(versão não revisada)
Agradeço à comissão organizadora do “Encontro
nacional livre” o convite para contribuir neste debate sobre “a estratégia
petista e a luta pelo socialismo no Brasil”, junto com a Maria Carlotto e com o
Tiago Soares.
Meu ponto de partida é o seguinte: vivemos um
momento de imensa crise, mundial e nacional.
Momentos desse tipo empurram a maioria das
pessoas para buscar soluções de curto prazo (tipo “como solucionar a pandemia”,
“como derrubar o Bolsonaro”).
Este “curto-prazismo” é não apenas
inevitável, como em certa medida é correto. Até porque não há como ter vitórias
estratégicas, sem vitórias táticas.
Mas atenção: os momentos de crise são também
aqueles em que é possível mudar as estruturas, os fundamentos.
E as mudanças estruturais não resultam -
natural e espontaneamente - das ações que fazemos para resolver os problemas de
curto prazo.
Se não tivermos visão e prática estratégicas,
podemos vir a alcançar vitórias no curto prazo, mas que apenas nos devolvam ao
ponto de partida, o que por sua vez vai resultar em novas e mais profundas
crises e dificuldades ali na frente.
Sem falar no risco de voltarmos a uma
situação pior do que a que tínhamos no ponto de partida. A esse respeito, mesmo
que tudo "corra bem", 2023 será pior do que em 2003.
A história do Brasil é cheia de situações
similares.
Por exemplo: em nome de facilitar a transição
democrática, se aceitou deixar os militares sem punição alguma e hoje estamos
pagando o preço.
E se em nome de facilitar a derrubada de
Bolsonaro deixarmos os atuais militares sem punição alguma, o que provavelmente
irá acontecer é que ali na frente haverá novos surtos de tutela e autoritarismo
militar.
O mesmo raciocínio vale para a dependência
externa, para a escravidão, para a opressão de gênero, para a intolerância de todo
tipo, para o subdesenvolvimento, para a exploração etc.
Se não aproveitamos os momentos de crise para
dar solução aos problemas de curto e, também, de longo prazo, no médio prazo a
história “se repetirá”.
Por isso, para uma crise sistêmica, precisamos
de uma solução sistêmica.
Os grandes problemas, conflitos e
contradições enfrentados pela humanidade (ambientais, sanitários, energéticos,
produtivos, sociais, culturais, políticos, militares etc.) não têm solução
possível nos marcos do capitalismo, ou seja, nos marcos de uma sociedade
organizada e dirigida por um pequeno número de pessoas, empresas e Estados que
concentram o poder econômico e político e submetem toda a vida social ao
objetivo da acumulação de lucros.
A solução para estes grandes problemas,
conflitos e contradições enfrentados pela humanidade depende da substituição do
capitalismo por uma sociedade em que os produtores da riqueza social decidam o
que produzir, como produzir e como distribuir a riqueza social.
E dependem, é bom enfatizar isso, de soluções
mundiais, não apenas locais, regionais, nacionais ou continentais.
Por isso, para resolver os grandes problemas
da humanidade, lutamos por uma sociedade organizada em bases totalmente
diferentes, onde haja decisões coletivas, produção coletiva, propriedade
coletiva de toda a humanidade.
Uma sociedade deste tipo não será o fim da
história, não será o paraíso na Terra, não será o fim dos problemas, conflitos
e contradições.
Uma sociedade deste tipo será “apenas” um marco
estrutural de novo tipo:
-no lugar dos interesses de uma minoria
dominante, os interesses de toda a humanidade;
-no lugar da busca do lucro através da
produção de mercadorias, o atendimento das necessidades sociais através da
produção de bens úteis;
-no lugar da anarquia da produção, o
planejamento democrático e ambientalmente orientado;
-no lugar de uma sociedade dividida em
classes, uma sociedade em que todos sejamos proprietários e produtores;
-no lugar da administração das pessoas a
partir de um Estado que representa uma minoria, a administração das coisas a
partir de uma administração coletiva etc.
Nada disto é uma utopia.
Trata-se de uma necessidade histórica - sob
pena da humanidade se afundar cada vez mais; e trata-se de uma possibilidade
histórica - proporcionada pelo desenvolvimento acumulado até agora.
A síntese desta necessidade e desta
possibilidade está no lugar das “máquinas” em nossa sociedade, ou seja, se a
produtividade humana será um fator de libertação ou um fator de escravidão.
Óbvio que uma sociedade como a descrita
anteriormente é uma meta histórica cuja implementação - embora necessária para
superar as contradições atuais e possível por se basear em condições materiais
já existentes ou pelo menos visíveis - exigirá muito tempo e muita luta.
Muito tempo, porque trata-se de superar uma
herança histórica de milênios; não apenas superar o capitalismo, mas superar a
sociedade baseada na divisão e luta entre classes sociais, superar a divisão e
luta entre produtores e proprietários dentro de cada sociedade, superar a
divisão entre diferentes Estados e sociedades no plano mundial.
Muita luta, porque a inércia milenar, os
problemas concretos e objetivos, os interesses dos capitalistas em cada país e
dos Estados capitalistas em âmbito mundial, assim como os interesses de todos
os opressores e exploradores de qualquer tipo, se opõem violentamente à
construção de uma sociedade de novo tipo.
Tendo em vista o marco temporal envolvido num
processo histórico de tamanha envergadura, é preciso construir uma visão de
mundo, uma estratégia política e organizações adequadas a um processo que
envolverá a ação de inúmeras gerações, ao longo de muitas e muitas décadas.
Os marcos desta visão de mundo não são e não
precisam ser homogêneos, únicos, unilaterais.
Pelo contrário, a visão de mundo que sustenta
a luta por uma nova sociedade pode e deve se basear em pelo menos cinco
tradições que se tocam, se vinculam, mas que não idênticas:
1/a tradição anticapitalista (que diz
respeito a propriedade, a produção, a distribuição);
2/a tradição antiimperialista (que é a
expressão moderna da luta contra o colonialismo, que por sua vez está na origem
história do racismo);
3/a tradição antiracista (que num país como o
Brasil está imbricada com a tradição anticapitalista);
4/a tradição antipatriarcal (onde se destaca
a luta travada por metade do gênero humano);
5/a tradição ambientalista (que ganha
destaque diretamente proporcional a natureza depretatória do capitalismo).
A ideia-força que atravessa estas cinco tradições
e que torna possível uma aliança estratégica entre elas é a igualdade, sem a
qual os direitos da classe trabalhadora, os direitos das mulheres, dos negros e
negras, assim como os direitos das nações periféricas e da natureza serão em
grande medida uma ficção.
Na relação de cooperação & conflito entre
estas tradições, o programa e o método sistematizado por Marx e Engels ocupam
um lugar diferenciado, por uma razão simples: desde 1800 até hoje, é o
capitalismo que articula as relações de exploração, de dominação, de opressão
que precisam ser superadas.
Por isso, não se trata de discutir se a
tradição marxista é suficiente ou dá conta de tudo; no sentido estrito do
termo, certamente não é e nem teria como ser.
Do que se trata é de reconhecer que o método
e o programa propostos pela tradição marxista são essenciais, porque sem ele
não vamos conseguir quebrar a espinha dorsal que articula opressões e
explorações passadas e presentes.
É deste ângulo que devemos encarar as
contradições que existem e seguirão existindo, ao menos enquanto existir
capitalismo, entre aquelas cinco tradições e outras que não foram
citadas.
Um “detalhe” importante: em países como o
Brasil, países que não são capitalistas originários, que não são imperialistas,
que tiveram a história que tivemos, aquelas tradições mantêm relações mais
fortes entre si do que em outros lugares do mundo.
Acontece que o capitalismo aqui surgiu como
parte da expansão colonial e a serviço da acumulação capitalismo. E para
isso o capitalismo realmente existente em nosso país envolveu e segue
envolvendo uma brutal superexploração do trabalho, uma brutal depredação da
natureza, um imenso desprezo pela vida humana e pelos direitos civis e
democráticos das maiorias, dos trabalhadores, dos negros e negras, das
mulheres.
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Coerente com a postura marxista, não nos
basta interpretar o mundo, queremos transformá-lo. Transformação que possui
inúmeras dimensões. Uma dimensão central é a transformação dos produtores em
classe dirigente do conjunto da sociedade.
Acontece que a sociedade humana, em termos de
todo o planeta Terra, não é homogênea, mas sim um complexo articulado de
diferentes sociedades. Esta diversidade torna impossível uma transformação
universal e simultânea, exigindo articular processos e ritmos diferenciados,
muitas vezes contraditórios entre si.
É por isso que, quando falamos de estratégia,
pelo menos quando pensamos estratégia de maneira operacional e não teórica,
devemos pensar em primeiro lutar em termos de uma sociedade determinada (o Brasil,
por exemplo), em segundo lugar nos marcos regionais (a América Latina por
exemplo) e por fim em escala mundial.
Em termos nacionais, “estratégia” diz
respeito a como transformar a classe trabalhadora em classe dirigente da
sociedade brasileira, para dar início à transição socialista no Brasil e para
contribuir para uma transição socialista na região e no mundo, em direção ao
objetivo de uma sociedade igualitária, que deixe no passado a opressão e a
exploração que marcam as diferentes sociedades de classe que existem hoje e que
existiram durante boa parte da história da humanidade.
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Uma pergunta que cabe fazer e precisa ser
feita é: qual a chance de o Partido dos Trabalhadores adotar formalmente,
oficialmente, explicitamente, conscientemente, uma estratégia deste tipo?
Falando em tese, a chance é 100%. E do ponto
de vista teórico, há resoluções recentes bastante razoáveis, como por exemplo
aos do sexto congresso do partido, realizado em 2017. Mas falando a preços de
hoje e pensando em termos de ação prática concreta e efetiva, a resposta direta
e reta é: “a frio”, aquela chance é muito pequena.
Acontece que o PT é um partido de massas, ou
seja, um partido que articula a ação de segmentos muito amplos da classe
trabalhadora, inclusive setores que não consideram possível superar o
capitalismo.
Portanto, a adoção de um programa e de uma
estratégia radical e totalmente anticapitalista por parte do PT é possível, mas
há um pressuposto: a radicalização pela esquerda de amplos setores da classe
trabalhadora.
Foi em alguma medida o que ocorreu no Brasil,
entre 1979 e 1989, motivo pelo qual o PT dos anos 1980 foi capaz de produzir
uma estratégia que se aproximava do sentido geral acima exposto.
Já nos anos 1990, marcados pela crise do
socialismo de tipo soviético e pela ofensiva neoliberal, houve uma alteração em
sentido oposto, tanto no comportamento da classe trabalhadora, quanto nas
definições do próprio PT.
Neste processo, a própria classe trabalhadora
sofreu alterações objetivas, em boa parte derivadas do processo de
desindustrialização.
Aliás, isso deveria ser levado em conta por
aqueles que minimizam o papel do operariado industrial no conjunto da classe
trabalhadora assalariada.
Seja como for, aquelas alterações políticas e
sociológicas não impediram que a classe trabalhadora e o PT obtivessem vitórias
importantes, por exemplo em quatro eleições presidenciais seguidas; mas as
referidas alterações políticas e sociológicas ajudaram a impor profundos
limites àquelas vitórias e ajudaram a plantar as sementes para a situação de
defensiva estratégica em que nos encontramos desde 2016.
Esta situação de defensiva estratégica e os
problemas objetivos e subjetivos antes citados criam imensas dificuldades para
que, hoje, o PT assuma novamente uma estratégia radical e totalmente
anticapitalista. Na cabeça de muitos militantes e dirigentes, é preciso
primeiro recuperar o espaço perdido e só depois pensar em avançar.
Mas ao contrário desse senso comum,
exatamente porque as dificuldades são imensas, paradoxal e contraditoriamente,
a situação objetiva exige que o PT vá além do curto prazo, pensando e agindo
estratégicamente.
Pois a crise é tão profunda, que ela não será
detida nem resolvida com soluções parciais. Ou seja: se não quisermos rebaixar
nossos objetivos programáticos e se não quisermos sofrer derrotas ainda
maiores, temos que criar condições para realizar transformações
estratégicas.
E uma destas condições a serem criadas é,
exatamente, a elaboração na teoria e a adoção na prática de uma estratégia
adequada a este momento que vivemos: tempos de crise sistêmica do capitalismo,
tempos de ofensiva reacionária da classe dominante e do imperialismo, tempos de
ataques contra os direitos das maiorias das mulheres, dos negros e negras, da
juventude, tempos de preconceito e intolerância.
Precisamos de uma estratégia petista adequada
a estes “tempos de guerra”.
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Quero chamar a atenção para três aspectos
desta estratégia.
Em primeiro lugar, trata-se de definir o
"lugar de fala": a classe trabalhadora assalariada, que deve buscar
uma aliança estratégica com a classe dos trabalhadores pequenos
proprietários.
Em segundo lugar trata-se de definir com
precisão o objetivo estratégico: transformar a classe trabalhadora em classe
dirigente da sociedade brasileira, para dar início à transição socialista no
Brasil e para contribuir para uma transição socialista na região e no mundo,
ambas em direção ao objetivo final de construir uma sociedade de novo
tipo.
Em terceiro lugar, trata-se de definir o
programa. Ou seja, o que pretendemos fazer para transformar a sociedade
brasileira.
Há várias maneiras de definir o programa. Uma
delas é partir do objetivo histórico e depois fazer aproximações sucessivas. O
problema desta maneira de definir o programa é que ela só “dialoga” com quem está
de acordo com o objetivo histórico. Além de correr todos os riscos derivados de
uma postura teleológica.
Outra maneira de definir o programa é partir
das contradições reais da sociedade brasileira neste ano santo de 2022. Quais
são estas principais contradições? Principalmente duas:
1/a contradição entre as potencialidades da
sociedade brasileira e os limites impostos pelos interesses do imperialismo,
que nos pretende mero exportador de primários, importador de industrializados e
paraíso da especulação financeira;
2/a contradição entre as necessidades da
massa da população e os interesses da minoria de exploradores, que querem
extrair o máximo pagando o mínimo, seja em termos de salários diretos, seja em
termos de salários indiretos (políticas públicas).
Estas duas contradições - que podem ser
apresentadas como nação versus imperialismo; trabalho versus capital - se
desdobram em pelo menos quatro características que atravessam toda a nossa
história: a dependência externa, o desenvolvimento limitado, a desigualdade
social e a democracia restrita.
Noutro texto já tratamos disto em
detalhes.
Dada a natureza articulada das contradições e
das características citadas, não há como tratar de umas sem tratar das demais.
Ou, para voltar aos termos do início desta exposição, há um vínculo profundo
entre as lutas contra o capitalismo, contra o imperialismo, contra o racismo,
contra o patriarcado etc.
E qual é a solução para aquelas contradições?
Como solucionar as contradições entre a nação e o imperialismo, entre o
trabalho e o capital? Como superar a dependência externa e o desenvolvimento
limitado? Como superar a desigualdade social e a democracia restrita?
A resposta passa por um programa de transformação
que reindustrialize o país, sob direção do Estado, deslocando o setor
financeiro e primário exportador, uma reindustrialização a serviço da ampliação
da oferta de bens públicos e da elevação do bem estar social, mediante
barateamento da cesta de consumo (reforma agrária, urbana, energética e de
transporte) e da ampliação do salário social (políticas públicas de saúde,
educação, cultura e lazer). Uma reindustrialização de novo tipo que, ademais,
vai dar nova densidade à classe trabalhadora brasileira. E que também criará as
condições objetivas para ampliar as liberdades democráticas reais (políticas,
raciais, de gênero etc.) e para mudar qualitativamente o tratamento das
questões ambientais em nosso país.
As medidas acima citadas exigem enfrentar o
complexo armado entre capital financeiro e economia extrativista (agrária,
pecuária, mineradora), complexo sustentado pelo Estado gerido pela alta
burocracia de Estado, cujo núcleo duro e permanente são as forças
armadas.
Estas medidas não sairão do papel, se a
classe politicamente dirigente e economicamente dominante continuar a ser o
grande empresariado capitalista.
Portanto, para resolver as grandes
contradições da nossa sociedade, em benefício das classes trabalhadoras, é
preciso adotar medidas que acabem com o controle que os capitalistas mantêm
sobre os meios de produção e sobre os instrumentos de poder. Neste sentido, a
solução dos problemas reais da sociedade brasileira desemboca no socialismo.
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Evidentemente, isso não faz sentido para
aqueles que confundem comunismo e socialismo, que confundem o objetivo final com
a transição socialista. Transição na qual conviverão, com níveis maiores ou
menores de contradição, mercado capitalista e medidas de orientação comunista,
como o SUS.
Mas para aqueles que compreendem que a
transição socialista é longa, complexa, heterogênea e contraditória, é óbvio
que o programa que pode dar solução aos grandes problemas do Brasil pode e deve
ser denominada de socialismo. Pois na essência socialismo é isso: o
controle da classe trabalhadora sobre os principais meios de produção e de poder, economia e política sobre controle da classe
trabalhadora.
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Queremos o poder para aplicar um programa. E
qual deve ser o caminho da classe trabalhadora para o poder? Em linhas gerais,
este caminho inclui:
i/ trabalhar para que a maior parte da classe
trabalhadora tenha consciência de seus objetivos imediatos e históricos;
ii/ trabalhar para que a maior parte da
classe trabalhadora esteja organizada numa rede de instituições, articuladas
entre si e que constituam a base de um contrapoder popular que sustente a
implementação do programa, derrote tentativas de sabotagem e golpe, garanta as
bases de massa para a construção de um Estado de novo tipo.
iii/ trabalhar por alterar em profundidade as atuais instituições estatais e paraestatais (parlamento, judiciário, forças armadas, meios de comunicação), combinando medidas parciais com a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte, na perspectiva de construir outro tipo de Estado. Tanto a velocidade quanto a ordem em que se aplicarão estas medidas depende de variáveis táticas; mas lutar por realizá-las é uma decisão estratégica.
iv/caso a classe dominante bloqueie de maneira mais ou menos permanente as possibilidades de disputar o governo, trilhar outros caminhos para construir e conquistar o poder;
v/ mantidas as atuais condições da luta de
classe, em que a esquerda pode disputar e chegar ao governo, fazer da conquista
e do exercício do governo um meio de construção e conquista do poder.
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Os pontos i e ii, embora sejam amplamente
consensuais no discurso da esquerda brasileira, não são efetivamente
consensuais na prática da esquerda brasileira. Aliás, a ênfase no eleitoral
institucional implicou – na prática - no rebaixamento da formação
político-ideológica de massas e, também, implicou em secundarizar a organização
e mobilização autônoma da classe trabalhadora.
O ponto iii é o nó de qualquer estratégia que pretende transformar ser governo em parte da luta pelo poder. A esse respeito, é preciso anunciar publicamente o que queremos fazer, pois se trata de construir maioria na sociedade em favor de nossas posições.
O ponto iv vem entrando progressivamente na
ordem do dia, por dois motivos: desde 2008 os Estados Unidos vêm apertando o
cerco contra seus adversários; e desde 2014 a opção hegemônica no grande
empresariado capitalista brasileiro e entre seus principais dirigentes
políticos foi romper as regras do jogo vigente desde 1989.
Ainda não houve um golpe militar nem uma
interdição formal da esquerda, mas na prática estão sendo crescentemente
restringidas as condições necessárias para que a esquerda possa vencer e
governar. Vide propostas como o "distritão" e o
"semi-presidencialismo".
Neste sentido, a próxima eleição presidencial
(hoje marcada para 2022, mas que prendemos antecipar) e o que virá depois da
eleição (ganhe quem ganhar) será um teste histórico de imensa importância e que
terá impactos ainda maiores sobre nossa estratégia.
O ponto v, portanto, corresponde a uma
formulação estratégica nas condições de temperatura e pressão ainda existentes,
condições que estão se alterando rapidamente.
Trata-se, em qualquer caso, de uma linha
política que arranca da certeza de que, num país como o Brasil, até mesmo
medidas de tipo reformista e socialdemocrata exigem ações de tipo socialista e
revolucionário.
Motivo pelo qual trata-se de recuperar não
apenas a defesa do socialismo, mas também a defesa da revolução. Um país em que
a direita defende e pratica abertamente o golpismo, precisa de uma esquerda
disposta a defender abertamente a revolução.
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O setor que por enquanto é majoritário na
direção nacional do PT e que ainda é hegemônico em amplos setores da classe
trabalhadora têm muita dificuldade de enxergar os problemas da nossa época, a
profundidade dos conflitos existentes em nosso país e a radicalidade dos meios
necessários tanto para reconstruir quanto para transformar.
Este setor muitas vezes parece optar pela
“estratégia" que alguns jocosamente intitulam de "TDB: tudo de bom”.
Segundo esta estratégia, tudo que pode acontecer de positivo a nosso favor vai
acontecer e tudo que pode acontecer de negativo não acontecerá.
Os últimos anos demonstraram várias vezes que
esta “estratégia TDB” é uma ficção, uma utopia.
Para constatar isto, basta fazer uma análise
crítica e autocrítica do caminho percorrido desde 1980 e particularmente desde
2003. Assuntos que já foram tratados em outros textos.
Por outro lado, o ocorrido no período
1990/2020 demonstrou os limites estratégicos da esquerda não petista. Parte
está à direita do PT (setores do PCdoB, o PSB e o PDT). Outra parte saiu do PT
pela esquerda, para hoje adotar assumir posições extremamente simpáticas ao PT
(PCO, Consulta Popular, setores do PSOL vindos do PSTU etc.). E, finalmente, há
os que saíram do PT pela esquerda e hoje foram para partidos à direita do PT.
Ou seja: os dilemas estratégicos do PT não
são apenas do PT. Por ser partido hegemônico na esquerda, seus dilemas são os
dilemas do conjunto da esquerda e, num certo sentido, dilemas do conjunto da
classe trabalhadora.
E por isso mesmo, é importante para a classe
trabalhadora que retomemos o debate estratégico.
E não se construirá outra estratégia (na
teoria e na prática) se uma parte importante do Partido, da esquerda como um
todo e amplos setores da classe trabalhadora não estiverem pensando a respeito,
debatendo a respeito, formulando a respeito.
As opiniões que apresentei antes têm o propósito
de contribuir para isto.
E a defesa que fazemos do Encontro Livre
também tem este mesmo propósito.
Em resumo, construir uma pressão de fora para
dentro e de baixo para cima, para que o PT atue em favor da classe trabalhadora
brasileira conquistar o poder e iniciar a construção de uma sociedade
socialista.
Vale destacar que esta não é uma discussão para depois de derrotarmos o governo Bolsonaro. Pelo contrário, derrotar o governo Bolsonaro (e seu esquema militar-policial-miliciano), bem como derrotar o neoliberalismo, exigirão uma postura estratégica muito diferente da adotada entre 1995 e 2016.
Por exemplo: caso consigamos superar todos os obstáculos e consigamos voltar à presidência da República, as primeiras semanas serão decisivas. Trata-se de adotar medidas imediatas para confirmar e ampliar o apoio dos que votaram em nós, conquistar os indecisos, isolar e neutralizar os inimigos. Tais medidas podem incluir: i/um choque de políticas sociais, com destaque para educação, saúde e um programa estatal de empregos; ii/um choque de obras públicas, indicando o caminho da retomada do desenvolvimento; iii/por para funcionar um aparato público de comunicação (BBC + Telesur); iv/uma caravana cultural; v/medidas de todo tipo para revogar decisões adotadas desde o golpe de 2016; vi/propostas de alteração constitucional imediata no que diz respeito a polícias e forças armadas; vii/campanha em favor de uma Assembleia Nacional Constituinte.
Enfim, o debate estratégico não é para depois. É para nos orientar agora.
Muito obrigado pela atenção.
(texto não revisado)
V.Pomar grande texto. Por que não seguimos próximos a este sentido da?? É a grande questão
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