A Hora da Verdade depois do 8º Encontro Nacional do PT
"O melhor ainda está por vir" é um dos textos da
coletânea "Articulação de Esquerda 1993-1998. Artigos e Resoluções".
A coletânea não foi publicada, estando disponível para consultas no endereço www.pagina13.org.br. "O melhor ainda está por
vir" tinha como subtítulo "A hora da verdade depois do Oitavo
Encontro Nacional do PT". Foi escrito por mim e lido previamente por Jorge
Branco e Candido Vaccareza, na época, integrantes da Articulação de Esquerda.
A nova direção nacional do PT
tem sob sua responsabilidade conduzir o partido nas disputas deste e do próximo
ano, dirigir a campanha Lula 94 e enfrentar o quadro pós-eleitoral, que será,
em qualquer caso, extremamente complexo.
O sucesso no cumprimento destas tarefas dependerá de uma
série de fatores, entre os quais destacam-se: a reorganização partidária e a
reconstrução de nossa capacidade dirigente; um salto de qualidade nos movimentos
sociais; a sincronia entre nossa tática política e a ação das prefeituras e
bancadas; um programa de governo, uma política de alianças e uma linha de
campanha à altura dos desafios nacionais; e uma postura mais ofensiva e
socialista na luta político-ideológica.
Desse ponto de vista, o 8º Encontro Nacional foi
extremamente positivo, na medida que aprovou resoluções e elegeu uma direção
comprometidas com o equacionamento, pela esquerda, de cada um destes elementos.
Entretanto, o 8º Encontro deve ser considerado como um primeiro passo de um processo de resgate dos princípios
partidários, que está longe de se concluir.
Com base nas resoluções do Encontro, nas posições
conquistadas nos diversos níveis de direção e na injeção de ânimo que o giro à esquerda proporcionou à
militância, o maior desafio da “nova maioria” partidária será transformar-se em
“nova hegemonia”. Ou seja: Uma opção de esquerda deve ser capaz de exercer o
papel que, especialmente a partir do 5º Encontro Nacional, foi cumprido pela
antiga Articulação. Isso, em condições novas, substancialmente diferentes
daquelas em que atuou a antiga Articulação: maioria nos estados, com menores
diferenças políticas no interior do partido. Mais que isso: a velha Articulação
foi dominante num período histórico marcado pelo surgimento e pela afirmação do
PT, como partido de massas, acumulando forças na luta democrática e se
credenciando como alternativa nacional. A velha Articulação foi hegemônica
porque soube responder a contento aqueles desafios; e deixou de sê-lo na exata
medida em que não conseguiu responder aos desafios do novo período histórico,
em que o PT já se constitui como alternativa real, obrigado a uma postura mais
ofensiva, mais radical, mais socialista e claramente dedicada a conquista e ao exercício
do poder.
Transformar a nova maioria em nova hegemonia exige a
combinação de tres qualidades: elaboração política consistente, capacidade de
direção e de diálogo com o partido, os movimentos e a sociedade. Trata-se,
portanto, de uma tarefa complexa.
Em primeiro lugar, a nova maioria surgida do Encontro é
relativa (36,5%) e pouco orgânica. Mesmo seu núcleo central, constituído pela
Articulação/Hora da Verdade, ainda tem que vencer uma etapa de consolidação de
suas propostas e de seu perfil organizativo. Nesse sentido, é urgente reforçar
o núcleo que está a frente da Executiva Nacional, consolidando um fórum
permanente de consulta entre os integrantes da chapa.
Em segundo lugar, as resoluções do 8º Encontro são apenas as
diretrizes de uma estratégia para o período.
Ainda não constituem o sucedâneo, para o período atual, do
que foram as resoluções do 5º Encontro Nacional, responsáveis em grande medida
pelo crescimento e pelas vitórias políticas experimentadas pelo partido no
período 87/89. Cumpre lembrar, entretanto, que esse caráter ainda preliminar
das resoluções do Encontro Nacional deve-se não apenas às dificuldades do
Partido (e nossas) em formular política de longo prazo. Pesou nisso, também, a
postura dos setores majoritários do Unidade na Luta, que optaram por escamotear
o debate de fundo.
O próximo Encontro Nacional,
responsável por elaborar o Programa de Governo, a política de alianças e a
tática da campanha Lula, é o espaço adequado para dar acabamento às nossas
reflexões estratégicas. A formulação de uma estratégia para o período exigirá o
resgate de uma das qualidades da velha Articulação: o método da elaboração
coletiva, envolvendo o conjunto da militância e tomando, como ponto de partida,
a difusão e o debate das resoluções do próprio Encontro Nacional. Exige ainda
unificar os esforços do conjunto de setores que integram Uma opção de esquerda,
um diálogo qualificado com o Na luta PT e setores de Unidade na Luta.
Iniciativas concretas devem ser tomadas nesse sentido, como a constituição de um
coletivo permanente de debate e a aprovação de um calendário comum de
discussões.
Em terceiro lugar, convém ressaltar que a nova direção
recebe o partido em condições críticas, tanto do ponto de vista operacional
(faltam recursos financeiros e humanos) quanto político (dois anos de
predomínio de uma concepção que valorizava os centros autônomos de poder, em
detrimento das instâncias). Herança que constitui um fator de desgaste para a
nova direção, que deve reverter o quadro com iniciativa política, capacidade de
direção e sensibilidade democrática.
Em quarto lugar, é preciso reconhecer que a visibilidade e a
experiência dos setores derrotados no 8º Encontro suplantam a dos setores
vitoriosos. No último encontro nacional, não foi derrotada apenas a direita do
partido, mas também o núcleo que dirigiu o PT durante os últimos 10 anos. Não
foi, portanto, uma derrota da “direita” do partido, ainda que seja plenamente
verdadeiro afirmar que as posições do chamado Projeto para o Brasil foram
colocadas no seu devido lugar.
A derrota do antigo núcleo
dirigente do Partido ocorreu porque, especialmente a partir do 1º Congresso,
suas principais lideranças realizaram um giro à direita, aproximando-se
estratégica e doutrinariamente das concepções do chamado Projeto para o Brasil,
posições estas que foram derrotadas ao longo do Congresso. Ao se afastar das
posições da maioria da base partidária, aquelas lideranças perderam não
apenas a capacidade de enfrentar a conjuntura política bastante complexa da era
Collor. Perderam também, paulatinamente, a legitimidade de que dispunham, já
bastante puída pelo inevitável desgaste de quem é maioria por longo
tempo.
Isso resultou, em 1993, numa impressionante sequência de
derrotas: na discussão sobre o governo Itamar, na eleição do líder da bancada,
no plebiscito sobre sistema de governo, nos encontros partidários.
Uma conjunção de outros fatores concorreu para a derrota do
antigo núcleo dirigente do Partido: o surgimento da Articulação/Hora da
Verdade; a evolução da conjuntura política, que dificultou sobremaneira a
defesa de teses moderadas; e o profundo desgaste político e orgânico
experimentado pelo setor da Articulação majoritário na antiga executiva
nacional.
Essa conjunção, por sua vez, inviabilizou dois desenlaces
que teriam sido prejudiciais para o Partido: a vitória de uma aliança entre
Unidade na Luta e Projeto para o Brasil, tentada já no 1º Congresso e, depois,
com a conhecida Operação Comodoro; e uma chapa única da Articulação,
escamoteando as divergências acumuladas ao longo de pelo menos dois anos, tal
como era proposto pelos setores de Unidade na Luta mais próximos a nós.
O surgimento da Articulação/Hora da Verdade teve papel
destacado para impedir aqueles dois desenlaces.
Nesse particular, faz-se necessário lembrar que, do
surgimento de nosso manifesto, em fevereiro de l993, até o 8º Encontro, fomos
combatidos sem piedade, em nome da “unidade da Articulação”. Dessa ação
participaram inclusive aqueles que, no Unidade na Luta, tinham maior
proximidade política conosco. Com a legitimidade de quem, durante o 1º
Congresso, defendeu posições de esquerda e combateu a aliança com o Projeto
para o Brasil, aqueles companheiros propunham, na prática, uma “renovação
conservadora”: vitoriosas suas posições, teríamos um repeteco melhorado do 1º
Congresso: boas resoluções, mas uma direção que não expressaria isto, passando
a impressão, para o Partido, de que as divergências não passavam de teatro. O
que esses companheiros - a “esquerda do Unidade na Luta”— não perceberam é que
a postura de seus companheiros de viagem era a de escamotear o debate para
preservar espaço no aparelho.
Tudo indica que o bordão – “não há tantas diferenças entre
nós que justifiquem a divisão”- voltará a ser usado. Afinal, a “nova maioria”
partidária ainda não está consolidada. É evidente que o antigo núcleo dirigente
tentará recuperar espaços perdidos, buscando menos disputar e mais colaborar conosco. O que poderá ser
tanto um exercício de hegemonia nossa, quanto deles, a depender de quem dirija
o processo.
Contando com importantes
posições na malha partidária e fora dela, favorecidos por uma generosa
cobertura da imprensa, dispondo de “máquinas eleitorais” preparadas para
enfrentar as eleições de 94 e dispondo da experiência de quem dirigiu o Partido
por uma década, Unidade na Luta disputará conosco a condição de centro
hegemônico do Partido.
Nosso sucesso nesta disputa está vinculado ao sucesso do
próprio PT naquelas metas que foram estabelecidas pelo 8º Encontro. E isto, por
sua vez, dependerá da capacidade da Articulação/Hora da Verdade em garantir o
cumprimento das resoluções do Encontro, formular políticas, hegemonizar os
demais setores do partido. Faz-se necessário dar maior organicidade a Uma opção
de esquerda, estabelecer um diálogo constante com o Na Luta PT e atrair setores
do Unidade na Luta, isolando sua ala xiita.
É evidente que a própria Articulação/Hora da Verdade possui
diferenças políticas internas, expressas por exemplo no timing com que cada setor se integrou ao nosso movimento, na maior
ou menor tolerância frente a Unidade na Luta e Na Luta PT. Até por isso, a
nossa consolidação como tendência supõe um debate político sobre as propostas
para o próximo Encontro Nacional etc. Será o grau de unidade política em
relação as tarefas futuras do Partido que determinará o grau de organicidade
que poderemos assumir.
De toda forma, devemos evitar a inorganicidade e a falta de
solidariedade que marcaram a experiência da Articulação, especialmente em sua
última fase. Importante também é entender que a nova fase da vida interna impõe
a construção de campos políticos, mais do que tendências no sentido estrito da
palavra. Até porque não há terceira via: ou bem a Opção de Esquerda materializa
as aspirações que nos possibilitaram vencer o 8º Encontro, ou será total o
nosso descrédito. Por isso, devemos ter abertura para estreitar laços, nos
estados e nacionalmente, com setores da Opção de Esquerda ou não.
Na mesma linha, tanto como maioria da direção quanto como
tendência, devemos acompanhar e interferir no processo que se desenvolve na
Articulação Sindical, onde diversos setores têm plena consciência de que a CUT
também necessita de uma nova direção. Sem pretender copiar processos que
tiveram sucesso no Partido, devemos abrir o debate sobre a questão e colaborar
no que for possível. O que, diga-se, é uma tarefa do conjunto do Partido.
Finalmente, cabe lembrar que as forças que empurraram o PT
para a direita continuam atuando: a crise do socialismo, a ofensiva neoliberal,
as dificuldades dos movimentos sociais, a cooptação pela institucionalidade. Em
particular, cumpre recordar que nosso caminho estratégico —cujo aspecto central
é a disputa e o exercício do governo— é extremamente arriscado, sendo que a
quase totalidade dos partidos de esquerda que o trilharam abandonaram seus
laços com o socialismo e com a revolução. Por isso, como dizia o apóstolo, é
preciso orar e vigiar. Porque o melhor (e o pior) ainda estão por vir.
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