VERSÃO AINDA EM DEBATE, SUJEITA A ALTERAÇÕES
O texto a
seguir é uma versão atualizada da resolução aprovada, no dia 27 de outubro de
2014, pela direção nacional da tendência petista Articulação de Esquerda. Esta
versão --ainda em debate, sujeita a alterações nas reuniões que a direção da AE fará nos dias 19/1 e 7-8/2-- constitui um subsídio para os debates do 2º Congresso da Articulação de
Esquerda, que será realizado de 2 a 5 de abril de 2015, no Instituto Cajamar
(SP).
1.A
esquerda brasileira tinha dois objetivos na eleição presidencial de 2014. O
primeiro objetivo era vencer, impedindo o retrocesso que seria causado por uma
vitória da oposição de direita. O segundo objetivo era criar as condições para
um segundo mandato superior. O primeiro objetivo foi atingido. O segundo não
foi atingido, como se pode verificar pela composição do ministério e as Medidas
Provisórias 664 e 665.
2.Evidente
que os atos iniciais de um governo não obrigatoriamente determinam seu
desfecho. Neste sentido, é bom lembrar que tanto o primeiro governo Lula quanto
o primeiro governo Dilma começaram fazendo concessões similares à oposição de
direita, ao neoliberalismo.
3.Mas
para mudar o rumo do governo, é preciso dizer as coisas como elas são:
implementar, mesmo que parcialmente, o programa dos derrotados na eleição
contribui para confundir e desorganizar as forças que venceram as eleições
presidenciais de 2014, facilita as operações de sabotagem implementadas pela
oposição de direita e também por setores da base do governo, não ajuda a
bloquear eventuais tentativas de interromper nosso mandato, além de criar um
ambiente favorável aos que desejam nos derrotar nas eleições de 2016 e 2018.
4.Portanto,
nossa tarefa principal em 2015 e adiante será completar o que não foi feito em 2014. Ou seja: criar as condições
para um segundo mandato superior. Isto exigirá um triplo movimento: apoiar o
governo contra a oposição de direita, reverter as concessões que o governo faz
à direita, mobilizar os setores populares em defesa de reformas estruturais.
5.É com
este espírito que estamos participando, desde já, das ações em defesa da
reforma política e da democratização da mídia; das lutas pelo julgamento e
prisão para os criminosos da ditadura militar; das mobilizações sindicais por
emprego e direito, da juventude por transporte público e gratuito; das reuniões
em que se busca dar organicidade à atuação da esquerda política e social; dos
debates preparatórios do Quinto Congresso do PT, assim como dos congressos da
CUT, da UNE, da Ubes e da Juventude petista.
6.Achamos
que nossas preocupações coincidem com as de grande parte da militância que foi
às ruas garantir a vitória no segundo turno de 2014. E é partir delas que, no
2º Congresso da Articulação de Esquerda, discutiremos como –neste contexto
mundial, regional e nacional tremendamente difícil e desafiador—seguiremos
lutando em defesa das reformas democrático-populares e do socialismo.
7.Iniciamos
nossa discussão reafirmando a necessidade de comemorar o resultado das eleições
de 2014. Foi graças à mobilização da maioria do povo brasileiro, da classe
trabalhadora, do campo democrático-popular e da esquerda socialista que conseguimos
reeleger Dilma Rousseff para presidir o Brasil até 31 de dezembro de 2018.
8.Nossa
vitória foi fortemente comemorada por todos os setores democráticos,
progressistas e de esquerda, no mundo e particularmente na América Latina e
Caribe. Comemoração por mais uma vez termos conseguido derrotar eleitoralmente a
direita, o oligopólio da mídia, o grande capital, seus aliados internacionais.
Comemoração, porque este resultado foi obtido no fundamental graças à
consciência de classe de importantes parcelas do nosso povo, à mobilização em
grande medida espontânea da velha e da nova militância de esquerda.
Comemoração, porque a campanha confirmou que o Partido dos Trabalhadores conta
com duas grandes lideranças populares: o ex-presidente Lula e a presidenta
Dilma.
9.Como já
dissemos, nas eleições de 2014, não estava em jogo apenas a continuidade e a
possibilidade de aprofundamento de um processo iniciado em 2002, com a eleição
de Lula. Nas eleições de 2014, estava em jogo, também, impedir ou não o
retrocesso que resultaria de uma vitória da oposição neoliberal.
10.É importante
reafirmar também isto: a oposição encabeçada por Aécio Neves foi portadora das
piores práticas e políticas: o machismo, o racismo, a xenofobia, a intolerância,
o preconceito, o ódio, a saudade da ditadura militar, o neoliberalismo, a
submissão às potências estrangeiras. E, passada a eleição, esta oposição de
direita segue atuante, com setores questionando o resultado eleitoral, adotando
discursos que defendem a divisão do país, ameaçando a normalidade institucional.
11.A
radicalidade da oposição de direita serve, também, para chantagear o governo
eleito, afim de que este adote o programa dos derrotados. Como já dissemos, tínhamos
dois objetivos na eleição presidencial: vencer criando as condições para um
segundo mandato superior. O primeiro objetivo foi atingido. O segundo, não.
Joaquim Levy, Kátia Abreu e outros de seus colegas de ministério estão aí para
comprovar isto.
12.Por
isto é que dizemos que ao PT e ao conjunto da esquerda política e social não
basta comemorar a reeleição da presidenta Dilma Rousseff. É preciso tomar as
medidas para que ela cumpra o programa vitorioso nas urnas e realize um segundo
mandato superior.
13.É com
este propósito que consideramos necessário um amplo processo de balanço das
eleições 2014. Trata-se de estudar o comportamento das classes sociais no
processo eleitoral; a atuação do campo democrático-popular; o jogo dos setores
conservadores; o papel dos partidos políticos, da “terceira via”, dos
movimentos sociais; a batalha da cultura e da comunicação; os resultados das
eleições estaduais e parlamentares, entre outras variáveis: tudo isso é
essencial para que a esquerda construa uma nova estratégia e um novo padrão de
organização e atuação, indispensáveis se quisermos não apenas seguir
governando, mas principalmente seguir transformando o Brasil.
14.Não
basta administrar bem, fazendo mais e melhores políticas públicas. É preciso
construir hegemonia cultural e fazer reformas estruturais, com destaque para a
reforma política e para a Lei da Mídia Democrática. Para atingir estes
objetivos, tanto o PT quanto o conjunto da esquerda devemos aprender a
incorporar as energias, a militância, o ânimo alegre e combativo que foi às ruas,
especialmente no segundo turno da campanha eleitoral. Também é preciso
compreender os motivos e os mecanismos político-culturais que levam parcelas
dos setores médios e da classe trabalhadora a tomarem atitudes reacionárias e a
votarem na candidatura dos ricos e poderosos.
15.Para
que a presidenta Dilma faça um segundo mandato superior, será necessário
desencadear um amplo processo de organização e mobilização destes milhões de
brasileiros e brasileiras que saíram às ruas não apenas para apoiar Dilma, mas
principalmente para defender nossos direitos humanos, nossos direitos à
democracia, ao bem estar social, ao desenvolvimento, à soberania nacional.
16.As
eleições de 2014 reafirmaram a validade de uma ideia que vem desde os anos
1980: para transformar o Brasil, não basta votar e ser votado. Para transformar
o Brasil, é preciso combinar ação institucional, mobilização social e
organização partidária, operando uma verdadeira “revolução cultural” no modo de
fazer politica das classes trabalhadoras. O PT, como principal partido da
esquerda brasileira, está convocado a encabeçar este processo de mobilização
cultural, social e política. Que exigirá, repetimos, renovar nossa capacidade
de entender, de compreender, a sociedade brasileira, a natureza do seu desenvolvimento
capitalista, a luta de classes que aqui se trava sob as mais variadas formas,
cores e sabores.
17.As
eleições mostraram que o PT possui raízes profundas no povo, na classe
trabalhadora, entre as mulheres, entre negros e negras, na juventude. Mas
também evidenciaram nossas imensas debilidades. A consciência de classe e a
generosidade de amplas parcelas do povo brasileiro nos deram mais uma
oportunidade de corrigir estas debilidades. Não temos o direito de
desperdiçá-la.
18.Por
tudo isto, reafirmamos que o PT tem a obrigação de realizar um balanço profundo
e sólido do processo eleitoral, bem como de nossa trajetória a frente do
governo federal desde 2003, que sirvam de base para uma orientação política
global para o período 2015-2018. Realizar um balanço desta natureza demandará
certo tempo, necessário para analisar variados aspectos, consolidar os dados
mensuráveis, ouvir as distintas opiniões, produzir uma reflexão à altura do
processo extraordinariamente rico que vivemos, só comparável à campanha de
1989. O 5º Congresso do PT deve converter-se neste processo de diálogo entre o
Partido e estes milhões que foram às ruas defender a reeleição de Dilma
Rousseff. Um diálogo tanto com petistas quanto com quem não é do PT e critica
nosso Partido.
19.Por
outro lado, a realidade internacional e nacional, a atitude da oposição de
direita e de integrantes da suposta base aliada, assim como descaminhos de
importantes lideranças petistas, impõem a adoção de medidas imediatas, que não
podem esperar pelo 5º Congresso.
20.Embora
o candidato da oposição tenha formalmente aceitado a derrota, o bloco
conservador age muitas vezes como se não tivesse perdido as eleições. Ademais,
como resultado do que faz o oligopólio da mídia “todo santo dia”, mas também em
decorrência do que fizeram Serra em 2010 e Aécio em 2014, o “gênio saiu da
garrafa”: não apenas nas redes sociais, mas ao vivo e em cores, a extrema-direita
saiu do armário, cresceu no parlamento e está empesteando o ambiente com todos
os preconceitos e atitudes violentas.
21.Quando
afirma que o país está dividido, a oposição de direita visa debilitar a
autoridade da presidenta e impor o programa dos derrotados. Mas vitória é
vitória, mesmo que por um voto. E Dilma Rousseff teve 54.477.479 votos, mais de
três milhões a frente de Aécio. A oposição foi derrotada no Nordeste, mas
também em Minas Gerais e no Rio de Janeiro, a tal ponto que a maior parte dos
votos de Dilma Rousseff veio do Sudeste e Sul somados. Os partidos que apoiaram
a reeleição de Dilma têm maioria no Congresso Nacional. A maioria do eleitorado
votou não apenas pela continuidade, mas também pelo aprofundamento das mudanças
iniciadas em 2003.
22.A “tese”
da oposição de direita, portanto, não decorre da análise dos fatos e dos
costumes. Decorre do seguinte: eles não aceitam que tenhamos vencido a quarta
eleição presidencial seguida, apesar de tudo que fizeram contra nós. Eles temem
que o campo democrático-popular avance nas suas conquistas e vença também as
eleições de 2018. Eles sabem, por experiências antigas e recentes, que com
ameaças podem conseguir aquilo que o povo não lhes deu.
23.Para
os donos do poder, é simplesmente inaceitável a continuidade da ampliação do
bem-estar social, das liberdades democráticas e da soberania nacional. Frente à
quarta derrota consecutiva, eles fazem e farão de tudo para que a presidenta
implemente o programa dos derrotados; para tentar sabotar o novo governo; para
buscar desestabilizar a institucionalidade democrática, por exemplo via
impeachment ou cassação do registro do partido; para nos derrotar em 2016 e
2018. Sua estratégia pode ser resumida em duas palavras: reação permanente. Todas
as alternativas estão postas na mesa da oposição de direita.
24.Não
basta constatar isto, muito menos atribuir ao governo estrito senso a solução,
pois já aprendemos que o espaço de atuação do governo depende em grande medida
da mobilização política e social. Portanto, uma de nossas tarefas principais,
em 2015 e adiante, será completar o que não foi feito em 2014. Ou seja: criar as
condições para um segundo mandato superior. Tarefa na qual o PT e o conjunto dos
partidos e movimentos sociais aliados, bem como a intelectualidade democrática,
têm muito a dizer e fazer. A seguir, enumeramos as três medidas mais urgentes:
I.Dar
organicidade ao grande movimento político-social que venceu o segundo turno das
eleições presidenciais. Partidos e setores de partidos, movimentos sociais,
trabalhadores da cultura e intelectualidade democrática devem ser convidados a
compor uma grande frente onde possam debater e articular ações comuns, seja em
defesa da democracia, seja em defesa das reformas democrático-populares.
II.Iniciar
a construção de um jornal diário de massas e de uma agência de notícias, articulados
a mídias digitais (inclusive rádio e TV web), com ação permanente nas redes
sociais, que sirvam de retaguarda e de instrumento do campo democrático-popular
na batalha de idéias. Integrar esta ação de comunicação política com o amplo
movimento cultural que está em curso neste país e que foi tão importante no
segundo turno.
III.Relançar
a campanha pela reforma política e pela mídia democrática, contribuindo para
que o governo possa tomar medidas avançadas nestas áreas e para sustentar a
batalha que travaremos a respeito no Congresso Nacional.
25.Neste
contexto, cabe ao PT reafirmar seu compromisso com a seguinte plataforma:
A.reforma
política, através de uma Constituinte exclusiva seguida de uma consulta oficial
à população, para que esta referende ou não as decisões da Constituinte;
B.democracia
na comunicação, com a Lei da Mídia Democrática e a implantação das principais
resoluções da Conferência Nacional de Comunicação de 2009;
C.democracia
representativa, democracia direta e democracia participativa, para que a
mobilização e luta social influencie a ação dos governos, das bancadas e dos
partidos políticos. O governo precisa dar continuidade à participação social na
definição e acompanhamento das políticas públicas e tomar as medidas para reverter
a derrubada da Política Nacional de Participação Social, objeto de decreto
presidencial cancelado pela maioria conservadora da Câmara dos Deputados no dia
28/10/ 2014;
D.a
agenda reivindicada pela CUT, onde se destacam o fim do fator previdenciário e
a implantação da jornada de 40 horas sem redução de salários, assim como as
medidas indicadas por seis centrais sindicais em nota divulgada dia 13/1/2015;
E.as
reformas estruturais, com destaque para a Lei da Mídia Democrática, a reforma
política, as reformas agrária e urbana, a universalização das políticas de
saúde e educação, a defesa dos direitos humanos e a desmilitarização das
Polícias Militares;
F.salto
na oferta e na qualidade dos serviços públicos oferecidos ao povo brasileiro,
em especial na educação pública, com reformas pedagógicas e curriculares
no ensino básico, médio e universitário; no transporte público; na segurança pública
e no SUS, sobre o qual reafirmamos nosso compromisso com a universalização do
atendimento e o repasse efetivo e integral de 10% das receitas correntes brutas
da União para a saúde pública;
G.ampliar
a importância e os recursos destinados às áreas da comunicação, da educação, da
cultura e do esporte, pois as grandes mudanças políticas, econômicas e sociais
precisam criar raízes no tecido mais profundo da sociedade brasileira;
H.proteção
dos direitos humanos. Salientamos a defesa dos direitos das mulheres, a
necessidade de criminalizar a homofobia, o enfrentamento dos que tentam
criminalizar os movimentos sociais. Afirmamos o compromisso com a revisão da
Lei da Anistia de 1979 e com a punição dos torturadores. Assim como com a
reforma das polícias e a urgente desmilitarização das PMs, cuja ineficiência no
combate ao crime só é superada pela violência genocida contra a juventude negra
e pobre das periferias e favelas;
I.total
soberania sobre as riquezas nacionais, entre as quais o Pré-Sal, e controle
democrático sobre as instituições que administram a economia brasileira, entre
as quais o Banco Central, a quem compete entre outras missões combater a
especulação financeira que está por detrás das candidaturas da oposição de
direita.
J.política
de desenvolvimento de novo tipo, articulada com as reformas democráticas e
populares, com nossa luta pelo socialismo, com uma concepção de desenvolvimento
ambientalmente orientada.
26.O
Partido dos Trabalhadores considera que são medidas políticas e diretrizes
programáticas desta natureza, amplas, envolventes, de natureza mais social que
institucional, que farão a diferença nos próximos quatro anos. E que garantirão
nossa vitória em 2018.
27.Contamos
com grandes lideranças populares. Mas o mais importante é que contamos com uma
força social imensa, a qual, para além das pessoas e dos governos, demonstrou capacidade
de defender autonomamente seus direitos e interesses.
28.Os fatos
confirmaram aquilo que nossa análise indicara há tempos: uma eleição duríssima,
vencida no segundo turno graças à mobilização e ao voto da esquerda, graças à
confiança e a consciência de classe de importantes setores do povo brasileiro,
graças à disposição de debater política, demarcar projetos, apontar
perspectivas de futuro e assumir compromisso com mudanças mais profundas.
29.As
eleições de 2014 foram um momento marcante da luta de classes que atravessa a
sociedade brasileira. Quem anda pelo Brasil percebe que o debate político não
se interrompeu no dia 26 de outubro. A grande burguesia demonstrou estar
decidida a derrotar o PT e o campo democrático-popular. A maioria dos chamados
setores médios atuou com o mesmo propósito, com ainda maior agressividade. Nossa
vitória foi garantida pelo apoio que recebemos da classe trabalhadora.
30.Tivemos
êxito exatamente porque nossa campanha, a partir de 13 de agosto, deixou clara
a existência de dois projetos antagônicos, apelou para a mobilização dos
setores populares, democráticos e socialistas. Sem esta mobilização, não
conseguiríamos derrotar o bloco antagonista, que dispunha de meios superiores,
em particular do oligopólio da comunicação. Oligopólio inconstitucional, cujo
desmonte é uma das condições para o aprofundamento da democracia no Brasil. A
reforma política, especialmente a proibição do financiamento empresarial, é
outra das condições.
31.É bom
que se diga que nosso êxito eleitoral foi facilitado pelo comportamento
hegemônico da oposição. Tanto a campanha de Marina quanto a de Aécio foram
rapidamente “sequestradas” pelos setores mais conservadores. Exemplos didáticos
disto: 1) o recuo da primeira no apoio à agenda LGBT e sua adesão à tese de independência
do Banco Central; 2) a escolha, pelo segundo, de Armínio Fraga como ministro da
Fazenda. Ao dar garantias ao “Deus mercado” e ao adotar explicitamente o
discurso de “acabar com a raça do PT”, ambos deixaram claro que estava em jogo
não mudar, mas sim retroceder.
32.Derrotamos
o retrocesso, mas nem em 2006, nem em 2010 o campo conservador esteve tão perto de
recuperar a Presidência. Por isto, tão fundamental quanto compreender e
criticar os métodos dos inimigos é perceber nossas debilidades e erros.
33.É o
caso da opção preferencial pela mudança sem ruptura, cujo
pressuposto é fazer concessões aos inimigos. Tal opção só conduz ao êxito se,
com o passar do tempo, os inimigos deixarem de ser tão inimigos. Mas na vida
real, apesar das concessões, os inimigos se tornaram ainda mais inimigos. E
graças às concessões que fazemos/fizemos, eles não apenas mantiveram, como
também ampliaram os meios de que dispõem para agir contra nós. Ao mesmo tempo,
certas concessões que fazemos/fizemos dividem nosso campo, nos impedem ou pelo
menos reduzem nossa capacidade de ganhar amigos e fortalecer nosso lado. Como
resultado, há uma tendência ao fortalecimento deles e ao enfraquecimento nosso.
O que em algum momento resultará em nossa derrota total.
34.É o
caso da opção preferencial pela ascensão por meio do consumo. Se não
for acompanhada de fortes investimentos em outro tipo de educação e de cultura,
combinados com uma forte democratização da comunicação e com uma reforma
política, a ascensão via consumo acabará ampliando as fileiras de setores que
podem se voltar contra os valores da esquerda. Por outro lado, a ascensão principalmente
por meio do consumo individual é insustentável no longo prazo, pois a melhoria
da vida “da porta para dentro da casa” não apenas gera a percepção de que a
vida estaria piorando “da porta da casa para fora”, como também reforça um
padrão de investimentos que deixa em segundo plano a oferta de bens públicos e
de infraestrutura.
35.É o
caso da equivocada defesa de um “país de
classe média”, quando nosso objetivo é, na verdade, construir um país onde
a classe trabalhadora viva cada vez melhor, com mais democracia e bem estar
social. Isto significa adotar um desenvolvimentismo democrático-popular, ou
seja: forte crescimento, com ampliação da nossa capacidade industrial e
tecnológica, alicerçado em reformas estruturais, na ampliação da democracia e
do bem-estar social.
36.É o
caso da incompreensão dos motivos pelos quais o PSDB e o oligopólio da mídia
mantêm forte hegemonia sobre determinadas regiões e setores sociais. O
estratégico estado de São Paulo deve ser objeto de uma análise especial. Claro
que há erros imensos cometidos pelo Partido e pela esquerda, que ajudam a
compreender os resultados eleitorais de 2014. Mas não se trata apenas de um
problema de tática eleitoral, de política de alianças, de escolha de
candidatura, de linha de campanha, da atitude das bancadas parlamentares e
direções partidárias. Ainda que nos espante a falta de autocrítica por parte de
alguns, é claro que coincidimos com as críticas feitas à incapacidade política
e burocratização de certas direções, bem como acerca dos danos causados pelas
acusações de corrupção. Mas nada disto, tomado isoladamente, explica o chamado tucanistão.
37.Assim como parte importante dos setores médios reage à ascensão
social dos setores populares, de forma semelhante o estado mais rico da
federação reage ao desenvolvimento dos estados mais empobrecidos da federação.
Hegemonia de classe e hegemonia regional são parte de um mecanismo integrado,
que devemos entender para poder incidir sobre ele, recuperando apoios perdidos
junto aos trabalhadores e setores médios. O que exigirá medidas políticas, de
desenvolvimento, crescimento, industrialização e ampliação da produtividade, em
bases democrático-populares.
38.Por
fim, é preciso compreender o recado que estas eleições deram ao nosso PT. Desde
1989, o PT polariza as eleições presidenciais. Nas sete eleições presidenciais
realizadas desde então, perdemos 3 e vencemos 4. Mas 2014 foi a eleição mais
difícil já disputada por nós: ganhamos enfrentando um vendaval de acusações não
apenas sobre nossa política, mas sobre nosso partido. Não nos comove que
a direita nos acuse de organização criminosa, de aparelhismo e de acomodação as
benesses do poder. Mas nos importa que acusações deste tipo sejam aceitas como
verdadeiras por camadas do povo, inclusive por setores que votam em nós. Neste
sentido, o PT tem que retomar sua capacidade de fazer política cotidiana, sua independência
frente ao Estado, e ser muito mais proativo no enfrentamento das acusações de
corrupção, em especial neste ambiente de “delações premiadas”. Faz parte de uma
atitude mais proativa lutar pela investigação, julgamento e punição dos
malfeitos dos corruptores, dos tucanos e seus aliados.
39.Como
em todas as eleições, perdemos e ganhamos governos estaduais, cadeiras no
Senado, na Câmara dos Deputados e nas Assembléias estaduais. Mas observando o “conjunto
da obra”, especialmente considerando a evolução eleitoral desde 2002, é claro
que há uma inflexão para baixo, soterrando o discurso triunfalista que falava
em ampliação geral das bancadas e governos. Discurso que falava também que os
adversários eram “anões políticos”; que venceríamos no primeiro turno; que
elegeríamos muitos novos governadores, inclusive elegeríamos simultaneamente os
governos de SP, MG e RJ. Discurso triunfalista que não encontrava
correspondência na direção da campanha, especialmente na política de alianças,
cujos limites e incoerências ficaram mais do que evidentes, até para os seus
defensores. Aliás, a oposição de direita conta com o apoio de setores
importantes da “base parlamentar do governo”.
40.Ao
mesmo tempo que se passa tudo isto com o nosso Partido, o que houve no segundo
turno demonstrou que a quase totalidade da esquerda e do campo
democrático-popular, inclusive os setores que haviam rompido com o PT,
reconheceu que a derrota do PT seria a derrota do conjunto da esquerda; e que
nossa vitória seria a vitória do conjunto das forças democráticas e
progressistas. Este reconhecimento poderia ter sido o ponto de partida para uma
rearticulação da esquerda brasileira. As resoluções aprovadas pela direção
nacional do PT, em novembro-dezembro de 2014, apontavam neste sentido. Mas as
opções feitas na composição do ministério mostraram que a estratégia
conciliatória continua dominante no PT e, com isto, reavivaram o esquerdismo
que havia se enfraquecido no segundo turno.
41.O voto
de esquerda teve papel decisivo no resultado do segundo turno. E não haverá
reformas democrático-populares nem socialismo sem uma ampla frente de esquerda.
Mas isto só ocorrerá se o PT, principal partido da esquerda brasileira, adotar
uma nova estratégia e um novo padrão de funcionamento; se dermos continuidade à
linha de politização, polarização e mobilização que marcou a reta final das
eleições de 2014; se adotarmos outra tática frente à militância social em geral
e frente à militância de outros partidos de esquerda.
42.De
imediato, isto exige que nossa tática para 2016 e 2018 seja construída tendo
como aliado preferencial não o PMDB, mas sim esta esquerda política e social
que foi às ruas garantir nossa vitória. Precisamos organizar uma Frente
Popular, unificando os partidos de esquerda e os movimentos sociais, numa
coalizão estratégica para disputar o comando do Estado. Não será um movimento
fácil, pois temos o PMDB na vice e com grande influência num Congresso Nacional
ainda mais conservador do que em anteriores legislaturas. Mas é um movimento
necessário, pois não haverá vitória sem mudança e não haverá mudança tendo o
PMDB como aliado prioritário. Aliás, como suposto aliado prioritário, pois a
maior parte do PMDB já opera contra nós há anos.
43.Cabe
construir outro tipo de governabilidade, que dependa menos das maiorias no
Senado e na Câmara dos Deputados, e que dependa mais dos movimentos sociais e
do apoio na sociedade como um todo. Mas para que isto não seja um gesto
inconsequente, precisamos de força. E só teremos força, se nosso Partido souber
apoiar o governo, sem confundir-se com ele, sem adotar uma postura subalterna,
passiva, burocrática, apagada. Se deixarmos de ser aquele partido cuja direção
aceita que seu papel seja terceirizado, inclusive para “técnicos” que muitas
vezes esquecem que nossa vitória nas urnas depende sempre da sinergia com as
ruas, que nas ruas está o elemento fundamental, não nos dez minutos de horário
eleitoral gratuito, escassos diante das quase vinte e quatro horas diárias de
que dispõem nossos adversários na mídia hegemônica, para martelar suas ideias e
alcançar “corações e mentes” da população.
44.Um Partido
protagonista deve incidir publicamente no debate acerca das primeiras medidas
do segundo mandato, propondo ações quanto à reforma política e em defesa da
democracia nos meios de comunicação, bem como incidindo na disputa principal em
curso já neste início do segundo mandato, contra os que (como Joaquim Levy) defendem
fazer a retomada do crescimento via ajuste fiscal e corte nos gastos públicos;
e a favor daqueles que defendem retomar o crescimento através da redução da
taxa de juros e da adoção imediata de políticas industrializantes e de
investimentos para a elevação da produção.
45.O
debate acerca do desenvolvimento e da política industrial deve ser prioritário.
O desenvolvimento com distribuição de renda, avanços nos serviços públicos, fortalecimento
político e econômico da classe trabalhadora assalariada, depende da superação
dos graves problemas estruturais por que passa a indústria no Brasil. Vivemos
um processo de desnacionalização e desindustrialização, com consequências
nefastas para o país. Para reverter o quadro de desindustrialização e
desnacionalização, é fundamental avançar na construção de uma forte cadeia de
empresas estatais e públicas nos setores econômicos estratégicos, para induzir
o desenvolvimento, a exemplo que já foi feito pelo Estado em outros países e
mesmo no Brasil, noutros períodos da nossa história. E que agora pode e deve
ser feito, a partir de uma perspectiva de desenvolvimento democrático e
popular, com valorização do trabalho, empoderamento econômico, político e
cultural da classe que vive de salários.
Não há classe trabalhadora forte sem desenvolvimento econômico e não há
desenvolvimento econômico sem indústria forte.
46.No que
toca à comunicação, reafirmamos que um governo democrático não pode financiar
com recursos públicos nenhuma gangue de delinquentes midiáticos. As pichações e
o lixo jogado em frente à sede da Editora Abril, embora tenham sido úteis à
manipulação midiática da direita, nada representam frente ao vandalismo brutal
que o oligopólio comete cotidianamente contra a democracia brasileira. Por
isto, devemos fazer uso do poder de Estado para combater o crime organizado
midiático.
47.Não
devemos temer dizer que o Brasil está diante de um impasse histórico. Nem a
direita, nem a esquerda estão satisfeitas com a atual institucionalidade. Nós,
que defendemos a democracia, sustentamos que a solução passa por uma
Constituinte, por plebiscito e referendo, por uma reforma política que abra
caminho para um parlamento mais democrático, capaz de aprovar reformas
estruturais. A direita, que não tem compromisso com a democracia, questiona o
resultado eleitoral, alimenta discursos golpistas, propõe uma contrarreforma
eleitoral, recusa a saída constituinte. O impasse alimenta a inaceitável
judicialização da política e cria um ambiente de crispação cada vez maior entre
direita e esquerda.
48.Não
será fácil construir uma saída para este impasse histórico, uma saída que nos
leve em direção a um Brasil democrático-popular e socialista. Não será fácil,
especialmente porque não é assunto que dependa de retórica, mas sim de
persistente construção. Mas uma coisa é certa: para quem realmente tem o coração
valente, a saída é vermelha e está no lado esquerdo do peito.
VERSÃO AINDA EM DEBATE, SUJEITA A ALTERAÇÕES
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