sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

Respondendo ao companheiro Milton Temer


O companheiro Milton Temer escreveu um texto, onde afirma que “fica difícil pensar em unidade de esquerda quando companheiros como Valter Pomar e Breno Altman abrem baterias contra Gilberto Maringoni nos termos tornados públicos - o velho cantochão de ‘linha auxiliar’, desta vez, da extrema direita”.

Vamos aos fatos.

Maringoni criticou a decisão do PT de não comparecer a posse de Bolsonaro. 

A esse respeito, eu escrevi o seguinte: 

Cid Benjamin respondeu e eu devolvi o seguinte:

Logo depois desta polêmica, tanto Cid quanto Maringoni fizeram autocrítica de sua posição. 

Entretanto, Maringoni emendou novo ataque ao PT, que eu também respondi:

Até então, que eu saiba, Breno Altman se limitara a divulgar meu texto.

Sendo esta a sequência dos fatos e os argumentos utilizados de parte a parte, não compreendo por qual motivo Temer reclama contra os “termos” utilizados por nós.

Por isto, enviei a Milton Temer a seguinte mensagem: “como você sabe, eu critico a política adotada pelo governo Dilma desde o início. Portanto, não tenho incômodo nenhum em debater a sério este ou qualquer outro aspecto da política do PT e dos nossos governos. O problema é que Maringoni não fez isso. O que ele fez é atribuir as “razões” da extrema direita ao ajuste fiscal de 2015. Este argumento é tão reducionista, que ao invés de nos ajudar a combater a extrema direita, “justifica” o discurso deles. Quanto ao restante do que você diz, comentarei noutro momento. Apenas acrescento que a acusação de Maringoni contra o PT é muitas vezes pior do que a crítica que faço a ele. E é pior porque é essencialmente falsa. A verdade, mesmo que dura, mesmo que incomoda, nunca faz mal”.

Vou agora cumprir a promessa feita a Milton Temer: comentar as afirmações feitas por ele, no texto em que defende Maringoni.

Temer começa dizendo que “esquecem-se os companheiros que há uma consagrada máxima da política: entre a cópia e o original, o eleitorado corre para o original. E como é do eleitorado e não apenas de nossa militância orgânica que dependemos, foi nessa perda de representatividade do que simbolizava o setor hegemônico de um conjunto de esquerdas, que a extrema direita se criou”.

Eu não sei de que “companheiros” Temer está falando na primeira frase do parágrafo acima. Não deve ser nem de mim, nem de Breno Altman.

Mas vamos ao que interessa: “foi nessa perda de representatividade do que simbolizava o setor hegemônico de um conjunto de esquerdas, que a extrema direita se criou”.

Não concordo com isto. 

Não é verdade que a “extrema direita se criou” devido às atitudes do PT, assim como não é verdade que o nazismo “se criou” devido aos erros do SPD e do KPD, assim como não é verdade que o fascismo italiano “se criou” devido aos erros da esquerda italiana.

O que poderia ser dito é outra coisa: os erros cometidos pelo PT levaram o partido a perder o apoio de uma parte das classes trabalhadoras. 

Mas não foi com base nesses erros que a “extrema direita se criou”. Nem foi por culpa desses erros que Bolsonaro se elegeu. 

Podemos e devemos criticar a estratégia adotada pelo PT desde 1995.

Assim como podemos e devemos criticar várias opções adotadas pelos governos Lula e Dilma.

Mas é historicamente incorreto dizer que “extrema direita se criou” em decorrência dessas opções. 

Em primeiro-lugar, a extrema-direita brasileira tem raízes anteriores ao PT. 

Basta lembrar que Bolsonaro elogia a ditadura militar e Villas Boas ataca o Levante de 1935. 

Em segundo lugar, a extrema-direita ocupou o vácuo aberto pelo desmanche do tucanato. 

De quem é a responsabilidade por este desmanche? Do PT que não é.

Em terceiro lugar, a extrema-direita veio sendo adubada desde 2005 pela campanha contra o PT. 

Acusar o PT de responsável pelas opções que as elites fizeram para destruir o PT é bizarro.

Em quarto lugar, o crescimento da extrema-direita é um fenômeno mundial.

Por todos esses motivos, não é correto dizer que a “extrema direita se criou” devido ao PT. 

Isto não quer dizer que não se deva discutir as responsabilidades do PT, especialmente no que diz respeito à postura assumida por aqueles setores das classes trabalhadoras que, entre 2002 e 2014, optaram pelo PT, mas que em 2018 optaram por Bolsonaro ou preferiram não votar em ninguém.

É muito comum atribuir esta responsabilidade ao governo Dilma, mais exatamente a decisão de fazer um ajuste fiscal em 2015. 

Mas quando olhamos o conjunto da obra, fica clara qual teria sido a responsabilidade de Dilma: Lula teve 61% dos votos válidos em 2002, Lula teve 60% dos votos válidos em 2006, Dilma teve 56% dos votos válidos em 2010, Dilma teve 51% dos votos válidos em 2014.

Ou seja: houve uma queda de dez pontos percentuais, entre 2002 e 2014.

Mesmo assim, o PT continuou recebendo a maioria dos votos válidos e a maioria dos votos das classes trabalhadoras. 

A política adotada pela presidenta Dilma Rousseff em 2015 – política, é sempre bom lembrar, que na época foi respaldada pela maioria dos integrantes do Diretório Nacional do PT -- nos fez perder a maioria dos votos válidos e nos fez perder maioria na classe trabalhadora.

Não foi isso, entretanto, que “criou” a extrema direita.

Nem foi por isso que perdemos a eleição presidencial de 2018. 

Os próprios golpistas não estavam seguros de que o PT perderia a eleição presidencial de 2018. 

Se acreditassem nisso, não teriam condenado e prendido Lula, nem o teriam impedido de ser candidato à presidência. 

Os golpistas sabiam o mesmo que nós: apesar dos erros cometidos pelo PT e pelos governos encabeçados pelo PT, até meados de 2018 havia uma parte da classe trabalhadora que estava disposta a votar na candidatura petista à presidência. E todas as pesquisas indicavam que esta parte era grande o suficiente para possibilitar uma vitória de Lula no primeiro turno.

Mesmo com Lula interditado, esta parcela da classe trabalhadora chegou, no primeiro turno, a 31 milhões de pessoas.  

Portanto, podemos e devemos criticar duramente as opções feitas pelo governo Dilma, mas sem atribuir responsabilidades que não são dela.

Sigamos.

Milton Temer diz que aquilo que o “segundo governo Dilma nos impôs foi catastrófico. Não apenas pela rendição vil ao grande capital financeiro, mas por diversos outros itens inimagináveis para um governo que se pretenda pelo menos popular e democrático. Cito apenas, para não me estender em demasia, a lei antiterror”.

Temer lembra que tanto eu quanto Breno Altman nos manifestamos publicamente contra ambas coisas. Mas diz que nos rebelamos contra a possibilidade de colocar tais políticas “no balanço de perdas e ganhos do processo que, depois de 13 anos de Planalto, desembocou na ameaça que estamos vendo chegar”.

Epa, epa, epa.

Isto simplesmente não é verdade.

Como pode ser confirmado por qualquer pessoa que acompanhe os debates internos ao PT, ou que leia tanto meus textos quanto os de Breno Altman, é óbvio que colocamos o ajuste fiscal, a lei antiterror e outras opções “no balanço de perdas e ganhos do processo” que “desembocou na ameaça que estamos vendo chegar”.

Uma coisa é dizer que houve um “processo” que “desembocou” numa derrota.

Outra coisa é dizer que o PT “criou” a extrema direita.

Milton Temer nos acusa de uma posição que simplesmente não é a nossa. E vai fundo na crítica: “ao invés de se colocarem coerentes com a formação teórica marxista que fundamenta suas propostas táticas, preferem dar cobertura à burocracia imobilista, acrítica, do neoPT que continua a se mostrar de forma arrogante na proposição de alianças que só podem ser válidas se definidas a partir de sua visão e interesse particulares”.

Só posso achar graça desta acusação, a saber, a de que dou “cobertura à burocracia imobilista”. A respeito, sugiro que Temer se informe melhor. 

O que busco fazer, isto sim, é defender o PT de uma acusação falsa e que, ademais, reforça o discurso e a prática dos que querem isolar o PT.

Pois a acusação de que o PT é responsável por Bolsonaro, faz parte do repertório de argumentos/justificativas utilizados para isolar o PT. 

Um dos que usa este argumento é Ciro Gomes. Mas não está sozinho: setores da esquerda crítica ao PT embarcaram neste argumento. Alguns embarcaram tanto, que no primeiro turno preferiram votar em Ciro Gomes.

A novidade trazida por Maringoni é a acusação de que, por culpa do PT, o “socialismo hoje, no imaginário popular, não é uma doutrina que pregue a igualdade. É um conjunto de ideias e práticas que desemprega, mente, ataca direitos etc. etc”.

Noutro texto já respondi ao que foi dito por Maringoni.

Agora vou responder ao que diz Milton Temer a respeito.

Segundo Temer, o “capitão reformado” diz que veio para “tirar do mapa” tudo o que o "socialismo" do PT “tinha implantado”. E prossegue: “disse isso porque os governos PT chegaram perto de formular uma proposta sequer anticapitalista? Nem pensar. Disse isso porque esse foi o simbolismo que o PT vendeu para transformar o "reformismo fraco" de sua política social em aval do "pacto conservador de alta intensidade" com que tentou ser aceito pelo grande capital. Pacto que a direita topou até transformar Lula em suco, quando não mais lhe servia”.

Pergunto a você que está lendo este texto: em que momento, entre 2003 e 2014, o PT  apresentou o socialismo como “simbolismo” de seus governos???

Isto simplesmente nunca ocorreu. Nunca os governos Lula e Dilma apresentaram o socialismo como o “simbolismo que o PT vendeu para transformar o ‘reformismo fraco’ de sua política social em aval do ‘pacto conservador de alta intensidade’ com que tentou ser aceito pelo grande capital”.

Portanto, se Bolsonaro vê socialismo onde alguns enxergam apenas políticas compensatórias, a responsabilidade não é do PT.

Mas eu entendo o problema de Temer: ele, que vem criticando há tempos o PT por ter se afastado do socialismo, agora tem que lidar com o fato da extrema direita acusar o PT de... socialista.

A questão pode ser posta assim: por qual motivo a extrema-direita ataca com tanto radicalismo e acusa de radical um partido que fez governos tão moderados?

A resposta é no fundo muito simples: para um setor das classes dominantes, não há mediação possível. E neste momento é este setor que está no comando. 

Um setor da esquerda crítica ao PT e um setor do petismo nunca imaginaram que isso pudesse ocorrer. Ambos cometeram o mesmo erro: achavam que a moderação dos governos petistas produziria moderação equivalente por parte das classes dominantes. Por isso é que tanto setores moderados do PT, quanto setores críticos ao PT imaginavam que o golpismo não iria tão longe quanto foi.

Voltando ao texto de Temer: se entendi direito o que ele quis dizer, ele afirma que algumas opções do PT tiveram “imensa influência na guinada de humores do eleitorado”. Concordo com isto e tenho certeza que Breno Altman também concorda. 

Nossa divergência, insisto, não está aí.
O problema não está em reconhecer os efeitos negativos de opções adotadas pelo PT e/ou por governos petistas. 

O “problema” está em acusar o PT de ter “criado” a extrema direita ou de ser responsável pelas “razões” de Bolsonaro.

Promessa cumprida.

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