terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Outro ajuste fiscal é possível

As matérias abaixo reproduzidas, publicadas pelo jornal O Estado de São Paulo, registram um fenômeno real: entre os dirigentes e militantes do PT, há um crescente desconforto com a política de ajuste fiscal recessivo que vem sendo implementada por Joaquim Levy.


Claro que a existência de conflitos entre o PT e governos encabeçados por petistas faz parte da paisagem desde 1982.


Claro, também, que o governo Dilma não pode ser reduzido a este ou aquele ministro, chame-se Levy, Katia ou Kassab.


Claro, ainda, que as primeiras ações de um governo não determinam necessariamente como ele terminará.
Na área econômica, tanto o primeiro mandato de Lula quanto o primeiro mandato de Dilma também iniciaram de maneira similar a este segundo mandato Dilma.
(Aliás, numa destas ironias da vida, alguns que hoje criticam as medidas de Levy, apoiaram as  de Palocci. E alguns que hoje defendem as medidas de Levy, criticaram as de Palocci. O que confirma que, para além de divergências táticas, estamos diante de um déficit de debate estratégico.)


Seja como for, é inegável que grande número de militantes considera existir uma profunda contradição entre o que foi dito e feito na campanha eleitoral --especialmente no segundo turno-- e o que está sendo dito e feito agora pela equipe econômica liderada por Levy.


Neste sentido, nada mais natural que o Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores, que vai reunir-se no próximo dia 6 de fevereiro, debata a situação e aprove uma resolução a respeito.


Falando em tese e sendo pessimista, o Diretório Nacional poderia inclusive aprovar uma resolução em apoio às medidas de Levy, assim como diretórios passados sustentaram as medidas de Palocci no primeiro mandato de Lula.


Contudo, há setores do PT que discordam da política de ajuste fiscal recessivo implementada por Joaquim Levy, mas temem que aprovar uma resolução crítica ajude a oposição de direita.
Por este motivo, é provável que atuem para que não exista nenhuma manifestação pública -- através de uma resolução do diretório nacional do PT -- acerca da política de ajuste fiscal recessivo.

É claro que a existência de um conflito entre o PT e o governo Dilma pode ser manipulada e aproveitada pela direita, pelo oligopólio da mídia e pelo grande capital.
 

Mas o que estes três setores mais desejam não é uma resolução crítica.

O que a direita, o oligopólio e o grande capital mais desejam pode ser resumido no seguinte roteiro:  1) governo aplica uma política de ajuste fiscal recessivo, povo piora de vida, governo e PT se desgastam; 2) PT critica o governo, governo não muda de posição, enfraquecimento do PT e do governo; 3) grande capital sai ganhando com enfraquecimento dos trabalhadores; 4) oposição de direita sai ganhando nas próximas eleições.

Para evitar que este roteiro vire realidade, é fundamental que a maioria do PT e do governo se convençam de que é necessário adotar uma política diferente daquela implementada por Joaquim Levy.

Este convencimento passa pelo debate e pela aprovação de resoluções do Diretório Nacional.

Para evitar isto, a grande imprensa busca estigmatizar aqueles que defendem aprovar uma resolução crítica à política de ajuste fiscal recessivo. 

Na versão de parte da grande imprensa, por exemplo dos textos reproduzidos ao final, os críticos de Levy seriam uma mistura entre fisiológicos (ainda) não contemplados, "quadrilheiros" ressentidos e esquerdistas incorrigíveis.

A grande imprensa cumpre seu papel. O PT deve cumprir o seu e aprovar uma resolução que afirme que outro ajuste fiscal é possível, um ajuste fiscal baseado em aumentar as receitas do Estado, aumentando o imposto pago pelos ricos.





Medidas impopulares colocam PT em ebulição

VERA ROSA / BRASÍLIA - O ESTADO DE S.PAULO
25 Janeiro 2015 | 02h 06

Planalto age para evitar que festa de 35 anos da sigla vire desabafo contra Dilma


Às vésperas de completar 35 anos, o PT está em ebulição em razão das medidas impopulares na economia, como aumento de impostos e mudanças no seguro-desemprego. As críticas se espalham e o governo tenta evitar que a insatisfação seja formalizada no próximo dia 6, quando haverá reunião do Diretório Nacional petista, em Belo Horizonte, e um ato para comemorar o aniversário do partido.
Dilma e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva são os convidados de honra da festa, que ocorrerá em momento difícil para o PT e sua principal corrente, a Construindo um Novo Brasil (CNB), afastada do "núcleo duro" do Planalto. Tudo está sendo preparado para abafar o tiroteio, que aparece na esteira de queixas sobre a condução do governo, o isolamento de Dilma e a perda de espaço do grupo de Lula no primeiro escalão.
Nos bastidores, porém, deputados, senadores e até dirigentes do PT manifestam incômodo com o fato de Dilma, em seu segundo mandato, só apresentar um "saco de maldades" para a população, sem qualquer agenda positiva, e reclamam do custo político das medidas.
"Quando o ministro da Fazenda diz que o atual modelo do seguro-desemprego é completamente ultrapassado, precisamos saber o que ele propõe para pôr no lugar, porque estamos falando de proteção ao trabalhador", afirmou o deputado Paulo Teixeira (PT-SP), numa referência à entrevista do ministro Joaquim Levy ao jornal inglês Financial Times. "Nós somos a favor de combater as fraudes, mas vamos retirar da proposta do governo tudo o que vier para prejudicar os trabalhadores e revogar direitos." A polêmica que atormenta o segundo mandato de Dilma, com cortes de gastos e juros na estratosfera, lembra a queda de braço do início do governo Lula, em 2003, entre monetaristas e desenvolvimentistas. Na época, Antônio Palocci era ministro da Fazenda, Levy comandava a Secretaria do Tesouro e o PT gritava, como hoje, contra a ortodoxia da política econômica.
"Mesmo que pessoas do PT encarem o que estamos fazendo como ajuste antissocial, nós precisamos ter responsabilidade", disse ao Estado o ministro das Comunicações, Ricardo Berzoini. "Temos um patrimônio de seguridade social que muitos países não têm e, para que tudo isso resista às mudanças na economia, é necessário, de tempos em tempos, fazer ajustes, porque o orçamento é finito. Nós não estamos no vácuo. Estamos no mundo." Berzoini destacou que a previdência pelo INSS, somada ao seguro-desemprego, consumiu, nos últimos doze meses, R$ 460 bilhões. "Para que as conquistas obtidas com a Constituição de 1988 sejam preservadas, governo e Congresso não podem ficar omissos diante de distorções", emendou Berzoini, que foi ministro da Previdência no governo Lula.
Na tentativa de amenizar o bombardeio na direção do Planalto, o senador Humberto Costa (PE) disse que o PT está aberto a discussões. "Criticar é normal. Não se pode confundir o partido com o governo", argumentou Costa, que é líder do PT no Senado. Na sua avaliação, medidas duras são necessárias para retomar o "núcleo" do projeto de crescimento com distribuição de renda. "Mas a nossa preocupação é com a proteção social", insistiu.
Em disputa. Na sexta-feira, o blog do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu trazia mais críticas à política econômica. Condenado no processo do mensalão e novo alvo da Operação Lava Jato, da Polícia Federal - que investiga um esquema de corrupção na Petrobrás -, Dirceu tem recebido, desde novembro, uma romaria de petistas que se queixam do governo Dilma. As reuniões ocorrem em sua casa no Lago Sul, em Brasília, onde ele cumpre prisão domiciliar.
Ressentido com Dilma, Lula e a cúpula do PT, Dirceu tenta dar voz de comando a seu grupo no partido para criar um novo campo político, crítico ao governo. Nas conversas reservadas, o ex-ministro e ex-presidente do PT costuma dizer que os rumos da gestão Dilma estão em disputa.
Na linha de tiro, a política econômica também foi alvejada, nos últimos dias, pelo vice-presidente do PT, Alberto Cantalice, e pela Fundação Perseu Abramo, ligada ao partido. No twitter, Cantalice definiu como "erro" o veto de Dilma à correção da tabela do Imposto de Renda de pessoas físicas em 6,5%. No diagnóstico do Boletim de Conjuntura da Perseu Abramo, o ajuste fiscal adotado hoje pode aprofundar as "tendências recessivas" da economia.

 Estadão – 25/1 - O PT na oposição
Depois de quatro anos de uma gestão malsucedida - que se refletiu nas urnas de outubro com a vitória mais apertada que o PT já teve desde 2002 -, Dilma Rousseff tomou providências para que, neste segundo mandato, sejam feitas as correções necessárias na condução da política econômica. Mas o PT, de olho nas eleições municipais do ano que vem, está mais preocupado em manter nos palanques o discurso populista que o levou ao poder do que com a necessidade de levar a sério a retração econômica que já é uma realidade no País e prejudica, no médio e longo prazos, principalmente a população de renda mais baixa. Em matéria de economia, portanto, o PT está na oposição.
Mesmo fazendo um desconto para o irredimível voluntarismo petista, que acredita que para ter justiça social e distribuição de renda basta que o governo as imponha por decreto, é difícil de acreditar a que ponto está chegando a generalização das críticas e dos ataques à equipe nomeada por Dilma para botar ordem na casa, acabar com a farsa da contabilidade criativa e conter a inflação e a sangria de recursos indispensáveis aos projetos de infraestrutura sem os quais o País não progride. Criar, enfim, as condições para que o Brasil possa retomar um ritmo de crescimento que permitiu os avanços sociais registrados no governo Lula.
Foram importantes conquistas que, embora os petistas tentem negar, foram construídas sobre os fundamentos econômicos "neoliberais" dos governos FHC, aos quais o PT aderiu às vésperas das eleições de 2002 com a famosa Carta aos Brasileiros.
Hoje, indesmentíveis fatos, números e estatísticas revelam que, depois de ter abandonado a política econômica "neoliberal" que o próprio Lula já não levou tão a sério em seu segundo mandato, o desempenho de Dilma nos seus primeiros quatro anos levou o País ao retrocesso. Ela própria estaria intimamente convencida disso. Se assim não fosse, não teria ousado tanto na troca da equipe econômica. Mas o PT não a acompanha, nem no diagnóstico nem na prescrição.
A Construindo um Novo Brasil (CNB), corrente majoritária do Partido dos Trabalhadores, reuniu-se segunda-feira passada em Brasília, preparando-se para o 5.º Congresso petista marcado para 2 de fevereiro em Belo Horizonte. Os militantes dedicaram seis horas a debater questões como o impacto do ajuste fiscal em curso. Não o impacto na economia brasileira, mas "na imagem do PT e nas eleições de 2016". O comando da CNB tem procurado minimizar as críticas que se alastram dentro do partido, mas a reunião de Brasília deixou claro que a rejeição às primeiras medidas de austeridade anunciadas são praticamente unânimes entre os petistas.
Comprova essa tendência a manifestação da Fundação Perseu Abramo, ligada ao PT e ao pensamento econômico "desenvolvimentista" da Unicamp, que em nota afirmou que as medidas de austeridade fiscal "podem afetar a defesa dos ganhos sociais" e que o governo Dilma "parece ver-se obrigado a coadunar (sic) parcialmente com os argumentos mercadistas".
A Central Única dos Trabalhadores (CUT), braço sindical do petismo, também está insatisfeita. Para seu presidente, Wagner Freitas, "o governo tem que dizer claramente o que quer. Estamos preocupados com essa política recessiva junto com mudanças no seguro-desemprego". Essa insatisfação será levada às ruas pela CUT, junto com outras organizações sociais, no dia 28.
Um membro da Executiva Nacional do partido, o gaúcho Raul Pont, está inconformado: "Essa visão de política econômica do ministro não combina com o que pensamos e defendemos no PT". Pont integra a mesma corrente Democracia Socialista a que pertencem os ministros Miguel Rossetto, secretário-geral da Presidência, e Pepe Vargas, das Relações Institucionais.
Há ainda uma interessante evidência de que as orelhas de Dilma continuarão ardendo: o coro dos indignados foi reforçado por ninguém menos do que o presidiário José Dirceu, animado com os preparativos para o retorno à cena política. Em seu blog, escrito no conforto de sua mansão em Brasília onde cumpre prisão domiciliar, vaticinou o chefe da quadrilha do mensalão: "Tudo indica que o que vamos ter é uma recessão, e das bravas, no Brasil este ano".
Dilma Rousseff está sentindo na pele o que é ter o PT na oposição.

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