quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Entrevista II

Entrevista concedida a Carolina Ernst, repórter do Portal PUC-Rio Digital.

Em sua opinião, como a política internacional americana foi redirecionada? (Que ações evidenciam?)

Na sua primeira campanha, Obama prometeu uma política econômica diferente de Bush. Mas seu governo, por diversos motivos, manteve no fundamental uma política externa similar a de seu antecessor. Agora, no seu segundo mandato, está claro um redirecionamento. Importante: não se trata de uma mudança nas intenções. Obama não é Gorbachev e os EUA não pretendem deixar de ser uma potência imperialista. A mudança fundamental diz respeito a como lidar com a China e com os aliados da China. Isto exige reduzir outras zonas de conflito, para concentrar energias no que eles consideram o inimigo principal. Os tratados interoceânicos e as alterações na doutrina militar (que vem de antes) são ações que evidenciam isto. 

Cuba e o Oriente Médio são, em sua opinião, exclusivos da agenda do século XX? Como traduzem sua importância no século XXI apesar de terem surgido anteriormente? Passaram para o segundo plano?

Nem Cuba nem Oriente Médio vão sumir do mapa. Portanto, seguem na agenda do século XXI. Num caso e noutro, com razões e processos distintos, os Estados Unidos enfrentam opositores com base social e visão estratégica de longo prazo. No Oriente Médio, o cenário é complicado pela política terrorista adotada há tempos pelos que controlam o Estado de Israel. Para os Estados Unidos, claro, interessa que estas e outras zonas de conflito passem para um segundo plano, pois isto libera forças e atenção para o conflito fundamental. Mas não acredito que isto ocorra assim. 
 

Como as relações dos Estados Unidos se transformaram de um século para outro?

As relações dos EUA com o mundo passaram por três grandes momentos: até o final do século XIX, seu foco estava na integração e desenvolvimento internos. Entre o final do século XIX e a metade do século XX, galgaram o posto de força hegemônica no campo capitalista. Entre o final da Segunda Guerra e o fim da URSS, praticaram e venceram a chamada Guerra Fria contra o campo socialista. Hoje eles enfrentam os desafios decorrentes desta vitória, que teve como efeito colateral trazer a tona os conflitos intercapitalistas, agregados ao papel que a China assumiu no final do século XX e início do século XXI. O grande desafio dos EUA hoje é deter e reverter o declínio de sua hegemonia.
 
Como o cenário mundial do século XXI se difere do XX?

No século XX tivemos três cenários globais: o período que vai até o final da Segunda Guerra; o período que vai do final da Segunda Guerra até o fim da URSS; e o período que se inicia então e vem até hoje. Este terceiro cenário (1990-2015) se diferencia do segundo (1945-1990) e se assemelha ao primeiro (1900-1945) no seguinte: tanto no primeiro quanto no terceiro, o conflito fundamental, que organiza os demais, é o conflito intercapitalista. Além disso, nos dois casos, há uma forte tendência a polarização social. 

Que aspectos do século passado são indispensáveis para entendermos o cenário atual?

Os efeitos do desenvolvimento capitalista, quando suas tendências destrutivas estão mais forte do que as contra-tendências.

Quais são os focos do século XXI?
Depende de quem foca. Do ponto de vista das classes trabalhadoras, o foco é como lidar com as tendências destrutivas do capitalismo, em todos os terrenos: econômico, social, político, militar e ambiental. Dito de outra forma, como -- através da disputa entre classes em cada país e da disputa entre Estados no terreno internacional -- derrotar o capitalismo, parcial ou completamente.

 Que país deve atrair a atenção dos EUA ainda nesse século? Alguma especulação?

Em primeiro lugar, os próprios Estados Unidos. A situação interna dos EUA é seu principal calcanhar de Aquiles. Em segundo lugar, a China. Em terceiro lugar, aqueles países que -- por diferentes motivos e através de diferentes meios-- não quiserem colaborar com o movimento de reafirmação da hegemonia dos Estados Unidos.

O avanço da China assusta os EUA. Até que medida influencia a sua postura? Que atitudes do governo chinês afligem?
O que aflige os Estados Unidos é que a China -- ao contrário da URSS -- não caiu, ao menos até agora, na armadilha da corrida armamentista. E está suplantando os EUA no terreno em que eles se achavam insuperáveis: o dinamismo econômico.

 
Como o Estado Islâmico e o terrorismo se encaixam nessa agenda? E os BRICS?

Há muito tempo os EUA adotam uma política de causar dificuldades para vender facilidades. Ou seja: criam o caos e depois se apresentam como os indispensáveis representantes da lei e da ordem, mais ou menos como certas milícias atuam no Brasil. O terrorismo e o Estado Islâmico são, neste sentido, criaturas dos EUA.
Quanto aos BRICS, são países que -- objetiva ou subjetivamente-- não contribuem com o movimento de reafirmação da hegemonia dos EUA. Portanto, o Estado Islâmico é um inimigo a convite. Já os BRICs são inimigos de verdade.

 
Há a previsão de mudanças nessa dinâmica devido às eleições presidenciais em 2016?
Previsão, não. Mas a política internacional dos EUA ainda não está consolidada, portanto pode sofrer inflexões, seja por mudanças no cenário internacional, seja por conta de quem estiver na presidência dos EUA.


Quais são os principais desafios, na sua avaliação, para a agenda geopolítica internacional no primeiro quarto do século XXI?

 
Não existem desafios universais, no sentido de que sejam realmente válidos para todos os participantes da arena internacional. Para nós do Brasil, eu diria que são os seguintes desafios: desenvolvimento intenso e rápido, aumentar a coesão social e a capacidade de defesa, ampliar a integração e defender a paz, mas preparar-se para turbulências internacionais cada vez maiores. Quanto ao desenvolvimento intenso com coesão social, isto implica em:
a) desenvolvimento de uma indústria forte e tecnologicamente avançada, com os desdobramentos que isto tem no âmbito da ciência e da engenharia nacionais (sem o que não se altera o "lugar" do Brasil na divisão internacional do trabalho);
b) a constituição de um setor financeiro poderoso e público (sem o que não haverá recursos para o desenvolvimento e continuaremos submetidos à ditadura do capital financeiro);
c) a reforma agrária e a universalização das políticas sociais (sem o que não há condições materiais para combinar crescimento econômico com elevação do bem-estar social);
d) a integração regional (possibilitando cadeias produtivas, economia de escala, recursos e retaguarda estratégica);
e) a construção de um Estado de outro tipo, baseado na ampliação da auto-organização da classe trabalhadora e na ampliação das liberdades democráticas do conjunto do povo, com destaque para quebra do oligopólio da comunicação, reforma política e do Estado, outra política de segurança pública e de Defesa, outra política de educação e cultura.

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