sexta-feira, 27 de março de 2015

Ricardo Kotscho: em que ponto nós falhamos?

Recomendo ler o texto que reproduzo ao final, do Ricardo Kotscho.

Kotscho é um cara legal.

Mas vamos combinar: ao longo destes anos todos, houve um imenso debate dentro do PT e de toda a esquerda brasileira.

Opções foram feitas.

As vezes por todo mundo, as vezes pela maioria, as vezes por uma minoria sem consultar formalmente a maioria, caminhos foram escolhidos.

Consequências resultaram destas opções & caminhos.

Uma destas consequências é evidente no caso da juventude.

Houve vários alertas de que era preciso mudar a política da esquerda, dos movimentos, do PT e da JPT, dos governos, sob pena de vivermos o que estamos vivendo agora.

Novamente, houve debates, derrotados e vencedores.

Está tudo registrado.

Kotscho conta que tomou um choque cultural ao voltar à sua velha escola.

Ok.

Mas o que está acontecendo não é raio em céu azul.

O comportamento individualista presente em alguns setores da população (não só na juventude) tem relação direta e indireta com a opção majoritária entre nós, que foi a de mudar a vida do povo principalmente através da ampliação do consumo, com baixa politização e organização social, sem mexer no oligopólio da mídia e sem derrubar o controle mercantil sobre a educação e a cultura.

Kotscho diz: em algum ponto nós falhamos.

Claro que sim. Em vários pontos.

Mas o ponto principal é que tentamos melhorar a vida do povo através de um caminho que deixou intacto e, em alguns casos até mesmo mesmo reforçou, os instrumentos de poder do lado de lá.

Kotscho está certo quanto diz que "somos ao mesmo tempo vitoriosos e derrotados". 

Mas está errado quando diz que "fomos derrotados na construção do futuro". 

Fomos derrotados? Nós quem?

Quem acreditava que aquele caminho, aquela estratégia, daria no futuro pode se sentir derrotado.

Quem nunca acreditou nisto, quem sempre defendeu outra política, não tem motivo para se sentir derrotado.

Tem motivo, isto sim, para seguir lutando.

Um último comentário: Kotscho também está certo quando fala que chegamos "ao final de um ciclo político, com a falência do chamado presidencialismo de coalizão da Nova República".

Doze anos de governo federal encabeçado pelo PT tiveram entre outros este saldo: conseguimos refazer parte do que o neoliberalismo tucano tinha desfeito. E com isto viemos parar perto do ponto de partida. 

O ponto de partida foram os anos 1980. Década da fundação do PT e das eleições de 1989. Década de disputa de projetos, que foi se polarizando entre capitalismo neoliberalismo e socialismo democrático-popular.

Ou seja, de volta. Mas de volta ao futuro. 




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"Em algum ponto, nós falhamos. Não conseguimos repassar para as novas geraçõesvalores como a solidariedade, a ousadia, o inconformismo, a capacidade de sonhar e mudar o estabelecido para a construção de uma sociedade mais generosa", diz o jornalista Ricardo Kotscho;  "Ganhamos nas lutas do passado, mas fomos derrotados na construção do futuro. Por isso, chegamos ao final de um ciclo político, com a falência do chamado presidencialismo de coalizão da Nova República, esta zorra federal instalada em Brasília e tão distante do Brasil real, colocando em xeque o futuro da própria democracia representativa pela qual tanto lutamos"
27 DE MARÇO DE 2015 ÀS 11:45
Faço parte da geração 68, como ficou conhecida a dos estudantes libertários que viraram o Brasil e o mundo de cabeça para o ar naquele ano do século passado, contestando todas as hierarquias e estruturas de poder, sem ter ideia de onde pretendiam chegar. Sabiam o que não queriam mais, mas não se entendiam sobre o que exatamente sonhavam colocar no lugar.
Pintava de tudo naqueles movimentos estudantis, das barricadas de Paris às grandes passeatas no Rio _ comunistas, trotskistas, anarquistas, hippies do paz e amor, guerrilheiros urbanos, porra-loucas e insatisfeitos em geral.
Tinha acabado de entrar na faculdade, na primeira turma da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, criada um ano antes. Voltei lá esta semana para participar de um debate junto com Heródoto Barbeiro, meu colega no Jornal da Record News, que comemorou na segunda-feira sua milésima edição no ar.
Para mim, foi um verdadeiro choque cultural. Nada mais restava daquele agito permanente em que os alunos ficavam mais fora do que dentro das salas de aula, pintando cartazes e faixas, fazendo discursos inflamados contra o reitor, a polícia, os americanos, a ditadura militar, o diabo a quatro.
Confesso que não tinha na época a menor consciência política e gostava mesmo era da farra, das festas, das paqueras, das intermináveis conversas no Rei das Batidas, um bar que existe até hoje na entrada da Cidade Universitária.
Já trabalhava na época como estagiário do Estadão, o principal jornal brasileiro naquele tempo, onde tinha entrado no mesmo mês em que passei no vestibular. Como viajava muito para fazer reportagens, comecei a frequentar cada vez menos a faculdade, que não consegui terminar até hoje.
Agora, ao entrar na sala, onde os alunos do professor Santoro já nos aguardavam, tive uma sensação estranha. Todos em silêncio, comportadamente sentados, pareciam esperar o início de uma missa. Do lado de fora, nenhum sinal ou som fazia lembrar a escola onde estudei quase meio século atrás. A ECA-USP velha de guerra, um dos principais focos dos confrontos dos anos 60, mais parecia a sede de uma repartição pública.
Imaginava encontrar um clima bem diferente após as manifestações do Fla-Flu político dos últimos dias. Nos debates de que participei quando era aluno, os palestrantes passavam o maior sufoco. Eram contestados a todo momento. Desta vez, porém, depois de uma hora de conversa, me dei conta de que só Heródoto e eu falamos, sem ninguém nos interromper para discordar de nada. Até comentei isso para dar uma provocada na turma, que ficou só olhando para a minha cara como se eu fosse um extraterrestre.
Com o entusiasmo de sempre, Heródoto falava das maravilhas das novas tecnologias e eu da minha paixão pela reportagem, relembramos fatos históricos, arriscamos previsões sobre o futuro da profissão. Quando chegou a vez das perguntas, ninguém tocou nas profundas crises que o país está vivendo em todas as áreas. Na verdade, nem eram perguntas, mas apenas comentários sobre teorias da comunicação e mercado de trabalho, algo bem limitado ao que costumam discutir em sala de aula. É como se não estivessem preocupados com o que acontece fora das fronteiras da universidade.
À noite, na TV, quando comentamos nosso encontro na ECA, me dei conta de uma diferença fundamental que aconteceu neste meio tempo: somos de uma geração que dedicou boa parte de suas vidas à luta coletiva, queríamos mudar o país e o mundo, e fomos vitoriosos ao ajudar a derrotar a ditadura e a dar início a um processo de distribuição de renda, que tornou nosso país mais livre e menos injusto.
Hoje, noto um comportamento mais egoísta, em que os jovens estão preocupados com a carreira e a próprio sobrevivência, na base do cada um por si e Deus por todos. Em algum ponto, nós falhamos. Não conseguimos repassar para as novas gerações valores como a solidariedade, a ousadia, o inconformismo, a capacidade de sonhar e mudar o estabelecido para a construção de uma sociedade mais generosa.
Pior do que isso: não fomos capazes de criar novas lideranças, tanto que o país continua dividido entre FHC e Lula, trinta anos após a redemocratização do país, nem de manter vivo o espírito que mobilizou os movimentos sociais em torno das lutas pela anistia, pela Constituinte, pelas liberdades públicas. Ou alguém sabe quem são esses líderes que apareceram nas manifestações de março? De onde surgiram, quais são suas histórias, que representatividade têm, quais são seus projetos de país?
Somos ao mesmo tempo vitoriosos e derrotados. Ganhamos nas lutas do passado, mas fomos derrotados na construção do futuro. Por isso, chegamos ao final de um ciclo político, com a falência do chamado presidencialismo de coalizão da Nova República, esta zorra federal instalada em Brasília e tão distante do Brasil real, colocando em xeque o futuro da própria democracia representativa pela qual tanto lutamos.

Um comentário:

  1. Diferentes contextos, diferentes posturas e desafios. Quem vive hoje em situação de exclusão quer, antes de tudo, ser incluído. Ponto. E está sendo incluido - não só no mercado, mas também em termos de educação, moradia, luz, acesso a internet, saúde, etc. Ciência Sem Fronteiras: isso não existia no meu tempo. Prouni, Fies, tampouco. Os estudantes de então (do meu tempo) estavam de fato acuados porque a esquerda que foi às ruas em 68 obteve só parte do êxito que esperava - e isso que tinha um inimigo comum emblemático, a direita militarizada. Quem só levantava cartaz era 'reformista', pra ser respeitado naquele tempo tinha que aderir à tese da luta armada (que acabou derrotada, ou melhor, massacrada). Quando cheguei à universidade antes dos anos 80 foi a época de reconstruir as entidades estudantis e de ajudar a construir o PT - que mesmo com todo o entusiasmo tardaria 25 anos para aceder ao poder. Era de se calcular que um balão que demora tanto para subir sofra ações de ventos e esgotamento do combustível. Não foi o PT que optou por não politizar a sociedade: na realidade, enfrentou todo o tipo de esvaziamentos e obstáculos, até mesmo para se manter no poder, e fez o pouco possível. Hoje, com o momento político mais polarizado, fica mais fácil mostrar a necessidade de definir lado, ideologia, vinculação. Infelizmente, os que quiseram repetir 68 em 2013 deram um presente à direita, que viu ali a possibilidade de protagonizar o que só pudera no período 62/64. Agora vamos lutar pra reverter isso, mas sabemos que muitos dos que criticam o PT também tentaram apeá-lo do poder para dar espaço a novas agremiações que tampouco contam com o apoio popular necessário.

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