segunda-feira, 3 de fevereiro de 2025

O "me engana que eu gosto" de cada dia

Ontem foi o dia em que algumas pessoas comemoraram a eleição do presidente do Senado e do presidente da Câmara.

A respeito, recomendo ler os discursos de ambos (ver extratos ao final).

Davi Alcolumbre é mais contido: promete "por vezes" um "posicionamento corajoso perante o governo, o Judiciário, a mídia ou o mercado".

Já Hugo Motta é muito loquaz: cita Ulysses Guimarães para defender explicitamente as emendas impositivas como expressão do parlamentarismo supostamente expresso na Constituição de 1988. 

Apaga-se assim a soberania popular que aprovou o presidencialismo no plebiscito de 1993.

Mas ontem foi ontem.

Hoje é o dia em que muitas pessoas estão comemorando a pesquisa GenialQuaest que aponta a vitória de Lula em todos os cenários, se a eleição fosse hoje.

A respeito, recomendo ler a pesquisa: https://www.poder360.com.br/poder-pesquisas/leia-a-integra-da-pesquisa-quaest-com-todos-os-cenarios-para-2026/

Na espontânea, Lula alcança 9%. Nove por cento. Mesmo resultado obtido pelo cavernícola. 78% se declaram indecisos.

Na estimulada Lula alcança de 28% a 33%, a depender dos cenários. Lembrando que no primeiro turno de 2022 tivemos 48,43% dos votos válidos.

Quando a pesquisa simula um segundo turno, Lula oscila entre 41% e 45%. Lembrando que, segundo o TSE em 30 de outubro de 2022, "com 98,91% das urnas apuradas, Lula foi considerado eleito após receber 59.563.912 votos (50,83% dos votos válidos), contra 57.675.427 votos (49,17% dos votos válidos) de Bolsonaro".

Detalhe: os três "candidatos" contra quem Lula obtém menos vantagem nesta simulação de segundo turno são Gustavo Lima (41x35), Pablo Marçal (44x34) e Eduardo Bolsonaro (44x34).

Detalhe importante: a Quaest diz que 49% dos pesquisados dizem que conhecem e não votariam em Lula. No caso do cavernícola, 53% dizem conhecer e não votar.

Sendo estes alguns dos resultados da pesquisa, certo está quem diz que é melhor não se enganar. O cenário é preocupante, não tranquilizador. 

Recomenda-se, a respeito, ler os trechos finais da análise contida no link abaixo: 

https://x.com/proffelipenunes/status/1886359539554873638?s=46&t=63rxMaDKEAObBgim1deXKw

Para vencer as eleições presidenciais de 2026, é preciso mudar nossa atuação e mudar muito rapidamente.


ps.reproduzo ao final, entre aspas, algo que escrevi num grupo de zap, polemizando com a opinião de uma pessoa que integra a direção nacional do PT: "a pesquisa mostra que a situação é muito preocupante. Nossos cenários hoje são três: ganhar em melhores condições, ganhar em piores condições ou perder. A pesquisa indica que, a preços de hoje, o cenário "ganhar em melhores condições" não está dado. E a pesquisa mostra que o risco de derrota é real. Pois embora ganhemos em todos os cenários da pesquisa, quando analisamos no detalhe se verifica que os números não são bons".


SEGUEM TRECHOS DO DISCURSO DE DAVI ALCOLUMBRE E DE HUGO MOTTA

Alcolumbre (União Brasil)

https://www.poder360.com.br/poder-congresso/assista-ao-discurso-de-vitoria-de-davi-alcolumbre-no-senado/

 “Senhoras senadoras, senhores senadores, “Muito obrigado! “Minhas primeiras palavras não poderiam ser outras: muito obrigado, a cada senador a cada senadora, pela confiança novamente em mim depositada. “Tenham certeza de que buscarei ao longo dos próximos 2 anos fazer jus a essa confiança –consolidada na votação expressiva com que vossas excelências me honraram no dia de hoje. Trabalhando como sempre fiz, com muita dedicação, humildade e respeito, a cada dia dessa nova missão. “Tenham certeza de que eu continuo igual"

"Eu quero ser um catalisador do desejo deste Plenário e ajudar a construir os consensos que forem necessários para melhorar a vida da população brasileira...."

“Afirmo isso porque há exatos 6 anos atrás [1/1/2019], neste Plenário, tive a honra de ser eleito pela 1ª vez para presidir essa Casa, com 42 votos. Hoje, 6 anos depois, com a unidade política de partidos que pensam diferente, o painel marca 73 votos à nossa candidatura...."

"Vamos trabalhar pelo Brasil: promover a geração de emprego, o crescimento econômico, o desenvolvimento social, proteger a saúde pública, dar uma educação de qualidade aos brasileiros, e também, muito importante estarmos atentos todos os dias à questão da segurança dos brasileiros...."

"O Brasil clama por pacificação, por um ambiente de respeito e cordialidade, onde as diferenças sejam vistas como oportunidades de crescimento. ..."

"Por vezes, isso nos exigirá um posicionamento corajoso perante o governo, o Judiciário, a mídia ou o mercado. ..."

Hugo Motta (MDB)

https://www.poder360.com.br/poder-congresso/assista-ao-discurso-de-vitoria-de-hugo-motta-na-camara/

"A vida pública é um exercício permanente e transitório. ..."

"Somos todos brasileiros e brasileiras,..."

"essa será sempre a cadeira do senhor diretas, do senhor democracia, a eterna cadeira do nosso pai da Constituição, Ulysses Guimarães..."

"3 compromissos, 3 únicas prioridades: servir ao Brasil, servir ao Brasil e servir ao Brasil. O povo brasileiro não quer discórdia, quer emprego. O povo brasileiro não quer lutar pelo poder, quer que os Poderes lutem por ele. O povo brasileiro não quer a divisão da ideologia, mas a multiplicação do seu dia a dia...."

"não existe um caminho da direita, da esquerda ou um caminho do centro. Existe apenas o caminho do Brasil. ..."

"Nada pior para os mais pobres que a inflação. A falta de estabilidade na economia. E a estabilidade é a resultante de um conjunto conhecido e consensual de medidas de responsabilidade fiscal...."

"Não há democracia com caos social. Não há estabilidade social com caos econômico. Defenderemos a democracia porque defenderemos também as melhores práticas e as melhores políticas econômicas..."

"Minha eterna gratidão ao presidente do meu partido, deputado Marcos Pereira, pelo gesto fundamental para que eu sentasse nesta cadeira. E meu muito obrigado ao meu amigo, presidente Arthur Lira, pelo respaldo ao meu nome e trabalho incansável para que a Câmara encontrasse esse consenso histórico que estamos vendo no plenário...."

"Faço questão de relembrar o gesto histórico de Ulysses ao promulgar a Constituição que juramos respeitar: viva a democracia! ..."

"Ao contrário dos debates parciais, o Parlamento jamais avançou em suas prerrogativas. Foi justamente o contrário. A vontade dos constituintes originários foi adiada por quase 4 décadas. E qual vontade era essa? ..."

“Ninguém melhor para descrevê-la do que o próprio Ulysses Guimarães em seu histórico discurso de promulgação da Carta de 1988. Pontificou Ulysses: ‘Se a democracia é o governo da lei, não só ao elaborá-la, mas também para cumpri-la, são governo o Executivo e o Legislativo’. Repito Ulysses: ‘São governo o Executivo e Legislativo’.   “E Ulysses continua naquele dia histórico: ‘o Legislativo brasileiro investiu-se das competências dos Parlamentos contemporâneos’. ..."

“Que competências eram e são essas? O parlamentarismo! Ele não pregou o parlamentarismo como nova forma de governo. Mas disse que o parlamento se investia das competências dos parlamentos – parlamentos parlamentaristas – contemporâneos. “Ou seja, ele afirmava que o presidencialismo absoluto deixava de existir com a nova Constituição. Isso já em 1988. E mais do que afirmar: ele descrevia o que os novos mecanismos constitucionais previam...."

“Ulysses em seu discurso desenhava a função constitucional deste parlamento, já então. Palavras do Senhor Constituinte: ‘é axiomático que muitos têm maior probabilidade de acertar do que um só...."

“Quem era o ‘um só’ a que se refere Ulysses? O superpresidente, o presidencialismo absoluto, cuja sentença de morte estava sendo decretada naquele momento, na inauguração da nova Constituição, no mesmo célebre discurso em que pronunciou a frase que ainda ecoa nestas galerias: ‘tenho ódio e nojo à ditadura’!..."

“Não existe ditadura com parlamento forte. O primeiro sinal de todas as ditaduras é minar e solapar todos os parlamentos. Por isso, temos de lutar pela democracia. ..."

“E não há democracia sem imprensa livre e independente. Quero, aqui, agradecer e parabenizar a todos os jornalistas presentes neste sábado pelo trabalho tão fundamental de noticiar diariamente aos milhões de brasileiros os acontecimentos desta Casa. ..."

 “Não somos 513 deputadas e deputados. Somos os representantes de 212 milhões de brasileiros que só estamos aqui pela vontade popular. ..."

 “Os constituintes estabeleceram a corresponsabilidade e a coparticipação do governo. Portanto -e aqui cabe fazer uma importante observação do ponto de vista histórico. Não diálogo neste momento com as circunstâncias: o Legislativo jamais avançou em nenhuma prerrogativa, no presente ou no passado presente. A rigor nunca.  “Na verdade, o poder Legislativo recuperou suas prerrogativas, definidas pelos constituintes originários, proclamadas aqui, nesta mesma cadeira e o fez após os tormentosos abalos desde a redemocratização...."

"Esse atraso se deu por um mecanismo político, na verdade, um eufemismo de nome pomposo, mas de funcionamento que se provaria perverso, o chamado ‘presidencialismo de coalizão’, nada mais nada menos do que a locação, o aluguel, o empréstimo do poder semipresidencial do Legislativo ao Executivo através de uma coparticipação não autônoma e independente, como inscrita na Constituição e descrita por Ulysses, mas submissa, subordinada, sob o cabresto do poder do presidencialismo. ..."

“Ou seja, saímos do presidencialismo absolutista por obra e graça de uma Constituição legítima e promulgada e, pelas circunstâncias, resvalamos por outros meios para um absolutismo presidencial que a Constituição não previa através do arranjo da cooptação do parlamento, do toma lá dá cá, de uma espécie de arrendamento do poder do legislativo pelo Executivo. ..."

“O resultado dessa acomodação e seu distanciamento dos princípios dos constituintes levou ao primeiro impeachment – sintoma claro do poder constitucional novo do parlamento, ainda não compreendido pelo sistema político; a inúmeros abalos e escândalos, às crises que só ganharam proporção, ao segundo impeachment até a erosão completa do sistema político como um todo e à onda antipolítica...."

 “Foi nessa época que, aqui nesta Casa, em 2016, por meio da adoção das emendas impositivas que o parlamento finalmente se encontra com as origens do projeto constitucional. E se afirma...."

“Estamos num ponto de onde nunca deveríamos ter nos desviado, aquele que mandou a constituição e por tanto tempo foi adiado...."

"Tem razão os que pregam por mais transparência. Sou o 1º dessa fila. Sou a favor de uma radicalização quando falamos da transparência nas contas que são, por definição, públicas. “Temos hoje tecnologias nas plataformas digitais capazes de acompanhar em tempo real cada centavo despendido por todos os poderes...."

“A praça, sempre lembremos, é dos 3 e não de 1 nem de 2 poderes. E quando não é dos 3 não é a praça da democracia..."

"Serei um guardião da independência e uma sentinela permanente pela harmonia. ..."

domingo, 2 de fevereiro de 2025

A estratégia do PT

(texto em construção, sem revisão, agradecemos críticas) 

A Nação Petista está preocupada. Preocupada com o que está acontecendo no mundo, no continente e no Brasil, preocupada com o governo Lula e, acima de tudo, preocupada com o rumo do próprio Partido dos Trabalhadores. 

O PT venceu 5 das 9 eleições presidenciais realizadas desde 1989; ficou em segundo lugar nas outras quatro. Sem dúvida alguma, na história do Brasil, nunca um partido de esquerda foi tão influente. O PT conseguirá usar esta força para mudar os rumos do Brasil? 

Até hoje, as tentativas de mudar os rumos do Brasil sempre terminaram em derrotas relativas. Nossa independência política frente a Portugal foi acompanhada da dependência frente a Inglaterra e, depois, aos Estados Unidos. A escravidão foi “abolida”, mas as marcas da escravidão seguem entre nós. A República nasceu atravessada pelos militares e controlada pelo latifúndio. A industrialização não foi acompanhada de reforma agrária, nem tampouco de um “estado de bem-estar social”. A redemocratização foi contemporânea do neoliberalismo. E os governos de esquerda não implementaram, até agora, reformas estruturais.

Se depender da classe dominante, especialmente de suas frações financeira, do agronegócio, da mineração e transnacional, nosso país continuará como sempre foi: dependência profunda, desigualdade abissal, democracia limitada, desenvolvimento parcial.

A classe dominante não apenas lucra com o status quo, como perderia muito caso nosso país superasse a dependência e a desigualdade, caso se tornasse realmente democrático e desenvolvido.

Por isto, uma transformação estrutural do Brasil depende da classe trabalhadora. Somente por ação da classe trabalhadora, será possível construirmos um Brasil soberano, com altos níveis de bem-estar social, de liberdades democráticas e de desenvolvimento. 

A classe trabalhadora só conseguirá fazer isto, se ela se tornar classe dominante. Ou seja, se tiver poder suficiente para mudar as estruturas da sociedade brasileira. Acontece que uma sociedade onde a classe trabalhadora detenha tal quantidade de poder, terá se transformado em uma sociedade socialista.

Noutras palavras: um Brasil soberano, democrático, com altos níveis de bem-estar e desenvolvimento, será também um país socialista.

Não era esse o ponto de vista da maior parte da esquerda brasileira, entre 1922 e 1980. 

Especialmente no Partido Comunista, mas não só, prevalecia a ideia de que, antes do Brasil iniciar uma transição socialista, seria necessário construir um país soberano, democrático e desenvolvido.

Uma das grandes novidades do PT, nos anos 1980, foi derrubar esta “muralha da China” que separava o socialismo dos objetivos democráticos e nacionais. 

Nos anos 1990, entretanto, aconteceu uma tripla mudança: o socialismo soviético veio abaixo; o neoliberalismo tornou-se hegemônico na economia, na sociedade e na política brasileira; e o PT mudou de estratégia.

Hoje, o Brasil retrocedeu ao que ele já foi nos anos 1920, ou seja, uma nação primário-exportadora. O retrocesso do Brasil contribuiu para que o PT também retrocedesse, no caso em direção à concepções parecidas com aquelas defendidas pelo velho Partido Comunista. Entre essas concepções, o “etapismo”, a saber: primeiro as transformações democráticas e só depois as transformações socialistas.

Paradoxalmente, esta mudança na posição do PT foi e segue sendo contemporânea de uma brutal crise sistêmica mundial, nos planos ambiental, militar, política, social e econômico. Tal crise sistêmica confirma duas coisas: a continuidade do capitalismo ameaça a sobrevivência da humanidade e, por isso mesmo, o socialismo está na ordem-do-dia.

A mudança na posição do PT coincide, também, com um momento histórico em que estão dadas algumas das condições necessárias para que o Brasil se liberte da condição de subpotência primário-exportadora e estufa do capital financeiro.

Como aconteceu no passado, é nos momentos de crise mundial que países como o Brasil podem mudar o seu lugar no mundo. A atual crise sistêmica, em particular a disputa entre EUA e China, abre uma “janela” que o Brasil pode e deve aproveitar para mudar sua sociedade e seu lugar no mundo. 

Esta “janela” não estará aberta para sempre. Se não aproveitarmos a oportunidade, não importa quem hegemonizará o mundo: seguiremos dependentes. E nossa dependência causará desigualdade, a desigualdade reduzirá as liberdades democráticas. E o conjunto da obra limitará nosso desenvolvimento. 

Por outro lado, caso tenhamos êxito na luta em favor dos objetivos históricos da classe trabalhadora, caso o Brasil se torne um país socialista, isto dará uma contribuição imensa para a luta mundial pelo socialismo. Afinal, se um país com a potência do Brasil se tornar socialista, isto alterará significativamente a correlação de forças mundial entre socialismo e capitalismo. 

Mas para que isso aconteça, é preciso que a classe trabalhadora brasileira detenha o poder. Alguns setores da esquerda brasileira acham que “poder” é igual a “governo”. Mas a experiência que tivemos em 2016 e nossa situação em 2025 demonstraram, a quem tinha dúvida, que governos têm poder, mas não concentram todo o poder.

Em 2016, depois de termos vencido quatro eleições presidenciais, fomos derrubados por um golpe parlamentar, midiático e judicial. Em 2025, apesar de termos a presidência de República, a “correlação de forças” nos impõe imensos limites. Como dissemos: governo tem poder, mas não concentra todo o poder. 

Acontece que poder, assim como o capital, não é uma “coisa”, mas sim uma relação. Portanto, para que a classe trabalhadora detenha o poder, é preciso que a classe capitalista deixe de ser dominante, ou seja, deixe de ter a maior parte do poder de que dispõe hoje.

Este poder da classe dominante advém, em primeiro lugar, do controle dos meios de produção. Enquanto a classe dos capitalistas controlar a maior parte das empresas e dos recursos financeiros, ela terá os meios para decidir ou pelo menos influenciar fortemente os rumos da sociedade brasileira.

O poder dos capitalistas advém, em segundo lugar, do controle das instituições de Estado. Embora sejam minoria numérica na população brasileira, os capitalistas controlam, direta ou indiretamente, a maior parte do Congresso Nacional, dos governos estaduais e dos governos municipais. Além disso, os capitalistas têm enorme presença no atual governo federal e no Banco Central. As forças armadas, as polícias e o sistema judiciário são ideologicamente alinhados com os valores capitalistas, sem falar dos vínculos familiares que existem entre os juízes, o oficialato e o empresariado.

O poder dos capitalistas advém, em terceiro lugar, do controle de uma rede de instituições privadas que estão, direta ou indiretamente, comprometidas com a manutenção da ordem baseada na exploração do trabalho pelo capital. Entre estas instituições, destaca-se grande parte dos meios de comunicação, cultura, esportes, educação e igrejas. Vale dizer que o crime organizado também faz parte desta rede de instituições privadas comprometidas com a exploração do trabalho pelo capital.

O poder dos capitalistas advém, em quarto lugar, do apoio internacional, particularmente decisivo quando há governos de esquerda, que precisam ser sabotados e/ou derrubados pela ingerência externa.

Finalmente, há a força da inércia, do “sempre foi assim e sempre será”.

Para que a classe trabalhadora venha a deter o poder, faz-se necessário enfraquecer ao extremo o poder dos capitalistas e, de forma mais ou menos simétrica, fortalecer no limite o poder da classe trabalhadora.

É preciso, em primeiro lugar, ampliar a propriedade coletiva, estatal, pública dos meios de produção. Impor limites ao poder dos capitalistas sobre suas empresas e, também, sobre seus recursos financeiros. O sistema financeiro, em particular, precisa estar sob controle do Estado, não de um oligopólio privado. Só desta forma poderemos industrializar o país, uma industrialização de novo tipo, que nos converta em uma das grandes "oficinas e laboratórios" do mundo.

É preciso, em segundo lugar, ampliar a presença da classe trabalhadora nas instituições de Estado. Mas esta ampliação esbarra nos mecanismos de eleição e de seleção vigentes hoje e desde há muito tempo. Por isso, com base nas regras atuais, não há como ampliar suficientemente nossa presença na chamada institucionalidade; para isso é preciso construir uma nova institucionalidade, um Estado de novo tipo. Sem isso, os trabalhadores nunca terão o controle dos parlamentos, dos executivos, do judiciário, das forças armadas e das polícias, muito menos de agências como o Banco Central.

É preciso, em terceiro lugar, construir uma rede de instituições privadas comprometidas com o Trabalho na sua luta contra o Capital: meios de comunicação, cultura, esportes e educação a serviço da humanidade, não a serviço dos capitalistas. Mas, acima de tudo, é preciso fortalecer as organizações típicas da própria classe trabalhadora: os sindicatos, os movimentos, os partidos de esquerda. Sem auto-organização da classe trabalhadora, não se conquistará o espaço devido na atual institucionalidade, nem se manterá sob controle a nova institucionalidade que precisa ser criada.

É preciso, em quarto lugar, construir uma rede de apoio internacional, particularmente na América Latina e Caribe. Quanto mais ocupado estiver o imperialismo, mais difícil será ele concentrar toda a sua energia contra uma determinada sociedade. 

Finalmente, é preciso contrapor, à inércia do “sempre foi assim e sempre será”, uma cultura estruturada em torno da ideia de que outro mundo é possível, urgente e necessário: um mundo socialista. Não haverá socialismo, nem transformação estrutural, sem que haja um élan revolucionário em uma parte importante da classe trabalhadora. Isso implica em difundir valores democráticos, populares, nacionais, integracionistas, internacionalistas, feministas, contrários a todo tipo de racismo, intolerância e preconceito, laicos. Criar uma cultura cívica socialista é a melhor maneira de combater a ideologia fascista e as teologias neoliberais. 

No mundo ideal, cabe ao Partido organizar este conjunto de ações em um plano coerente, incluindo nisto enfrentar e derrotar os contra-ataques dos capitalistas. Entretanto, para que este “plano coerente”, para que esta estratégia possa ser implementada, é preciso criticar e superar as posições atualmente hegemônicas na esquerda brasileira, principalmente no PT. Assim como é preciso superar o déficit teórico que pesa sobre a esquerda brasileira.

A vitória do socialismo depende da luta prática, da mobilização de dezenas de milhões de pessoas. Mas uma das principais características do ser humano é pensar antes de agir, ou seja, prefigurar na sua mente os atos que vai realizar. Isto que vale para um ser humano individual, também vale para as organizações, ainda que o processo seja mais complexo e envolva outras variáveis. Em qualquer caso, quanto mais precisa for a definição dos objetivos que se pretende alcançar, a compreensão adequada da realidade sobre a que se vai agir, o conhecimento acerca de situações similares, maiores as chances de êxito.

E a verdade é que, ao menos no caso do Partido dos Trabalhadores, nosso conhecimento coletivo possui imensas lacunas. Isso acontece, em alguns casos, devido à nossa debilidade na formação política; noutros casos devido a mudanças na própria realidade, que não foram devidamente estudadas e compreendidas; mas também devido a redução da mobilização social. 

A classe trabalhadora aprende principalmente na luta; é através da luta que milhões de pessoas se libertam da ideologia dominante; é através da luta que milhões de pessoas “pesquisam” e compreendem a realidade. Menos luta implica em maior influência da ideologia dominante, menos compreensão da realidade, menos formação política, menos militantes.

Em tempos de grande mobilização social a formação política organizada serve para aperfeiçoar a qualidade de quem está combatendo. Já em tempos de reduzida mobilização social, a formação política é essencialmente um paliativo, uma política compensatória, uma redução de danos. 

Por isso mesmo, nestes momentos é preciso mais atenção para a qualidade e para a quantidade: necessitamos de uma formação política de alta qualidade e que abranja o maior número possível de pessoas. 

A qualidade de nossa formação será tanto maior, quanto melhor for nossa compreensão da realidade brasileira. Evidente que precisamos compreender a dinâmica mundial do capitalismo, evidente que precisamos de um balanço atualizado da luta pelo socialismo no século passado e nesse, assim como também é evidente que precisamos conhecer a tradição marxista.

Mas nada disso é suficiente, caso não tenhamos uma leitura adequada da sociedade brasileira, especialmente das classes e da luta de classes no Brasil de 2025. E para dar conta desta tarefa, precisamos superar e derrotar as concepções atualmente hegemônicas na sociedade brasileira. 

Nós não somos o partido de "todo o povo" brasileiro, somos o partido da classe trabalhadora brasileira. Nosso objetivo é hegemonizar a maior parte do povo brasileiro, para o que precisamos derrotar aquela minoria da população que integra a classe dominante. Mas mesmo quando nos tornarmos hegemônicos, devemos continuar sendo o partido da classe trabalhadora. Claro que podemos e devemos utilizar os termos povo e popular; mas é preciso entender qual o sentido de classe que damos a estas palavras.

A classe trabalhadora brasileira só existe na luta. Fora da luta, submetida à dominação política e ideológica da classe dominante, a classe trabalhadora se converte num aglomerado de setores, frações e interesses conflitantes entre si. Por isso, é importante compreender objetivamente a classe (os diferentes tipos de assalariados, os que trabalham por conta própria, os que possuem algum tipo de propriedade, os que assalariam outros trabalhadores, as diferenças de gênero, geracionais, étnicas, religiosas e regionais); mas mais importante ainda é colocar o conjunto da classe em movimento por seus interesses comuns. Sem isso, prevalecerá a fragmentação e os conflitos no seio do povo.

Nossa luta é contra a classe dos capitalistas, especialmente contra suas frações financeira, primário-exportadora, transnacional. Nesta classe há indivíduos que simpatizam com as causas da classe trabalhadora. Também há setores – especialmente os burgueses pequenos e médios – que podem e devem ser atraídos pela classe trabalhadora. Aliás, dada a centralidade que a industrialização tem em nosso programa, a burguesia média e pequena terá grande espaço para se desenvolver em uma sociedade controlada pela classe trabalhadora. Mas enquanto classe, o conjunto dos capitalistas, o conjunto da classe dominante, é nossa inimiga e deve ser derrotada. É possível e muitas vezes necessário fazer alianças táticas com inimigos. Mas com eles não cabe nenhuma aliança estratégica.

Para executar seu programa, a classe trabalhadora precisa conquistar o poder. Como já dissemos, a luta pelo poder não se resume a chamada luta institucional. Disputar eleições, exercer mandatos legislativos e executivos é parte da luta pelo poder. Mas o poder obtido por este caminho é totalmente insuficiente. O Estado que, ao longo de décadas e séculos, foi construído e controlado pela classe dominante não foi feito para a classe trabalhadora exercer o poder.  É preciso, portanto, combinar a luta por ocupar espaços no aparelho de Estado, com a construção de um contrapoder da classe trabalhadora, fora do aparelho de Estado e voltado a construir outro tipo de Estado.

O PT, quando foi criado, compreendia instintivamente isto. Depois, buscou formular a respeito. Posteriormente, abandonou a reflexão a respeito. Como resultado disto, tudo que diz respeito à construção de um contrapoder da classe trabalhadora foi sendo secundarizado, esquecido ou terceirizado. Ao mesmo tempo, o Partido foi se especializando em uma única dimensão da luta: a eleitoral-institucional. Tivemos grande êxito nesse terreno. Mas hoje está cada vez mais evidente que a unilateralidade de nossa estratégia está prejudicando inclusive nosso desempenho eleitoral. 

Uma das consequências desta unilateralidade consiste em deixar a extrema-direita se fantasiar de “antissistêmica”. A extrema-direita surge nos momentos de profunda crise do capitalismo, quando parte da classe trabalhadora está despertando para a necessidade de “virar o mundo de ponta cabeça”. Nesse ambiente, a extrema-direita busca se apropriar da raiva que nossa classe tem do “sistema” e direcionar esta raiva contra setores da própria classe (os migrantes, os negros e negras, as mulheres, os lgbt, a esquerda). 

Vale dizer que esta operação da direita está na origem da confusa discussão acerca do chamado identitarismo. A direita joga uns setores da classe contra outros setores da classe, estigmatizando as principais vítimas. Uma parte da esquerda reage a isto, fazendo uma defesa a ultranza dos direitos dos setores estigmatizados pela direita. Outra parte da esquerda reage, fazendo uma defesa abstrata da classe, mesmo sob pena de largar a mão de muitas vítimas. O desafio, por óbvio, está em defender a classe realmente existente, que é predominante feminina e negra, que é profundamente diversa, que é concreta enquanto síntese de múltiplas determinações.

Se a esquerda não disputar a raiva que nossa classe tem do "sistema", se a esquerda não for a campeã da luta contra o status quo, se a esquerda abrir mão de defender a revolução, a ruptura, as reformas estruturais, estaremos abrindo caminho para o crescimento da extrema-direita. E não se trata, apenas, de uma questão circunscrita a batalha cultural, ideológica, de visões de mundo. 

Um exemplo didático disto é o que ocorreu entre a campanha e a posse do governo Lula. Na campanha, falamos de “reconstrução e transformação”. Na posse, mudamos nosso slogan para “união e reconstrução”. Junto com a palavra transformação, foram também arquivadas ações práticas decisivas, como a reversão das contrarreformas, como o enfrentamento do capital financeiro, como a reforma agrária etc. O resultado é que mudamos a vida do povo numa velocidade muito lenta; e não conferimos sentido político geral à estas mudanças. E o sentido político geral não é dado por um slogan publicitário, mas sim por um projeto de sociedade que se contraponha ao dominante: o socialismo.

Outra das consequências de uma estratégia unilateral é a metamorfose que está em curso em nosso partido. Esta metamorfose produz várias deformações, entre as quais citamos: as filiações de pessoas que não são petistas; o não funcionamento das instâncias; a falta de controle coletivo e democrático sobre as finanças nacionais do Partido, inclusive o fundo eleitoral; o coronelismo de lideranças estaduais e municipais, bem como de alguns grupos que atuam como se fossem donas do Partido, inclusive dentro da bancada federal; a submissão do Partido aos governos e mandatos parlamentares;  e o culto a personalidade (também conhecido popularmente como puxa-saquismo) que alguns dirigentes devotam a Lula, culto que tem como uma de suas vítimas o próprio Lula, que devido ao puxa-saquismo é privado de opiniões críticas essenciais para o seu bom desempenho como liderança partidária e como presidente da República.

De todas as deformações, há uma principal: tratar a classe trabalhadora como eleitorado. A classe trabalhadora é a grande protagonista da transformação do Brasil. A classe trabalhadora precisa educar a si mesma, organizar a si mesma e mobilizar a si mesma. O Partido é essencial nesse tríplice esforço e por isso precisa estar presente, de forma organizada, nos locais de trabalho, moradia, educação e lazer. E precisa abrir grande espaço, na agenda de suas direções em todos os níveis, para debater as questões e lutas do cotidiano da classe, para planejar como fará o famoso trabalho de base, como enfrentar a presença cada vez mais capilarizada e organizada da direita nos territórios, junto à classe trabalhadora.

Nada disso será feito, entretanto, se prevalecer a deformação estratégica que só tem olhos, tempo e dinheiro para as ações eleitorais e institucionais. E que, por isso, trata a classe trabalhadora de forma parecida a como agiam os populistas de antigamente: como eleitorado.

Como dissemos no início deste texto, a Nação Petista está preocupada. E tem muitos motivos para esta preocupada. Nosso desafio, no processo de eleição direta das direções partidárias, é transformar esta preocupação em mudança. Mudança que em parte significa reencontrar o fio vermelho das formulações presentes no Manifesto do PT, nas resoluções do IV e do V encontros nacionais, realizados em 1986 e 1987, bem como do Sexto Congresso, realizado em 2017. Mudar os rumos do PT, mudar a direção do PT, para que o PT possa contribuir na transformação profunda do Brasil, no sentido de um país verdadeiramente soberano, igualitário, democrático e desenvolvido. Portanto, um país socialista.

(texto em construção, sem revisão, agradecemos críticas)

Anexo 1 (capítulo sobre estratégia e programa da resolução do sexto congresso do PT)

RESOLUÇÃO SOBRE ESTRATÉGIA E PROGRAMA 

    1. O desenvolvimento do capitalismo brasileiro, ao longo de sua história, tem sido alavancado por superexploração do trabalho, concentração de renda e ri- queza, exclusão social e subordinação aos centros imperialistas. O processo de formação das classes dominantes locais, associado à sua inserção subalterna na ordem capitalista mundial, somente ofereceu, aos trabalhadores e às demais camadas populares, a chibata do escravismo, da desigualdade, da dependência e da pobreza.

    2. Esses fenômenos, longe de constituírem deformações ou enfermidades do sistema, representam sua própria lógica. Cruzam-se e sintetizam o processo permanente de barateamento da mão de obra, apropriação dos recursos estatais por grupos monopolistas, abertura indiscriminada aos fluxos internacionais de capital, desobrigação fiscal sobre o lucro capitalista e exploração predatória dos recursos naturais. São esses os caminhos pelos quais a burguesia brasileira historicamente se embrenhou para compensar fragilidades estruturais e melhorar seu lugar na acumulação planetária de capitais.

    3. A reprodução da miséria e da pobreza, acompanhada por opressão de raça e gênero, sempre foi funcional para a manutenção de um gigantesco exército industrial de reserva, além de refletir a situação de abandono provocada por mo- delos de desenvolvimento nos quais o mercado interno se restringe às camadas médias e ricas da sociedade.

    4. Ao longo dessa trajetória, ocorreram variações, de duas naturezas distintas. O primeiro tipo refere-se a quando frações nacionalistas da burguesia, com forte base entre os trabalhadores, ascenderam à direção do Estado, como foram os casos do segundo governo de Getúlio Vargas e da administração de João Goulart. O segundo, durante os governos Lula e Dilma, quando um partido orgânico da classe trabalhadora alcançou o comando do poder público. Essas experiências tiveram em comum o redirecionamento do orçamento nacional para a expansão do mercado interno de massas por meio do aumento de salários e direitos, do fortalecimento do Estado como indutor e coordenador do desenvolvimento eco- nômico e da adoção de uma política internacional efetivamente soberana. Mais cedo ou mais tarde, nesses capítulos de nossa história, os setores hegemônicos do empresariado e seus aliados externos acabariam por comandar movimentos de caráter antinacional, antipopular e antidemocrático, com o objetivo de trazer o capitalismo brasileiro de volta ao seu leito histórico.

    5. Até o final do governo Fernando Henrique Cardoso, marcado pela financeirização global, essas características se exacerbaram: além de gerarem sofrimento e es- cassez de oportunidades às amplas maiorias, levaram à perda de força propulsora, atolando o país em baixas taxas de crescimento e investimento, ao mesmo tempo em que a rentabilidade dos ativos financeiros impulsionava os lucros monopolistas.

    6. A principal consequência desse processo, no mundo do trabalho, é bastante conhecida: brutal precarização das relações laborais. O país foi empurrado à de- sindustrialização, à ampliação do território dedicado à agricultura de commodities e ao extrativismo mineral, à subordinação ao sistema financeiro internacional.

    7. Esse cenário começou a ser alterado durante os governos liderados pelo PT, quando a elevação geral dos salários, a expansão de direitos, a recuperação do Estado e a reorientação do orçamento público impulsionaram o mercado interno, dinamizando o conjunto da economia em conjunto com a expansão do comér- cio mundial de commodities. A partir da crise capitalista de 2008, no entanto, paulatinamente emergiu forte reação burguesa, buscando cortar profundamen- te custos salariais diretos e indiretos, além de recuperar espaço nos gastos e fundos públicos, particularmente através da receita com juros e subsídios diversos. Essa contraofensiva foi relativamente contida até 2013, pelo sucesso das administrações petistas em preservar o consumo familiar, o investimento estatal e o crescimento econômico geral. Mas adquiriu agressividade quando começaram a declinar os fatores que serviam de compensação às elites frente ao aumento constante da renda do trabalho. Trata-se, enfim, da prova mais re- cente de incompatibilidade entre a via brasileira de desenvolvimento capitalista e os interesses nacionais-populares. O golpe de Estado perpetrado em 2016 foi a expressão política dessa arremetida do grande capital.

    8. O velho sistema oligárquico-burguês revela-se, portanto, incapaz de garantir desenvolvimento sustentável, justiça social, direitos civis e independência na- cional. Nessas circunstâncias, criar as condições políticas, materiais e culturais para o nascimento de uma sociedade pós-capitalista, de natureza socialista e democrática, constitui a tarefa histórica fundamental que norteia o Partido dos Trabalhadores, tal como afirmam o Manifesto de Fundação e as resoluções sobre socialismo petista aprovadas no 7º Encontro Nacional (1987), no 1º Congresso (1991) e no 3º Congresso (2007).

    9. A emancipação dos trabalhadores, nesse sentido, somente será possível com a superação do regime capitalista, incapaz de resolver os grandes problemas do país. Reformas que arrefeçam sua natureza parasitária devem ser entendidas como potencialmente antagônicas às características dominantes que o regulam, colocando sob tensão a sobrevivência do próprio sistema e desmontando seus pilares de sustentação, ao mesmo tempo em que favorecem a educação política e a mobilização de amplas massas.

    10. O PT entende que a reconstrução do socialismo como ideal de amplos setores sociais é um dos maiores desafios de nossa época.

    11. Nosso partido se constituiu realizando uma profunda crítica aos limites e às contradições da social-democracia e ao chamado socialismo real. Ao fazê-lo apontou a necessidade de superação da gênese e dinâmicas da concentração capitalista, de ruptura dos monopólios sobre a indústria, o comércio, a terra e as finanças, a necessidade de planificação democrática da economia, de for- talecimento de empreendimentos não monopolistas e da economia solidária e cooperativa, de grande desenvolvimento da ciência, da tecnologia, das artes e da cultura em geral, bem como de sua democratização, de proteção e susten- tabilidade ambiental.

    12. As transformações econômicas, sociais, políticas e culturais, na direção da superação da dominação de seres humanos por outros seres humanos, envol- verão processo continuado de lutas e conquistas, rupturas e conflitos, criação e recriação de experiências em todos os campos da vida humana. Como em outros períodos históricos as experiências de transformação nada terão de linear.

   13. O Partido dos Trabalhadores buscará, com maior audácia e rigor teórico, com vigor e compromisso, intensificar o debate sobre os fundamentos de nos- sa concepção de socialismo democrático em diálogo com as forças populares, intelectuais, artistas, partidos de esquerda, alimentando-nos para isso também da interlocução com a esquerda em diferentes partes do mundo. Mas o fazemos a partir da luta e da experiência concreta da classe trabalhadora, cuja força e movimento alimentam a existência do PT. Temos a convicção de que a socieda- de capitalista, baseada na exploração e na opressão, está longe de ser o fim da história e de que ela pode e deve ser superada, para que a humanidade alcance novos patamares de dignidade e padrões de convívio social justos e livres.

    14. O socialismo pelo qual lutamos corresponde à mais profunda democratiza- ção. Isto significa democracia social; pluralidade ideológica, cultural e religiosa; igualdade de gênero, igualdade racial, liberdade de orientação sexual e identida- de de gênero. A igualdade entre homens e mulheres, o fim do racismo e a mais ampla liberdade de expressão sexual serão traços distintivos e estruturantes da nova sociedade. O pluralismo e a auto-organização, mais do que permitidos, deverão ser incentivados em todos os níveis da vida social. Devemos ampliar as liberdades democráticas duramente conquistadas pelos trabalhadores na sociedade capitalista. Liberdade de opinião, de manifestação, de organização civil e político-partidária e a criação de novos mecanismos institucionais que combinem democracia representativa e democracia direta. Instrumentos de democracia direta, garantida a participação das massas nos vários níveis de direção do processo político e da gestão econômica, deverão conjugar-se com os instrumentos da democracia representativa e com mecanismos ágeis de con- sulta popular, libertos da coação do capital e dotados de verdadeira capacidade de expressão dos interesses coletivos.

    15. O socialismo petista é internacionalista. Somos todos seres humanos, ha- bitantes de um mesmo planeta, casa comum a que temos direito e de que todos devemos cuidar. O capitalismo é um modo de produção que atua em escala in- ternacional e, portanto, o socialismo deve também propor alternativas mundiais de organização social. Apoiamos a autodeterminação dos povos e valorizamos a ação internacionalista, no combate a todas as formas de exploração e opressão. O internacionalismo democrático e socialista é nossa inspiração permanente. Os Estados nacionais devem ter sua soberania respeitada e devem cooperar para eliminar a desigualdade econômica e social, bem como todos os motivos que levam à guerra e aos demais conflitos políticos e sociais. Os organismos mul- tilaterais criados após a Segunda Guerra Mundial deverão ser reformados e/ou substituídos, para que sejam capazes de servir como superestrutura política de um mundo baseado na cooperação, na igualdade, no desenvolvimento e na paz.


   16. A economia socialista deverá ter como centro organizador o planejamento democrático e ambientalmente orientado. Uma economia colocada a serviço, não da concentração de riquezas, mas do atendimento às necessidades presentes e futuras do conjunto da humanidade. Para tanto será necessário retirar o planejamento econômico das mãos de quem o faz hoje: da anarquia do mercado capitalista, bem como de uma minoria de tecnocratas estatais e de grandes empresários, a serviço da acumulação do capital e, por isso mesmo, dominados pelo imediatismo, pelo consumismo e pelo sacrifício de nossos recursos sociais e naturais.

    17. O principal pilar desse novo modo de produção será a propriedade pública dos grandes meios de produção. As riquezas da humanidade são uma criação coletiva, histórica e social, de toda a humanidade. O socialismo que almejamos, só existirá com efetiva democracia econômica. Deverá organizar-se, portanto, a partir da propriedade social dos meios de produção. Propriedade social que não deve ser confundida com propriedade estatal, e que deve assumir as formas (individual, cooperativa, estatal etc.) que a própria sociedade, democraticamente, decidir. Democracia econômica que supere tanto a lógica do mercado capita- lista, quanto o planejamento autocrático estatal vigente em muitas economias ditas socialistas. Queremos prioridades e metas produtivas que correspondam à vontade social, e não a supostos interesses estratégicos de quem comanda o Estado. Queremos conjugar o incremento da produtividade e a satisfação das necessidades materiais, com uma nova organização do trabalho, capaz de su- perar a alienação característica do capitalismo. Queremos uma democracia que vigore tanto para a gestão de cada unidade produtiva, quanto para o sistema no conjunto, por meio de um planejamento estratégico sob o controle social.

    18. O progresso desse novo sistema depende, em grande medida, da integração latino-americana e do fortalecimento de blocos que se contraponham ao controle dos Estados imperialistas sobre as principais entidades creditícias, comerciais, reguladoras e militares do planeta. A alternativa socialista não se circunscreve apenas às fronteiras nacionais, pois sua viabilidade está parcialmente condi- cionada pela capacidade de criar gigantescos ativos em infraestrutura, crédito, mercado de consumo, escala de produção, comércio exterior, tecnologia e ino- vação, proteção do meio ambiente e autodefesa.

    19. Os ideais e valores do socialismo democrático se constituem, para nós, nos referenciais para formulação das bandeiras de luta, para resgatar o que está sendo destruído pelo governo golpista e aprofundar a construção de nosso programa alternativo para o país, que deve avançar nas reformas democrático-populares iniciadas nos governos Lula e Dilma.

    20. As profundas reformas de que nosso país necessita exigem a um só tempo mobilização popular e construção social, elaboração intelectual e política. Nosso intuito é que sejam defendidas pela maioria dos trabalhadores e trabalhadoras, pela juventude, pelos intelectuais e cientistas, de todas as etnias, em todas as regiões.

    21. O PT está desafiado a contribuir para a ampliação da organização e cons- ciência crítica das classes trabalhadoras na luta contra as orientações e as medidas ultraliberais impostas por um governo sem voto e sem legitimidade. Nesse processo o partido deve seguir atualizando seu programa em diálogo com os movimentos sociais, com as frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo, com todos os setores e personalidades comprometidos com a transformação da sociedade brasileira no rumo da justiça social e da verdadeira democracia. Trata-se de combinar, cada vez mais, mobilização social e ação institucional, o que envolverá conflitos e rupturas, pois a natureza das classes dominantes brasileiras, além de colonial e racista, é profundamente antidemocrática, re- fletindo mentalidade política decorrente do caráter particularmente predador e excludente do capitalismo tardio. Mesmo diante de reformas que beneficiem as classes populares sem afetar de modo estrutural os interesses das elites, o grande capital não hesita em atropelar o Estado de Direito.

    22. A realização dessas tarefas históricas depende, a médio e longo prazos, da construção do poder popular, de um Estado dirigido pelas classes trabalhadoras, condição indispensável para impulsionar reformas que promovam a transfor- mação profunda da vida nacional. Esse é o caminho que materializa o destino traçado no manifesto de fundação do PT: “conquistar a liberdade para que o povo possa construir uma sociedade igualitária, onde não haja explorados nem exploradores”.

    23. A edificação do Estado popular ultrapassa a disputa pelo comando das velhas instituições oligárquicas: apenas a radicalização da democracia, no curso de uma revolução política e constituinte, poderá sedimentar o processo de mudanças que almejamos. Novas instituições e métodos, que combinem mecanismos repre- sentativos com instrumentos plebiscitários, democracia direta e poder local, são indispensáveis para as reformas estruturais e a transição ao socialismo, com a plena vigência, entre outros direitos fundamentais, do voto universal e secreto, da liberdade de imprensa e manifestação, da livre organização partidária e sindical.

    24. A via de aproximação para as classes trabalhadoras poderem colocar na ordem do dia o nascimento do Estado popular, nas condições históricas atuais, é a retomada da Presidência da República e a formação de uma maioria parla- mentar defensora das reformas estruturais. Este é o desdobramento almejado de um processo que combine lutas institucionais e sociais, política de alianças e construção partidária, elaboração programática e reivindicações específicas, mobilização popular e batalha eleitoral, gestão local e atuação parlamentar, educação de massas e batalha cultural.

    25. A conquista do governo federal representa etapa essencial, mas não significa que o poder político terá transitado para as classes trabalhadoras. No interior do Estado poderá ser aberto, por período indeterminado, contraposição entre o Poder Executivo, recuperado pelo bloco histórico progressista, e antigas instituições que servem aos desideratos das oligarquias. Apenas com a intensificação da disputa por hegemonia essa situação poderá ter solução favorável, a partir de medidas político-administrativas que ampliem o poder popular, de pressão per- manente e organizada das ruas, do desmonte dos monopólios de comunicação, da elevação da consciência e cultura das massas, do reforço dos movimentos populares e do desaparelhamento do sistema jurídico-policial.

    26. As forças progressistas, inclusive ao reconquistarem o governo federal, de- verão levar em conta o aprendizado recente: se não estiverem preparadas para enfrentar ataques das elites oligárquico-burguesas à democracia, como resposta previsível desses setores à perda da direção do Estado, estarão fadadas a sucessivas derrotas estratégicas. As medidas concernentes vão além de garantir maioria parlamentar: implicam democratizar o Poder Judiciário, o Ministério Público e a Polícia Federal, entre outras estruturas de coerção, impedindo seu controle pela alta tecnocracia ou por nichos corporativos vinculados aos interesses das classes dominantes.

    27. Esse processo de democratização inclui o fortalecimento e a reformulação do papel das Forças Armadas, com sua dedicação exclusiva à defesa nacional e a programas de integração territorial. Também são imprescindíveis a aplicação das recomendações prescritas pela Comissão Nacional da Verdade acerca dos direitos humanos e a alteração dos currículos das escolas de oficiais, expurgando valores antinacionais e antidemocráticos como o elogio ao golpe de 1964 e ao regime militar que então se estabeleceu.

    28. Igualmente deve ser estabelecido novo marco regulatório das comunicações, que acabe com o oligopólio da mídia e assegure o direito à livre expressão, crian- do as bases jurídico-materiais para um modelo plural que incorpore os meios fundamentais de informação, entretenimento e cultura.

    29. Entretanto, as medidas adotadas pelo governo usurpador, de ruptura da or- dem democrática e das garantias constitucionais, colocam sob risco a estraté- gia proposta por nosso partido desde 1987, particularmente se vier a bloquear, mesmo momentaneamente, o caminho eleitoral ao comando do Estado. Somente poderemos enfrentar cenário com essas características se fortalecermos nos- sas relações com movimentos, frentes e partidos que tenham seu centro de gravidade na organização e mobilização popular, para defendermos o processo democrático a partir da vigilância e da fiscalização das instituições, recorrendo a métodos de intensa participação social. Para tanto, o Partido dos Trabalhadores deve recombinar atuação nos parlamentos e executivos com a intensificação da atuação de seus filiados nos núcleos, diretórios zonais, municipais e estaduais, nos setoriais, de modo a fortalecer a participação nos sindicatos, organizações estudantis, culturais e populares, nas entidades de bairro e movimentos reivin- dicatórios, ajudando na revitalização da política e da confiança na participação popular, como instrumento de libertação econômica, social e política das classes trabalhadoras.

    30. A formação de uma maioria social, política e eleitoral que sustente nossa estratégia deve estar ancorada em um programa que responda às angústias do povo brasileiro e aos entraves para o desenvolvimento nacional com reformas que desatem os nós impostos pelo capitalismo monopolista e orientem políticas públicas a serem adotadas ao se reconquistar o governo nacional.

    31. As reformas estruturais – de cunho democrático, antimonopolista, antilatifun- diário, anti-imperialista e libertário – representam plataforma capaz de agregar amplas parcelas da população, das classes trabalhadoras aos pequenos e mé- dios empresários, o mundo da cultura e a juventude, as mulheres e a população LGBTT, os negros e os índios, os pobres da cidade e do campo. Trata-se, afinal, de tarefas inconclusas ou negadas pela hegemonia burguesa no Brasil, cuja realização romperia o dique da superexploração do trabalho, da exclusão social e da dependência nacional, da plutocracia política e do autoritarismo estatal, ao mesmo tempo em que se avançaria no rumo de uma sociedade pós-capitalista.

    32. Tais propostas buscam abrir a transição para outro sistema econômico-social, dotando o país de um modelo que, sustentado pelo dinamismo do mercado interno e a centralidade do consumo coletivo, na forma de obras de infraestrutura e serviços públicos universais, promova a reindustrialização acelerada, o desen- volvimento regional, a autossuficiência agrícola, a independência financeira, a soberania nacional e a integração continental.

    33. A principal bandeira de nosso programa é a convocação de uma Assembleia Nacio- nal Constituinte livre, democrática e soberana, destinada a reorganizar estruturalmente o Estado brasileiro e aprovar reformas que reorganizem suas bases socioeconômicas e institucionais, dilaceradas pelo governo usurpador. A democratização das instituições brasileiras é preâmbulo indispensável para as demais reformas estruturais.

    34. Treze capítulos fundamentais sintetizam essas reformas:

Reforma política. Parlamento unicameral e proporcional ao número de eleitores em cada estado. Adoção do voto em lista partidária. Proibição de coligações proporcionais. Criação de federações partidárias. Financiamento público exclu- sivo das campanhas eleitorais. Fortalecimento dos mecanismos de democracia direta e soberania popular, subordinado a deliberações da Assembleia Nacional Constituinte, com ampliação da prerrogativa de convocação dos plebiscitos também para o poder executivo e os eleitores, entre outros instrumentos.

Democratização da mídia. Proibição de propriedade cruzada. Proibição de proprie- dade de meios por parlamentares, governantes ou familiares até segundo grau. Criação de um Fundo em Defesa da Liberdade de Imprensa, com um percentual da receita publicitária das televisões aberta e fechada, além das rádios, para estimular novos meios de comunicação. Cláusula de objeção por consciência em todas as redações. Criação de um Conselho Social de Comunicação, que autorize e renove licenças para emissoras de rádio e TV, retirando essa prerrogativa do parlamento. Criação do direito gratuito de antena para televisão aberta e rádios.

Reforma do sistema de segurança pública. Instituição de mandatos limitados para ministros da Suprema Corte, do STJ, do TST e desembargadores dos TRFs e TJs. Desmilitarização das PMs estaduais e unificação com a polícia judiciária. Reformulação do Sistema Nacional Penitenciário, com a incorporação de todas as prisões e casas de detenção a um modelo único de gestão.

Reforma tributária. Tributação de juros sobre capital próprio. Tributação sobre lucros e dividendos. Taxação sobre remessa de lucros e dividendos ao exterior. Extensão do Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) para barcos e aviões. Adoção de Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF). Revisão da tabela do imposto de renda sobre pessoas físicas, com aumento do piso de isen- ção e ampliação progressiva das faixas de contribuição. Aumento do imposto sobre doações e grandes heranças, com repactuação do valor arrecadado entre União, estados e municípios.

Reforma financeira. Lei antitruste do sistema financeiro. Separação entre bancos comerciais e de investimento. Ampliação dos direitos operacionais de bancos municipais e cooperativos. Reorganização do Banco Central como guardião da moeda, do emprego e do desenvolvimento nacional. Fortalecimento dos bancos públicos. Criação de uma agência de proteção aos direitos do consumidor de produtos financeiros.

Reforma agrária. Adoção de regime progressivo para o Imposto Territorial Rural para propriedades improdutivas. Redefinição dos índices de produtividade para fins de reforma agrária. Proibição da venda de terras para estrangeiros. Esta- belecimento de limites regionais para a propriedade agrária e o agronegócio. Fortalecimento da agricultura familiar e das cooperativas agroindustriais como vertentes principais para a conquista de autossuficiência alimentar. Defesa dos direitos e heranças dos povos originários.

Empresas de energia. Recomposição do regime de partilha, com a participação obrigatória da Petrobras nas explorações do Pré-Sal. Criação do Sistema Nacional de Energia, com o controle estatal sobre todas as distintas empresas do setor.

Plano Nacional de Desenvolvimento Sustentável. Definição de metas e meios para o crescimento da economia por meio de um plano decenal, que tenha como principal objetivo a recuperação da indústria brasileira e a renovação da infraes- trutura do país. Regionalização do desenvolvimento a partir de planos para o norte e o nordeste do país.

Direitos sociais, trabalhistas e previdenciários. Restabelecimento da obrigação constitucional mínima com saúde e educação. Revogação da PEC 55. Aprovação da Consolidação de Leis Sociais, constitucionalizando o direito à renda mínima e outros benefícios. Constitucionalização da lei de valorização do salário mínimo por vinte anos. Redução da jornada máxima semanal de trabalho para 40 horas.

Reforma urbana. Combate à concentração de propriedades urbanas por meio de medidas fiscais progressivas e limitação legal da especulação imobiliária. Polí- ticas públicas que eliminem o déficit habitacional, protejam as áreas verdes e de lazer, expandam os terrenos destinados a fins públicos como esporte e cultura.

Acesso à saúde e educação. Fortalecimento do SUS, com aumento das verbas para saúde pública até 10% da receita corrente bruta. Cumprimento das metas do Plano Nacional de Educação, com investimentos de 10% do PIB nas redes públicas de ensino.

Direitos das mulheres. Descriminalização do aborto e regulamentação de sua prática no serviço público de saúde. Garantia do direito ao pagamento de salário igual para trabalho igual. Extensão da licença-maternidade de seis meses para todas as trabalhadoras.

Direitos humanos. Descriminalização progressiva do consumo de drogas. Cons- titucionalização dos direitos de casais homoafetivos como entidade familiar plena. Promoção de políticas públicas e educacionais de combate ao racismo, ao machismo, à homofobia e a toda forma de preconceito.

    35. A realização desse programa, a ser detalhado em intenso diálogo social, tem como ponto de apoio fundamental uma coalizão de partidos e movimentos que represente os operários, os trabalhadores do campo e os camponeses sem terra, os assalariados de serviços e comércio, os micro e pequenos empreende- dores, os trabalhadores domésticos, os pequenos proprietários rurais e urbanos. Também deve agregar cientistas, intelectuais, artistas e jovens que impulsionam movimentos progressistas no campo da cultura e na sociedade; movimentos antirracistas que lutam por igualdade racial, de libertação das mulheres que lutam por igualdade de gênero, os agrupamentos de defesa dos direitos de gays, lésbicas e transexuais.

    36. A Frente Brasil Popular, espaço fundamental de nossa estratégia, deve ser ampliada e fortalecida como instrumento de mobilização e colaboração pro- gramática, preservando sua autonomia em relação às coligações eleitorais ou governamentais. Ao representar os agentes principais do projeto nacional que defendemos, deve atuar também para isolar as vozes do grande capital, ao mesmo tempo em que busca dividir sua base de apoio, atrair setores que se descolam de sua direção e estabelecer acordos táticos capazes de contribuir para o fortale- cimento do campo popular. O PT igualmente se empenhará em manter o diálogo e estreitar relações políticas com a Frente Povo Sem Medo.

    37. A Frente Brasil Popular tem o papel de aglutinar forças, alinhar o debate, encaminhar ações conjuntas e forjar a unidade da esquerda. Não deve suplantar as entidades que a compõem ou se sobrepor aos partidos, às centrais sindicais e movimentos sociais, aos quais cabem o protagonismo das ações. À Frente Brasil Popular cabe a construção da unidade na ação. Ao PT cabe o compromisso de priorizar a construção dos movimentos sociais que compõem a FBP.

    38. A política de alianças, incluindo as coalizões eleitorais, deve aglutinar quem partilhe de uma perspectiva anti-imperialista, antimonopolista, antilatifundiária e radicalmente democrática. Aponta para um governo encabeçado pelo PT, Lula presidente, com partidos, correntes e personalidades que estabeleçam com- promisso programático dessa natureza. A consolidação de uma esquerda an- tissistema, com clara identidade de projeto, constitui elemento central de nossa orientação política.

    39. O Partido dos Trabalhadores dedicará suas melhores energias a esse projeto, engajando sua capacidade de formulação, convocação e representação. Temos consciência de que nosso desempenho poderá ter peso decisivo no sucesso dessa grande aliança, ampliando suas fronteiras, aprofundando seu enraizamento e alargando seus horizontes.

    40. Ao retomarmos o fio da meada da estratégia democrático-popular, estabelecida ao longo da história de nosso partido, enriquecida pelas lições do período de governo e atualizada aos novos problemas nacionais, o Partido dos Trabalhadores reafirma seu compromisso com a construção do caminho brasileiro ao socialismo e com a luta do povo brasileiro por sua plena emancipação.


Anexo 2 (extrato da resolução do quinto encontro nacional do PT, de 1987)

OBJETIVO ESTRATÉGICO DO PT: SOCIALISMO

    1. A conquista do socialismo e a construção de uma sociedade socialista no Brasil são os principais objetivos estratégicos do PT. Isso parece ser consenso, tanto em vista das resoluções aprovadas nas convenções nacionais, quanto da crescente pressão da militância para que definamos o tipo de socialismo que queremos e estabeleçamos as relações correspondentes entre nossa luta do dia a dia e a luta mais geral pelo socialismo.

    2. Na luta pelo socialismo, é preciso distinguir dois momentos estratégicos que, apesar de sua estreita relação de continuidade, são de natureza diferente. O primeiro diz respeito à tomada do poder político. O segundo refere-se à construção da sociedade socialista sobre as condições materiais, políticas etc. deixadas pelo capitalismo.

A CONQUISTA DO SOCIALISMO

    3. Para extinguir o capitalismo e iniciar a construção da sociedade socialista, é necessário, em primeiro lugar, realizar uma mudança política radical; os trabalhadores precisam transformar-se em classe hegemônica e dominante no poder de Estado, acabando com o domínio político exercido pela burguesia. Não há qualquer exemplo histórico de uma classe que tenha transformado a sociedade sem colocar o poder político – Estado – a seu serviço.

    4. Evidentemente, a construção da sociedade socialista não é algo totalmente novo e diferente em relação às formas de luta e de organização dos trabalhadores no seu dia a dia atual. Quando falamos que o socialismo e o poder se constroem na luta cotidiana, estamos nos referindo ao fato de que muitas das formas econômicas, sociais e políticas da construção socialista surgirão, sem dúvida, da experiência da luta de classe contra o capitalismo. Muitas dessas formas que hoje não conseguem desenvolver-se em virtude da opressão capitalista, como as pequenas cooperativas, as compras comunitárias, as comunidades locais, os conselhos populares etc., provavelmente encontrarão um campo fértil para crescer nas novas condições socialistas. Mas as formas de organização fundamentais que surgem na luta cotidiana no interior da sociedade burguesa e que têm maior importância para a luta socialista são as que nascem da auto-organização dos trabalhadores, as formas de luta pelo controle operário nas fábricas (a partir da generalização das comissões de fábrica e empresa) e de controle popular nos bairros.

    5. Essas formas embrionárias de poder proletário são escolas de auto- organização e participação política dos trabalhadores, que apontam no sentido da construção de um socialismo efetivamente democrático, em que o poder seja exercido pelos próprios trabalhadores e não em seu nome.

    6. Entretanto, essas experiências, em si, não resolvem a contradição do socialismo com o capitalismo. Mesmo porque, quanto mais amplas elas se tornam, maior é a resistência da burguesia dominante à sua existência. Repressão e concessões, em geral, se combinam para a burguesia continuar mantendo sob sua influência ideológica e política as grandes massas de trabalhadores e evitar o desenvolvimento das experiências populares e as mudanças. Para resolver as contradições sociais e políticas do sistema capitalista é fundamental que todas essas experiências de luta e de organização operárias, populares e democráticas sirvam como eixo de preparação e organização das classes trabalhadoras para a conquista do poder e a construção da nova sociedade.

    7. Por isso, no enfrentamento cotidiano contra as táticas repressivas e/ou de concessões da burguesia, os trabalhadores terão que empregar táticas que retirem as massas da influência da burguesia e as levem a conquistar o poder. Nesse sentido, é preciso distinguir as atividades que partem da situação existente em cada momento e procuram fazer com que os trabalhadores tomem consciência da necessidade de conquista do poder das atividades que se destinam à conquista imediata do próprio poder.

    8. Muitos companheiros não fazem essa distinção, não compreendem o processo de mediação que deve existir entre o momento atual, por exemplo, em que

as grandes massas da população ainda não se convenceram de que é preciso acabar com o domínio político da burguesia, e o momento em que a situação se inverte e se torna possível colocar na ordem do dia a conquista imediata do poder. Dessa forma, seu discurso, pretensamente revolucionário, não é entendido pela população e pelos trabalhadores e, em vez de contribuir para a organização e a luta no sentido da conquista do poder e da construção socialista, a desorganizam e a transformam na luta de pequenos grupos conscientes e vanguardistas.

    9. Por outro lado, companheiros que consideram inevitável a adoção de uma via revolucionária para a conquista do poder contrapõem essa escolha à tática dos movimentos sociais que lutam por reformas. Reforma e revolução são consideradas por eles como termos e práticas antagônicas. Entretanto, nenhum país que tenha feito revolução deixou de combinar essas lutas, dando maior ênfase a uma ou outra de acordo com a situação política concreta. A luta por reformas só se torna um erro quando ela acaba em si mesma. No entanto, quando ela serve para a educação das massas, através da própria experiência de luta, quando ela serve para demonstrar às grandes massas do povo que a consolidação, mesmo das reformas conquistadas, só é possível quando os trabalhadores estabelecem seu próprio poder, então ela serve à luta pelas transformações sociais e deve ser combinada com esta.

    10. Nesse sentido, para definir uma estratégia de luta pelo socialismo, não basta definir a via principal de luta, nem as táticas para a conquista do poder. É preciso, em especial, ter clareza sobre o inimigo ou inimigos principais contra quem nossa luta se dirige, as alianças de classes (estratégicas) para derrotar tais inimigos e o programa de transformações a ser implantado (que serve de base à mobilização popular e às alianças).

    11. Esclarecer tais problemas, na realidade, não é algo que possa ser decidido arbitrariamente. Depende do conhecimento da estrutura social brasileira, das contradições que existem nessa estrutura e do grau que tais contradições alcançaram como resultado de todo um processo histórico de lutas. Isso inclui o conhecimento do papel e da força do Estado burguês e do grau de desenvolvimento da cultura política dos trabalhadores e, em particular, o conhecimento das tendências do movimento de cada um desses aspectos e de sua resultante.

    12. Existe um certo consenso, entre os militantes e filiados do PT, de que a burguesia é a inimiga principal das mudanças sociais e dos trabalhadores. É uma certeza intuitiva, que resulta da experiência concreta de enfrentamento com a burguesia. O problema, porém, não é esse. O problema reside no fato de que, por uma insuficiente análise das classes existentes na sociedade brasileira, muitos companheiros colocam no campo da burguesia parcelas significativas de pequenos e microempresários urbanos e rurais e mesmo as camadas assalariadas que não trabalham diretamente na produção fabril ou agrícola. Com isso, não levam em conta que tais camadas possuem profundas contradições com o capital e, por isso, podem se incorporar à luta por transformações sociais no sentido socialista.

    13. Por outro lado, ao tomar a classe burguesa como inimiga principal, estratégica, muitos militantes são levados a se oporem a que se aproveitem as contradições momentâneas entre os diversos setores da burguesia. Colocam-se contra qualquer aliança política, tática ou pontual, com alguns desses setores. Mas o que importa aqui é que tais posturas são reflexos também de um conhecimento

insuficiente ou mesmo de um desconhecimento das contradições internas que movem as classes em sua luta, e que muitas vezes podem colocar em oposição diferentes setores da própria burguesia. Esse conhecimento insuficiente é uma das razões principais que explicam por que o PT, como um todo, ainda não avançou suficientemente nas definições estratégicas.

    14. Para que o processo de definições estratégicas do PT conte com a participação democrática dos militantes e filiados, é imprescindível que o Partido organize o estudo e o debate sobre as classes e as contradições de classes da sociedade brasileira; o papel da pequena burguesia urbana e rural; a definição dos pontos programáticos que garantam a atração dos setores sociais que têm contradições com a burguesia; a via principal de transformação social e as táticas a serem empregadas para realizá-la; e a relação entre a estratégia do Partido e as diversas táticas para implementá-la. Esses são problemas colocados pelo atual avanço da luta de classes no Brasil, que devem ser tratados adequadamente. Tratá- los não é uma tarefa de alguns intelectuais e dirigentes, ou mesmo de uma corrente política dentro do Partido. Essa é uma tarefa que deve envolver o conjunto da militância petista.

A CONSTRUÇÃO DO SOCIALISMO

    15. O desenvolvimento desigual e desequilibrado do capitalismo no Brasil coloca diante dos trabalhadores uma série de questões relacionadas com a construção socialista após a conquista do poder. Questões que aparecem, desde já, em função das propostas programáticas do PT e das alianças estratégicas que devem ser realizadas para obter a hegemonia contra a burguesia. Evidentemente, o desenvolvimento intenso do capitalismo nos últimos 30 anos colocou bases firmes para o estabelecimento de um sólido setor socialista na economia. Nas grandes cooperativas agroindustriais capitalistas, grandes empresas comerciais e de serviços e bancos, a socialização com a apropriação privada dos resultados da produção permite sua transformação imediata em empresas socialistas, estatais ou coletivas.

    16. Por outro lado, subsiste no Brasil um vasto setor que, embora seja em ampla medida subordinado ao grande capital, procura desenvolver-se com absorção de mão-de-obra e com atendimento a uma série enorme de bens de serviços considerados secundários e de baixa rentabilidade. Constituído por milhões de pequenas empresas, pequenos negócios, serviços e autônomos, desempenha um papel econômico de grande importância no atual sistema capitalista brasileiro, o que obriga a um processo permanente de destruição e recriação desse setor – papel que deve continuar desempenhando mesmo depois de iniciarmos a construção socialista no Brasil. Desse modo, um dos aspectos-chave do processo de construção socialista, mesmo tendo como a parte essencial da economia o seu setor socialista, estatal ou coletivo, consiste em conhecer a capacidade do Estado em atender às reais necessidades sociais e adaptar uma política econômica que complemente, de forma integral, aquela capacidade para isso. O único caminho, até hoje, consiste em permitir que a pequena economia mercantil ainda se desenvolva em uma certa escala, e que seu próprio desenvolvimento natural e contraditório conduza à concentração e centralização econômica e sua transformação socialista por meios administrativos.

    17. A pequena produção serve para que a sociedade desenvolva suas forças produtivas, contribua para que não haja escassez de bens e serviços e permita incorporar ao trabalho o conjunto da população economicamente ativa, sem prejudicar a eficiência das empresas socialistas nem a constante redução da jornada de trabalho. Essa política de desenvolvimento da capacidade produtiva da sociedade, utilizando todas as forças econômicas, é a base da aliança dos trabalhadores assalariados com a pequena burguesia urbana e rural. Essa aliança é, pois, uma questão estratégica, referente tanto à destruição do capitalismo quanto à construção do socialismo.

    18. Evidentemente, essa é uma contradição própria do desenvolvimento das classes no Brasil, do mesmo modo que é impossível, dadas as atuais condições, que o socialismo possa extinguir todas as classes de imediato. O processo de construção socialista para alcançar a almejada sociedade igualitária, sem classes, sem opressão e dominação, vai enfrentar, durante certo tempo, a exigência de diferentes desigualdades, como herança do capitalismo. E vai obrigar a agir, não no sentido de extinguir administrativamente as desigualdades, mas de evitar que elas se polarizem e se tornem antagônicas em relação ao socialismo. Tais contradições no terreno econômico e social da construção socialista geram diferentes contradições no terreno da política. Isso nos remete, basicamente, para a relação do socialismo com a democracia.

Socialismo e democracia

    19. A permanência de diferentes classes e camadas sociais no processo de construção socialista, por um tempo difícil de prever de antemão, coloca para nós a necessidade de reconhecer a existência de diferentes expressões políticas na sociedade socialista. É fundamental compreender que, mesmo que não se concretizem ingerências externas à coexistência de diferentes partidos e associações políticas, assim como de diferentes propostas para a construção socialista, torna extremamente aguçada a disputa política, disputa que pode polarizar-se e ter conseqüências graves, se não forem tratadas como merecem, ou seja, disputas que, na sua maior parte, estão dentro de um mesmo campo socialista, e não disputas entre inimigos.

    20. O fato de que na Nicarágua, a partir do programa da Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN), apesar do cerco imperialista e da oposição militar dos contras, existia liberdade sindical, de organização partidária, de comissões de empresa, das milícias, dos comitês populares e que, inclusive, foram realizadas eleições democráticas, indica a atualidade da relação entre a luta pelo socialismo e a democracia. Longe de a democracia ser uma concessão, ela é parte componente de uma revolução viva e fator de combate contra a burocratização.

    21. A ausência de democracia, do direito à livre organização dos trabalhadores, é contraditória com o socialismo pelo qual lutamos. Ainda mais quando sabemos, a partir de várias experiências históricas, que essa ausência foi alçada quase que a um princípio permanente, cujas conseqüências podem ser vistas, hoje, num certo impasse que vivem vários países que fizeram a revolução e que está na base, por exemplo, da luta dos trabalhadores poloneses em torno do Solidariedade, que o PT tem apoiado. Solidário com as lutas dos povos por sua libertação, o PT defende o rompimento de relação com o regime racista da África do Sul e com a ditadura do general Pinochet, do Chile.

    22. Além disso, é preciso levar em conta que a sociedade brasileira já foi capaz de desenvolver razoavelmente algumas organizações da sociedade civil, que jogam determinado peso na determinação das políticas do Estado. E de que o Estado brasileiro, embora tenha se reforçado muito, contando com modernos aparelhos coercitivos (Forças Armadas, Serviços de Informação etc.) e de concessões e participação (Legislativos, assistência social, centros comunitários etc.) não tem condições de se fechar completamente à participação das classes subalternas em seu interior. Ao contrário, a própria magnitude do Estado moderno brasileiro só é viável se a burguesia for buscar, na massa das outras classes, os funcionários do Estado. E se, para conseguir consenso e legitimidade para esse mesmo Estado, for obrigada a abrir, pelo menos formalmente, o Estado à disputa das diversas classes.

    23. Na sociedade civil ocorre algo idêntico. A burguesia construiu organizações sólidas (Fiesp, CNA, CNI etc.), que atuam tanto para manter a hegemonia de sua classe sobre as outras quanto para manter o domínio do aparelho do Estado. Em contraposição a isso, tanto os assalariados quanto as camadas médias da população também criaram organizações de sociedade civil que participam daquela disputa pela hegemonia e pelo poder. Em grande medida, o movimento contraditório dessas diversas organizações da sociedade civil (e também dentro delas) em relação ao Estado e a disputa no interior do próprio Estado causa os avanços e recuos da democracia, sua ampliação e retração.

    24. O PT rejeita a concepção burocrática do socialismo, a visão do partido único, por considerar incorreta a ideia de que cada classe social é representada por um único partido, e que outros partidos existentes na sociedade que emergir de uma revolução serão necessariamente partidos que representarão interesses de classes diferentes dos da classe trabalhadora.

    25. Seria ingenuidade supor que, conquistado o poder pelos trabalhadores, essa situação estaria resolvida. Embora a liquidação da burguesia, como classe, compreenda também a liquidação de suas organizações civis e de seu Estado, grande parte das organizações da sociedade civil hoje existentes continuarão presentes na nova sociedade e não podem (nem devem) ser abolidas por decreto. Isso significa que no processo de construção do socialismo deverão existir não só diversos partidos e diversas organizações da sociedade civil, como também que as relações de organizações com o poder socialista serão não só de colaboração e participação, mas também de oposição.

    26. Nessas condições, o Estado socialista terá de desenvolver esforços tanto para estabelecer uma legalidade nova, democraticamente construída e válida para todos, como manter e/ou criar mecanismos de participação e consulta popular nos mais diferentes níveis e nas relações entre tais níveis. A participação operária e popular na gestão das fábricas, das granjas e fazendas, dos bairros e conjuntos residenciais, das comunidades, vilas e distritos é de suma importância para o funcionamento de uma extensa democracia de base. Entretanto, talvez essa não seja a questão-chave da democracia no socialismo. Os problemas mais sérios vão

aparecer nas relações entre os mecanismos democráticos de participação e consulta na base com os mecanismos de participação e consulta nos níveis intermediários e superiores do poder.

    27. O projeto socialista pelo qual lutamos, de outro lado, deve incorporar as perspectivas colocadas pelos diferentes movimentos sociais que combatem opressões específicas, como os das mulheres, dos negros, dos jovens e dos homossexuais, e suas expressões ideológicas, em particular o feminismo, indispensáveis para golpear importantes pilares da dominação exercida pela burguesia e engajar, em profundidade, a maioria da população brasileira num processo de transformação revolucionária. Deve, também, integrar movimentos de âmbitos culturais nacionais ou ambientais, que procuram responder às agressões que o capitalismo realiza contra a população e o meio ambiente, movimentos anticapitalistas e progressistas, que sensibilizam parcelas crescentes do povo. Deve, ainda, incorporar o questionamento de outros mecanismos vitais para a reprodução da dominação de classe. A incorporação dessas lutas no projeto político proletário, desde hoje, permite barrar o avanço da burguesia, que procura esvaziá-las do seu conteúdo crítico e questionador de instituições e valores da ordem burguesa.

    28. Sem um tratamento correto dessas questões, no sentido de manter abertos os canais de participação das massas trabalhadoras no poder de Estado e a observância dos direitos individuais dos membros da sociedade e, ao mesmo tempo, garantir a existência do Estado socialista como instrumento fundamental para a construção socialista, será impossível transformar as liberdades políticas e a democracia formais, próprias do capitalismo, nas liberdades e na democracia real que deve ser própria do socialismo.

AS TÁTICAS DO PT

    29. O capitalismo viveu no Brasil um período de acelerada expansão, nas últimas décadas. Desenvolveu um parque industrial moderno, expandiu a rede de serviços e criou as condições para que o capital financeiro e a economia mercantil penetrassem nas áreas rurais. Esse crescimento, contudo, deu-se por meio da ampliação da dependência do País em relação ao capitalismo internacional, bem como da superexploração do trabalho e da prevalência do capital monopolista nos segmentos econômicos mais importantes.

Além disso, acentuou algumas desigualdades históricas do País, tendo concentrado grande parte de seu parque industrial e o seu setor mais dinâmico nas regiões Sul e Centro-Sul. Nas demais regiões, a produção industrial se encontra relativamente dispersa em pequenas e médias empresas; a centralização da produção capitalista, aliás, não se realizou de maneira plena, nem mesmo nas regiões mais desenvolvidas, onde sobrevive um grande número de pequenas empresas voltadas para a produção de serviços e de bens industriais. Isto vale, igualmente, para o campo no qual o latifúndio capitalista e a agroindústria convivem com milhões de pequenos produtores rurais.

AS CLASSES SOCIAIS

    30. Esse modelo de expansão produziu uma massa de assalariados heterogênea, integrada por um setor operário industrial e agrícola relativamente numeroso e concentrado; por um extenso e numeroso setor ligado às áreas de serviços, comércio e sistema financeiro; por novos segmentos assalariados, empregados públicos e privados, alguns muito qualificados e com rendimentos consideráveis; bem como por um contingente de trabalhadores sujeitos ao desemprego e ao subemprego estruturais na cidade e no campo.

    31. Paralelamente, a expansão capitalista no Brasil deu origem a um vasto setor de pequenos proprietários e produtores, que são, ao mesmo tempo, proprie- tários de meios de produção e trabalhadores. Normalmente designado pelos nomes de pequena burguesia ou de setores médios, este setor possui grande importância política e social, incluindo o pequeno produtor agrícola, o trabalhador autônomo, o pequeno proprietário, o profissional liberal qualificado etc.

    32. Finalmente, a burguesia, grande beneficiária do crescimento econômico, fortaleceu-se nas últimas décadas. Isso se deu, em particular, com seu setor monopolista, vinculado à indústria de exportação e ao capital financeiro. Ao aumento de poder econômico e da consistência da burguesia como classe correspondeu o avanço de sua organização e a expansão de seus mecanismos de controle ideológico e político da sociedade.

    33. O Estado brasileiro também se modernizou e se fortaleceu, tanto como produtor de bens e serviços quanto como aparelho coercitivo/repressor.

    34. Apesar da força que tem, a burguesia brasileira enfrenta conflitos internos que, em certos momentos, chegam a comprometer – ou, no mínimo, atrasar sua unificação em torno de um projeto político de gestão do País. São disputas deste tipo que produzem, hoje, divergências entre os vários lobbies burgueses que agem sobre a Constituinte; ou iniciativas como o Pensamento Nacional das Bases Empresariais, uma ação de empresários à margem da Fiesp [Federação das Indústrias do Estado de São Paulo] e de outras entidades tradicionais do patronato. O maior problema da burguesia brasileira, contudo, decorre da própria história da formação do capitalismo no Brasil.

    35. Ao contrário de outros países, entre nós o capitalismo tem-se desenvolvido respeitando o monopólio da propriedade da terra, recorrendo constantemente à força repressiva do Estado para mediar as relações entre o trabalho e o capital e integrando-se de modo subordinado ao mercado e ao sistema financeiro do imperialismo. A incapacidade do capitalismo brasileiro incorporar, ainda que minimamente, milhões de pessoas aos frutos do desenvolvimento limita a possibilidade da burguesia exercer a hegemonia política na sociedade, o que está na raiz das freqüentes intervenções militares na vida do País.

    36. Quanto aos trabalhadores do campo e da cidade, o aumento de sua força social e política foi notável nos últimos anos. Construiu-se a CUT, expandiu-se o sindicalismo rural e os trabalhadores passaram a jogar um peso decisivo na vida política nacional.

O PT e seu Programa

    37. Contudo, a organização dos trabalhadores não se estendeu à maior parte da classe. Nos setores em que é melhor organizado, o movimento dos trabalhadores ainda está dividido sindicalmente entre CUT e CGT. No nível partidário, uma parcela considerável desses setores continua sob a influência do PMDB, principal partido de sustentação da Nova República.

    38. Se é verdade que a burguesia, por meio de seus partidos, enfrenta dificuldades para legitimar o projeto de dominação que é a Nova República, é também verdadeiro que no campo das classes trabalhadoras ainda não se construiu um projeto alternativo a essa dominação, apesar da existência do PT. Essa é a principal tarefa do PT no período histórico em que vivemos. Dizendo com todas as letras: a disputa da hegemonia na sociedade brasileira, com base num programa democrático-popular, capaz de unificar politicamente os trabalhadores e conquistar a adesão dos setores médios das cidades e do campo. Tal programa deve sintetizar tanto a nossa oposição à Nova República e à transição conservadora quanto apontar no sentido da reorganização socialista de nossa sociedade.

    39. Partido de caráter nacional, independente, com amplas bases sociais, principalmente entre os trabalhadores, o PT precisa realizar sua tarefa histórica, organizando e dirigindo sua base social e política na luta pela conquista do poder. Daí a necessidade de apresentar-se, urgentemente, como uma alternativa, tanto na luta sindical quanto na luta política. Só o crescimento sindical e popular e, principalmente, a mudança de qualidade da atuação política do PT pode criar essa alternativa.

    40. A alternativa que o PT deve apresentar não pode se limitar a ser uma alternativa à Nova República. Ao contrário, trata-se de uma alternativa estratégica à dominação burguesa neste País, com o objetivo de realizar as transformações econômicas, sociais e políticas exigidas pelos trabalhadores e demais camadas sociais exploradas pelos monopólios.

Uma política de acúmulo de forças

    41. A luta por uma alternativa democrática e popular exige uma política de acúmulo de forças, que parte do reconhecimento de que não estão colocadas na ordem do dia, para as mais amplas massas de trabalhadores, nem a luta pela tomada do poder, nem a luta direta pelo socialismo. Essa política de acúmulo de forças pressupõe que o PT realize três atividades centrais:

    a) sua organização como força política socialista, independente e de massas;

    b) a construção da CUT, por meio de um movimento sindical classista, de massas e combativo, e a organização do movimento popular independente;

    c) a ocupação dos espaços institucionais nas eleições, como a eleição de deputados, vereadores e representantes nossos para os cargos executivos.

    42. Embora a questão da tomada do poder não esteja colocada na ordem do dia, é fundamental que o PT não apenas se construa como um partido que tem por objetivo a construção do socialismo, mas que se apresenta para toda a sociedade como um partido socialista. Isso significa que uma das nossas tarefas fundamentais é a luta pela constituição do movimento dos trabalhadores como um movimento

claramente socialista, de generalização de uma consciência socialista entre os trabalhadores. Isso implica não apenas as tarefas de educação e formação política de massa, mas, principalmente, abordar as tarefas de conjuntura do ponto de vista da luta pelo socialismo, introduzindo, sempre, um componente de denúncia e crítica anticapitalista na atividade de massa do PT.

    43. O PT deve apresentar-se como uma opção real de governo, com um plano econômico de emergência, capaz de tirar o Brasil da crise em que está afundando e de melhorar a situação dos trabalhadores e da maioria do povo, bem como com propostas de real democratização do País, que se expressarão na luta por uma Constituição progressista, nas lutas por autonomia e liberdade sindical, por Diretas- Já etc.

    44. O PT deve, igualmente, adotar táticas que permitam aumentar sua força eleitoral em 88. No atual quadro do País, considerando as expectativas que parte significativa da população deposita no PT como alternativa à Nova República e ao PMDB, o crescimento e as eventuais vitórias eleitorais do Partido são componentes importantes do processo de acumulação de forças.

A ALTERNATIVA DEMOCRÁTICA E POPULAR E O SOCIALISMO

    45. A alternativa que apresentamos à Nova República e à dominação burguesa no País é democrática e popular, e está articulada com nossa luta pelo socialismo.

    46. Um governo e um programa democráticos e populares – os dois componentes de nossa alternativa – são o reconhecimento de que só uma aliança de classes, dos trabalhadores assalariados com as camadas médias e com o campo, tem condições de se contrapor à dominação burguesa no Brasil.

    47. É por isso que o PT rejeita a formulação de uma alternativa nacional e democrática, que o PCB defendeu durante décadas, e coloca claramente a questão do socialismo. Porque o uso do termo nacional, nessa formulação, indica a participação da burguesia nessa aliança de classes – burguesia que é uma classe que não tem nada a oferecer ao nosso povo.

    48. As propostas que proclamam a necessidade e a possibilidade imediata de um governo dos trabalhadores evitam a discussão sobre qual a tática, qual a política para alcançar esse objetivo. Na prática, separam a luta reivindicatória da luta política, por não compreenderem a necessidade da acumulação de forças. A retórica aparentemente esquerdista recobre a ausência de perspectivas políticas e uma concepção limitada, atrasada, das lutas reivindicatórias.

    49. Na situação política caracterizada pela existência de um governo que execute um programa democrático, popular e anti-imperialista, caberá ao PT e aos seus aliados criarem as condições para as transformações socialistas.

    50. Nas condições do Brasil, um governo capaz de realizar as tarefas democráticas e populares, de caráter anti-imperialista, antilatifundiário e antimonopólio – tarefas não efetivadas pela burguesia – tem um duplo significado: em primeiro lugar, é um governo de forças sociais em choque com o capitalismo e a ordem burguesa, portanto, um governo hegemonizado pelo proletariado, e que só poderá viabilizar-se com uma ruptura revolucionária; em segundo lugar, a realização

das tarefas a que se propõe exige a adoção concomitante de medidas de caráter socialista em setores essenciais da economia e com o enfrentamento da resistência capitalista. Por essas condições, um governo dessa natureza não representa a formulação de uma nova teoria das etapas, imaginando uma etapa democrático- popular, e, o que é mais grave, criando ilusões, em amplos setores, na possibilidade de uma nova fase do capitalismo, uma fase democrática e popular.

A POLÍTICA DE ALIANÇAS DO PT

    51. O PT surgiu marcando um rompimento com as tradições reformistas e/ou vanguardistas da esquerda brasileira. O princípio de identidade e independência de classe é o que o distingue dos partidos reformistas ligados a setores da classe trabalhadora. Ao vanguardismo, o PT contrapõe a política de organização aberta, democrática e de massas ligada à luta social. É esse espírito de independência de classe e de desilusão política com os partidos populistas – assim como os erros históricos do reformismo – que explica o receio do conjunto do PT em discutir uma política de alianças.

    52. São muitas, no Brasil, as experiências de alianças dos trabalhadores assalariados com outras classes sociais. Na década de 20, os trabalhadores organizaram o Bloco Operário-Camponês. Depois da Segunda Guerra Mundial, o PCB atrelou os trabalhadores a uma suposta burguesia nacional em conflito com o imperialismo, e essa frente descambou em colaboração de classes e não numa política de alianças. Na década de 60, a Ação Popular propôs uma aliança operário- estudantil-camponesa, que tinha à frente o movimento estudantil e apresentava como plataforma um vago movimento contra a Ditadura e a solidariedade ao povo do Vietnã.

    53. No entanto, no campo da luta dos trabalhadores, a esquerda brasileira, de maneira geral, sempre foi incapaz de estabelecer alianças – o que se refletiu na própria incapacidade de as diferentes correntes políticas de esquerda se unirem. O sectarismo, o fracionismo e a divisão, enquanto o Estado burguês se centralizava e a burguesia se unia, foram as marcas da esquerda brasileira.

    54. Nas experiências das revoluções socialistas e de libertação nacional vitoriosas temos exemplos concretos de alianças, dentro e fora do campo dos trabalhadores. Os exemplos clássicos são a aliança operário-camponesa na Revolução Russa de 1917 e a união dos comunistas de Mao com os nacionalistas de Chiang Kai Shek, na guerra sino-japonesa.

    55. Mais recentemente, a Nicarágua é um exemplo claro de uma política de alianças que leva à vitória da revolução. A FSLN [Frente Sandinista de Libertação Nacional] não só fez alianças durante o processo revolucionário, como as mantém diante das agressões do imperialismo e das necessidades concretas da reconstrução do país. A experiência histórica mostra que nenhum partido revolucionário chegou ao poder sozinho. Foram sempre necessárias alianças, ainda que parciais e por tempo determinado. Os programas desses partidos contemplam os reais interesses das classes e camadas às quais se propunha o estabelecimento de alianças.

ALIANÇAS COM PRINCÍPIOS

    56. O PT tem enfrentado muitas dificuldades para discutir a questão das alianças, em parte pela experiência negativa da esquerda brasileira, em parte pelo sentimento de independência de classe, mas é preciso reconhecer que o sectarismo e a intolerância também têm impedido que essa discussão avance no Partido. Toda vez que se levanta a necessidade de discussão, ou se propõe concretamente uma aliança, impede-se a discussão com acusações de “reformista” ou “aliado da burguesia”, sempre brandindo o fantasma da transformação do PT num partido reformista.

    57. Esse comportamento tem trazido prejuízos ao PT. O exemplo mais sério foi a falta de iniciativa do Partido, em São Paulo, que permitiu a ação política proposta pelo MOMSP [Movimento de Oposição Metalúrgica de São Paulo] e, depois, assumida pela CUT, que levou à vitória de Luiz Antonio Medeiros, continuador da política pelega de Joaquinzão. Não custa, sobre isso, lembrar que nas recentes eleições do Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro, graças à aplicação de uma política correta de alianças, obtivemos importante vitória.

    58. Na prática, a realidade nos impõe alianças, e de fato as fazemos, como em 1984, na campanha das Diretas, quando o PT, objetivamente, fez uma aliança com a oposição liberal burguesa e setores da pequena burguesia contra a Ditadura Militar. A sobrevivência do Colégio Eleitoral e a instauração da Nova República não indicam que erramos por termos feito aliança, mostram apenas que, ao lado da imensa maioria do povo, fomos derrotados pelas classes dominantes.

    59. Outro exemplo de aliança foi a tática eleitoral formulada para as eleições de 1986, em que se previa a possibilidade de coligações, desde que cumpridas as condições estabelecidas pelo Encontro Nacional. Era a reafirmação de nosso slogan “o PT não se funde, nem se confunde”, mas também uma resposta aos que nos acusam de sectários e puristas. Aliança não é uma questão de princípios para o PT, mas o PT só faz alianças com princípios.

    60. Por tudo isso, é chegada a hora de o PT definir uma política de alianças, baseada em seu programa e na independência de classe dos trabalhadores, que leve em conta a correlação de forças hoje existente na sociedade brasileira. Essa política inclui alianças táticas e estratégicas com setores interessados no fim da dominação burguesa.

A Política de Alianças que Propomos

    61. O desenvolvimento do capitalismo brasileiro criou uma sociedade de classes complexa, em que, ao lado da classe trabalhadora, cujo centro é o operariado, existem amplos setores sociais e frações de classes com interesses contraditórios em relação às classes dominantes. Setenta milhões de brasileiros vivem excluídos, de fato, dos direitos sociais e políticos, do mercado de trabalho formal e à margem dos serviços sociais.

    62. Esse quadro nos coloca a necessidade de construir uma política para a pequena produção e a pequena propriedade, ao lado da defesa de milhões de brasileiros excluídos e segregados pela lógica do mercado e da livre iniciativa, organizando a luta contra a fome e a miséria.

    63. A partir de um programa da classe trabalhadora para conquistar o poder, dirigir o País e iniciar a construção do socialismo, o PT tem, então, que assumir uma política de alianças para o Brasil de hoje.

ALIANÇAS ESTRATÉGICAS: A FRENTE ÚNICA CLASSISTA

    64. Temos que buscar alianças com as forças que atuam no movimento operário e popular e, principalmente, dentro do movimento sindical, para nos opormos à burguesia e à ideologia dominante.

    65. Isso significa que devemos tomar a iniciativa nas bases dos partidos que se reivindicam comunistas, socialistas e de trabalhadores, propondo, publicamente, a unidade de ação política da classe trabalhadora.

Alianças estratégicas: A Frente Democrática e Popular

    66. A frente única classista – que engloba todos os trabalhadores assalariados

– não é suficiente para derrotar a dominação burguesa neste país. Para isso, é necessária uma aliança de todos os setores que, por suas contradições com a burguesia, estejam dispostos a marchar com os trabalhadores na luta pelo poder. Para o PT, não há aliança estratégica com setores da burguesia.

    67. Os setores que chamamos normalmente de camadas médias e pequena burguesia – sendo, estes últimos, trabalhadores e também proprietários de seus meios de produção – embora tenham interesses comuns com a burguesia (por exemplo, algumas camadas de pequenos proprietários vivem da exploração do trabalho assalariado, ainda que em pequena escala) têm, também, profundas contradições com o capitalismo, que os coloca cotidianamente sob ameaça de arruinamento e de proletarização.

    68. Na luta pelo socialismo, deverão ser levadas em conta reivindicações e interesses de outros setores populares, que são alijados de seus direitos e são vítimas da opressão, das injustiças e da violência do sistema capitalista. O proletariado urbano e rural é a força principal do processo de transformação para o socialismo. O operariado industrial é o seu setor mais importante, concentrado e capacitado a dirigir o processo revolucionário. Os camponeses pobres e os assalariados urbanos são os principais aliados do proletário. Setores amplos, como a camada semiproletarizada, marginalizada do mercado de trabalho e de consumo, que tem características explosivas de manifestação, precisam ser ganhos para uma perspectiva revolucionária. Há também setores urbanos numerosos que, por suas contradições com o sistema burguês, podem ser atraídos para o bloco revolucionário. Localizam-se aí a intelectualidade progressista e democrática e os pequenos proprietários.

    69. É claro que, numa aliança desse tipo, haverá uma disputa permanente entre os trabalhadores assalariados e os setores pequeno-burgueses. Por isso, é fundamental que a classe trabalhadora forje sua unidade interna, para assim conseguir conquistar a hegemonia no conjunto da frente democrática e popular.

As alianças táticas

    70. A partir da definição geral das alianças estratégicas, que visam reunir e organizar em torno da classe trabalhadora os setores médios, teremos uma linha para estabelecer, aqui e agora, táticas em torno das lutas contra a Nova República

na Constituinte e nas lutas sociais. Prevalecerá sempre a priorização das alianças dentro das classes trabalhadoras; mas não devemos – resguardada a independência do PT – deixar de realizar alianças táticas com forças políticas em torno de objetivos imediatos ou a médio prazo.

Alianças táticas na Constituinte

    71. A partir do projeto de Constituição do PT e das iniciativas populares aprovadas pelo Diretório Nacional, devemos fazer o mais amplo arco de alianças, para nos opormos à aliança conservadora, articulada por Sarney em torno do PFL e da direita do PMDB. É preciso articular a pressão e mobilização social sobre Brasília com uma política de alianças que nos permita enfrentar a direita e a reação latifundiária. Na defesa da soberania nacional, contra o pagamento da dívida externa e a submissão de nossa economia ao FMI, ao capital estrangeiro e ao Imperialismo, o nosso arco de alianças atinge até mesmo alguns setores burgueses e liberais. Devemos ter firmeza sobre a necessidade de tais alianças e, ao mesmo tempo, ter clareza de suas limitações.

    72. Nossa força advém da formação com outras correntes políticas, sindicais e associativas, dos comitês de defesa do povo na Constituinte e do Plenário Pró- Participação Popular na Constituinte, e deve se expressar no Parlamento num bloco com os partidos progressistas e democráticos contra a reação e a direita.

Alianças táticas na luta contra a Nova República e o Governo Sarney

    73. Para nos contrapormos à transição conservadora e impor eleições diretas já, devemos articular alianças em torno da Campanha das Diretas, sem abandonar nossa campanha contra Sarney e a dívida e por Diretas-Já. Foi a partir de nossa mobilização e do aprofundamento da crise governamental que fomos capazes de atrair para nosso campo forças que, antes, estavam indefinidas em relação à Nova República ou que corriam em raia própria, como o PCdoB e o PSB, e mesmo o PMDB.

Alianças táticas na luta sindical e popular

    74. É no campo sindical e popular que o PT e seus militantes têm mais força – que nos leva, muitas vezes, a subestimar a necessidade de alianças políticas. As dificuldades aumentam no caso dos movimentos populares, em que muitas áreas políticas estão comprometidas com os governos estaduais e federal, e vacilam em se opor, como no caso da Prefeitura Janista [São Paulo]. Entretanto, devemos, sempre que possível, buscar a unidade de ação em torno das reivindicações populares, pressionando os governos e propondo alternativas às políticas de habitação, saúde, transportes, educação e saneamento, politizando e unificando os movimentos.

    75. Mesmo que não façamos alianças, temos que trabalhar com todas as forças partidárias no movimento popular, respeitando as decisões das assembleias e dos encontros, mesmo quando nossa posição não prevalecer.

    76. O movimento sindical é o espaço privilegiado para uma política de frente única contra a burguesia, já que se trata de uma luta política em que os trabalhadores identificam, de forma mais direta e precisa, seus principais exploradores. Dessa forma, defendemos o princípio de que devemos buscar essa unidade em torno dos interesses da classe trabalhadora, a partir dos organismos por local de trabalho, do sindicato, das centrais sindicais e de outras formas ou locais de organização dos trabalhadores.

Alianças no Parlamento

    77. Temos já algumas experiências em alianças pontuais ou parciais com outras forças políticas, nas Câmaras de Vereadores, Assembleias Legislativas e Congresso Nacional. O exemplo mais recente é a nossa atuação antijanista na Câmara dos Vereadores de São Paulo, em conjunto com parte do PMDB; ou na Assembleia Legislativa de São Paulo, em defesa do gatilho do funcionalismo público, quando nossa bancada, apoiada na luta dos funcionários, aplicou uma tática correta, que impôs ao Governo Quércia uma grande derrota, arrastando PTB, PDS, PFL e PDT ao voto contra o governo e rachando o bloco situacionista PMDB-PFL.

ALIANÇAS ELEITORAIS

    78. As alianças eleitorais são mais complexas e exigem uma discussão sobre cada processo, sobre a situação objetiva da cidade, do estado ou do País, sobre as regras eleitorais, os outros candidatos e os objetivos de nosso Partido em cada eleição.

    79. De maneira geral, somos pelo lançamento de candidatura própria, com programas de governo e posição sobre os problemas nacionais. Entendemos necessário construir nossa própria força eleitoral e eleger candidatos petistas, mas não afastamos a hipótese de coligações, alianças eleitorais, frentes ou coalizões.

    80. Nas eleições de 1986, fizemos uma aliança com o PV, tendo o companheiro Fernando Gabeira saído candidato pelo PT. Tratou-se, na verdade, de uma coligação que ganhou forma de aliança e que possibilitou ao PT a eleição de dois deputados federais e quatro estaduais, não inviabilizando nossa mensagem política, nem arranhando nossa independência e nossa proposta socialista.

    81. Existem resoluções que estabelecem normas e regras de procedimentos para a realização de coligações e alianças eleitorais. O que é preciso, agora, é analisar cada realidade e situação, mantendo nossa posição contra a transição conservadora e o Governo Sarney, nossa independência e a proposta socialista.

    82. Por outro lado, não podemos perder o espírito de vigilância petista, principalmente num ano de eleições municipais, em que nossa legenda cresce, já que ter uma política de alianças nada tem a ver com o inchaço ou a diluição de nosso Partido e de sua proposta.