Recomendo a quem tiver estômago fraco evitar o vídeo de 4 minutos em que Ciro Gomes fala sobre Cuba e a política externa brasileira.
Ciro abre o
vídeo afirmando que “nosso querido povo cubano está sofrendo. Existem duas bombas-relógio
armadas há muito tempo sobre este povo valoroso. Uma é o bloqueio econômico.
Outra é a ditadura política.”
Como spoiler
é proibido pela Convenção de Genebra, me limito ao seguinte: ao contabilizar
o tempo dedicado a cada tema, evidencia-se que o objetivo real do vídeo é atacar
a política externa do PT, através de um ataque ao governo cubano. A política
externa de Bolsonaro e a agressão dos Estados Unidos são coadjuvantes.
Politicamente
falando, portanto, o vídeo é uma peça de campanha eleitoral de quem ambiciona ser
a terceira via nas eleições presidenciais brasileiros. Mas este vídeo de Ciro
Gomes mostra que ele sua opção política não tem limites nem fronteiras. Explico.
Ciro sabe
que a situação de Cuba é difícil. Colônia espanhola até o final do século XIX, depois
protetorado ianque, depois ditadura cruel e paraíso das máfias, Cuba só se
tornou uma nação independente graças ao triunfo da revolução de 1959, que a
pressão das massas e a sabotagem do imperialismo empurraram em direção ao
socialismo.
Em Cuba, a soberania
nacional é inseparável do socialismo: se um cair, o outro cairá. E como o
socialismo cubano estava intimamente vinculado ao soviético, depois de dezembro
de 1991 nove em cada dez analistas previam que a “ditadura” cubana cairia.
Mas não
caiu. Sobreviveu com imensas dificuldades, sobreviveu a muitos de seus inimigos
e sobreviveu a seus próprios erros, que tanto Fidel quanto Raul Castro
reconheceram inúmeras vezes.
Vai
continuar sobrevivendo? Ninguém sabe. A URSS já nos demonstrou que o pior pode
acontecer. E nesse momento a situação em Cuba é particularmente difícil, entre
outros motivos porque o acirramento do bloqueio criminoso dos EUA se dá em meio
a pandemia, que além dos efeitos sanitários, afeta as poucas fontes de divisas
de Cuba, sem as quais a Ilha não consegue comprar produtos básicos, afetando da
alimentação ao fornecimento de energia elétrica. E tudo isso incide sobre um país
no qual estão em curso, já há alguns anos, um conjunto de reformas econômicas e
sociais patrocinadas pelo governo exatamente para tentar superar – na medida em
que isso é possível numa pequena ilha tão perto de Washington - problemas
estruturais do socialismo cubano.
Em qualquer
país do mundo uma situação dessas provocaria conflitos sociais. Em qualquer
país do mundo este conflito produziria choques entre o governo e setores da
população. Não importando se quem governa é de esquerda, de direita ou um
ornitorrinco.
Podemos
divergir sobre o tamanho dos conflitos ocorridos em Cuba, sobre a resposta do
governo, sobre o papel relativo dos EUA e dos problemas acumulados há décadas. O
que não se pode nunca perder de vista é a assimetria das forças e das intenções
envolvidas.
Cuba não
ameaça a vida do povo dos EUA, Cuba não trabalha dia e noite para derrubar o
governo dos EUA. Já o criminoso bloqueio visa exatamente isso: sufocar Cuba, desesperar
o povo cubano, produzir conflitos e no limite tentar derrubar aquilo que Biden,
Bolsonaro e Ciro chamam de “ditadura”.
O que está
em jogo, portanto, é a soberania nacional cubana. Sem a qual não será possível nenhum tipo de socialismo, nem tampouco liberdades democráticas. Apesar de sua crítica retórica ao bloqueio,
a posição de Ciro é a mesma dos gusanos. Aliás, ele cada vez mais parece um. Kafka explica.
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