domingo, 28 de setembro de 2025

Sobre a entrevista de Marilena Chauí

O jornal Folha de S. Paulo deste domingo 28 de setembro publicou uma entrevista com a professora Marilena Chauí.

A entrevista tem ótimos momentos, por exemplo quando ela afirma que a bem-vinda condenação de Bolsonaro não significa que a sociedade brasileira tenha se tornado menos autoritária; e quando lembra que Trump é um sintoma da crise profunda dos Estados Unidos.

Há questões que com mais espaço talvez fossem melhor desenvolvidas. É o caso da relação entre neoliberalismo e extrema-direita; e é, também, o caso da afinidade que ela mesma estabelece, em tom de gracejo, entre ser "muito conservadora" e ser "marxista". Embocadura que, na minha opinião, domina sua visão unilateral sobre o mundo digital.

Mas há, ainda, afirmações que na minha opinião são simplesmente erradas. Por exemplo, quando Marilena diz ter uma visão "muito pessimista da sociedade brasileira", tema que ela engata com a crítica ao identitarismo. 

Aliás, o identitarismo é uma espécie de fantasma que percorre toda a entrevista, concluída com uma defesa de Boaventura de Souza Santos, defesa cuja solidez pode ser resumida na confissão de que ela não faz ideia de quando um comportamento inapropriado vira assédio.

Mas o politicamente preocupante na entrevista é sua afirmação sobre a classe média, que me recorda o ódio que alguns antigos militantes do movimento comunista tinham dos "desvios pequeno-burgueses", ódio que era tanto maior, quanto mais pequeno-burguesa fosse a origem do respectivo militante.

Assim como a sociedade brasileira não é homogênea, a chamada "classe" média tampouco é. E como Marilena mesmo aponta, a tal "classe" média está em permanente disputa. Pode ser atraída pela classe trabalhadora, pode ser atraída pela classe capitalista. Ganhar o apoio dos setores médios não é algo desimportante. E é simplesmente impossível atrair essa gente, se formos movidos por um ódio existencial.

Aliás, cá entre nós, nada mais funcional para a dominação burguesa que uma "classe média" ocupada em odiar os trabalhadores e uma classe trabalhadora ocupada em odiar os setores médios

Um último comentário: Marilena diz que não sabe explicar porque "parcela das pessoas que tiveram seus direitos ampliados durante um governo de esquerda tenham se voltado contra ele". Para Marilena, isso seria um "mistério".

Na minha opinião, a explicação não tem nada de misteriosa e exige apenas a famosa análise concreta da situação concreta, especialmente da luta política e ideológica. 

Aliás, é a luta política e ideológica que explica por quais motivos a maioria dos trabalhadores, na maioria das vezes, vota nos candidatos apoiados pelos capitalistas. E são também motivos de ordem política e ideológica que recomendam que dediquemos nosso ódio contra a burguesia, contra os capitalistas, contra os imperialistas. 


ps. na entrevista, no trecho sobre a "classe" média, Marilena fala da presidenta Dilma. A respeito, sugiro ler a entrevista que Dilma deu à revista Esquerda Petista, em 2017. A versão integral da entrevista ainda não foi publicada. Mas a versão publicada está na edição 7 da revista, disponível nos endereços abaixo:

Revista Esquerda Petista #7 Maio 2017 final completa baixa2.pdf

Um comentário:

  1. Só faltou a querida professora dizer que a classe média é um saquinho de batata industrial.
    Mas ela é dessas pessoas que tem repertório.
    Vi nesse período a classe média alta perder status. E uma nova classe média, a C, consumir mais e ocupar as universidades.
    E não se resolveu ainda assim o problema da violência e crime.
    Falta assim uma certa empatia dos acadêmicos não pequebus.
    Como dizia um grego, tudo é uno.

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