terça-feira, 23 de junho de 2015

Sobre o texto do Leopoldo Vieira

Uma das poucas vantagens de não ser "liberado" é ter que deixar para depois de amanhã o comentário sobre o texto de anteontem.

Pois as vezes acontece uma surpresa. 

Como poder reler e comentar o texto de Leopoldo Vieira (ver abaixo a íntegra, em negrito), num ambiente temperado pelas recentes declarações de Lula acerca do governo Dilma (para os religiosos) e acerca do PT (num debate com o nada santo Dom Felipe Gonzalez).

Antes de saber das declarações de Lula, eu ia gastar parte deste texto ponderando que certos porta-vozes da maioria (como Leopoldo) poderiam ter mais cautela ao comemorar suas vitórias. 

Afinal, uma coisa é ganhar votações em um Congresso, outra coisa é derrotar a direita, o grande capital e o oligopólio da mídia. Motivos de sobra para levar em maior consideração as críticas da minoria.

Mas aí veio o Lula com suas opiniões acerca do PT e do governo, opiniões que fazem as críticas às resoluções do recente Congresso do PT parecerem mera amabilidade. 

Deixarei para outra ocasião minha opinião acerca do que disse Lula e passo aos pontos que considero mais relevantes no texto do Leopoldo Vieira.

Ponto 1

A "minoria se reduziu às polêmicas de duas décadas atrás". 

Não sei com base no quê Leopoldo chegou a esta conclusão. 

Duvido que tenha sido com base nos textos apresentados ao Congresso pelas chapas da Articulação de Esquerda, da Mensagem ao Partido e da Militância Socialista (que, somados a setores das demais chapas compuseram os 45% da chamada minoria). 

Duvido, também, que tenha sido com base nas defesas feitas em plenário, durante o recente Congresso petista.

Não localizei nada, tampouco, no conhecido texto de cabeceira Como derrotar a minoria: manual de usos e abusos.

No seu texto, Leopoldo destaca quatro polêmicas:

1) sobre o ajuste fiscal;

2) sobre o PED;

3) sobre as doações empresariais;

4) sobre a política de alianças.

O ajuste fiscal é uma polêmica de duas décadas atrás? Não, pois nos anos 1990 nenhum petista defendia o ajuste fiscal.

O PED é uma polêmica de duas décadas atrás? Num certo sentido sim, pois o PED é uma decisão do II Congresso do PT, realizado em 1999. Mas a decisão de que o assunto deveria ser revisto foi decorrência de ocorrências recentes.

Quanto às doações empresariais, foi o atual Diretório Nacional do PT (onde a maioria é... maioria) que remeteu o tema para debate no Congresso. 

E mesmo que não fosse assim, é inusitado que num partido que teve dois presidentes nacionais e dois tesoureiros nacionais presos devido aos efeitos colaterais do financiamento empresarial "de qualquer jeito", ainda haja gente como Leopoldo, que considera que esta discussão estaria sendo feita "no afogadilho". 

As alianças seriam um debate dos anos noventa? O próprio Leopoldo responde, quando critica os que queriam o "fim das alianças nos moldes atuais". 

Em resumo: Leopoldo exagera na mão quando diz que a minoria "se reduziu às polêmicas de duas décadas atrás". 

Longe de mim querer privar Leopoldo do direito de gostar mais ou menos dos argumentos de seus antagonistas. 

Ele enxerga um "conteúdo bem mais rico" na "plataforma realmente renovadora (...) apresentada no Manifesto "O petismo vive!". Da minha parte acho mais interessantes os argumentos de um texto assinado por todos os/as petistas que integram a direção nacional da CUT. 

Mas tanto num caso como noutro, não passa de retórica a tentativa de desqualificar como "anos noventa" as posições da minoria. 

Ponto 2

A "plataforma de minoria simplesmente ignorou o pedido da presidenta Dilma por apoio e confiança na agenda de retomada do crescimento, que a Coração Valente afirmou seu governo possuir com consistência". 

Que alguém ache isto um crime de lesa majestade, é sinal dos tempos.

Mas do meu ponto de vista, é maravilhoso que, 35 anos depois de fundado e após três mandatos presidenciais, ainda haja 45% do Partido disposto a "ignorar" um pedido presidencial. 

E o motivo é simples: Dilma não pediu apoio e confiança numa agenda de crescimento, ela pediu apoio ao ajuste fiscal como preliminar a retomada do crescimento. 

A maioria não teve estômago para apresentar uma resolução de apoio ao ajuste. Assim, preferiu tirar as castanhas do fogo de forma indireta, derrotando as emendas que criticavam explicitamente a política de ajuste fiscal.

Que a maioria tenha optado por isto, é seu direito. Que Leopoldo insista no método me parece excesso de entusiasmo.

O tema é: Levy foi secretário de Tesouro do primeiro governo Lula, fizemos reforma da previdência no primeiro governo Lula, tivemos contingenciamento todos os anos... Tudo isto é verdade. Mas também é verdade que a atual situação politica é profundamente diferente.

Leopoldo acusa a minoria de pensar nos anos 1990, mas é ele que raciocina como se 2015 fosse igual a 2003. Não é: políticas parecidas, em momentos diferentes, tendem a resultados diferentes.

Ponto 3

Leopoldo não se contenta em tolerar o vício: quer convertê-lo em virtude. 

Nisto, comporta-se de maneira previsível, típica de um setor do PT que cresceu falando mal do centralismo democrático de partido, mas adapta-se muito facilmente ao centralismo burocrático de governo.

Vejam só o argumento: "foram estes freios de arrumação (...) que permitiram a transformação nacional gerada por políticas públicas executadas em larga escala e com recorte de classe (...)".

Leopoldo talvez não perceba, mas ele apenas está agregando palavras ao lema "ajustar para avançar". Lema que a própria Dilma de 2014 (aquela que espero ainda venha a tomar posse) fez questão de demolir, pois este tipo de ajuste --como diz a Carta de Salvador -- faz parte de outro receituário, não o nosso.

Ponto 4

"Para uns, estava em jogo o Partido dos Trabalhadores (PT) se tornar a versão brasileira do PS (francês) do PSOE (espanhol) do PS (português), do Partido Trabalhista (Inglês), do Partido Comunista (italiano)...mas poderia ser pior: se tornar um Bloco de Esquerda português, Uma Liga Comunista Revolucionária francesa, um Esquerda Unida espanhola, um Bandera Rossa italiana". 

Uma salada e tanto! Talvez Leopoldo quisesse falar do Partido Democrático italiano, que num passado remoto teve origem no saudoso Partido Comunista italiano. Mas não sei qual a relação que ele acha que existe entre a IU, o BEP e os demais citados.

Seja como for, é revelador que ele ache "pior" ser de esquerda do que ser de direita. Assim como é revelador que para ele o importante não seja o programa, mas "a relevância política factual em suas respectivas nações". 

Fora isto, simplesmente não consigo alcançar a lógica das referências feitas por Leopoldo a Lenin e a Rosa Luxemburgo. Pois, até onde consigo ver, o debate atual sobre o PED tem muito pouco que ver com os "clássicos", assim como tem pouco que ver com o debate que fizemos nos anos 1980 e 1990 sobre "partido de massas", "adesão popular", "estar aberto ao povo" e "participação ampla de seus filiados em suas decisões".

Estes são os argumentos utilizados pelos defensores do PED. Mas daí a ser verdade, são outros quinhentos. Para cada um destes argumentos, há outros: compra de votos, pagamento de cotizações por terceiros, transporte irregular, filiação em massa, voto de mortos, influência de outros partidos, dinheiro empresarial na luta interna etc.

O próprio Leopoldo diz que "o partido precisa se depurar das práticas do sistema eleitoral institucional que danificaram a vida interna". Mas, que coisa, o Congresso remeteu o que fazer para um seminário...

Ponto 5

Leopoldo está contente com as afirmações da Carta de Salvador. Ótimo! Mas uma coisa é afirmar a necessidade de uma alteração profunda na linha partidária, outra coisa é fazer esta alteração na prática.

E na prática o PT está paralisado, o governo está dedicado ao ajuste e nossas bases, ou pelo menos parte crescente delas, estão ficando cansadas de esperar.

Prova disto são as declarações recentes de Lula. Claro, quando escreveu seu texto Leopoldo não conhecia as declarações de Lula. Que, é bom lembrar, não faz parte da minoria adepta de convescotes; pelo contrário, é 
um dos principais líderes da maioria e, portanto, um dos responsáveis pelos problemas que estamos enfrentando. Mas sobre o que disse Lula, falarei noutro texto.


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V CONGRESSO DO PT: DAS POLÍTICAS PÚBLICAS ÀS REFORMAS DE BASE
Leopoldo Vieira
LEOPOLDO VIEIRA18 DE JUNHO DE 2015 ÀS 10:03
Espero que a prometida mobilização a ser feita pela minoria e um hipotético congresso "livre" apresente pautas realmente novas e propostas concretas à luz destas resoluções de ir às bases e retomar as reformas estruturais da democracia
Findado o V Congresso do PT, pululam avaliações, em sua maioria críticas, ao processo. As mais notórias são as de que o Congresso nada mudou no partido, quando a militância estava repleta de expectativas e, supostamente, a maioria teria sido responsável pela inércia e frustração, numa demonstração de autoritarismo.
O interessante é que tudo foi votado, mas democrático só se a minoria vencesse. As resoluções foram "alienadas", dizem, mas a "única" forma de "salvar" o PT seria desfazer as reformas dos anos 90, inclusive sem conexão com o "como fazer" diante do mundo real. E surge uma ótima: a maioria é a "burocracia", a minoria, o "petismo" e a "militância". Uma outra crítica é de que o Congresso foi beneplácito com a presidenta Dilma e o ajuste fiscal. Antes de mais nada, é preciso dizer o óbvio matemático: 55% é maior do que 45% e, critique-se como se quiser as escolhas feitas, elas tem legitimidade e não se pode carimbar seus protagonistas com a pecha de "não sabem votar" que equivale à desqualificar a cidadania partidária, num grau até pior do que quando a direita brada que "pobre não sabe escolher presidente".
A verdade é que militância tinha expectativas de reação, mas isso não era sinônimo de acabar com o PED, proibição - de qualquer jeito, no afogadilho - de doação empresarial ou com fim das alianças nos moldes atuais. A polarização sobre o PED, finanças e constituinte interna ajudou a criar este contexto. A minoria se reduziu às polêmicas de duas décadas atrás. Conteúdo bem mais rico poderia ter sido usado como fonte de uma plataforma realmente renovadora, como a apresentada no Manifesto "O petismo vive!".
Sobre sustentar o governo, a resolução de defesa, com mediações com nossabase, como não vetar a fórmula 85/95 ou vetar o PL da Terceirização, foi protagonizada pela maioria. A plataforma de minoria simplesmente ignorou o pedido da presidenta Dilma por apoio e confiança na agenda de retomada do crescimento, que a Coração Valente afirmou seu governo possuir com consistência. A opção foi translúcida: pagar para ver e redobrar a aposta, sem prejuízo das análises, críticas e balanços que serão feitos até que se possa avistar os fatos para além de projeções e conjecturas.
Uma pena não ser hegemônica na minoria a assertiva "o ajuste fiscal não é um fim em si mesmo", construída pelo ministro Miguel Rossetto, pois, afinal, o ministro Joaquim Levy foi secretário de tesouro do primeiro governo do ex-presidente Lula, fizemos Reforma da Previdência sem mencionar o fim do Fator Previdenciário e ninguém chamou de traição. Tivemos contingenciamento todos os anos e ninguém chamava de corte. Foram estes freios de arrumação "de vez em quandais" que permitiram a transformação nacional gerada por políticas públicas executadas em larga escala e com recorte de classe e a resolução aprovada defende exatamente a baixa dos juros e o seqüência do projeto desenvolvimentista como passo seguinte ao ajuste.
O congresso foi, sim, firme em não permitir retrocessos, mas seguem latentes passos para o futuro, só que isso não é ancien regime e nem velhas maneiras de se "calcular" um "acúmulo": tal processo serviu para mobilizar setores quais, houve deslocamento na maioria, entre outros. Fico imaginando o avanço tático que seria se a posição de defender o ajuste com a retomada do projeto de desenvolvimento, legitimado em 2014, se desse em pactuação com a viga social estruturante do petismo - o movimento sindical, unindo a maioria com as posições do ministro Rossetto, por exemplo.
Para uns, estava em jogo o Partido dos Trabalhadores (PT) se tornar a versão brasileira do PS (francês) do PSOE (espanhol) do PS (português), do Partido Trabalhista (Inglês), do Partido Comunista (italiano)...mas poderia ser pior: se tornar um Bloco de Esquerda português, Uma Liga Comunista Revolucionária francesa, um Esquerda Unida espanhola, um Bandera Rossa italiana. Não pelo programa que cada pólo destes defende, mas pela relevância política factual em suas respectivas nações. O PT terá que encontrar seu próprio caminho a partir da sua "vista do ponto".
Há quem confunda partido de massas com partido que tem votos e influência política e social. O partido bolchevique liderou uma revolução e não era de massas, era de vanguarda. O PSOL dirige uma prefeitura e "é" de massas. Esta diferença é de fundo e, regra geral, parte dos críticos do PED discutem seus problemas sem discutir a concepção por trás da polêmica, que remonta aos estatutos do P.O.S.D.R, à polêmica de Rosa Luxemburgo com Lenin. Trata-se, a um partido de massas, a adesão popular, mas, sobretudo, estar aberto ao povo, à participação ampla de seus filiados em suas decisões.
E é nesta direção que é deveras temerário experimentar disputar as delicadíssimas eleições de 2016 só com "contribuição militante", num formato "partido militante" e arriscar a primeira redução do número de prefeituras na história do PT. O Congresso disse inequivocamente que o PT vai analisar com a devida prudência a questão de seu financiamento. Neste momento é melhor dar passos firmes e refletidos do que se focar em "dar sinais". O sinal tem que ter muita consistência, uma vez que não estamos brincando com um grupelho político irrelevante. É o PT do Brasil.
Agora, o partido precisa se depurar das práticas do sistema eleitoral institucional que danificaram a vida interna, mas isso tem que se dar na direção de combinar processos ampliados de consulta e participação aos filiados, com medidas para ampliar a organicidade, para forjar novos quadros para tempos difíceis. O V Congresso garantiu a não pactuação com saídas fáceis, mas não foi definitivo em apontar como recompor a organicidade interna. Para isto se realizará, também para permitir a ampla reflexão e diálogo, um seminário a seguir. A Carta de Salvador deu as bases para ele: "Para estarmos aptos a ações de tanta envergadura, o V Congresso conclama todo o partido para um profundo processo de reorientação, caracterizado pela renovação em suas estruturas, métodos de organização e direção, formas de financiamento, instrumentos de comunicação e relações com os movimentos sociais".
A inverdade de que ele não apontou elementos de reforma interna reside em outros pontos da referida Carta, que são a matéria-prima programática, no mesmo sentido, da atividade mencionada:
- "Essa é a senda de um partido de massas vocacionado para dirigir o Estado, mas cujo projeto histórico é a fundação de uma nova sociedade, socialista e democrática";
- "O Partido dos Trabalhadores não economizará esforços para ajudar a reunificar os movimentos, agrupamentos, coletivos e militantes que tornaram possível a reeleição da presidente Dilma Rousseff em outubro de 2014";
- "O programa de reformas estruturais pressupõe a construção de uma frente democrática e popular, de partidos e movimentos sociais, do mundo da cultura e do trabalho, baseada na identidade com as mudanças propostas para o período histórico em curso".
Neste horizonte, talvez a mais importante resolução tenha sido a seguinte: "Este caminho vai além de acordos eleitorais ou de pactos entre direções: nossa proposta é a constituição de uma nova coalizão, orgânica e plural, que se enraíze nos bairros, locais de estudo e trabalho, centros de cultura e pesquisa, capaz de organizar a mobilização social, o enfrentamento político-ideológico , a disputa de hegemonia e a construção de uma nova maioria nacional", como elementos centrais para a assertiva estratégica "A opção pela qual lutamos é a da transição de políticas públicas para reformas de base".
Uma alteração e tanto na linha partidária, inscrito no texto original da maioria, que aponta um PT para o século XXI.
No V Congresso também foi apresentada a uma importante autocrítica da maioria, ao contrário da "espontaneidade do cansaço" que alguns falaram: "não ter estabelecido como tarefas prioritárias, desde o princípio, a reforma do sistema político e a democratização dos meios de comunicação"; "o Partido dos Trabalhadores e as administrações sob sua liderança deixaram, na prática, de alterar instituições e instrumentos de poder das velhas oligarquias, que, mesmo fora do governo central, hoje nos combatem ferozmente"; "o partido e o governo acabaram, assim, adaptados a um regime marcado pelo predomínio do poder econômico, pela limitação da participação popular e pelo monopólio da informação"; "deixado intacto, esse sistema político-eleitoral contaminou práticas partidárias, deformou relações internas e trouxe de contrabando métodos e hábitos da política tradicional"; "a deficiência em determinar a correta relação de coalizão interclassista e pluripartidária com disputa de hegemonia"; "negligenciar a necessidade de investir na elevação da consciência e da cultura de classe das multidões beneficiadas pela ascensão social"; "pouca relevância oferecida à formação político-ideológica da militância"; etc.
Por isso e, por fim, desfecha-se corretamente a Carta de Salvador ao constatar que "O Partido dos Trabalhadores tem buscado corrigir estes erros nos últimos anos, como é possível confirmar pelas resoluções e documentos aprovados desde o III Congresso".
Espero que a prometida mobilização a ser feita pela minoria e um hipotético congresso "livre" apresente pautas realmente novas e propostas concretas à luz destas resoluções de ir às bases e retomar as reformas estruturais da democracia, afinal o novo acordo partidário de que falou o blog do ex-ministro José Dirceu, imprescindível para realinhar as expectativas Governo-Partido-Povo, não pode ser um mero convescote.

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