quinta-feira, 26 de março de 2015

Rui Falcão: "chega de bom-mocismo"

A página eletrônica do PT divulgou no dia 24 de março texto do companheiro Rui Falcão, presidente nacional do Partido dos Trabalhadores.

Ao que parece, está baseado no discurso feito pelo presidente Falcão por ocasião do aniversário de 35 anos do Partido.

O texto pode ser lido no endereço http://www.pt.org.br/rui-falcao-o-5o-congresso-do-pt/

Ao final reproduzo a íntegra. 

Em qualquer circunstância, seria importante ouvir a opinião do presidente do Partido.

Nas atuais circunstâncias, em que estamos diante da (até hoje) maior crise de nossa história, a opinião do nosso presidente nacional é ainda mais importante.

Pois bem: o texto de Rui Falcão provoca uma sensação deveras curiosa, não pelo que diz e nem tanto pelo que não diz, mas principalmente pela relação entre o que diz e o contexto em que estamos.

Tive sensação parecida quando vi aquela famosa cena dos  músicos tocando enquanto o Titanic afundava. 

O profissionalismo, virtuose e repertório deles eram excelentes. Mas, digamos, havia algo de estranho naquela situação.

Por exemplo: é admirável que Rui comece seu texto falando de nosso "quarto triunfo eleitoral", que nos fez ingressar em "um novo período, um novo ciclo histórico, pleno de lutas e desafios". 

Esta introdução talvez fosse adequada no dia 27 de outubro. Mas cinco meses depois, é cada vez mais forte a impressão de que nossa vitória eleitoral foi acompanhada de uma derrota política.

Outro exemplo de estranhamento entre o que Rui diz e a realidade em que estamos aparece na seguinte passagem de seu texto: "nossa vitória foi marcada por um duro confronto programático, de repulsa às teses neoliberais esposadas tanto por um quanto por outra das candidaturas. O embate estende-se para além do segundo turno, quando a oposição, inconformada com a derrota, chega a flertar com o golpismo". 

Verdade. Mas também é verdade que, enquanto a oposição "flerta" com o golpismo, nosso governo também "flerta" com algumas das teses que derrotamos nas eleições.

Por isto, soa meia-verdade dizer que "a oposição e seus veículos de comunicação empenham-se em disputar os rumos da política econômica, tentando impor um programa alternativo ao que foi escolhido pelo povo brasileiro nas urnas". 

A verdade inteira estaria em reconhecer que o nosso governo capitulou frente a aspectos daquele "programa alternativo". Apesar disto, ainda continua sendo nosso governo. Mas não falar disto serve apenas para perpetuar a capitulação.

Outra meia-verdade presente no texto de Rui é afirmar que estamos num "governo em disputa", mas não citar que esta disputa se trava principalmente contra nosso "aliado prioritário" -- o PMDB -- e tirar as devidas conclusões disto. 

Imagino os motivos pelos quais Rui prefira não falar do PMDB: em recente congresso do Partido, ele empenhou-se pessoalmente em derrotar uma emenda que propunha dar prioridade aos aliados democrático-populares.

Mas não consigo imaginar por quais motivos ele prefere não tratar da "palavra maldita" (como diria o personagem interpretado por Warren Beatty no filme "Politicamente incorreto").

Rui fala da "retomada de valores de nossas origens, entre os quais a ideia fundadora da construção de uma nova sociedade"; Rui critica o “melhorismo”; Rui diz que somos feitos "daquela matéria indestrutível e mutante das revoluções"....

... mas a maldita palavra socialismo, esta parece estar a caminho do mesmo index onde está Lord Voldemort (ops, falei...).

E por falar em Harry Potter, o ponto mais mágico do texto de Rui Falcão está na passagem onde ele afirma que "nossa primeira tarefa é defender o governo da presidenta Dilma". 

Evidentemente, sou totalmente a favor de defender o governo da presidenta Dilma. Inclusive defender o governo dele mesmo.

Mas é puro cacoete governista dizer que a primeira tarefa do PT é defender o governo.

Por um motivo simples: neste momento, o principal alvo da oposição de direita, do oligopólio da mídia e do grande capital não é o governo.

O principal alvo deles neste momento é o PT. Por isto, nossa principal tarefa é defender o PT. 

Claro, defender nosso Partido exige reocupar as ruas, construir uma Frente Democrática e Popular, mudar nossa estratégia, alterar a linha do governo e mudar o funcionamento do próprio PT.

Mas dentre estas tarefas -- que podem ser relacionadas em diferentes sequências -- a principal é defender o Partido.

Os petistas que estão no governo geralmente não lembram disto. Muitos atuam como se o partido fosse passageiro e os governos eternos. Este "cretinismo governamental" já faz parte, digamos assim, da paisagem.

Mas que a direção do Partido não entenda -- ou pelo menos não considere necessário enfatizar adequadamente -- que nossa tarefa principal é defender o PT, ajuda a explicar parte dos nossos problemas.

Seja como for, espero pelo bem do PT que Falcão siga seus próprios conselhos. Por exemplo, fazendo uma pequena emenda no final de seu texto, ali onde fala da "paz gloriosa que é forjada na luta".

A emenda que sugiro Falcão conhece bem: "Chega de bom-mocismo. Nada de domesticação". 


Abaixo a íntegra do texto de Rui Falcão:

Com o nosso quarto triunfo eleitoral consecutivo, ingressamos agora em um novo período, um novo ciclo histórico, pleno de lutas e desafios. Por isso mesmo o PT, como partido socialista e democrático, deve mobilizar-se, com todos os seus quadros, para dar conta das tarefas desta nova conjuntura. Lembremos que nossa vitória foi marcada por um duro confronto programático, de repulsa às teses neoliberais esposadas tanto por um quanto por outra das candidaturas. O embate estende-se para além do segundo turno, quando a oposição, inconformada com a derrota, chega a flertar com o golpismo. E a fúria anti-governo e anti-PT não cessou, haja visto o contínuo ataque comandado pela mídia monopolizada.
A oposição e seus veículos de comunicação empenham-se em disputar os rumos da política econômica, tentando impor um programa alternativo ao que foi escolhido pelo povo brasileiro nas urnas. Ao mesmo tempo, investem contra a Petrobrás, não com o fito de combater a corrupção – como os governos Lula e Dilma sempre fizeram. Mas com o objetivo de fragilizar a empresa e, assim, de um só golpe, aniquilar com a política de conteúdo nacional, de afastar a Petrobrás da condição de operadora única do pré-sal e de fazer regredir o regime de partilha para o regime de concessão. E, em última instância, forçar a privatização da empresa, como tentaram fazê-lo durante o governo FHC.
Eis porque nossa primeira tarefa é defender o governo da presidenta Dilma. Governo em disputa, é nosso dever dar sustentação ao cumprimento do programa de governo, bem como responder aos ataques desferidos contra ela, além de nos contrapormos às pressões conservadoras, dentro e fora do Congresso Nacional. Fazê-lo requer resolver a contradição entre o desejo de mudanças manifestado pela população nas últimas eleições, e a correlação de forças desfavorável presente nas instituições do Estado. Em todas elas, não apenas no “governo de coalizão”, multipartidário e policlassista, ou no Congresso Nacional, agora mais conservador que antes.
Para além, portanto, das alianças partidárias e da necessária sustentação do governo Dilma, é vital ampliar a governabilidade meramente institucional e estendê-la à sociedade, levando às ruas a defesa do programa vencedor, organizando a população para defender o nosso projeto e a lutar por reformas estruturais.
Vencer este desafio vai exigir do PT um renascimento, uma retomada de valores de nossas origens, entre os quais a ideia fundadora da construção de uma nova sociedade. Nosso V Congresso, em junho próximo, deverá promover este reencontro, nos marcos do País de hoje — guardadas as diferenças conjunturais — com o PT dos anos 80, quando nos constituímos num partido com vocação de poder e transformação da sociedade – e não num partido do “melhorismo”.
Toda renovação implica vencer resistências, obstáculos, interesses em choque. Por isso propusemos, em uma das etapas do V Congresso, realizar conferências abertas, a fim de recolher contribuições, críticas e novas energias de fora.
O PT não pode encerrar-se em si mesmo, numa rigidez conservadora que dificulta o acolhimento de novos filiados, ou de novos apoiadores que não necessariamente aderem às formas de organização partidária. Queremos um partido que pratique a política no quotidiano, presente na vida do povo, de suas agruras e vicissitudes, e não somente que sai a campo a cada dois anos, quando se realizam as eleições.
A propósito, vale aqui relembrar um trecho do histórico Manifesto de Fundação do Partido dos Trabalhadores:
“Queremos a política como atividade própria das massas, que desejam participar, legal e legitimamente, de todas as decisões da sociedade. O PT quer atuar não apenas no momento das eleições, mas, principalmente, no dia-a-dia de todos os trabalhadores, pois só assim será possível construir uma nova forma de democracia, cujas raízes estejam nas organizações de base da sociedade e cujas decisões sejam tomadas pelas maiorias”.
Tal retomada há de ser conduzida pela política e não pela via administrativa. Ela impõe mudanças organizativas, formativas, de atitudes e culturais, necessárias para reatar com movimentos sociais, juventude, intelectuais, organizações da sociedade – todos inicialmente representados em nossas instâncias e hoje alheios, indiferentes ou, até, hostis em virtude de alguns erros políticos cometidos nesta trajetória de quase 35 anos.
Dar mais organicidade ao PT, maior consistência política e ideológica às direções e militantes de base, combater os sinais de burocratização, afastar o pragmatismo exagerado, reforçar os valores da ética na política, não dar trégua ao “cretinismo” parlamentar – tudo isso é condição para atingir nossos objetivos intermediários e estratégicos.
Evidente que, neste percurso, é necessário atualizarmos nosso programa, nosso conhecimento e compreensão da sociedade brasileira, do seu estágio atual, das classes sociais e forças em presença, da situação da economia, do cenário internacional. Sem o que fica impossível traduzir propostas gerais em uma política efetiva. Portanto, a questão que se coloca para nós é como fazer valer as mudanças que propomos numa situação concreta, historicamente determinada.
Quando falo da urgência em estender nossas preocupações a uma leitura abrangente e profunda da realidade é porque a concentração quase exclusiva da atividade partidária na disputa político-eleitoral-institucional acarretou um duplo desvio. Primeiro, abriu um imenso vazio teórico, de análise, reflexões e iniciativas sobre o que vem acontecendo no Brasil e no mundo. Segundo, porque a conquista de votos não tem se misturado à luta de massas, de tal sorte que se possam criar condições de construir uma força política organizada e estável, um verdadeiro bloco histórico capaz de inverter a correlação desfavorável na sociedade e de impulsionar mudanças estruturais.
Esse é o desafio colocado para o nosso 5º. Congresso. Convido todos e todas a participarem ativamente das diversas etapas desse processo, municipal, estadual, etapas livres e do Ciclo de Debates da Fundação Perseu Abramo.
Ao contrário de certos arautos de um hipócrita neo-salvacionismo nacional, nós não precisaremos jamais reescrever nossa história. Até porque se alguém pensasse em cometer esta insanidade, jamais conseguiria escrever uma história tão linda e vibrante quanto a que fizemos, a que fazemos e a que continuaremos a fazer. Não iremos jamais negar ou nos envergonhar de nossa trajetória de lutas. Não iremos jamais menosprezar nosso legado ou perder a compreensão do nosso papel histórico.
Mas, como já disse antes, isso não nos impede de reconhecer que cada novo desafio e cada nova configuração histórica impõem novas atitudes, exigem novas ideias e cobram novas formas de combate. É por sabermos disso, e não temermos desafios, que estas filhas e estes filhos teus não fugirão jamais da luta. Venham os desafios de onde vierem. Cheguem as provocações de onde chegarem. Somos feitos daquela matéria indestrutível e mutante das revoluções, porque nos alimentamos do calor e da energia da força popular. Somos ao mesmo tempo iguais e diferentes, porque somos incomparáveis construtores de futuro! E quem constrói o futuro nunca será refém do passado.
Nosso sonho é imortal e imbatível porque é um sonho sonhado pelas massas. É um sonho sonhado por um povo que sofre, porém que sabe cada vez mais sorrir, mais cantar, mais lutar e, sobretudo, mais acreditar que outro mundo é possível. É um povo que olha para o lado e vê a presença solidária de companheiros dispostos a lutar por um país cada vez melhor. Que olha para o céu e vê uma estrela que ilumina e aponta novos caminhos. Uma estrela radiante, que é um sinal permanente de paz, daquela paz gloriosa que é forjada na luta.

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