domingo, 20 de setembro de 2020

Aula sobre “a economia política e a crítica da economia política”, do curso capitalismo e luta pelo socialismo no século XXI

(texto sem revisão, citações indicadas por WP são de Wladimir Pomar)

Boa noite a todos.

Boa noite a todas.

Boa noite a quem está nos acompanhando aqui, nesta sala zoom.

Boa noite a quem estiver nos assistindo on-line.

Cumprimento também a quem nos assistir em outro momento.

Como já informei na primeira aula deste curso, meu nome é Valter Pomar.

Sou professor de relações internacionais na Universidade Federal do ABC.

E integro a equipe de professores voluntários da Escola Latinoamericana de história e política.

Hoje vamos encerrar a primeira parte de mais um curso da Elahp, o curso intitulado “O capitalismo e a luta pelo socialismo no século XXI”.

Como foi explicado na primeira aula, o curso está sendo oferecido em três módulos (ou cursos) independentes:

-um tratando do capitalismo, com 6 aulas;

-outro tratando do capitalismo latino-americano, com 7 aulas;

-outro tratando do capitalismo e da luta pelo socialismo no século XXI, também com 7 aulas.

Hoje vamos encerrar o primeiro módulo, que contou com aulas de Mateus Santos, de Breno Altman, de Joana Salen, de Victor Schincariol e deste que vos fala, a quem coube a aula de abertura e, agora, a aula de encerramento.

O próximo módulo, ou curso, tratará do capitalismo latino-americano e contará com a participação de Ramon Vicente Garcia Fernandez, de Olivia Carolino, de Virginia Fontes, de Guilherme Magacho, de Laura Tavares, de Fernanda Cardoso e de Breno Altman.

O terceiro módulo, ou curso, tratar do capitalismo e da luta pelo socialismo no século XXI. Contaremos com a contribuição de Juliane Furno, Breno Altman, Valéria Lopes Ribeiro, Arturo Guillen, Maria Carlotto, Monica Bruckman e, novamente, deste que vos fala.

Esperamos contar com a presença de todos e todas, nos próximos módulos. 

Isto posto, inicio minha aula de hoje sobre “a economia política e a crítica da economia política”, repetindo o mesmo que eu falei na aula de abertura do curso: “O capitalismo é produto de uma longa evolução histórica; portanto, mais cedo ou mais tarde, sob formas que podemos imaginar ou que podem nos surpreender, o capitalismo também será superado historicamente por outro modo de produção e reprodução da vida social”.

O reconhecimento da natureza histórica do capitalismo, portanto de sua especificidade como fenômeno, não é ponto pacífico.

Tanto no senso comum, quanto no mainstream acadêmico, prevalece de fato outra visão.

Digo que prevalece de fato, porque mesmo em tempos de ofensiva terraplanista, não é tão simples sustentar a eternidade dos fenômenos humanos.

Mas há maneiras de enfrentar esta dificuldade.

Basta, por exemplo, que o “capital” seja convertido em uma “coisa”, por exemplo num instrumento, para que supostamente se encontrem sinais de capitalismo na era das cavernas e para que, por tabela, se possa projetar o capitalismo por toda a eternidade, ou pelo menos enquanto existir espécie humana.

Curiosamente, o reconhecimento que a natureza em geral e a humanidade em particular possuem uma história, coincide com a emergência do capitalismo, nas entranhas do feudalismo.

Portanto, da mesma forma como a burguesia começou revolucionária e terminou reacionária, o pensamento burguês começou afirmando e terminou negando a natureza histórica das formas de organização social.

“Terminou” não é bem a palavra, pois o pensamento burguês continua aí, firme e forte.

Um pensamento que assumiu, desde o fim das revoluções burguesas, o seguinte lema: “até aqui houve história, a partir de agora não há mais”.

Ou seja, para fazer uma blague que inverte a famosa frase, é como se dissessem “antes de mim, o dilúvio”.

A chamada economia política clássica é marcada por esta contradição.

Por um lado, os “economistas” sérios são obrigados a reconhecer a historicidade em geral; por outro lado, são tensionados a declarar a eternidade essencial do capitalismo.

Mas como isso se “resolve”, na prática?

Nas obras mais geniais e mais representativas, se “resolve” geralmente combinando a descrição da evolução histórica, com a formulação de categorias a-históricas, que posteriormente vão ser apresentadas através de fórmulas matemáticas que aterrorizam muitos estudantes.

Chamo a atenção para o fato de que esta combinação entre descrição histórica as vezes bastante correta, com categorias analíticas eternas (no sentido de válidas para todos os períodos históricos), ajuda a economia política burguesa a perpetuar sua hegemonia, inclusive em amplos setores da esquerda.

Nada mais comum do que nos depararmos com economistas de esquerda, capazes de se indignar contra os crimes do capitalismo e do imperialismo, mas que ato contínuo nos lembram da necessidade de respeitarmos as “leis da economia”, que eles tratam como se fossem as “leis da economia em geral”, embora muitas vezes não sejam nem mesmo as leis que regem a economia capitalista.

Portanto, para os que fazem a crítica da economia política burguesa, não basta a afirmação genérica de que o capitalismo é um fenômeno histórico, que teve um início e que algum dia terá fim.

É preciso compreender de que forma isso ocorreu e de que forma tende a ocorrer.

Nas palavras de um russo que resenhou o tomo I de O capital,  trata-se de elucidar “as leis particulares que regem o surgimento, a existência, o desenvolvimento e a morte de um organismo social determinado e sua substituição por outro, superior ao primeiro”.

Parte disso (o surgimento e certo período da existência) pode, ao menos em tese, ser resolvido de maneira relativamente simples.

Afinal, embora o estudo do passado não seja nada trivial – como se viu nas aulas do Mateus e do Breno--, ainda assim estamos diante de um fenômeno que já se concluiu e que pode ser dissecado.

Mas o debate sobre o que está ocorrendo e sobre o que ainda vai (ou pode) ocorrer, é obviamente mais complexo.

Cito a este respeito uma resenha, que enviaremos para os alunos do curso, sobre as diferentes interpretações existentes – entre marxistas – acerca da crise de 2008. Refiro-me ao texto LA CRISIS ECONÓMICA MUNDIAL Y LA ACUMULACIÓN DE CAPITAL, LAS FINANZAS Y LA DISTRIBUCIÓN DEL INGRESO. DEBATES EN LA ECONOMÍA MARXISTA, de Juan Pablo Mateo Tomé, da Universidad Pontificia Comillas (Madrid, España).

*

Como o que chamamos de “presente” é sempre o ponto de encontro entre o passado e o futuro, vamos nos concentrar neste último, ou seja, no futuro.

Para começo de conversa, sobre o futuro não há como provar quase nada de maneira “definitiva” (nos limites em que algo vivo possa se considerar “definitivo”), por motivos que são explorados no debate da chamada história contrafactual.

Vou dar um exemplo acerca deste tema da “prova”: grande parte das polêmicas existentes na esquerda se concentram em torno de escolhas que foram feitas, em determinadas situações históricas.

Tomar ou não o poder? Fazer ou não uma determinada aliança? Defender ou não uma determinada proposta? Por exemplo, apresentar ou não a Carta aos Brasileiros.

Vejamos este exemplo: há quem diga que Lula não teria vencido as eleições de 2002 sem a tal Carta. Há os que dizem que Lula teria sido eleito sem a tal Carta (minha opinião é esta, aliás).

Os primeiros em geral argumentam que apresentamos a Carta e vencemos; logo...

Do ponto de vista política pode ser um argumento forte, embora perigoso por legitimar a lógica adotada pela história dos vencedores. Mas para além disso, trata-se de um argumento precário do ponto de vista lógico, pois nem sempre uma coincidência é também uma relação de causa-e-efeito.

Mas os que dizem que teríamos vencido mesmo sem a Carta, têm ainda mais dificuldade para comprovar sua opinião; entre outros motivos, porque não há como voltar atrás no tempo e fazer o teste.

O que resta, então, aos defensores desta posição, de que Lula teria vencido mesmo sem a Carta, é construir no plano do pensamento, no plano da abstração mental, um encadeamento virtual de causa-e-efeito que resulte na vitória eleitoral, mesmo que a Carta não existisse.

Mas neste caso estamos diante de uma hipótese que nunca será provada.

Agora imaginemos outra situação: houve um debate, no Comitê Central do POSDR, sobre tomar ou não poder em outubro de 1917.

Entre os que falaram contra tomar o poder, apareceu o argumento da correlação de forças. Ambos os lados na polêmica não podiam “provar” nada no momento do debate. Mas uma decisão foi tomada, a favor da tomada do poder, e uma prova foi feita: o poder foi conquistado e estabilizado.

Imaginemos, entretanto, que Lênin tivesse sido derrotado naquele debate, que o POSDR tivesse decidido não tomar o poder. E imaginemos que, por decorrência, desde1917 até este ano de 2020, nunca tivesse existido uma URSS.

Como provar que Lênin tinha razão em 1917? Como provar que havia correlação de forças para tomar o poder? Nós sabemos que havia, pois esta foi a opção feita e testada; mas se a opção tivesse sido outra, não saberíamos e nunca poderíamos provar que se tratou efetivamente de uma “oportunidade perdida”.

Os exemplos que dei dizem respeito ao passado. Mas do ponto de vista lógico, o problema posto está presente, também, quando debatemos as implicações futuras de decisões presentes, quando debatemos o que pode vir a acontecer.

Em primeiro lugar, por conta de variáveis não conhecidas. Imaginemos, por exemplo, que estejamos todos convencidos, sem sombra de dúvida, que o capitalismo é não apenas histórico, mas também que um dia será substituído por outro modo de produção, tal e qual Marx entendia. Agora imaginemos que semana que vem descobrimos que um cometa se aproxima da terra e, passado um ano, este planeta Terra e todos nós simplesmente não existimos mais.

Pergunto: enquanto esperamos a Terra virar pó, o que pensamos sobre a teoria de Marx, na qual acreditávamos até ontem? Esta teoria estava errada, no sentido de que uma de suas previsões, a principal talvez, não vai se materializar? Ou, como toda teoria, ela seria válida apenas em determinadas condições de temperatura e pressão, excluindo algumas variáveis, a começar obviamente por aquelas que não estão ao alcance do conhecimento contemporâneo?

Por óbvio, a resposta científica é esta segunda, mas ela tem implicações políticas que não são triviais.

Em segundo lugar, quando debatemos sobre o futuro, é preciso lembrar das características do fenômeno analisado. Estamos falando de um fenômeno social extremamente complexo – a sociedade humana, na sua etapa atual capitalista.

Qualquer previsão sobre o futuro desta sociedade enfrenta dificuldades muito mais complexas do que o estudo de uma matilha, de uma colmeia, de um formigueiro; ou do fluxo das marés e a evolução dos planetas.

Estas dificuldades encontradas no estudo da sociedade humana não são intransponíveis, mas são extremamente reais.

Parte destas dificuldades diz respeito a potencial assincronia entre condições objetivas e subjetivas; diz respeito, no que diz respeito ao tema que estamos tratando nesta aula, a potencial não simultaneidade das crises capitalistas e da existência de forças político-sociais capazes de dar uma determinada solução, socialista, para estas crises.

Em terceiro lugar, quanto debatemos sobre o futuro, é preciso lembrar que a capacidade de previsão supõe regularidades – do tipo, se acontecer isto, vai dar naquilo.

Por exemplo: é possível “prever” que um ser humano vai morrer, embora não saibamos quando; e esta previsão se baseia não apenas na observação dos antepassados e dos contemporâneos, mas também no estudo do comportamento de certos componentes do organismo humano, que tendem a perder progressivamente sua capacidade de funcionar.

Mas este raciocínio não pode ser meramente extrapolado para o plano social. Isto por pelo menos dois motivos.

Motivo 1: porque o fato de sociedades pré-capitalistas terem morrido, não implica necessariamente que o capitalismo também vá morrer; é um indício, digamos assim, mas não é uma prova. E não é uma prova exatamente porque afirmamos a historicidade singular dos fenômenos!

Motivo 2: embora existam – no capitalismo – certos “componentes” que tendem a uma perda da capacidade de seguir funcionando, também há “componentes” que funcionam em sentido contrário.

Pior ainda: o que não mata, engorda. Há variáveis que resultam, simultaneamente, em crise & expansão do capitalismo.

Por exemplo: as guerras, o desemprego.

Em sendo assim, não bastam generalidades, é inescapável uma análise concreta da situação concreta.

Este foi o desafio enfrentado por Karl Marx e por Friedrich Engels.

E a conclusão a que eles chegaram aponta, como já foi dito, para o desenvolvimento e morte do capitalismo e para o advento do comunismo.

Nesta dupla previsão reside outra diferença essencial da economia política burguesa (clássica ou vulgar) e a crítica marxista da economia política.

Uma descreve, a outra descreve & condena.

Noutras palavras, Marx não apenas reconheceu o caráter histórico em geral da sociedade humana, e o caráter histórico do capitalismo, como também localizou as contradições que levam a seu desenvolvimento, morte e superação.

Entre os marxistas, esta última parte da frase que acabo de dizer não é unanimidade.

Pelo contrário, há quem acredite que Marx não pensava isto; há quem reconheça que pensava, mas diz que não teria provado; há quem reconheça que “provou”, mas acrescente que as mudanças ocorridas no capitalismo mudaram a situação e que, portanto, a conclusão e a prova já não valem mais; e há quem diga que Marx tinha posições contraditórias a respeito; como também há quem lembre que a “prova” desta questão é essencialmente prática, não teórica.

Notem que esta controvérsia envolve pelo menos três dimensões:

-a primeira delas é filológica, ou seja, o estudo algumas vezes erudito, outras vezes escolástico, acerca do que Marx disse ou não disse;

-a segunda delas é histórico-econômica, ou seja, o estudo das leis do desenvolvimento capitalista;

-a terceira delas é política, ou seja, como o desenvolvimento da luta de classes forja (ou neutraliza) as forças capazes de efetivamente superar o modo de produção capitalista.

Quem tiver interesse em ler mais a respeito da primeira dimensão esta controvérsia, deve mergulhar na bibliografia que vamos enviar a vocês, durante a semana.

Chamamos a atenção, em especial, para três clássicos, todos poloneses: Rosa Luxemburgo, Henryk Grossmann e Roman Rosdolski.

Rosa Luxemburgo escreveu A acumulação do capital.

Grossmann escreveu La ley de acumulación y derrumbe del sistema capitalista. Uma teoria de las crisis.

Rosdolsky escreveu Genesis e surgimento de O Capital de Karl Marx, com base no estudo dos Grundrisse.

E para quem quiser ler uma obra mais recente, sugiro De leyes y límites del capitalismo en la larga duración, de Rodrigo Gómez (2018).

Obviamente, as obras indicadas anteriormente não se limitam a filologia; simultaneamente também abordam a análise do capitalismo.

E sobre esta análise do capitalismo, que é a segunda dimensão da controvérsia citada anteriormente, cabe destacar outro aspecto importante da obra de Marx, em certo sentido o seu aspecto mais importante: seu método.

No método reside mais uma diferença importante entre a economia política burguesa (clássica, vulgar, suas variantes) e a crítica marxista da economia política.

Para entender qual é esta diferença, é preciso antes de mais nada lembrar que para Marx não se tratava apenas de interpretar o mundo, mas de transformar o mundo.

Mas atenção: no plano da luta política, estes dois verbos (interpretar e transformar) podem expressar duas ações diferentes, de pessoas diferentes, em momentos diferentes. Ou aspectos diferentes e antagônicos, da ação de uma mesma pessoa (ou setores de classe).

Noutros termos, é possível que haja uma desconexão entre interpretação e transformação.

Por exemplo: a esmagadora maioria das pessoas que se engajam numa revolução eram, até a véspera, e provavelmente continuarão a ser, durante certo tempo, adeptos de visões conservadoras de mundo.

Portanto, é provável que sejam revolucionárias na prática, embora ainda sejam conservadoras na teoria. “Na prática, chegaram ao ponto de não mais suportar viver como até então, ao mesmo tempo que os dominantes não mais conseguiam dominar como até então”. (WP)

Isto no plano da luta política. E no plano da teoria?

No plano da teoria, também pode haver uma desconexão deste tipo, entre a dimensão da interpretação e a dimensão da transformação?

Claro que pode. Aliás, há inúmeros exemplos de teorias que são um amontoado desconexo de partes que se desmoralizam mutuamente.

Por exemplo: a interpretação segundo a qual a origem dos problemas da URSS estaria no atraso relativo da economia capitalista russa, antes da revolução; acompanhada da ideia de que a solução para os problemas da URSS estaria em uma revolução política. Ou bem a interpretação está incorreta; ou bem a transformação proposta está incorreta. Ambas não podem estar certas ao mesmo tempo.

O fato é que teorias com este tipo de desconexão, ou não explicam adequadamente, ou não servem adequadamente como guia para a ação da classe trabalhadora, em sua luta por superar o capitalismo.

Pois bem: o método tem relação direta com a capacidade de elaborar uma explicação-que-sirva-de-guia-para-a-ação.

Se Marx não tivesse “realizado uma revolução filosófica” e elaborado o que ele chamou de “método dialético materialista”, se Marx não tivesse adotado “o método dialético materialista”, O Capital não conseguiria explicar o capitalismo, nem serviria como guia para a ação.

Por qual motivo?

Porque se fazia necessário um método de análise do capitalismo que localizasse sua essência dinâmica, que não apenas fotografasse a aparência do fenômeno, mas que – digamos -- filmasse a essência do fenômeno, que registrasse a contradição em processo, as tendências e contra tendências, a metamorfose.

Um método, portanto, capaz de localizar e descrever as contradições e suas soluções, estas também contraditórias.

Como sabemos, tanto Marx quanto Engels denominavam seu método de “dialético materialista”; e Marx fará referência explícita a Hegel, em particular a uma obra denominada Ciência da Lógica.

O próprio Marx dirá o seguinte sobre seu método: a “intelección positiva de lo existente incluye también, al próprio tempo, la inteligência de su negación, de su necessária ruina; porque concibe toda forma desarrollada em el fluir de su movimento, y por tanto sin perder de vista su lado perecedero”.

O método adotado por Marx sofreu vários questionamentos, entre os quais o questionamento sobre se Marx era mesmo um economista; um questionamento típico de um jeito-de-pensar adepto de uma hiperespecialização que nunca será capaz de compreender a natureza da economia política, muito menos compreender a natureza da crítica marxista à economia política.

Com base neste método, como já apontamos antes, Marx descobrirá e descreverá "tendencias que operan y se imponen con férrea necesidad”; apresentando o comunismo como “forma superior de vida a la que tiende irresistiblemente la sociedad actual por su propio desarrollo económico”.

Neste ponto chegamos a terceira dimensão, a mais complexa, da controvérsia a que me referi antes.

Pois se as leis do desenvolvimento capitalista apontam no sentido de sua crise e sua superação pelo comunismo, resta saber se este mesmo desenvolvimento forjará no tempo certo as forças políticas e sociais capazes de efetivamente materializar aquela superação.

Na aula de abertura deste curso, eu já apontei que é preciso que se construa, na sociedade capitalista, mas contra o capitalismo, uma contramola com a disposição e a energia necessárias para reorganizar a vida social.

E mesmo que esta contramola triunfe politicamente, o capitalismo só poderá ser superado no curso de uma revolução social de longa duração, no curso daquilo que se convencionou chamar de transição socialista, onde continuarão existindo, por um longo tempo, relações capitalistas de produção.

Sendo evidente que só estaremos diante de uma transição socialista, se estas relações capitalistas sobreviventes forem submetidas a um crescente controle social, que inicialmente e por bom tempo será feito através do Estado, sob comando socialista.

O que é algo similar, mas com sentido diferente, ao que ocorreu, desde o século 18, com as relações não capitalistas de produção, que foram submetidas a crescente controle social por parte dos capitalistas, também utilizando para isto o Estado, neste caso sob comando dos capitalistas.

Daí decorre que a essência da luta contra o capitalismo, a essência da luta pelo socialismo, está na luta política, está na luta da classe trabalhadora pelo poder, com o objetivo de usar este poder para controlar os meios de produção, para alterar as relações sociais.

Portanto, se é verdade que a superação do capitalismo é um longo processo revolucionário, o ponto de partida desta revolução social, o fio condutor desse processo de transformação estrutural, é uma revolução política.

Mas, como já dissemos antes, essa dimensão política, subjetiva, não está desvinculada das condições objetivas.

Primeiro, porque as chances de êxito e as características da revolução socialista estão diretamente relacionadas às características do desenvolvimento capitalista, em âmbito nacional e mundial.

Segundo, porque os caminhos da transição socialista dependem, em alguma medida, do nível de desenvolvimento capitalista prévio.

Lembrando que, quando falamos de “desenvolvimento capitalista”, estamos falando da resultante da luta de classes, em um dado momento histórico.

Marx morreu em 1883. Engels em 1895. Desde então a luta pelo socialismo avançou e retrocedeu várias vezes. E a tradição intelectual inaugurada por eles, o chamado marxismo, foi dado como morto e ressuscitou outras tantas vezes.

Mas, observando de conjunto os últimos 120 anos, o fato mais relevante é a expansão e consolidação do capitalismo como modo de produção hegemônico.

E o fato mais curioso é que o capitalismo de hoje exibe, mais do que o capitalismo prevalecente na época da Guerra Fria (1945-1991), diversas das tendências descobertas por Marx e Engels.

E o fato mais terrível é, embora estejamos em meio a uma profunda crise sistêmica, a situação do “exército do proletariado” não está das melhores.

A rigor, isto não constitui uma surpresa, pois as crises implicam uma mudança súbita e profunda nas condições objetivas; motivo pelo qual os destacamentos fundamentais do proletariado, mesmo que estivessem otimamente organizados no dia anterior ao início da crise, estavam no fundamental organizados para travar uma batalha num terreno político e cultural que não existe mais.

Por isso, aliás, é que as crises são em maior número do que as revoluções; e também por isso as revoluções são em maior número do que as revoluções vitoriosas. Ou, dito de maneira menos simpática, é por isso que as derrotas são maiores do que as vitórias, mesmo que as condições objetivas sejam favoráveis.

Isto posto, qual a principal batalha em curso no terreno cultural, ao menos no âmbito que nos interessa diretamente aqui, o da crítica à economia política burguesa?

Evidente que há múltiplos debates, por exemplo a análise:

-da articulação entre a economia mundial e as economias nacionais;

-da relação entre os diversos setores da economia capitalista;

-“da relação entre o desenvolvimento C&T das forças produtivas (trabalho morto) e o crescente desemprego do trabalho vivo” (WP)

-do imperialismo e do capital financeiro na dinâmica capitalista;

-da relação entre economia, Estado e política, no sentido amplo da palavra (incluindo todas as dimensões da vida social e cultural);

-da geopolítica mundial, sendo inescapável debater o papel jogado pela República Popular da China (e, por meio dela, as tentativas de construção do socialismo ocorridas no século XX).

Entretanto, a principal batalha em curso diz respeito a como entender a crise e que alternativas defender frente a ela.

A clivagem fundamental está entre os que consideram estar em curso uma crise sistêmica do capitalismo; e os que, mesmo reconhecendo que há uma crise profunda, apontam o dedo mais para as fortalezas do que para as debilidades do capitalismo.

Por decorrência da primeira clivagem, abre-se outra, entre os que advogam, como alternativa fundamental, o socialismo; e os que advogam que nossa alternativa fundamental deveria ser um outro tipo de capitalismo.

Do ponto de vista da economia política burguesa, em suas variadas escolas, a defesa do socialismo como alternativa é “ideológica”, no sentido de não ter nenhuma motivação científica.

Esta é, também, a interpretação de uma parte do movimento socialista que, acompanhando a opinião majoritária na socialdemocracia alemã há cem anos, considera que o socialismo é uma questão fundamentalmente ética, política, ideológica.

Por isso, como dissemos no início, uma parte da esquerda se encontra sob domínio ideológico da economia política burguesa.

Por óbvio, este domínio só pode ser abalado através do debate; mas grande parte deste debate, hoje, é vencido por WO pelos economistas burgueses, especialmente por aqueles da tradição keynesiana.

Aliás, preparando esta aula, li a obra VALOR, ACUMULACION Y CRISIS. Ensayos de economia politica, do paquistanês ANWAR SHAIKH (1990).

Nela, o autor relata “una investigacion de las teorias que estan presentes, implicita o explicitamente, em el analisis politico de la izquierda en los Estados Unidos (y, por extension, de la izquierda en otros paises). Inevitablemente el proyecto dio origen al estudio de la economia politica subyacente en los planteamientos de las varias corrientes influyentes de la izquierda en los Estados Unidos, desde las del Partido Comunista y del Partido Socialista de los Trabajadores hasta la de la escuela del Monthly Review y la de los Democratic Socialists of America. Los resultados son sorprendentes y revelan una influencia profunda de las teorias keynesiana y kaleckiana”.

Segundo entendi, esta “descoberta” data dos anos 1980. Não tenho a menor dúvida acerca de qual seria o resultado de uma pesquisa semelhante, realizada hoje, por exemplo no Brasil.

O desafio posto para os que pretendem dar continuidade a tradição aberta pela crítica marxista à economia política burguesa é demonstrar que a crise é uma manifestação das contradições mais profundas do capitalismo; e que a solução sistêmica para esta crise é o controle social dos meios de produção e de poder, permitindo o planejamento da produção e a distribuição, no sentido de atender as necessidades do conjunto da sociedade.

Esta é a única saída? Claro que não. Neste caso, dado o adiantado da hora, vou me amparar na opinião daquele velho russo que disse: “Não existem situações que não apresentem em absoluto alguma saída”. Ou, noutra versão, não existe situação sem saída para a burguesia.

A questão é que as outras saídas possíveis terão um custo social imenso, que será pago pelas classes trabalhadoras de todo mundo; e na melhor das hipóteses nos colocarão, daqui há algum tempo, de volta ao ponto de partida.

Concluo por aqui a minha exposição, abrindo para perguntas e convidando para a próxima aula, com o professor Ramon.

 

 

 

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