sexta-feira, 10 de junho de 2016

RIS La revue internationale 102



Dans le moment présent de la mondialisation libérale, le poids du capitalisme financiarisé et des multinationales, la multiplication des niveaux de décision supra ou infranationaux, la prolifération des acteurs armés non étatiques induisent de nombreuses interrogations concernant le rôle des États et le concept de nation. Les « pertes de souveraineté » des États favorisent ainsi maints commentaires sur la fin des frontières et des États-nations. Or, si le cadre de définition des États s’est éventuellement modifié, ces derniers ne sont pas pour autant effacés par la globalisation marchande. En dépit des critiques dont il est fréquemment l’objet, l’État reste un facteur structurant du cours des relations internationales. Produit de longs processus historiques, il demeure le modèle de l’immense majorité des formes d’organisation sociale. En outre, l’État-nation constitue encore un cadre de résistance, tant à la domination du capitalisme néolibéral qu’à la décomposition vindicative des appartenances étriquées. Dès lors importe-t-il d’interroger le sens des constructions politiques nationales classiques et des formes de luttes nationale(iste)s au XXIe siècle.

Document
La genèse de l’accord du 14 juillet 2015 sur le nucléaire iranien / Laurent Fabius

Autre regard
« La géopolitique a basculé dans une autre dimension » / Entretien avec Enki Bilal

Éclairages
Penser la déseuropéanisation / Bastien Nivet
Les réfugiés en Afrique : de la protection précaire au cercle vicieux / Samuel Nguembock

Dossier : État, nation, mondialisation
Sous la direction de Didier Billion

Introduction / Didier Billion
La nation, cadre privilégié de l’exercice de la démocratie / Entretien avec Jean-Pierre Chevènement
La Nation est-elle de droite ou de gauche ? / Jean-Yves Camus
Les nations ont-elles encore un sens à l’heure de la globalisation ? / Jacques Sapir
Les multinationales ont-elles une nationalité ? Le patriotisme économique au début du XXIe siècle / Dominique Plihon
L’Union européenne, entre nation et mondialisation : le chaînon manquant ? / Maxime Lefebvre
L’indépendance catalane : « identité, vous avez dit identité ? » / Oscar Jané
L’internationalisme au défi de la mondialisation / Valter Pomar
Non, Daech n’est pas un État / Hosham Dawod
La frontière au-delà des idées reçues / Anne-Laure Amilhat Szary

En librairie

Lecture critique
Le sport hors-jeu : crise et futur de la gouvernance du sport international / Pim Verschuuren
Nouveautés

Les activités de l’IRIS

O que significa ser internacionalista hoje?

Há várias maneiras de responder a pergunta do título. Minha resposta parte de uma análise das grandes variáveis que determinam a atual situação internacional.

Em primeiro lugar, um extenso predomínio das relações capitalistas de produção e circulação. Comparado com outros períodos da história, vivemos naquele onde o capitalismo é mais predominante.

A situação internacional é marcada, em segundo lugar, por uma crise do capitalismo. Em comparação com outras crises, a iniciada em 2007-2008 tem as seguintes características: a) é uma crise clássica de acumulação, revelando impasses estruturais no processo de valorização do Capital; b) é uma crise de múltiplas dimensões: militar, política, social, ideológica, financeira, comercial, ambiental; c) atinge de maneira diferenciada os setores, regiões e países; d) tem como epicentro a região do capitalismo central, a saber, Estados Unidos, a Europa e o Japão.

Em terceiro lugar, a intensificação dos conflitos intercapitalistas. No plano interno aos países ou no plano internacional, isto implica em redistribuição do poder entre os diferentes Estados e setores sociais.

A situação internacional é marcada, em quarto lugar, pelo declínio da hegemonia dos Estados Unidos, bem como pelas tentativas que os EUA fazem para tentar reverter este declínio. Isto é acompanhado pelo esgotamento da “capacidade de governança” das chamadas instituições de Bretton Woods: a ONU e seu Conselho de Segurança, o FMI e o Banco Mundial, a mais recente Organização Mundial do Comércio.

Uma quinta característica é a busca que outros Estados fazem para estabelecer uma nova hegemonia, de tipo análogo ou diverso daquela liderada pelos Estados Unidos e seus aliados.

Uma sexta característica, resultante das anteriores, é a proliferação de blocos, instituições e alianças com finalidades essencialmente defensivas. Fenômeno que esteve presente em outros momentos da história, a começar pelos que precederam as duas grandes guerras mundiais.

Este conjunto de características (ou variáveis) aponta para um período mais ou menos prolongado de instabilidade internacional, bem como para o surgimento de “soluções” intermediárias, temporárias e ineficazes.

A instabilidade faz com que seja ao mesmo tempo urgente e difícil a construção de alternativas: o velho padrão não funciona adequadamente, mas continua forte; novos padrões estão surgindo, mas ainda não conseguem firmar.

No terreno estrito das políticas econômicas, isto gera uma situação paradoxal: fortes discursos em favor de uma mudança profunda, acompanhadas de terapias minimalistas que fazem correções marginais no modus operandi dos chamados mercados. Como resultado, a crise adquire um caráter crônico, prolongado e com efeitos degenerativos no terreno ideológico, político e militar.

No curto e médio prazos, a instabilidade está vinculada à crise do capitalismo e ao declínio da hegemonia estado-unidense.  Mas no longo prazo, corresponde à crescente contradição entre a “globalização” da sociedade humana versus o caráter limitado das instituições políticas nacionais e internacionais.

Dito de outra forma: a humanidade está frente a desafios cada vez mais globais, mas não dispõe de instituições à altura destes problemas.

O problema possui diferentes dimensões, entre as quais uma que pode ser expressa através de equação antiga, mas que continua válida: o desenvolvimento das forças produtivas está em contradição com as relações de produção.

A história da humanidade é a história do desenvolvimento das forças produtivas. Nos últimos 250 anos – pouco tempo, do ponto de vista da história da humanidade— o conhecimento aplicado, as ciências, as tecnologias, a capacidade de transformar a natureza, atingiram patamares impressionantes.

As fronteiras do conhecido e daquilo que há por conhecer se expandiram a tal ponto, que hoje existe solução para praticamente todos os grandes problemas que assombraram a humanidade desde os primórdios.

Entretanto, grande parte da humanidade continua vítima do flagelo da fome, da falta de habitação, de saneamento, vítima de doenças tratáveis e assim por diante. Mais que isto: a desigualdade e seus efeitos cresceram durante a mais recente “globalização”.

A que se deve isto? Por quais motivos o “estoque” de conhecimentos disponível não é aplicado para solucionar os problemas enfrentados pela maior parte da humanidade?

Não existe segredo algum acerca da razão de fundo: inadequação às motivações profundas dos Estados e da classe dominante.

Como resultado, o próprio desenvolvimento sofre crescentes limitações, expressas seja nas baixas taxas de crescimento quanto nos crescentes estoques de saber que não se convertem em conhecimento aplicado, produtivamente útil.

Nada disto é um fenômeno novo. Desde o Manifesto Comunista até o Imperialismo, etapa superior do capitalismo difundiu-se ampla literatura denunciadora do preço que a humanidade paga pela continuidade das relações capitalistas de produção, ou seja, pela subordinação do conjunto da sociedade aos imperativos da reprodução ampliada do capital.

Preço em triplo sentido: no prolongamento de problemas solucionáveis, no desperdício de possibilidades e nos riscos à sobrevivência coletiva. Entre os desperdícios, destaque-se o fato de centenas de milhões de pessoas serem mantidas à margem do processo de produção.

Entretanto, há uma grande diferença entre a percepção intelectual de um problema e a construção das condições objetivas e subjetivas necessárias para resolvê-lo.

O tipo de imperialismo contemporâneo de Lenin não foi o “último momento” da vida do capitalismo, que sobrevive até os dias de hoje, mais forte do que era. Mas sob que condições o capitalismo sobreviveu?

O que ocorreu em seguida à publicação de Imperialismo, etapa superior (1916) foram três décadas de crises econômicas, sociais e políticas, inclusive duas guerras mundiais e diversas revoluções que levaram partidos de esquerda ao poder.

Após a Segunda Guerra, tivemos um processo de descolonização (especialmente na Ásia e África), desenvolvimentismo (especialmente na América Latina), bem-estar social (basicamente na Europa) e expansão do chamado campo socialista.

Paradoxalmente, a existência de um “campo socialista” -- articulado, de diferentes maneiras, com a descolonização, o desenvolvimentismo e o bem-estar social -- ajudou a criar as condições para o surgimento de mecanismos de cooperação intercapitalista.

A condição fundamental para a estabilidade desta aliança interimperialista foi a existência de uma ameaça socialista, real ou suposta. Por este motivo, a “paz” proporcionada pela disputa entre “campo socialista” e “campo capitalista” era, em boa medida, assegurada pelas possibilidades de destruição mútua e acompanhada por violentos conflitos militares, especialmente na Ásia e na África.

Apesar de atípico, o intenso desenvolvimento capitalista ocorrido desde o final da Segunda Guerra preparou o terreno para a crise dos anos 1970. A era neoliberal é filha inesperada do casamento entre as políticas inspiradas em Keynes com a moderação das forças anticapitalistas dos países centrais, indispostas ou incapazes de aproveitar aquela crise para tentar iniciar um novo ciclo de transformações socialistas.

Entre 1970 e 1990, o capitalismo dos países centrais venceu a batalha contra o “campo socialista”, contra os “desenvolvimentistas”, contra a “socialdemocracia” e contra os “nacionalismos revolucionários”.

Os anos 1990 começaram, portanto, assistindo ao triunfo do neoliberalismo, da “financeirização” e da hegemonia dos Estados Unidos. Do ponto de vista ideológico, a palavra-chave era “globalização”.

A Guerra do Golfo (1991) foi um sinal de que a aliança interimperialista encabeçada pelos EUA, sob pretexto de combater o campo socialista liderado pela URSS, parecia estar se transformado numa hegemonia unilateral dos Estados Unidos sobre todo o mundo, inclusive sobre os demais estados capitalistas centrais.

Mas, em algum ponto entre o levante zapatista de 1º de janeiro de 1994 e o atentado de 11 de setembro de 2001, ficou claro que a nova ordem seria o caos: a instabilidade tornou-se uma das principais características da nova fase da história mundial.

Décadas de neoliberalismo resultaram na crise internacional de 2007-2008, cujos desdobramentos ainda estão em curso. Crise frente a qual as forças anticapitalistas reagem lentamente, em parte por ainda estarem lambendo as feridas abertas no período anterior.

A crise do socialismo de tipo soviético estimulou fortes mudanças no pensamento político e ideológico da maior parte da esquerda. Algumas destas mudanças já vinham se acumulando de antes, como resultado de uma análise que se fazia desde os anos 1950 acerca dos limites do socialismo soviético e da socialdemocracia, bem como da estratégia proposta pelos partidos comunistas e socialistas. 

Não foram mudanças uniformes, até porque a esquerda não é nem nunca foi homogênea: representa diferentes realidades nacionais, diferentes setores sociais e expressa diferentes visões político-ideológicas.

Qual foi o sentido predominante das mudanças no pensamento da esquerda, sob o efeito da crise do socialismo de tipo soviético?

Cresceu o questionamento acerca do papel protagonista da classe trabalhadora e, de maneira mais ampla, acerca do papel das classes e da luta de classes no funcionamento e na transformação da sociedade.

Cresceu também o questionamento acerca do papel dos sindicatos e dos partidos políticos, bem como do significado mesmo dos conceitos de “esquerda” e de “vanguarda”.

Houve uma progressiva substituição do socialismo e do comunismo, pelo objetivo mais modesto de alcançar o bem estar social nos marcos do capitalismo.

Derivado disto, a “revolução política e social” foi sendo deixada de lado em favor da promoção de políticas públicas a serem implantadas por governos eleitos nos marcos de democracias eleitorais.

As grandes interpretações e narrativas típicas da tradição marxista foram sendo progressivamente substituídas, ou por visões tradicionalmente vinculadas a tradição liberal-democrática e a conservadora, ou por discursos fragmentários cuja matriz de fundo era um irracionalismo intelectual de tipo religioso.

Tais mudanças ideológicas devem ser vistas no contexto de um processo mais amplo, que alterou as condições objetivas e subjetivas em que vive e atua tanto a classe trabalhadora quanto a militância de esquerda.

Entre estas alterações, destacam-se: 1) a destruição e fragmentação do parque produtivo e a consequente redução, dispersão e fragmentação da classe trabalhadora assalariada, seja de sua fração industrial, seja de seus setores comerciais e de serviços; 2) a constituição de uma imensa massa humana que não encontra opções para vender sua força de trabalho, sendo muitas vezes obrigada a sobreviver de expedientes miseráveis e antissociais; 3) a cooptação de parcelas melhor remuneradas da classe trabalhadora, inclusive de amplos setores da intelectualidade profissional (professores, comunicadores, artistas) pelo modo de vida e pensamento neoliberal; 4) a renovação geracional da classe trabalhadora, num contexto de enfraquecimento da consciência e da solidariedade de classe; 5) e, ironicamente, a extensão da democracia liberal a grandes regiões do mundo, o que na prática quis dizer a americanização da política e a domesticação de parte das esquerdas.

Em resumo, a débâcle do socialismo de tipo soviético abriu um período de defensiva estratégica para as forças anticapitalistas. Inclusive para aquelas que nunca compartilharam o socialismo de tipo soviético ou que dele distanciaram-se em algum momento, como é o caso do Partido Comunista da China.

Se o Partido Operário Social-Democrata Russo (apelidado de bolchevique e, em 1918, renomeado Partido Comunista) soube ser heterodoxo frente aos seus congêneres europeus, os comunistas chineses souberam ser heterodoxos diante de muitas das orientações da chamada III Internacional.

Integraram de maneira consistente a teoria do imperialismo, a questão colonial, a autodeterminação dos povos e a luta pelo socialismo. Construíram uma engenhosa fórmula que fazia do campesinato força principal da revolução, mas preservando o “papel dirigente do proletariado”, na prática encarnado no próprio Partido. Inviabilizada a cópia da insurreição urbana de tipo russo, aplicaram uma estratégia de “cerco da cidade pelo campo”, apoiado numa “guerra popular prolongada”. E através da fórmula da “Nova Democracia”, buscaram construir uma ponte de longo curso entre o atraso econômico chinês e o projeto comunista que animava a direção revolucionária.

Sessenta anos depois, seguem visíveis os três pilares desta ponte: a defesa da soberania nacional, a modernização econômica capitaneada pelo Estado e a atenta consideração dos interesses do campesinato.

Aliás, será em grande medida a radicalização dos camponeses pobres (sem os quais a revolução não teria vencido) que explica os ziguezagues que marcaram os primeiros trinta anos do poder instalado em 1949. O “grande salto adiante” e a “revolução cultural proletária” expressavam, em essência, a vontade de ultrapassar o capitalismo, lançando mão do voluntarismo ideológico e apoiando-se em forças produtivas muito atrasadas. Este socialismo camponês (ou pequeno-burguês, ou populista) fracassou em grande medida por não ter sido capaz de oferecer senão um igualitarismo na pobreza.

As reformas chinesas iniciadas em 1978 (de maneira similar à Nova Política Econômica soviética implementada nos anos 1920) representaram, por sua vez, a reafirmação de um aspecto central da tradição marxista: a idéia de que um modo de produção só desaparece quando desenvolve todas as forças produtivas que é capaz de conter. Noutras palavras: só é possível superar o capitalismo, desenvolvendo-o. O que, aliás, corresponde à acepção hegeliana do termo “superação”.

Do ponto de vista teórico, o conceito de socialismo enquanto transição ao comunismo é totalmente compatível com a existência, mesmo que por um longo período, da propriedade privada, de mercado e de relações capitalistas de produção. Mas é fato que, para os marxistas do século XIX, a transição seria temporalmente curta, uma vez que teria início nos países capitalistas avançados; ou, pelo menos, contaria com o apoio destes (tal era a expectativa dos bolcheviques ao tomar o poder em 1917).

A idéia de uma transição “curta” perde sentido, entretanto, quando o ponto de partida é uma sociedade essencialmente pré-capitalista, fazendo com que o Estado produto da revolução seja obrigado não apenas a controlar, mas destacadamente a estimular a exploração capitalista da força de trabalho, como meio para aumentar a riqueza social e a produtividade média.

Deste ponto de vista, podemos dizer que os comunistas chineses respeitam a tradição marxista clássica, quando sustentam que estão ainda na “fase inicial do socialismo”, que esta fase durará muito tempo e que seu objetivo nesta fase é o de construir uma sociedade “modestamente acomodada”.

Entretanto, o sucesso (nos seus próprios termos) do “socialismo de mercado” chinês criou um excesso relativo de capitais. Ao exportar estes capitais, o Estado chinês torna-se participante ativo da disputa global por mercados, matérias-primas, valorização do Capital e áreas de influência. Será possível participar desta disputa, sem causar as mesmas consequências e incorrer nos mesmos comportamentos dos países imperialistas?

Do ponto de vista externo, o principal é perceber o vínculo direto entre os sucessos da China, a aceleração da expansão capitalista nos anos 1990 e a crise atual. É como se, um século depois do eixo do movimento socialista ter se deslocado a Leste, o mesmo estivesse ocorrendo no âmbito do capitalismo.

Do ponto de vista interno, em que medida o Estado chinês conseguirá administrar as tensões decorrentes deste espetacular crescimento? E quais as chances de rompimento no equilíbrio entre as classes sociais chinesas, que lance o país em um novo período de grandes conflitos sociais?

Frente à crise de 2007-2008, a China adotou um conjunto de medidas, entre as quais um giro para o mercado interno, o fortalecimento de seu entorno e a exportação de capitais. O que farão, especialmente diante desta terceira medida, os Estados capitalistas ocidentais?

Assistirão passivamente o declínio de sua hegemonia ou buscarão deter e reverter o processo? Que consequências resultarão daí?

Não há respostas definitivas para estas questões. No limite o que vai ocorrer depende do balanço mutável entre forças econômicas, sociais e políticas que estão em operação neste exato momento.

Há uma tendência de agravamento das tensões internacionais, inclusive no plano militar. Frente a isto, a China vai prosseguir reforçando a segurança de seu entorno, evitando a todo custo qualquer atitude ofensiva. As ameaças externas contribuirão para reforçar a hegemonia do Partido Comunista sobre a população chinesa. Movimentos contra-hegemônicos só terão importância, se mudar a percepção social segundo a qual o país está prosperando. A novidade pode surgir a partir dos movimentos pela redistribuição das riquezas criadas. Apesar dos enormes problemas práticos envolvidos, a verdade é que o Estado chinês segue dando mostras de enorme capacidade política e gerencial para lidar com tais tensões internas. Noutras palavras, parece haver margem de manobra suficiente para administrar as tensões e evitar a abertura de um período de grandes conflitos sociais, que reduziria ou mesmo ameaçaria a atuação internacional do Estado chinês.

Por isto mesmo, a China constitui um desafio enorme para os estrategistas de longo prazo dos Estados capitalistas centrais. Não por constituir um “modelo alternativo” ao capitalismo anglo-saxão ou ao capitalismo em geral, até porque esta noção de “modelo alternativo” está muito desmoralizada, por inaplicável. A China constitui um desafio por se constituir num pólo autônomo de poder, frente aos quais os modelos herdados da “Guerra Fria” não são aplicáveis (embora ajudem a compreender movimentos de parte a parte, na linha de recriar um “bilateralismo”).

A China também se constitui num desafio político e teórico importante para os setores progressistas e de esquerda. Independente da opinião que cada qual tenha sobre as qualidades do “socialismo de mercado” para a sociedade chinesa, sua projeção externa é extremamente contraditória.

A China é uma grande potência, com interesses a defender, plano em que todos os gatos parecem ser pardos. O que acaba enfatizando mais o “mercado” do que o “socialismo”, o que também ajuda a explicar por que o “modelo chinês” não é percebido como uma alternativa estrutural e estratégica ao capitalismo em geral.

Até agora buscamos identificar as principais variáveis da atual situação internacional, aqueles elementos que determinam os demais. Naturalmente, existem outras tentativas de síntese.

Para nós, o fundamental é perceber que o predomínio do capitalismo gerou um cenário mundial de instabilidade, crise, guerras, revoltas e busca de alternativas, disputas de longo curso travadas em planos distintos porém articulados: a) a disputa no interior de cada país; b) a competição entre os diferentes estados e blocos regionais.

É exatamente neste ponto que o internacionalismo torna-se parte da análise. O desenvolvimento desigual e combinado faz com que não haja simetria perfeita entre os interesses de classe, de país para país, de região para região. Os interesses do conjunto da humanidade dependem, em última análise, da cooperação entre as classes trabalhadoras de diferentes países do mundo. Mas o grau de compreensão disto, e a capacidade de converter esta compreensão em políticas concretas, é mediada por condições históricas que fazem amplos setores da classe trabalhadora de determinados países e regiões se subordinarem aos interesses de sua respectiva classe dominante.

Por este motivo, até onde a vista alcança não existirá, como aliás nunca existiu, uma única maneira de ser internacionalista.


Valter Pomar é professor da Universidade Federal do ABC e militante do Partido dos Trabalhadores (Brasil)

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