Agradeço
ao coletivo de trabalhadores da Fiocruz o convite para participar deste debate
(https://www.facebook.com/events/1692405764306888/),
para o qual também foram convidados o Cid Benjamin (PSOL), o Valério Arcary
(PSTU) e o Mauro Iasi (PCB).
Considerando
as restrições de tempo e a digamos “correlação de forças” do debate, decidi
apresentar minhas opiniões também por escrito e antecipadamente.
As
questões propostas --pelos organizadores-- para discussão foram as seguintes:
1.Qual
o futuro da esquerda brasileira depois de 13 anos de governos do PT?
2.Como
reorganizar as lutas quando o partido que foi (ou ainda é?) a principal
expressão do movimento dos trabalhadores nos últimos 30 anos se distancia de
suas bases e, segundo seus críticos e uma parte de seus próprios integrantes,
perde cada vez mais sua identidade de classe?
3.Quais
os limites postos à via da institucionalidade eleitoral e no caminho da
organização de base, num contexto de desmobilização?
4.Como
reagir aos ataques da "esquerda" no governo sem ignorar o ascenso de
uma "direita" truculenta nas ruas e no Congresso Nacional?
Minha
argumentação começa exatamente por esta última questão, que eu vejo da seguinte
forma:
1. Está em
curso uma ofensiva de direita (sem aspas);
2. Esta
ofensiva não se limita ao Brasil, estendendo-se a toda a América Latina, como é
possível perceber no desempenho da direita nas eleições colombianas e
argentinas, bem como na campanha eleitoral da Venezuela;
3. No caso
brasileiro, está em curso uma ofensiva simultânea da direita partidária, da
direita social, da alta burocracia de Estado, do grande capital e do oligopólio
da mídia;
4. Não
existe um “comitê central” coordenando esta ofensiva de direita. Além disso, os
diferentes setores citados no ponto anterior adotam frequentemente táticas
também diferentes, que oscilam em torno de duas variantes fundamentais:
a) os que
preferem empurrar o governo Dilma a implementar o programa econômico de Aécio
Neves, desgastando o PT e facilitando assim a eleição, em 2018, de um
presidente do campo tucano;
b) os que
preferem o afastamento da presidenta Dilma, por exemplo via impeachment seguido
imediatamente de novas eleições ou então via impeachment com Michel Temer assumindo a presidência
(possibilidade que explica o tucaníssimo texto programático divulgado
recentemente pelo PMDB).
5. Embora
existam diferenças táticas, há também um amplo consenso estratégico na direita
em torno dos seguintes objetivos:
a)
realinhar o Brasil ao bloco internacional comandado pelos Estados Unidos
(portanto, afastando-o tanto dos BRICS quanto da integração latino-americana);
b) reduzir
os níveis de remuneração, direta e indireta, da classe trabalhadora brasileira
(o que inclui desde alterações na legislação trabalhista até cobrança de
serviços públicos, passando por revisão nas políticas de reajuste do salário
mínimo e repressão à movimentos sociais reivindicatórios);
c) reduzir
o acesso dos setores populares às liberdades democráticas em particular e aos
direitos humanos e sociais em geral.
6. Caso
esta ofensiva de direita tenha pleno êxito, não estaríamos apenas de
volta aos governos 100% neoliberais de 1994-2002. Nem estaríamos apenas
diante do desmanche dos direitos inscritos na (em geral conservadora)
Constituição “Cidadã”. Além disto e mais do que isto, sob pelo menos dois
aspectos importantes estaríamos “de volta” à características do Brasil
pré-revolução de 1930:
-no que
diz respeito aos direitos trabalhistas;
-no que
diz respeito ao peso do complexo “agroexportador” na economia nacional (e,
portanto, ao lugar do Brasil na “divisão internacional do trabalho”).
7.
Portanto, esta ofensiva de direita – caso plenamente vitoriosa— não teria
apenas implicações táticas; teria principalmente implicações estratégicas, pois
alteraria aspectos importantes do contexto global em que temos atuado há pelo
menos duas décadas. Dito de outro jeito, caso a ofensiva de direita tenha êxito
agora, isto talvez signifique que tenha chegado ao fim a batalha aberta nos
anos 1980 acerca dos rumos de médio prazo do país, batalha que até então não se
concluiu, apesar das vitórias dos neoliberais nos anos 1990.
8. Esta
ofensiva de direita tem grandes chances de sair vitoriosa, por três motivos
fundamentais:
a) há um
cenário internacional favorável;
b) a
direita, mesmo sendo muitas, possui unidade estratégica;
c) a
ofensiva de direita é contra uma esquerda dividida, sendo que em parte da
esquerda prevalece neste momento uma
política que ajuda a ofensiva da direita.
9. Entretanto,
admitir que as chances de vitória da direita são grandes não é igual a
considerar esta vitória como inevitável, nem é igual a tratar as coisas como se
esta vitória já tivesse acontecido. Pelo contrário, é possível e é necessário
derrotar a ofensiva de direita. Aliás, temos a obrigação de
lutar para impedir a vitória da direita. Isto por dois motivos principais:
a) porque
o que resultaria de uma vitória da direita, nestas circunstâncias, não seria um
breve intervalo conservador, mas sim um longo “vale das sombras”;
b) porque
mesmo em caso de derrota, quanto mais forte for nossa resistência agora, menos
difícil será a reorganização posterior.
10. O que
pode ser feito para impedir que a ofensiva de direita tenha êxito?
a) não
está propriamente ao nosso alcance alterar o cenário internacional;
b) podemos
e devemos tentar dividir a direita, mas na atual conjuntura (de ofensiva
deles), divisões na direita não interromperão a ofensiva. Na melhor das
hipóteses, divisões na direita provocarão reorientações táticas na ofensiva
(por este motivo, aliás, comete uma imensa estupidez quem vacila em defender o afastamento
imediato de Eduardo Cunha da presidência da Câmara dos Deputados, na crença de
que o central agora seria jogar com as contradições táticas no campo adversário
e não unificar o campo popular);
c) isto
posto, o que está propriamente ao nosso alcance neste momento é unificar
a esquerda, unificar o campo popular.
11.
Unificar em torno do quê? Certamente (mas não apenas) em torno de
barrar a ofensiva de direita, algo que foi feito com êxito no segundo turno de
2014.
12. Em
outubro de 2014, foi a reação em grande medida espontânea dos setores
progressistas, democráticos, populares e de esquerda em todo o Brasil que
impediu a direita de ganhar a presidência da República.
13. O
problema é que a direita perdeu na votação popular, mas ganhou na composição do
ministério e na definição da política econômica. Para os que gostam de
analogias históricas, algo parecido ocorreu na eleição de Vargas em 1950.
14. Portanto,
talvez o principal obstáculo para unificar a esquerda esteja na atitude que
prevalece atualmente no governo Dilma, com destaque para a decisão de fazer um
ajuste fiscal recessivo.
15. O
ajuste fiscal recessivo piora as condições de vida do povo, bloqueia um
posterior crescimento com distribuição de renda e, ademais, tem as seguintes
implicações políticas:
a) dá uma
“chancela de esquerda” para o comportamento profundamente nocivo de vencer a
eleição com um programa e governar com outro (enfraquecendo, portanto, nosso
discurso em defesa da democracia e da legalidade);
b) faz um
governo eleito com apoio de amplos setores da esquerda, perder influência e
autoridade política junto às demais instituições e diante dos poderes "de
fato", nacionais e internacionais;
c) faz um
governo eleito com apoio de amplos setores da esquerda, perder apoio popular ao
ponto de tornar-se de fato
minoritário;
d)
confunde, desorganiza e divide as forças de esquerda que participam, apoiam ou
pelo menos pretendiam manter uma postura de relativa “neutralidade” frente ao
governo.
16. Mesmo
que o governo Dilma estivesse cumprindo o programa vitorioso no segundo turno
das eleições presidenciais, haveria setores da esquerda que fariam oposição
(aliás, setores da esquerda brasileira criticam duramente e desde há muito até
mesmo os governos da Bolívia, Equador, Venezuela e Argentina). Mas, uma vez que
o atual governo Dilma está implementando aspectos fundamentais do programa
derrotado no segundo turno de 2014, mais setores da esquerda foram empurrados
para a oposição, alguns afirmando ser
contrários ao impeachment defendido pela direita, mas em oposição ao conjunto
do governo, outros defendendo o
governo, mas declarando-se em oposição à política econômica. Há, também,
setores da esquerda que colocam em
primeiro plano a defesa do governo contra o golpismo da direita, deixando em
segundo plano a crítica à política econômica, sem dar conta de que esta
política constitui o principal combustível da oposição de direita. Finalmente,
há setores da esquerda que consideram o ajuste
fiscal necessário ou pelo menos inevitável.
17. Num
resumo: a esquerda brasileira está profundamente dividida. Esta divisão em
certa medida reflete e também inclui no que ocorre na própria classe
trabalhadora e nos setores populares. E vem acompanhada de uma influência
crescente das posições de direita sobre os setores populares.
18. Para
superar esta situação, para fazer com que as posições de esquerda voltem a influenciar
a maioria (absoluta ou relativa) da classe trabalhadora e dos setores
populares, é importante unificar (ao máximo possível) a esquerda política e
social. Falando em tese, há dois cenários em que será mais provável construir
esta unidade:
-caso a
direita tenha êxito em sua ofensiva (hipótese para a qual contribui a política
econômica atualmente adotada pelo governo), isto empurrará parcelas crescentes
da esquerda para uma “unidade na desgraça”;
-caso o
governo Dilma mude de política (hipótese na qual a direita prosseguirá
sua ofensiva, talvez até com mais energia), isto permitirá e estimulará
que parcelas crescentes da esquerda unifiquem-se não apenas contra a direita,
mas principalmente a favor de mudanças.
19. Exceto
para os que defendem que “quanto pior melhor”, o melhor cenário para unificar a
esquerda e com isto criar as condições para tentar interromper a ofensiva da
direita é aquele que começa por uma alteração imediata e radical (um “cavalo de
pau”) na política econômica adotada atualmente pelo governo Dilma.
20. Isto é
possível? Esta pergunta admite pelo menos duas respostas:
a) sim, é
possível, entre outros motivos porque a presidenta Dilma aplicou outra política
no segundo mandato de Lula (quando era ministra) e também aplicou outra
política no seu primeiro mandato como presidenta. Além do quê, quem deu “cavalo
de pau” em novembro de 2014 pode dar outro “cavalo de pau” em novembro de 2015;
b) sim, é
possível, mas é mais complicado do que parece. Isto porque de nada adiantaria
adotar a mesma política vigente entre 2006-2014, pois o sucesso relativo
daquela política, naquele momento, dependia de circunstâncias que não existem
mais, por exemplo o cenário internacional relativamente favorável às
exportações brasileiras.
21.
Portanto, para os que defendem que para
derrotar a ofensiva da direita é necessário mudar a política econômica, há
uma dupla dificuldade envolvida:
a)
convencer ou forçar o governo a mudar de política;
b) construir
as condições para uma nova política econômica, que seja capaz de
gerar crescimento com bem-estar social em condições muito mais difíceis do que
em 2006-2014.
22. Quais
seriam as diretrizes de outra política econômica e quais seriam as condições
necessárias para implementar esta outra política econômica?
a) no
médio prazo: indústria forte e tecnologicamente avançada, setor financeiro
poderoso e público, reforma agrária e universalização das políticas sociais,
desenvolvimento econômico com elevação do bem-estar social, ampliação das
liberdades democráticas, política externa soberana e de integração regional;
b) no
curto prazo: derrubar a taxa de juros, alongar o pagamento da dívida pública,
controlar o câmbio, cumprir integralmente o Orçamento, impulsionar um plano de
obras públicas (habitação e construção civil), tendo como suporte os bancos
públicos, a Petrobrás e o complexo de empresas vinculadas a ela.
23. A
maior dificuldade para implementar esta política alternativa não está na
correlação de forças, nem em dificuldades técnicas. A maior dificuldade está na
digamos incredulidade de setores do governo. Dizendo de
outra forma, setores do governo não acreditam que outra política seja
necessária e/ou que seja possível. Predomina no governo a ideia de que o ajuste
fiscal recessivo seria a “melhor” política, inclusive porque seria a única possível.
24. Por
que predomina esta visão no governo? Há vários motivos, entre os quais:
b) parcela
do governo responde aos interesses de setores que são beneficiados pelo ajuste.
Esta parcela inclui não apenas os ministros de centro-direita, mas também
setores oriundos da esquerda, mas que mudaram de posição de classe ao longo dos
últimos anos;
b) para
outra parcela do governo, que segue comprometida com os interesses populares,
os motivos da adesão à política de ajuste fiscal são outros. Um dos motivos é que
esta parcela encontra-se prisioneira de uma orientação estratégia que a conduz
a isto. Podemos resumir assim a questão: o governo Dilma leva às últimas
consequências a estratégia predominante no PT desde 1995 e “radicalizada” com a Carta
aos Brasileiros de 2002, a saber, uma estratégia que tentava
mudar o Brasil através de políticas públicas, sem reformas estruturais,
mediante alianças com setores da classe dominante, inclusive com o capital
financeiro, sem rupturas e com o máximo de conciliação possível, acumulando
forças através da institucionalidade eleitoral e subordinando a isto a
mobilização social, a organização partidária e a disputa cultural-ideológica.
25. A
partir de 1995, a maior parte da esquerda convenceu-se de que esta estratégia
parecia ser a melhor para ganhar o governo federal. A partir de 2003, a maior parte
da esquerda convenceu-se de que esta estratégia parecia ser a melhor para mudar
o Brasil a partir do governo federal. Entre 2006 e 2014, a maior parte da
esquerda (dentro e fora do PT) estava convencida de que esta estratégia parecia
(apesar de tudo, apesar dos limites, apesar dos problemas, apesar das
contradições) ser capaz de mudar o Brasil em benefício da maioria de
nosso povo. Por conta disto tudo (e por outros motivos, entre os quais aqueles
vinculados a concepções equivocadas acerca da crise do socialismo soviético),
amplos setores da esquerda, inclusive setores que hoje são críticos ao PT,
defenderam em algum momento dos últimos 20 anos a estratégia resumida no item
anterior.
26. Há
quem acredite que aquela estratégia foi correta no passado e hoje não seria
mais. Quem pensa isto está dourando a
pílula. Afinal, o objetivo de uma estratégia, seja qual for, é conseguir
vitórias estratégicas, estruturais, duradouras pelo menos no médio prazo. E se
observarmos o período 2003-2015, veremos que os avanços obtidos, avanços que
são reais e que não devem ser menosprezados, não chegaram contudo a consolidar-se
estruturalmente. Por exemplo: a elevação da qualidade de vida do povo, quando
feita principalmente através da ampliação de sua capacidade de consumo, portanto
via mercado; e não prioritariamente através de reformas estruturais, mais ampliação
e universalização de políticas públicas, mais a correspondente ampliação dos
níveis de consciência e organização da classe trabalhadora. Como é possível perceber,
este caminho (centrado na ampliação das políticas públicas, não nas reformas
estruturais) para elevar o nível de vida do povo é frágil, pode ser desfeito e
está sendo desfeito com relativa facilidade pela ação da classe dominante. O
que podemos dizer, portanto, é que aquela estratégia não impediu vitórias táticas, mas gerou efeitos colaterais (tanto
táticos, quanto estratégicos) que a partir de um determinado momento passaram
não apenas a dificultar vitórias táticas, mas inclusive passaram a contribuir
para uma derrota estratégica que pode assumir imensas proporções.
27.Acontece
que aquela estratégia tinha/tem vários, digamos, “defeitos de fabricação”.
Entre os quais o fato dela depender, no limite, da disposição da classe
dominante em fazer concessões. Quando esta disposição é fraca ou não existe, a
estratégia de conciliação vai se convertendo numa armadilha. Armadilha entre
outros motivos porque a esquerda conciliadora, que em muitos casos desaprendeu
a valorizar o conflito e acomodou-se às "regras do jogo" (por exemplo
ao financiamento empresarial privado), se torna progressivamente incapaz de
reagir à altura contra uma direita raivosa, que nunca esqueceu “como se faz”
para colocar “os de baixo” no seu “devido lugar”, uma direita que segue
dispondo de todos os meios deixados intocados pela esquerda conciliatória, que
nunca tentou à sério enfrentar as casamatas de poder da classe dominante: o oligopólio
da mídia, um aparato de segurança orientado por uma doutrina antipopular e “gringodependente”,
o oligopólio financeiro (que deste os anos 1990 é a fração hegemônica da classe
dominante) e a alta burocracia do Estado (no executivo, legislativo e
judiciário).
28,De 2011
para cá, a classe dominante não quis mais (e/ou não conseguiu mais) fazer
concessões. Concessões que a rigor sempre foram muito pequenas, como atestou o
próprio Lula, que comemorava termos sido capazes de melhorar a vida do povo, ao
mesmo tempo em que os ricos lucravam como nunca. Seja como for, a partir de
2011 a maior parte da classe dominante demonstrou não estar mais disposta a
fazer nem mesmo pequenas concessões. Por quais motivos a classe dominante mudou
de postura? Por dois motivos fundamentais:
a) as
mudanças no cenário internacional;
b) o
crescimento da participação do trabalho na renda nacional, que atingiu em 2011
níveis que a classe dominante considera inaceitáveis.
29. Desde
então, veio se conformando uma tempestade perfeita: a mudança na
postura da classe dominante, mais o estresse dos chamados setores médios, mais a
perda de apoio em setores crescentes da classe trabalhadora. Possibilidades que
estavam implícitas naquela estratégia adotada desde 1995, riscos que foram
denunciados pela esquerda petista desde aquela época, mas que ou eram
desconsiderados, ou eram minimizados, ou se deixava para amanhã as medidas corretivas
que poderiam e deveriam ter sido tomadas anteontem.
30. Deste
ponto de vista, a atual ofensiva de direita é também um sinal do esgotamento
da estratégia adotada pela maior parte da esquerda nos últimos 20 anos. É a
cada dia mais necessário e urgente construir, tanto na teoria quanto na
prática, outra estratégia:
a) de luta
pelo socialismo, não apenas por um capitalismo pós-neoliberal;
b) de luta
pelo poder, não apenas pelo governo;
c) uma
estratégia das classes trabalhadoras, não de conciliação com setores da classe
dominante.
31. Isto
--construir outra estratégia-- será feito com o PT, sem o PT ou contra o PT?
Muitas vezes este debate assume o primeiro plano, deixando em segundo lugar a
discussão sobre o conteúdo de uma “nova” estratégia e das ações necessárias
para que ela seja algo mais do que uma intenção e um discurso. Há várias razões
que explicam esta atitude, entre as quais a seguinte: a campanha de
criminalização do PT aparentemente ajuda os que abordam o problema da construção
de uma nova estratégia, a partir da crítica ao petismo. Digo “aparentemente
ajuda”, porque é muito comum ocorrer dos críticos às alianças do PT com a direita
terminarem aliados com a direita contra o PT.
32. Seja
como for, quem está chamado em primeiro lugar a responder aquela questão (“com,
sem, contra”) é o próprio Partido dos Trabalhadores. Ou seja, é o Partido dos Trabalhadores
quem deve decidir se vai buscar construir outra estratégia ou se vai insistir
na estratégia da conciliação. E da resposta a esta questão dependerá não
exatamente a “sobrevivência futura” do PT, mas sim qual papel o PT jogará no
presente e no futuro.
33. Para
fazer uma analogia histórica, com toda imprecisão que as analogias possuem: no final
dos anos 1910, a vanguarda da classe trabalhadora brasileira estava sob hegemonia
do anarquismo. O anarquismo foi derrotado e parte do anarquismo apostou na
criação do Partido Comunista. Mas foi apenas depois da Segunda Guerra Mundial
que a estratégia do partido comunista tornou-se hegemônica na vanguarda da classe
trabalhadora. O golpe de 1964 desmoralizou profundamente a estratégia do PC,
mas a direção do PC dobrou sua aposta na mesma linha, provocando cisões,
rupturas, saídas e também uma proliferação de novas organizações de esquerdas.
Mas foi só nos anos 1980 que as lutas de uma nova classe trabalhadora dariam
origem a uma nova estratégia hegemônica, simbolizada numa também nova
organização, o Partido dos Trabalhadores, que reuniu a maior parte da vanguarda
da classe. Hoje, aquela estratégia seguida desde 1995 pelo PT está sob imenso
questionamento (a partir de dentro e também de fora; a partir da esquerda, mas
principalmente por parte da direita). O que acontecerá se PT não for capaz de
fazer autocrítica, se o PT não for capaz de (tentar e de ter êxito em)
construir uma nova estratégia?
a) neste
cenário, os milhões de trabalhadores e de trabalhadoras que algum dia votaram,
confiaram e inclusive militaram no Partido vão dividir-se. Uma minoria seguirá
para outros partidos e movimentos de esquerda. Uma parte adotará posições
conservadoras. E a ampla maioria vai afastar-se da política ativa durante muito
tempo;
b) neste
cenário, o enfraquecimento do PT não será acompanhado do fortalecimento simultâneo de
uma esquerda melhor do que o PT. No futuro, com pelo menos uma geração de
intervalo, isto poderia/poderá acontecer. Mas de imediato, o enfraquecimento do
PT teria/terá como resultado o fortalecimento da direita. E eventuais setores
de esquerda que conseguissem/conseguirem crescer absorvendo o ex-petismo,
o fariam num contexto de enfraquecimento da esquerda como um todo.
34. É por
isto que, não apenas para derrotar a direita agora, mas também para evitar que
se perca uma geração (como ocorreu em 1964), nossos esforços continuarão sendo
no sentido de fazer o PT mudar de estratégia e fazer o governo mudar de politica.
Sendo que o fundamental é fazer o PT mudar de estratégia, pois do ponto de vista histórico
e estratégico é bem mais fácil conquistar e reconquistar governos, do que
construir e reconstruir partidos.
35. É
obrigatório reconhecer que as chances de êxito são pequenas. A ofensiva de
direita, o acúmulo de erros cometidos desde 1995, os efeitos disto no estado de
ânimo das “novas” e “velhas” gerações da classe trabalhadora, o liquidacionismo
ativo e/ou passivo de setores do próprio PT (aquilo que um companheiro chamou,
jocosamente, de “tendência suicida”), bem como a descrença de amplos setores da
própria esquerda (petista ou não) na possibilidade de fazer o PT mudar de
estratégia, bem como o fator “tempo”, tornam pequenas nossas chances de êxito. Mas de onde viemos ser muito difícil não é
critério para deixar de fazer algo, especialmente quando as alternativas estão
muito longe de ser melhores.
36. Isto
tudo explicado, podemos responder às demais perguntas feitas pelos
organizadores. Comecemos por “qual o futuro da esquerda brasileira
depois de 13 anos de governos do PT?”
37. No futuro de longo prazo, venceremos,
mesmo que todas as pessoas presentes neste debate já não estejam por aqui. Mas
no futuro de curto e médio prazo, a
resposta é: depende. Se derrotarmos a ofensiva da direita, isto
significa que conseguimos tempo para reorientar nossa estratégia e retomar a
luta por reformas estruturais articuladas com o socialismo. Se não derrotarmos
a ofensiva da direita, nosso futuro imediato será bem pior do que o presente; e
nesta situação teremos contra nossa vontade muito tempo
para fazer balanços e discutir como será o futuro de médio prazo.
38. O que
será o futuro dependerá, no fundamental, da classe trabalhadora, especialmente
da disposição de amplos setores da classe que ao longo dos últimos anos se
identificaram com o PT. Se estes setores demonstrarem disposição política e energia
para retomar a ofensiva através de um forte ciclo de lutas, poderão obrigar o
governo e o Partido a mudar de orientação. Agora, se aqueles setores não
tiverem mais disposição política nem energia suficientes para dar conta daquele
desafio, a pergunta sobre “como reorganizar as lutas” será
respondida em circunstâncias históricas e por protagonistas diferentes dos
atuais, muito provavelmente depois de um período (talvez dez anos ou mais) de
recuo, desmobilização e desorganização.
39. Uma
das circunstâncias que provavelmente mudaria, neste cenário, tem relação com
outras das perguntas feitas pelos organizadores, a saber, “quais os
limites postos à via da institucionalidade eleitoral e no caminho da
organização de base, num contexto de desmobilização?”
40. Num
cenário de vitória da ofensiva de direita, perderiam espaço os setores da
esquerda que conferem prioridade à institucionalidade
eleitoral. O problema é que -- num cenário de derrota – isto seria acompanhado
de um refluxo das lutas sociais. Noutras palavras, parte importante da esquerda
se veria “tentada” pelo esquerdismo (que desconsidera a
correlação de forças na classe trabalhadora e no conjunto da sociedade) e pelo basismo (que
converte em "programa máximo" o nível de consciência dos setores mais
atrasados da classe). Ambas tendências estiveram muito presentes, aliás,
após o golpe de 1964.
41. Mas,
como já dissemos antes, admitir que as chances de vitória da direita são
grandes não é igual a considerar esta vitória como inevitável, nem é igual a
tratar as coisas como se esta vitória já tivesse acontecido. Pelo contrário,
temos a obrigação de trabalhar para derrotar a ofensiva de direita.
42. Porém, não se trata apenas de ter uma tática que nos permita
derrotar a direita na batalha do dia. Trata-se de ter uma tática que nos
permita, além de derrotar a direita na batalha do dia, acumular no sentido de
outro desfecho estratégico. Pois, mantida a atual estratégia, o desfecho será a
derrota do chamado campo popular, agora ou mais adiante, por ação externa ou
por suicídio em doses homeopáticas.
43. Trata-se, portanto, de ter uma tática adequada e ao mesmo tempo construir -- na teoria e na prática – outra estratégia. Do ponto de vista teórico, isso exigirá enfrentar a análise do capitalismo do século XXI, a retomada do balanço da luta pelo socialismo no século XX, assim como um balanço dos governos “progressistas e de esquerda” no Brasil e na América Latina. Do ponto de vista prático, isso exigirá recuperar nosso apoio junto à classe trabalhadora, criando as condições sociais indispensáveis para derrotar o grande capital, a oposição de direita e o oligopólio da mídia, em favor de um desenvolvimentismo democrático-popular e articulado com o socialismo.
44. Quando falamos em recuperar o apoio junto à classe, quando falamos em reatar laços com nossa base social, não falamos das dezenas de milhares que vão às marchas, manifestações e congressos. Falamos das dezenas de milhões que apoiaram as esquerdas nas eleições de 1989, 1994, 1998, 2002, 2006, 2010 e 2014, mas que agora estão decepcionados e em muitos casos sob hegemonia da direita.
43. Trata-se, portanto, de ter uma tática adequada e ao mesmo tempo construir -- na teoria e na prática – outra estratégia. Do ponto de vista teórico, isso exigirá enfrentar a análise do capitalismo do século XXI, a retomada do balanço da luta pelo socialismo no século XX, assim como um balanço dos governos “progressistas e de esquerda” no Brasil e na América Latina. Do ponto de vista prático, isso exigirá recuperar nosso apoio junto à classe trabalhadora, criando as condições sociais indispensáveis para derrotar o grande capital, a oposição de direita e o oligopólio da mídia, em favor de um desenvolvimentismo democrático-popular e articulado com o socialismo.
44. Quando falamos em recuperar o apoio junto à classe, quando falamos em reatar laços com nossa base social, não falamos das dezenas de milhares que vão às marchas, manifestações e congressos. Falamos das dezenas de milhões que apoiaram as esquerdas nas eleições de 1989, 1994, 1998, 2002, 2006, 2010 e 2014, mas que agora estão decepcionados e em muitos casos sob hegemonia da direita.
45. Vamos
concluir falando dos sinais positivos. Um deles é a postura da Central Única
dos Trabalhadores, que critica o golpismo da direita, sem abrir mão de criticar
e mobilizar contra o ajuste fiscal. Outro sinal positivo é a criação da Frente
Brasil Popular, para quem defender a democracia é defender
outra política econômica, enfatizando a luta por reformas estruturais e
insistindo na unidade de ação com outros setores da esquerda (como os que se
organizam sob o nome de “Povo sem medo”). Um terceiro sinal positivo é o crescimento
da percepção, nos setores não-petistas, organizados ou não, de que a destruição
do PT não é uma boa notícia para o conjunto da esquerda brasileira. Mesmo
setores que não acreditam na possibilidade de regeneração do PT enquanto
instrumento estratégico de luta pelo socialismo se dão conta de que uma
eventual destruição do PT pela direita afetaria negativamente o conjunto da
esquerda, inclusive (pois as vezes a vida, além de bela, é também cruel) a
esquerda anti-petista.
46. Mas o
principal sinal positivo é o esforço que a direita faz para desmoralizar e
interditar o PT e Lula, exatamente para através deles golpear o conjunto da
esquerda. Isto é um sinal de que a direita não nos considera cachorro morto,
não nos considera confiáveis e não gasta o principal de seu tempo fazendo especulações
sobre o que pode acontecer no futuro. Eles estão tentando viabilizar o futuro
deles aqui e agora. E o futuro deles passa por nos impor uma derrota brutal. E
é exatamente isto que devemos buscar impor aos diferentes setores da direita, à
direita partidária e social, à alta burocracia de Estado, ao grande capital e
ao oligopólio da mídia. Pode ser que não consigamos fazer isto agora, devido
aos gravíssimos erros que estamos cometendo hoje e que viemos cometendo no último
período. Mas se formos derrotados, que seja na luta, não de véspera.
Mais uma vez
obrigado pelo convite.
Valter
Pomar, 6 de novembro* de 2015
(*uma boa
data, aliás)
Por que não tem niguém do PCdoB?
ResponderExcluirOi, não faço ideia. Teria que perguntar aos organizadores.
ExcluirAbraços e grato pela emenda
Valter
Bom texto! Falta uma palavra no ponto 34. Força!
ResponderExcluirhttps://www.youtube.com/watch?v=YcxNfeCx6FQ
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