A entrevista abaixo foi concedida à Teoria e Debate no dia 27 de setembro. Perguntas idênticas foram enviadas a todos os candidatos à presidência nacional do PT (Sokol, Teixeira, Simões, Pomar, Falcão e Goulart). Cada um deveria responder sem conhecer o teor das respostas dadas pelos demais. O conjunto das entrevistas deveria ter sido publicado, como parte de uma edição especial dedicada ao PED. Mas até o dia 18 de outubro, nada havia sido publicado. Um dos candidatos --o companheiro Rui Falcão-- não havia entregue, até aquele momento, suas respostas ao questionário formulado pela TD. Espero que o faça e espero que todas as entrevistas sejam publicadas pela TD ainda nesta semana. Da minha parte, conforme informei à editora que o faria, opto por divulgar desde já através deste blog.
Quais os objetivos estratégicos do PT?
O principal objetivo estratégico é o socialismo. O 3º
Congresso do PT (2007) aprovou uma
resolução sobre o socialismo, que fala de profunda democratização; compromisso
internacionalista; planejamento democrático e ambientalmente orientado;
propriedade pública dos grandes meios de produção.
Lá está dito que precisamos de uma “economia colocada
a serviço do atendimento às necessidades presentes e futuras do conjunto da
humanidade. Para o que será necessário retirar o planejamento econômico das
mãos de quem o faz hoje: da anarquia do mercado capitalista, bem como de uma
minoria de tecnocratas estatais e de grandes empresários, a serviço da
acumulação do capital e, por isso mesmo, dominados pelo imediatismo, pelo consumismo
e pelo sacrifício de nossos recursos sociais e naturais”.
Na resolução consta, também, que “as riquezas da
humanidade são uma criação coletiva, histórica e social, de toda a humanidade.
O socialismo que almejamos só existirá com efetiva democracia econômica. Deverá
organizar-se, portanto, a partir da propriedade social dos meios de produção –
que não deve ser confundida com propriedade estatal, e sim assumir as formas
(individual, cooperativa, estatal etc.) que a própria sociedade,
democraticamente, decidir”.
Outro objetivo estratégico do PT é a realização de
reformas democrático-populares. Tais reformas (política, da mídia, tributária,
agrária, urbana, do setor financeiro, adoção da jornada de trabalho de quarenta
horas etc.) têm como meta democratizar a propriedade, a renda, a riqueza e o
poder existentes em nossa sociedade.
Esses são os dois objetivos fundamentais do PT, cuja
síntese está na estratégia democrático-popular e socialista que sistematizamos
em 1987 e precisamos retomar, hoje, com as devidas atualizações.
Politicamente,
quem são nossos principais inimigos?
O PT possui dois grandes inimigos: as potências
imperialistas e o grande capital, com suas variadas frações, transnacional,
financeiro, latifundiários modernos etc.
Politicamente, esses setores controlam ou influenciam
setores da alta burocracia do Estado, inclusive no Judiciário e nas Forças
Armadas; falam através do oligopólio da mídia, que é ao mesmo tempo empresa e
partido; hegemonizam diversas entidades da chamada “sociedade civil”, por
exemplo igrejas; e dirigem vários partidos políticos legalmente constituídos.
Entre estes, nossos principais inimigos estão no
consórcio liderado pelo PSDB-DEM-PPS. Mas estão também abrigados em vários
outros partidos, até mesmo nalguns que integram a base do nosso governo.
Como tratar os
adversários secundários e possíveis alianças pontuais com eles? O que é
inegociável?
No plano da análise, temos muitos inimigos. No plano
da política, sempre que possível, devemos dividir os inimigos e derrotá-los pedaço
a pedaço. No momento, o inimigo que precisa ser isolado e derrotado ainda é o
grande capital financeiro.
Claro que o grande capital financeiro tem forte apoio
nos demais setores do capital. Por isso, não devemos nos iludir nunca em
relação aos reais interesses do grande empresariado. Mas no terreno da luta
política é possível e necessário isolar os banqueiros, os especuladores, os
financistas, os que defendem o neoliberalismo etc.
O problema é que não basta ser contra eles. É preciso
deixar claro a favor do que somos, pois é isso que mobiliza nossas bases
sociais.
Nesse ponto, há uma divisão no PT. Há os que defendem
alternativas incorretas, como o social-liberalismo ou o neodesenvolvimentismo.
Este último guarda semelhanças com aquele desenvolvimentismo conservador que
caracterizou a história do Brasil.
E há os que, como nós, defendem um desenvolvimentismo
democrático-popular, com reformas estruturais, protagonismo do Estado, os bens
públicos como carro-chefe do desenvolvimento, grande ênfase para os mercados
interno e regional.
A combinação desses dois elementos – submeter o
capital financeiro e defender o desenvolvimentismo democrático-popular – exige
que tenhamos uma política de alianças muito cuidadosa, que saiba diferenciar o
que são alianças estratégicas e o que são alianças táticas.
Há setores do PT que priorizam o tático, o eleitoral,
o pontual; e depois dizem não entender por qual motivo não temos conseguido
avançar na implementação de nossos objetivos estratégicos. Aliás, certas
alianças táticas nos atrapalham até mesmo a consecução de vitórias táticas.
Quais táticas
devem ser adotadas para garantir a vitória de Dilma em 2014?
Não basta garantir a vitória de Dilma em 2014. É
preciso reeleger Dilma criando as condições para que ela faça um segundo
mandato superior ao atual. Em certo sentido, vamos precisar de uma tática que
nos permita trocar de estratégia em movimento.
Explicando: desde 1995 até hoje, o PT continua
tentando implementar a estratégia de centro-esquerda aprovada naquele encontro
nacional, em que José Dirceu foi eleito presidente pela primeira vez.
Aquela estratégia visava mudar o país sem fazer reformas estruturais. Fizemos isso, ao menos
em parte. Mas, nas atuais condições nacionais e internacionais, aquela
estratégia não serve mais.
Entender isso é fundamental: o máximo que podíamos
fazer, através da estratégia da mudança sem reformas, já foi feito. Daqui para
a frente teremos “rendimentos decrescentes”. Ou implantamos reformas
estruturais, ou não conseguiremos ampliar o bem-estar social, a democracia, a
soberania nacional e a integração regional.
Um sinal disso é a polarização que está ocorrendo, no
país, entre nossas bases, que desejam mais do que já fizemos; e as classes
ainda dominantes, que querem menos: menos emprego, menos salários, menos verbas
para as políticas sociais, menos democracia, menos soberania nacional.
Para continuar mudando o país, precisamos de outra
estratégia, uma estratégia que vise melhorar a vida do povo por meio das
reformas estruturais. Para tornar isso possível, teremos de combinar ação
de partido, ação institucional, luta social e uma grande batalha cultural, de
ideias, de projetos.
Temos reservas que nos permitem vencer não apenas as
eleições presidenciais de 2014, mas também a luta pelas reformas estruturais.
Prova disso está nas pesquisas eleitorais e no apoio popular ao Mais Médicos.
Nossa tática eleitoral em 2014 deve estar a serviço
disto: vencer, criando as condições de um segundo mandato melhor. E o ponto de
partida deve ser uma inflexão na ação do partido e de nossos governos e
bancadas; um amplo debate na sociedade do programa 2015-2018; a constituição de
uma aliança com as organizações políticas e sociais do campo
democrático-popular; e uma coligação eleitoral com partidos que tenham acordo
com um segundo mandato de Dilma marcado por reformas estruturais.
Como reatar os laços do partido com a base da
sociedade?
Fazendo análise e fisioterapia. Sem brincadeira: temos
de recuperar uma capacidade que exercemos antes, mas, por uma série de motivos,
perdemos ou reduzimos demasiado.
E um ponto de partida é reconhecer, autocriticamente,
que parcelas importantes do PT se burocratizaram, se acomodaram, se
domesticaram, se tornaram excessivamente parecidas com alguns partidos
tradicionais. Alguns até degeneraram, poderiam perfeitamente estar no PMDB.
Além disso, é preciso lembrar que há uma nova
sociedade brasileira, produto em parte de nossas ações e em parte da vida
mesma. Há uma juventude que só nos conhece como governo. Há uma nova classe
trabalhadora, que ampliou seu acesso ao emprego, ao salário e ao consumo, sem
que isso tenha sido produto de grandes mobilizações sociais.
Ainda que o enredo básico seja o mesmo, persistem
velhos temas, novos temas surgiram, há outros personagens e atores. É preciso
pesquisar, é preciso mudar de atitude, é preciso recuperar práticas que já
foram nossas.
Nada impossível, nada misterioso, nada difícil de
fazer, mas exigirá 99% de transpiração. A começar pelas direções partidárias,
que precisam ampliar seu horizonte e suas pautas, para além dos temas internos,
eleitorais e governamentais.
Quais as táticas
mais acertadas para o PT disputar as manifestações que ocorrem desde junho?
Há manifestações e manifestações, há momentos de fluxo
e refluxo, há setores diferentes envolvidos. E há diferentes ações que devem
ser adotadas frente ao que ocorreu em junho, ações por parte dos governos, dos
parlamentares, das organizações sociais, da intelectualidade e do partido.
Entre essas ações, claro, está participar das lutas e
mobilizações sociais; e também está disputar com a direita, que tentou e
continua tentando jogar as ruas contra o PT e contra o governo.
Eu destacaria duas questões. De um lado, precisamos
defender o fundamental do “espírito de junho”: amplas camadas da população
brasileira querem mais direitos sociais e mais direitos políticos, maior
bem-estar e maior democracia. Veja o caso da juventude: até junho, o que
dominava o debate político eram medidas repressivas, policiais, judiciais. As
ruas impuseram novas pautas, que devemos defender e aprofundá-las.
Como recompor o
PT política e organizativamente para enfrentar os desafios atuais?
A questão organizativa é política: se não tivermos a
linha correta, não vamos ser capazes de mobilizar a militância, os filiados,
nossa base eleitoral e social.
A questão política central é perceber que precisamos
mudar de estratégia e, por isso, adotar uma política mais ousada em 2014.
Mas mudar a política não basta. Temos de reatar nossos
laços com a classe trabalhadora, especialmente com a juventude, com os
movimentos sociais e populares, mulheres e negros, indígenas, LGBT,
ambientalistas. Ainda que sejamos o partido com mais lutadores do povo, é
preciso admitir que muitos lutadores do povo já enxergam o PT com desconfiança
e até hostilidade.
Além disso, há três ações organizativas fundamentais.
Primeiro, criar as condições para o PT ter autonomia financeira: não
podemos, como hoje, depender principalmente de recursos públicos e de doações
empresariais. Sem autonomia financeira, não existe autonomia política.
Precisamos implementar uma campanha de formação
massiva, até porque cerca de metade dos nossos filiados entrou no PT depois de
2003. Conhecem mal e mal o “PT governo”. E isso é uma das fontes que podem
levar à peemedebização do partido. Precisamos que nossos filiados
conheçam nosso programa e estratégia, a história do PT, da luta pelo socialismo
no mundo e no Brasil.
E precisamos de comunicação de massa: redes sociais,
rádio, TV, revistas, jornais, inclusive um jornal diário. Tem quem ache que os
jornais impressos “já eram”, mas todo dia compram e leem os jornalões do PIG (Partido
da Imprensa Golpista). Precisamos de um jornal diário, que faça
cotidianamente a batalha política com nossos adversários e inimigos acerca dos
temas centrais da conjuntura.
Com autonomia financeira, formação e comunicação de
massa, o partido ampliará sua democracia interna. Hoje, o Processo de Eleições
Diretas (PED) garante ao militante a
condição de eleitor. E só. Precisamos de instâncias partidárias funcionando,
sedes partidárias que sejam centros culturais abertos à população, não apenas
para debater política estrito senso, mas também espaços de arte, de lazer, de
convivência.
As manifestações
de junho sinalizam a necessidade de renovação na política brasileira. O
congresso do PT aprovou 20% de jovens nos cargos de direção. Com relação à
juventude, o que o partido pode fazer para acelerar esse processo de renovação?
Podíamos começar elegendo, à Presidência
Nacional do partido, os candidatos mais jovens que estão na disputa.
Evidentemente isso é uma brincadeira: há companheiros de 70 anos que são
politicamente jovens e há jovens de 20 anos que já estão precocemente
envelhecidos, tendo incorporado o que de pior existe na atividade política.
Mas é uma brincadeira que tem um fundo
sério: as cotas ajudam a renovar do ponto de vista geracional, demográfico. Mas
não garantem que o partido seja politicamente jovem, ou seja, afinado com os
temas do presente e do futuro, com as necessidades de um Brasil que precisa de
reformas estruturais, de uma América Latina que precisa de integração, de um
mundo em crise que precisa de socialismo.
Para nosso conteúdo ser jovem, é
preciso que nossa política o seja. E isto inclui tanto o conteúdo da política,
quanto a forma. O petismo tem de ser porta-voz da indignação social e política,
tem de ser uma cultura de rebeldia contra o status quo, tem de recuperar o
senso de humor na política, a capacidade de criticar nossos próprios deslizes e
equívocos.
No governo, como
administrar o capitalismo numa perspectiva socialista?
Não existe isso. Primeiro, não há como “administrar” o
capitalismo. Internamente, as empresas capitalistas podem ser organizadas. Mas
o capitalismo é inadministrável, é caótico, é selvagem, é anárquico. O
que podemos é impor limites, regras, proibições, interditos. Ou, olhando pela
perspectiva positiva, podemos estabelecer territórios onde o mercado não manda.
O mercado não pode dominar a saúde e a educação, por
exemplo. Nem pode dominar a comunicação e os processos eleitorais, senão eles
controlam as ditas instituições democráticas.
Os exemplos que dei não são “administração do
capitalismo”. São ações anticapitalistas. Temos de deixar isso claro para nós
mesmos, pois quem acredita ser capaz de “administrar” o capitalismo, acredita
nas fábulas do “capitalismo organizado”, do “capitalismo humano”, do
“capitalismo com bem-estar social”, do “capitalismo com ética” acaba geralmente
virando pró-capitalista.
Portanto, a pergunta correta deveria ser outra: como
um partido socialista deve atuar, nos marcos do capitalismo, para superar o
capitalismo?
A resposta, na minha opinião, passa por duas grandes
ações: fortalecer a classe trabalhadora e enfraquecer os capitalistas.
Traduzindo em políticas públicas: jornada de quarenta
horas, ampliar as políticas públicas universais, ampliar o papel do Estado no
controle da economia, fortalecer os pequenos e médios, as cooperativas e o
associativismo, Lei da Mídia Democrática, reforma política, reforma tributária com
destaque para imposto sobre grandes fortunas e sobre heranças, reforma agrária
de verdade, reforma urbana, soberania nacional sobre as riquezas estratégicas
do país, fortalecimento organizativo, político e ideológico das classes
trabalhadoras. Sem esquecer do combate às políticas de extermínio e de
criminalização da pobreza, com a desmilitarização das Polícias Militares.
Nada disso é “administrar o capitalismo”. Trata-se de
adotar medidas para combater o capitalismo hegemônico. Algumas são medidas
anticapitalistas em toda linha, outras são medidas “capitalistas democráticas”
que devem ser adotadas não porque sejam ótimas em si, mas porque atendem nossos
aliados e também porque enfraquecem o capitalismo e permitem fortalecer aquilo
que é público, social, coletivo, socialista de nosso projeto.
Qual a tática
mais apropriada para reformar o Estado brasileiro num sentido democrático?
Do ponto de vista tático, imediato, conjuntural,
devemos defender a reforma política, o plebiscito popular, a Assembleia Constituinte.
E a Lei da Mídia Democrática, tão importante quanto a reforma política.
Ao lado disso, devemos defender e implementar reformas
democráticas, que ampliem a transparência, o chamado controle social e a
criação de mecanismos de autogoverno popular.
Inclua com destaque mudar de alto a baixo todo o
aparato de segurança, das Forças Armadas até as Polícias Civis e Militares,
hoje profundamente antidemocráticas.
Cá entre nós, para ser realmente democrático, o Estado
brasileiro precisa muito mais do que de uma “reforma”.
Há décadas, o PT
tem como principais bandeiras algumas reformas que, em dez anos de governo
petista, não avançaram. Qual a sua opinião sobre a viabilidade das reformas
política, tributária e agrária, bem como a regulamentação dos meios de comunicação?
Viável tudo é, desde que ganhemos o povo para isso.
Mas, para ganhar o povo, é preciso que o partido esteja convencido disso. E há
setores do PT que não querem reforma política nem Lei da Mídia Democrática
porque estão cooptados pelo empresariado e pelo PIG. No caso da reforma
agrária, tem gente que acha que ela é uma bandeira ultrapassada. Por isso,
aliás, virou costume confundir política de assentamento com reforma agrária.
Reforma agrária é expropriação do latifúndio. Continuamos precisando disso.
Mas, se o PT não estiver convencido, não há como avançar.
Em relação ao
Parlamento, como restabelecer uma ação conjunta em que prevaleçam os princípios
e decisões partidários?
Com o PT acontece algo bem comum noutros partidos: as
direções são crescentemente ocupadas por parlamentares, ou por assessores de
parlamentares, ou por pessoas que desejam ser parlamentares ou se projetar para
eleições governamentais. Isso gera todo tipo de deformação e ineficiência,
entre as quais a falta de autonomia entre a direção e nossa atuação
parlamentar.
Por isso, o próximo congresso do partido deveria
adotar uma resolução que proíba o acúmulo de cargos e estabeleça uma
quarentena, de forma a que os cargos de direção partidária sejam ocupados por
dirigentes partidários, não por pré-candidatos ou mandatários.
Mas a regra atual é outra e, para o bem ou para o mal,
teremos parlamentares – inclusive apoiados por nós –
ocupando a Presidência do PT em vários estados e municípios do país. Assim, o
que fazer nos próximos quatro anos para termos ação conjunta, prevalecendo a
posição do partido?
Na minha opinião, o centro está na orientação
política. A luta de classes no país é mais do que o eleitoral, é mais do que o
institucional, é mais do que o congressual. Se tivermos claro que precisamos de
uma estratégia e de uma governabilidade que combinem social com institucional,
isso já será um bom ponto de partida. E, claro, precisamos de uma direção e de
um presidente que façam valer a posição do partido. O caso recente em que o Diretório
Nacional do PT não quis determinar ao deputado Cândido Vaccarezza que se
retirasse da Comissão da Reforma Política, lugar em que ele foi parar por
indicação do PMDB e no qual vem atuando contra os interesses do PT, é um
exemplo a não ser seguido.
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