Aos que tem acompanhado outros textos deste blog, sugiro pular direto para o ponto 9 deste texto.
1. No dia 17 de abril de 2016, a Câmara dos Deputados aprovou
(367x137) a admissibilidade do impeachment. No dia 12 de maio de 2016, foi a
vez do Senado aprovar (55x22) a admissibilidade. A presidenta Dilma Rousseff
foi afastada do cargo por até 180 dias, prazo máximo para o Senado realizar o
julgamento do mérito. Caso 1/3 dos senadores considere a presidenta inocente,
ela reassume o cargo. Mas já no primeiro round os golpistas demonstraram ter mais
de 2/3 dos votos.
2. As acusações contra a presidenta e a defesa feita na
Câmara dos Deputados pela Advocacia Geral da União podem ser lidas nos
endereços citados ao final. O resumo da defesa é o seguinte: não houve crime, não houve
crime de responsabilidade, se houvesse crime de responsabilidade ele teria sido
praticado também pelo vice-presidente da República. E sem crime de
responsabilidade, impeachment é golpe. Não há base legal para o impeachment.
Mas como o STF está dominado, aos inimigos nem mesmo a lei é garantida.
3. A maioria do Congresso Nacional forjou um pretexto ilegal
para afastar a presidenta da República, contando com o respaldo cúmplice do
Supremo Tribunal Federal, com a cobertura do oligopólio da mídia, com os efeitos
especiais da Operação Lava-Jato, com o financiamento do grande capital, com a devida
assessoria internacional, abençoado pelo fundamentalismo religioso e com a colaboração entusiasmada de grande número de "extras" (coxinhas).
4. A maior parte do povo brasileiro assistiu a trama pela
televisão, grande parte torceu contra nós, um bom número começa a dar-se conta
de que os bandidos venceram, mas apenas uma pequena parcela do povo está
disposta a sair às ruas para denunciar o golpe e tentar derrotar os golpistas.
5. O roteiro do golpe é tão óbvio, os personagens são tão
canastrões (vide o novo ministério, cheio de ricos corruptos, homens brancos, raposas da política), as reações tem sido tão intensas (vide o ocorrido nos dias 12 e 13 de maio, nas ruas de várias cidades brasileiras, nas redes sociais, até em posse de ministro), que é lícito perguntar: eles terão cometido
um erro ao optar pelo golpismo? Do ponto de vista deles, não teria sido mais
inteligente aguardar as eleições presidenciais de 2018? Será que ao optar pelo
golpismo, não produzirão uma reação popular que não apenas os derrotará, mas
também sustentará transformações mais profundas no Brasil?
6. A resposta completa para estas questões depende do que vai
acontecer. Mas a opção deles pelo golpe era previsível: como o escorpião da fábula, faz
parte da sua natureza. O grande capital e seus representantes têm um DNA
golpista. Tendo a oportunidade, escolhem naturalmente este caminho. E ao longo
dos últimos anos estas circunstâncias foram criadas.
7. Falando em termos políticos: no plano internacional, os
Estados Unidos tem pressa em alterar a política externa do governo brasileiro e
com isso consolidar o giro à direita que está ocorrendo na América Latina. O
grande capital também tem pressa: precisa reduzir muito e rapidamente os
salários, anular os direitos sociais e trabalhistas, realizar privatizações e
alterar a Lei da Partilha. No plano interno, a Operação Lava-Jato e o
oligopólio da mídia criaram a “narrativa legitimadora” indispensável para
qualquer golpe. Havia um vice-presidente da República, um presidente da Câmara,
um presidente do Senado e uma maioria no STF – além de personagens aparentemente
menores como Delcídio do Amaral-- preparados para cumprir seu papel (que, na
opinião dos que acreditavam neles, foi o de traidores). E, finalmente, tivemos
as opções adotadas pelo governo Dilma Rousseff desde novembro de 2014, opções
que reduziram e debilitaram nosso apoio na classe trabalhadora.
8. Falando em termos sociais: desde 2005 os setores médios
tradicionais estão em pé-de-guerra, mas apesar disto vencemos as eleições de
2006 e 2010. Desde 2011 o grande capital entrou no modo confronto, mas apesar
disto vencemos as eleições de 2014. Acontece que desde novembro de 2014, amplos setores
da classe trabalhadora mudaram de posição. O que forneceu o elemento que
faltava para ativar o chip golpista do grande capital e das direitas. Afinal, a
oposição de direita perdeu as quatro últimas eleições presidenciais e sabe que
pode perder novamente em 2018. Isto a levou a forjar um pretexto para,
utilizando a sua maioria, liquidar a fatura agora, no momento em que sentiu que
a esquerda estava mais fragilizada, evitando que em 2018 pudesse ocorrer o
mesmo que em 2006.
9. Repondo a questão: o golpismo produzirá uma reação popular
que não apenas os derrotará, mas também criará as condições para sustentar
transformações mais profundas no Brasil?
10. Há condições objetivas para isto. Para começo de conversa,
o caráter dos personagens e o roteiro canhestro ajudam a consolidar a certeza
de que houve um golpe. Há contradições na coalizão golpista, tanto sobre o que fazer agora, quanto sobre 2018, que vão criar dificuldades para o golpismo. E o principal é que o programa dos golpistas (ver endereço ao final deste
texto), a composição do ministério e suas primeiras medidas tem um profundo
sentido anti-nacional, anti-popular, anti-democrático, anti-ambiental, homofóbico, racista e machista.
11.Ou seja: Michel Temer na presidência significará a adoção
integral do programa derrotado nas eleições de 2014, 2010, 2006 e 2002. Trata-se
de realinhar o Brasil com os Estados Unidos, afastando-nos dos BRICS e da
integração regional; reduzir ao mínimo os salários e os direitos sociais;
destruir os avanços obtidos desde 2003; anular os aspectos positivos inscritos
na Constituição de 1988 e na CLT; consolidar o domínio do país pelo capital
financeiro, destruir o que resta do nosso parque industrial, converter-nos
novamente numa combinação entre fazenda e mina.
12. Portanto, o impeachment não é apenas uma farsa e uma
fraude, é a substituição das eleições diretas feitas pelo povo, por uma eleição
indireta feita pelos parlamentares, como parte de uma operação estratégia de
maior vulto.
13. Em 1964 ocorreu algo ainda mais explícito. E isto não
impediu a ditadura miliar de sobreviver por duas décadas. Assim, não basta constatar
que o lado de lá é “feio, sujo e malvado”. Precisamos também criar as condições
subjetivas para derrotar o golpismo. Um bom ponto de partida é não subestimar
os inimigos.
14. Os golpistas sabem que houve e segue havendo resistência contra
o golpe. Sabem também que tende a haver uma crescente resistência contra as
medidas que já estavam implementando via parlamento e que agora estão
aprofundando via governo. Por isto, não podem e não vão se limitar ao que
fizeram até agora. Como está dito no final do documento “Ponte para o futuro”,
será necessário “ordem e progresso”. E para bom entendedor, duas palavras e um determinado militar no ministério bastam.
15.Por exemplo, está no menu da direita:
a) fazer as maldades o mais rápido e intensamente que for possível,
para que elas possam ser atribuídas à “herança maldita” supostamente recebida do
governo encabeçado pelo PT;
b) administrar os efeitos colaterais da Operação Lava Jato, o
que supõe entregar à “opinião pública” alguns bodes expiatórios mais gordos do
que os até agora oferecidos;
c) impedir que Lula possa ser candidato às eleições
presidenciais de 2018. Desmoralizar, processar, condenar, tornar inelegível e
se necessário prender;
d) reprimir e inviabilizar o funcionamento do Partido dos
Trabalhadores, assim como atacar o conjunto das organizações politicas e
sociais vinculadas à esquerda brasileira;
e) se necessário, alterar o regime político brasileiro, por
exemplo adotando algum tipo de parlamentarismo, eliminando com isto o fator de
imprevisibilidade criado pelas eleições presidenciais diretas;
f) continuar na criminalização das lutas sociais, na judicialização
da política e na partidarização da justiça;
g) em decorrência do conjunto da obra, convidar as forças armadas a voltar a ter papel ativo na política nacional.
16. Dito de outra forma, os golpistas vão atuar
politicamente, para impedir que as esquerdas tenham capacidade de estimular, organizar
e dirigir o descontentamento popular. Se tiverem êxito, o governo Temer será um
“governo de transição”, que fará o serviço sujo, entregando em 2018 a faixa
para um governo “limpo e cheiroso”. Caso consigam chegar neste ponto, terá tido êxito o rompimento que eles fizeram com os parâmetros dentro dos quais a política brasileira veio se movendo desde 1988.
17.Além de não subestimar o lado de lá, é conveniente não
superestimar o lado de cá. Uma questão óbvia é por quais motivos o golpismo
teve até agora êxito. Entre os motivos, podemos citar:
a) durante 13 anos não conseguimos alterar aspectos
fundamentais da matriz econômica brasileira. Em particular não superamos o
controle que os oligopólios, especialmente o financeiro, mantém sobre a
economia nacional;
b) durante 13 anos não conseguimos afetar as alavancas do
poder político da classe dominante. Continuaram intocados o oligopólio
mediático e o financiamento empresarial das eleições. A Justiça e a Segurança
Pública continuaram fora da lei e de qualquer controle social.Além disso, estimulamos ou toleramos a expansão do fundamentalismo religioso;
c) durante 13 anos não criamos mecanismos adequados de
financiamento militante das atividades da esquerda política e social. Ao mesmo
tempo, foi crescendo a dependência tanto do financiamento estatal, quanto –
especialmente no caso do PT – a dependência frente ao financiamento empresarial.
Ademais, alguns adotaram (ou deixaram adotar) o modus operandi e até mesmo os “operadores”
do financiamento empresarial feito pela direita. Em parte como resultado disto,
em parte devido a intensa campanha jurídica e mediática, em parte devido a
reação inepta, parte importante do povo aceitou como verdadeira a “narrativa”
criada contra nós no tema da corrupção;
d) durante parte destes 13 anos, mudamos para melhor a vida
do povo, mas isto foi feito sem alterar o nível de consciência e organização da
maioria do povo, ao menos na intensidade que teria sido necessária para
derrotar a contraofensiva da direita. Nas jornadas de junho de 2013 este descompasso ficou claro, mas tanto nossa análise quanto nossa ação não tiraram as devidas consequências;
e) por final, porém do ponto de vista tático o mais
importante para entender o que ocorreu nos últimos meses, a politica econômica
adotada desde novembro de 2014 fez com que amplas camadas da classe trabalhadora
perdessem a confiança e deixassem de nos apoiar.
18. Repetindo algo que já dissemos antes: conseguimos derrotar
as camadas médias conservadoras; conseguimos inclusive derrotar a aliança entre
as camadas médias conservadoras e o grande capital; mas não conseguimos mais derrotá-los
a partir do momento em que perdemos o apoio de parte importante da classe
trabalhadora. E foi este apoio que, nos últimos meses, contribuímos para
alienar com uma politica econômica desastrosa de “ajuste fiscal”, recessão e
desemprego. O que explica que grande parte da mobilização contra o golpe não tenha
incluído, até agora, paralisações nos locais de trabalho.
19.Isto não é uma surpresa. No primeiro semestre de 2015, 45%
dos delegados e delegadas presentes ao congresso do Partido dos Trabalhadores
apoiaram uma resolução que dizia ser necessária uma mudança imediata na
politica econômica, sob pena de não conseguirmos êxito na defesa da democracia.
Então, 55% dos congressistas e o governo não deram atenção ao alerta.
20. Um ano depois, em fevereiro de 2016, 100% da Direção Nacional
do PT afirmou a mesma ideia que antes era defendida pelos 45%. Mas o governo
seguiu sem dar atenção, contribuindo desta forma para a vitória dos golpistas nos
dia 17 de abril e 12 de maio.
21. Os elementos apontados antes devem nos levar a não
subestimar o lado de lá e a não superestimar o lado de cá. Em segundo lugar, devem nos levar a perceber que o fator fundamental
para a vitória deles foi termos perdido apoio na classe trabalhadora. E o fator
fundamental para as nossas futuras vitórias será recuperar o apoio majoritário
na classe trabalhadora.
22. É deste ponto de vista que devemos enfrentar alguns
debates que estão em curso na esquerda hoje, sobre a palavra de ordem na luta
contra o golpe, sobre as formas de luta contra o golpe, sobre as formas
organizativas de luta contra o golpe e sobre o PT.
23. Há quem considere que o golpe já está consumado, que é
impossível o retorno de Dilma e, portanto, que devemos defender a realização antecipada
de novas eleições (plebiscito, gerais ou presidenciais). Entretanto, enquanto
durar o processo no Senado, mesmo sabendo tratar-se de cartas quase marcadas,
não podemos fragilizar a defesa da Presidenta. Somente depois de transcorrido o
julgamento, caso se confirme o afastamento definitivo, é que será politicamente
correto defender outra palavra de ordem. Até lá: não ao golpe, fora temer!!!
A esse respeito, sugiro ler:
http://valterpomar.blogspot.com/2016/05/wanderley-guilherme-cenarios-e.html
A esse respeito, sugiro ler:
http://valterpomar.blogspot.com/2016/05/wanderley-guilherme-cenarios-e.html
24. Há quem considere que as massas vão engajar-se na luta
contra o golpe, a partir do exemplo e da ação dos setores mais combativos. Entretanto,
o que ocorreu durante o governo Dilma também ocorrerá durante o governo
golpista: grande parte da classe trabalhadora movimenta-se (ou não) com base
nos seus interesses materiais mais direitos. A ação que terá mais impacto na
luta contra o governo golpista é preparar a mobilização da classe trabalhadora
em defesa dos seus direitos.
A esse respeito, sugiro ler:
A esse respeito, sugiro ler:
http://valterpomar.blogspot.de/2016/05/rodrigo-viana-como-vencer-direita.html
25. Há quem considere que estamos num momento, que exige
novas formas de luta e novas formas organizativas. Isto é verdade. Mas também é
verdade que não podemos nunca abrir mão das velhas formas de luta e das
organizações tradicionais da classe trabalhadora e da esquerda. A direita tem
todo o interesse em destruir os sindicatos, os partidos de esquerda, os
movimentos sociais e populares tradicionais. Nós, pelo contrário, queremos que
estas organizações se adaptem as novas necessidades políticas. Por isto, a
Frente Brasil Popular e as organizações que a animam devem trabalhar para
dialogar e se possível incorporar todos os que lutam contra o golpe e contra as
ações do governo golpista.
26. Há quem considere que a vitória do golpismo é um bom
momento para superar o lulismo e o petismo. Sem dúvida a esquerda não-petista
tem todo o direito de lutar por superar o PT. E sem dúvida tanto o PT quanto
Lula estão chamados a realizar uma autocrítica profunda da linha política
adotada nos últimos anos, de conciliação com o grande capital, de conciliação
com o oligopólio da mídia, de conciliação com setores da direita política, de
subestimação da luta social e da luta ideológica etc.
27. Entretanto, o que a direita quer? Destruir o PT e Lula. Para
a direita, Lula é um alvo a ser desmoralizado, julgado, condenado e se
necessário preso. Para a esquerda e para o conjunto das forças democráticas e
populares, Lula deve ser defendido, independente do que pensemos acerca da
política que ele implementou em seu governo e da estratégia que defendeu. A direita
não ataca Lula devido a seus erros, o ataca devido a suas qualidades. Entre as
quais está a possibilidade de disputar com chances de vitória as eleições presidenciais
de 2018.
28. Para a direita, o PT deve ser inviabilizado. Se tiver
êxito, não teremos no lugar uma “nova esquerda” melhor do que o PT. O que viria
no lugar, neste caso, seria um longo período de fragmentação político e
ideológica da esquerda, como houve entre 1964 e 1980. Por isto, os que integram
e defendem o PT precisam fazer um imenso esforço para que o Partido seja capaz
de fazer uma autocrítica, inclusive acerca de sua luta contra a corrupção; capaz também de produzir uma nova política e um novo modo de
funcionar, bem como eleger uma nova direção, capaz de atuar com vento contra,
em tempos de guerra, que vão durar muito tempo. Uma direção coletiva, que supere a fase em que se terceirizava o comando, seja para o governo, seja para outras instituições e pessoas. Por tudo isto é necessário realizar, ainda este ano, um Congresso extraordinário do Partido. Pois a
direita mudou de estratégia e devemos fazer o mesmo.
Endereços dos textos citados
http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-temporarias/especiais/55a-legislatura/denuncia-contra-a-presidente-da-republica/documentos/outros-documentos/ParecerDep.JovairArantes.pdf
http://agenciabrasil.ebc.com.br/sites/_agenciabrasil2013/files/files/Relat%C3%B3rio%20de%20Antonio%20Anastasia%20sobre%20processo%20de%20impeachment.pdf
http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-temporarias/especiais/55a-legislatura/denuncia-contra-a-presidente-da-republica/documentos/outros-documentos/manifestacao-da-denunciada/ManifestaodaDenunciada.PDF
http://pmdb.org.br/wp-content/uploads/2015/10/RELEASE-TEMER_A4-28.10.15-Online.pdf
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