Texto escrito a convite da revista Caros Amigos.
Qual presente aos 35?
O Partido dos Trabalhadores foi criado em 1980. Sua
história pode ser dividida em três grandes etapas: até 1989 fizemos oposição
política e social contra a ditadura e contra a transição conservadora; até
2002, fizemos oposição ao neoliberalismo; e a partir de 2003 e até agora,
encabeçamos o governo federal.
As transformações ocorridas no PT e em sua atuação,
ao longo destes 35 anos, responderam em parte às mudanças objetivas ocorridas
na sociedade brasileira, na luta entre as classes sociais. Por outra parte, as
mudanças sofridas pelo PT são produto da luta entre as diversas correntes
existentes no interior do Partido, correntes que expressam de maneira mais ou
menos consciente o ponto de vista de diferentes setores da classe trabalhadora.
Existem hoje no PT quatro grandes correntes
ideológicas: o social-liberalismo, o desenvolvimentismo, a social-democracia e
o socialismo. Estes últimos, que foram hegemônicos na primeira etapa da
história do Partido, desde 1995 vêm perdendo influência.
A maior parte dos petistas socialistas sofreu uma
metamorfose, aderindo em maior ou menor grau às ideias das demais correntes
ideológicas. Outra parte optou por investir suas energias na militância dita
“social” ou explicitamente em outros projetos partidários. Um grande número
escolheu manter-se filiado ao PT, mas sem acreditar na possibilidade de
reconstruir uma hegemonia socialista no seu interior.
Acontece que desde o final da ditadura militar até hoje,
o PT é o partido com maior influência nas classes trabalhadoras brasileiras,
com mais força política social e institucional, com mais destaque
internacional.
Os demais partidos vinculados à classe trabalhadora
são aliados, adversários ou inimigos do PT, que mantém uma hegemonia que
decorre de sua influência de massa e também das condições sob as quais se
trava, hoje, a luta política no Brasil.
Por isto, os dilemas do PT são os dilemas da classe
trabalhadora brasileira: enquanto durarem as atuais condições históricas, a
derrota do PT será a derrota do conjunto da classe trabalhadora e da esquerda brasileira.
Os que acreditam que esta derrota é inevitável e
investem na construção de sua própria alternativa partidária, geralmente
acreditam que esta alternativa sobreviveria à uma derrota do PT e assumiria o
papel atualmente ocupado pelo PT.
Tal crença é uma ilusão, porque caso o petismo fosse
derrotado historicamente, o mais provável seria ocorrer algo similar ao que se
passou em 1964-1980 quando da derrota do comunismo e do trabalhismo, ou seja, a
dispersão da esquerda num ambiente de derrota geral da classe trabalhadora.
Por isto diversos setores da esquerda, mesmo não
sendo petistas, consideram necessário impedir a derrota do PT. E impedir a
derrota do PT exige, fundamentalmente, mudar a atual estratégia política do
Partido.
A política adotada pelo PT em sua primeira década de
existência, especialmente a partir de 1986, foi baseada no programa
democrático-popular e socialista e numa estratégia que articulava luta social,
luta institucional, disputa politico-cultural e organização partidária.
Entretanto, depois da derrota sofrida nas eleições
de 1989, um setor importante do Partido entendeu que era necessário mudar de
programa e de estratégia. A partir de 1995, o objetivo principal do Partido
passou a ser derrotar o neoliberalismo, o que implicava em ter como objetivo não
mais iniciar uma transição socialista, mas sim administrar um capitalismo
não-neoliberal.
À medida que o objetivo programático passou a ser
derrotar o neoliberalismo, setores do grande Capital passaram a ser
considerados aliados estratégicos. O PT passou a realizar cada vez mais
alianças com partidos de centro e direita, que expressavam exatamente os
interesses daqueles setores.
Como o grande capital brasileiro é hegemonizado pelo
setor financeiro e monopolista, setores do Partido passaram a defender e a
praticar alianças também com os setores beneficiários e interessados no
neoliberalismo que supostamente se pretendia derrotar. Em consequência,
começaram a propor e a realizar alianças inclusive com o PSDB.
A mudança no objetivo programático e nas alianças
foi acompanhada por mudanças na política de acúmulo de forças e de
conquista/construção do poder.
Até 1995, nosso caminho para o poder incluía
participar das eleições e exercer mandatos. Mas a luta institucional era um dos
meios, não o único meio e nunca o fim. A luta institucional era considerada
parte de uma estratégia que incluía também a luta e organização social, a
construção de uma aliança orgânica entre as forças democrático-populares, a disputa
ideológica, cultural, de visões de mundo, bem como a organização do próprio PT
como partido de massas.
Mas ao longo dos anos 1990, especialmente a partir
de 1995, a luta institucional foi progressivamente se tornando "a"
estratégia, que subordinava e na prática às vezes substituía os demais
aspectos.
A mudança no objetivo programático, na política de
alianças, na política de acúmulo de forças, na via de conquista/construção do
poder não impediram a nossa vitória nas eleições presidenciais de 2002. Tampouco
impediram que nossos governos federais, estaduais e municipais melhorassem a
vida do povo.
Mas com o passar do tempo foi ficando cada vez mais
claro que a estratégia adotada entre 1995 e 2005, além de não conduzir ao
socialismo, possuía também "defeitos de fabricação" que impediam
atingir seus próprios objetivos.
Afinal, para continuar melhorando a vida do povo,
ampliando a democracia e a soberania nacional, é preciso fazer reformas
estruturais. Na ausência de reformas estruturais, a tendência é o retrocesso
nas condições de vida do povo e a retomada de uma hegemonia de tipo neoliberal.
E para fazer reformas estruturais, necessitamos de
força política e social, já que tais reformas de caráter democrático-popular
contrariarão os interesses das classes dominantes no plano nacional e
internacional.
Por outro lado, chegamos ao governo, mas não
conquistamos o poder. E aqueles setores políticos e sociais que detêm o poder
estão cada vez mais ameaçando nossa continuidade no governo, como fica claro ao
compararmos os resultados das eleições presidenciais desde 2002 até 2014.
A estratégia adotada pelo PT desde 1995 visava e
visa conquistar o governo e mudar as ações de governo. Não é e nunca foi uma
estratégia de poder, de disputa de hegemonia e ampliação do apoio político e
social para o Partido, de reformas estruturais. Seguir adotando esta estratégia
nos levará a administrar o retrocesso do que fizemos desde 2002 e ajudar em
nossa própria derrota, nas eleições e/ou fora delas.
Noutra palavras: a estratégia majoritária no PT
entre 1995 e 2005 nos trouxe até certo ponto. Talvez pudéssemos ter chegado até
aqui com outra estratégia, talvez não. Independentemente disto, se quiser seguir
adiante, o Partido precisará de outra estratégia, que reconheça que só é
possível continuar melhorando a vida do povo se fizermos reformas estruturais.
Que construa as condições políticas para fazer reformas estruturais. Que
recoloque o socialismo como objetivo estratégico. Que constate que o grande
capital é nosso inimigo estratégico. Que não acredite nos partidos de
centro-direita como aliados. Que seja baseada na articulação entre luta social,
luta institucional, luta cultural e organização partidária. Que retome a
necessidade do partido dirigente e da organização do campo democrático-popular.
E que abra mão, integral e imediatamente, do financiamento empresarial.
Em 2005 já havia ficado clara a necessidade desta
nova estratégia. Naquele momento, a crise política criou as condições para
eleger uma nova direção para o Partido, entendendo direção no duplo sentido da
palavra: no sentido de núcleo dirigente e no sentido de rumo estratégico.
Entretanto, entre o primeiro e o segundo turno das
eleições partidárias de 2005, um importante setor da esquerda petista desistiu
de disputar o PT e resolver aderir ao PSOL.
Em parte por isto, em parte por limitações dos
demais setores da esquerda petista, em parte pela força dos setores moderados do
PT, o resultado foi a eleição de uma nova direção partidária comprometida com
algumas mudanças na implementação da estratégia, mas não comprometida com a
adoção de uma nova estratégia.
Embora limitadas, as mudanças realizadas entre 2006
e 2010 melhoraram o ambiente no Partido, contribuíram para que o governo Lula
fizesse uma inflexão à esquerda e nos permitiram vencer as eleições
presidenciais de 2006 e 2010. Mas a estratégia continuou a mesma.
As consequências deste erro ficaram claras em junho
de 2013, nas eleições de 2014 e neste início do segundo mandato de Dilma. Ao
não mudar a estratégia, enfrentamos seus efeitos colaterais. Ao não mudar a
estratégia no momento adequado, somos obrigados a tentar a alteração quando é
mais difícil fazê-lo.
Embora o estilo predominante no atual governo possa
agravar as coisas, os impasses estratégicos atuais não decorrem principalmente
das ações (e inações) da presidenta Dilma. As escolhas estratégicas feitas
pelos grupos atualmente majoritários no PT são anteriores ao ingresso de Dilma
no Partido. E as opções feitas pelo governo neste primeiro bimestre de 2015 têm
a mesma genética das opções feitas por Lula no biênio 2003-2004.
A diferença é que as condições da luta de classe
mudaram completamente. O cenário internacional foi alterado, o grande Capital
mudou de atitude, os setores médios e parcelas crescentes da classe trabalhadora
também mudaram sua atitude frente ao nosso PT e aos governos que encabeçamos.
Ou seja: se é verdade que a atual estratégia oferecia seus ônus e seus bônus,
agora os bônus estão desaparecendo e os ônus agigantaram-se.
Por tudo isto, parcela importante da "nação
petista” esperava que o 5º Congresso do PT (realizado de 11 a 13 de junho em
Salvador, Bahia) propusesse mudanças na linha política e no funcionamento do
Partido, mudanças na ação de nossas bancadas parlamentares e na ação do governo
Dilma.
Infelizmente, as resoluções do 5º Congresso nacional
do PT -- pelo que disseram e principalmente pelo que deixaram de dizer--
frustraram as expectativas e as esperanças das bases vivas do petismo.
Comprovou-se assim, mais uma vez, que nossas
principais dificuldades não decorrem da ação da oposição de direita, do
oligopólio da mídia ou do grande capital, seja transnacional, financeiro,
agropecuário ou monopolista. Nossos inimigos e nossos adversários estão apenas
fazendo a sua parte. Se eles estão tendo êxito, é no fundamental devido a
erros, ações e omissões que têm origem nas fileiras do Partido.
Quais as chances de êxito nesta luta por mudar os
rumos do PT? Respondendo com franqueza: são reduzidas, como foram igualmente
reduzidas as chances de vitória em tantas outras disputas de significado
estratégico. O que não nos impediu de lutar, nem impediu que fossemos
vitoriosos em várias delas.
Se vencermos desta vez, será graças à força e a
vontade dos setores mais combativos da classe trabalhadora. Este é o melhor
“presente de aniversário” que o PT pode receber.
Valter Pomar é militante do PT. Entre 1997 e 2013,
foi dirigente nacional do PT. Foi secretário de relações internacionais do PT e
secretário executivo do Foro de São Paulo.
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