida, a nossos defeitos e insuficiências. Os obstáculos são muitos e o tempo é curto. Mesmo assim, ao menos para nós que ajudamos a construir, que valorizamos e que queremos dar continuidade à experiência encabeçada pelo Partido dos Trabalhadores desde os anos 1980, não existe alternativa justa e boa a não ser lutar, deter a ofensiva da direita, ganhar um tempo para respirar, reorganizar as forças e voltar a avançar.
84.Um momento fundamental desta reorganização de forças, revisão da estratégia e recomposição das direções será a realização ainda em 2016 de um Congresso extraordinário do Partido dos Trabalhadores, composto por delegações eleitas após debate na base partidária. Outro momento decisivo será a realização da segunda Conferência da Frente Brasil Popular. Como afirmamos desde o início de 2015, precisamos de um partido e de uma esquerda para tempos de guerra, com profundas raízes na classe trabalhadora e comprometido com um Brasil democrático-popular e socialista. A isto continuaremos dedicando o melhor das nossas energias.
Campinas, 22 de abril de 2016
A direção nacional da tendência petista Articulação de Esquerda
82.É possível, além de derrotar a contraofensiva conservadora, criar as condições para uma ofensiva da esquerda? Não há como saber. Mas sabemos que, em caso de derrota, um preço muito alto será pago pela classe trabalhadora, no Brasil e região. Motivo pelo qual temos o dever de continuar lutando. Sendo importante, para o êxito desta luta, estudar a situação mundial como um todo, em particular a ofensiva da direita em países da região, como Argentina e Venezuela.
83. A direita nos ataca por conta de nossas qualidades. Mas tem êxito nesta operação devido, em boa medida, a nossos defeitos e insuficiências. Os obstáculos são muitos e o tempo é curto. Mesmo assim, ao menos para nós que ajudamos a construir, que valorizamos e que queremos dar continuidade à experiência encabeçada pelo Partido dos Trabalhadores desde os anos 1980, não existe alternativa justa e boa a não ser lutar, deter a ofensiva da direita, ganhar um tempo para respirar, reorganizar as forças e voltar a avançar.
84.Um momento fundamental desta reorganização de forças, revisão da estratégia e recomposição das direções será a realização ainda em 2016 de um Congresso extraordinário do Partido dos Trabalhadores, composto por delegações eleitas após debate na base partidária. Outro momento decisivo será a realização da segunda Conferência da Frente Brasil Popular. Como afirmamos desde o início de 2015, precisamos de um partido e de uma esquerda para tempos de guerra, com profundas raízes na classe trabalhadora e comprometido com um Brasil democrático-popular e socialista. A isto continuaremos dedicando o melhor das nossas energias.
Campinas, 22 de abril de 2016
A direção nacional da tendência petista Articulação de Esquerda
Item 79, letra a, é preciso ser mais ampla a explicação.
ResponderExcluirSugestão: "a) quebrar os oligopólios que controlam a economia brasileira, com destaque para o financeiro privado"... REALIZANDO UMA AMPLA REFORMA NO SETOR QUE REDUZAM OS VOLUMES DE CRÉDITOS DOS BANCOS PRIVADOS E FIQUE A CARGO EXCLUSIVAMENTE DOS BANCOS ESTATAIS, PARA QUE SE POSSA REALIZAR INVESTIMENTOS NAS REFORMAS ESTRUTURAIS, DE BASES, AGRÁRIA E PROGRAMAS SOCIAIS.
Creio que seja necessário incluir no item 81 um tópico em que se destaque o apoio ao desenvolvimento da indústria de bens relacionados a produção descentralizada de energia (microgeraçao e geração doméstica), redução do apoio estatal ao agronegócio e redirecionamento dos recursos aos camponeses e a implementação sistemas sustentáveis de produção de alimentos
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