quarta-feira, 22 de junho de 2016

O que é isso, camaradas? (sobre as espantosas entrevistas de Edinho e Aldo)

Fiquei espantado com a entrevista concedida pelo ministro Edinho Silva ao jornal Folha de S. Paulo

A entrevista está aqui: http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/06/1783209-para-ex-ministro-edinho-silva-eleicao-de-2016-deve-ser-a-pior-vivida-pelo-pt.shtml

Havia decidido comentar a respeito.

Mas meu comentário tornou-se em grande medida desnecessário, frente ao editorial do mesmo jornal, publicado nesta terça-feira 21 de junho e intitulado "À esperada autocrítica".

Este editorial deixa claro pelo menos duas coisas:

1.Certos meios da direita apreciam "autocríticas" como a do ministro Edinho, lamurientas e desprovidas de qualquer análise séria acerca das razões de fundo (programa, estratégia, política de alianças) dos problemas políticos vividos hoje pelo PT. A promiscuidade com o financiamento empresarial é no fundamental uma consequência daquelas razões de fundo; 

2.Não importa o número de chibatadas, mea culpa e ginuflexões: o PT e quem continuar no PT não será perdoado. Como diz o editorial: "a Lava Jato continuará até o fim, sem prazo para acabar". Cada um pode imaginar de que "fim" fala a Folha.

Também fiquei espantado com a entrevista de Aldo Rebelo ao jornal Valor.

Começo pela argumento de Aldo em defesa do plebiscito: "a proposta do plebiscito tem o objetivo de resgatar os dois elementos decisivos para a governabilidade, que são a legalidade e legitimidade. A legalidade do atual governo está viciada pela ausência de um crime de responsabilidade que justifique o afastamento da presidente. E a legitimidade está afastada no momento em que o governo não obteve nas urnas a autoridade para governar. Diante disso a autoridade original que é o voto do eleitor constitui a única solução não só possível como duradoura".

O argumento poderia ser 100% correto, caso o Senado já tivesse votado e aprovado o impeachment. 

Mas no momento atual, a proposta de novas eleições tem uma ambiguidade que Aldo simplesmente omite, a saber: apoiar novas eleições implica em questionar a legalidade e a legitimidade do mandato Dilma.

Aldo chega a dizer que o "retorno dela estaria protegido pelo compromisso da convocação de um plebiscito sobre a convocação de novas eleições".

Ou seja: Dilma voltaria, mas voltaria na condição de governo provisório.

Portanto, sem o tempo e a autoridade necessárias para tomar medidas que recuperem o apoio das camadas populares.

Logo, Dilma voltaria, mas voltaria em condições tais que o mais provável seria uma derrota, no plebiscito e/ou nas eleições antecipadas.

Com a diferença que esta derrota não seria mais golpismo, mas sim legitimada pela participação do povo. 

Não admira que alguns considerem que esta proposta pode converter-se num plano B para setores da direita, especialmente aqueles que estão mais preocupados em manter Meirelles na Fazenda do que em manter Temer na presidência.

Aldo sabe das dificuldades constitucionais, tanto para convocar um plebiscito, quanto para convocar eleições antecipadas. Mas ele resolve isto apelando para a "criatividade da política". 

O mais impressionante, vindo de alguém que apoiou Lula desde 1989 e Dilma nas duas últimas eleições presidenciais, é a seguinte afirmação: "A ideia do plebiscito ou de outra alternativa vai nascer menos da articulação política que do mal estar que toma conta do país em função do antagonismo das forças representadas por Dilma e Temer".

Noutras palavras, a saída estaria... numa terceira via!!!

Marinismo puro, como diria o ex-ministro Ciro Gomes.

Aldo considera que esta proposta terá um apoio "derivado da busca de uma solução que pacifique o país e que torne um lenitivo para o drama e para os conflitos que enfrentamos atualmente, de natureza ideológica e política, de legalidade e legitimidade".

Para quem tem dúvida acerca do conteúdo social deste tipo de solução pacificadora, recomendo pensar nos exemplos históricos dados por Aldo (veja entrevista na íntegra ao final).

Especialmente chocante é seu comentário sobre a crise de 1961.

O Valor pergunta: "Mas nem sempre a saída encontrada trouxe estabilidade, como no parlamentarismo de 1961 que não evitou o golpe de 1964"...

Aldo responde: "Em 1961 a renúncia de Jânio deu lugar a um governo que era legal, o do Jango, mas para o qual havia um déficit de legitimidade porque ele não havia sido eleito. (...) Como é que se corrigiu esse déficit de legitimidade? Com o parlamentarismo, uma tentativa de se dar a legitimidade necessária a um presidente cuja chapa havia sido derrotada. Quando o golpe aconteceu o acordo do parlamentarismo já havia sido revogado e a revogação trouxe de volta o conflito".

É inacreditável.

Jango tinha déficit de legitimidade? Foi por esta razão que os militares e a direita tentaram impedir sua posse??

O parlamentarismo visava corrigir este déficit de legitimidade? Portanto, estavam errados aqueles -- como Brizola e os populares organizados em defesa da legalidade-- que defendiam que Jango não aceitasse a proposta conciliatória?

O golpe está vinculado a revogação do parlamentarismo? E a relação com os interesses da classe dominante, com as movimentações do imperialismo, com articulações que vem pelo menos desde 1954???

Aliás, vejam que curioso: Aldo considera que o parlamentarismo de 1961 visava corrigir um déficit de legitimidade. Ao mesmo tempo, diz que o plebiscito de 1963 -- que revogou o parlamentarismo-- trouxe de volta o conflito.

Ou seja: quando a iniciativa coube ao parlamento (onde a classe dominante tinha maioria ou pelo menos maior influência), tivemos uma solução que ele considera positiva. Mas quando a decisão coube ao povo, aí segundo Aldo tivemos conflito.

A lógica histórica é precária, mas é óbvio que Aldo não está discutindo propriamente a história, mas sim opinando sobre o presente: ele quer e defende uma solução para a crise que implique em um pacto com a maioria do atual Congresso nacional.

Nas suas palavras. "Um novo governo daria ao eixo do Executivo uma âncora importante para a estabilidade. Os fatores que reduzem o coeficiente de legalidade e legitimidade do Executivo têm uma causa muito clara que é o afastamento da presidente e a ascensão do vice. É preciso encontrar na Câmara e no Senado os personagens que conduzirão este debate".

No fundo, trata-se de uma radicalização da chamada governabilidade institucional. 

No limite, aceita-se entregar o governo a quem tem maioria no parlamento.

(Aceita esta premissa, é fácil compreender o sentido real dos comentários de Aldo sobre a Lava Jato). 

Notem que nesta linha de raciocínio, a proposta de convocar um plebiscito tem uma só função: passar a impressão de que a decisão está sendo transferida para a soberania popular. Quando na verdade se pretende que o povo venha apenas dar legitimidade a um pacto prévio.

Prova disto é o seguinte comentário: "O impasse econômico dificilmente encontrará uma solução satisfatória enquanto o governo carecer de plena legalidade e de inconteste legitimidade, além da força e da autoridade conferida pela população. O impasse da nossa economia talvez seja mais profundo que as disfunções de nosso sistema político-eleitoral. Esse debate hoje torna-se mais difícil porque os atores que têm a possibilidade de nele intervir estão com dificuldade para agir. Há um problema importante a ser enfrentado na Previdência? Sim, claro, mas esta resposta só um governo com a força das urnas pode dar".

Ou seja: um governo forte para... fazer a reforma da previdência.

Aldo não apenas aceita que os reacionários majoritários no parlamento governem, ele está disposto a aceitar também o programa reacionário.

Frente a uma pergunta imbecil do Valor ("O senhor acha que a esquerda custa a aceitar teses já pacificadas no resto do mundo em relação à Previdência?"), Aldo não se dá ao trabalho nem mesmo de citar a luta atual dos comunistas e da esquerda francesa., para demonstrar que não há nada de "pacífico" na questão previdenciária, em nenhum lugar do mundo.

Pelo contrário, ele capitula integralmente aos pontos de vista da direita: "Já passou da hora de a esquerda aceitar a discussão da idade mínima e da convergência de regras para homens e mulheres na Previdência. A agenda da esquerda não pode se limitar ao multiculturalismo". 

Multiculturalismo!!!???

Ouviram, camaradas?

Se alguém ainda não entendeu qual o lugar do povo neste plano, Aldo deixa escapar que "todo esse debate só pode ser enfrentado de forma eficiente por um governo que receba o verniz do voto". 

Verniz!!!!

Aldo Rebelo é um quadro importante do PCdoB. Mas o PCdoB, como o PT, tem correntes internas. A diferença é que no PCdoB elas não são organizadas. 

Mas é visível que há vários anos Aldo se converteu na cabeça mais visível de um setor do PCdoB que repete a maneira de pensar de um setor do velho PCB.

Vide seus elogios a José Bonifácio e Roberto Simonsen, bem como sua defesa de uma solução que englobe o povo, a classe média e a elite

Assim, tudo junto e misturado.

Este jeito de pensar, típico do velho partidão, tem vários defeitos.

Um deles é colocar como objetivo central, não recuperar o apoio do povo, mas sim recuperar o apoio do "centro".

Acontece que neste momento o centro foi tão à direita, que o preço de um hipotético acordo com o centro seria apoiar medidas programáticas que nos distanciariam ainda mais do povo.

Isto na melhor das hipóteses.

Na pior das hipóteses, não haveria nem mesmo pacto. Apenas desmoralização e uma derrota ainda mais profunda. 

Não há caminho positivo, no curto prazo, que não passe por articular a luta contra o golpismo no Senado, com a luta contra as medidas do governo golpista. 

Se tivermos êxito em recuperar a presidência, precisaremos aplicar um programa distinto daquele que prevaleceu no início deste mandato de Dilma. Agindo assim, poderemos tentar criar as condições não apenas para obter bons resultados em 2016 e uma vitória em 2018, mas também para a realização de uma Constituinte.

Se não tivermos êxito em recuperar a presidência, precisaremos continuar articulando a luta contra o governo golpista, com a luta contra o programa reacionário do golpismo. Neste contexto, a defesa de um plebiscito e da antecipação das eleições provavelmente será uma das opções. 

Não para reduzir o mandato de um governo legítimo e legal, não para dar verniz a um pacto, mas sim para reduzir o mandato de um governo ilegítimo e ilegal.
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O editorial da Folha

À esperada autocrítica – editorial – Folha de S.Paulo
Não chega a ser um mea-culpa, mas já significa alguma coisa que uma figura de destaque no PT tenha admitido, em entrevista a esta Folha, que o partido precisa reconhecer seus erros. Atitudes desse gênero são raras numa agremiação que se perdeu nos próprios labirintos e somente agora começa a abandonar sua empáfia.
Ex-ministro da Comunicação Social do governo Dilma Rousseff (PT), tesoureiro da campanha presidencial de 2014 e ex-presidente da sigla no Estado de São Paulo, Edinho Silva afirmou o que há muito tempo os brasileiros reconhecem como óbvio: "Em algum momento o PT terá que fazer uma autocrítica perante a sociedade".
Aos que se perguntam qual a deixa que os atores petistas esperam para iniciar sua fala, Edinho esclarece: "Talvez (...) seja necessário que esse processo todo [a Operação Lava Jato] avance para termos dimensão de até onde ele chega".
Em uma interpretação benevolente, o ex-ministro conta com as investigações em curso para descobrir quanto o PT se sujou na lama da corrupção. Na mais provável, os dirigentes da legenda não querem assumir desvios antes da hora para que não corram o risco de revelar algo que de outra maneira permaneceria encoberto.
Seja como for, o estrago está feito —e Edinho sabe disso. Com precisão, o ex-ministro declarou que, dentre as principais agremiações, nenhuma perderá tanto quanto a sua nas eleições municipais deste ano. Com o que parece um exagero, entretanto, acrescentou: "Será a pior eleição da nossa história".
Verdade que diversos políticos abandonaram o PT. Pelo menos 20% dos cerca de 630 prefeitos eleitos pela sigla em 2012 procuraram outro abrigo.
Além disso, muitos petistas concorrendo à reeleição certamente serão rechaçados pela população. Contra eles pesarão não só o envolvimento da legenda em reiterados escândalos de corrupção mas também o péssimo desempenho da economia, sempre um fator relevante nas corridas municipais.
Dada a enorme estrutura que montou enquanto ocupou o governo federal, dificilmente o PT deixará de se sair melhor do que nos anos 1990, quando mal passava de cem prefeituras no país.
Por medo do desastre eleitoral, o PT voltará a ceder à "realpolitik". Numa demonstração de que aprendeu pouco nos últimos tempos, o partido sinaliza com um pacto para superar a crise. "As investigações têm que continuar, mas é importante estabelecer um prazo para restabelecer a estabilidade política", disse Edinho Silva.
A Lava Jato continuará até o fim, sem prazo para acabar, e os eleitores jamais perdoarão quem pretender encerrá-la antes da hora —com ou sem mea-culpa.


A entrevista de Aldo

A autoridade do eleitor é a única solução, diz Aldo Rebelo - ValorA entrevista foi feita por telefone. Iniciada quando Aldo atravessava João Pinheiro (MG), a conversa se concluiu na manhã de sábado com o ex-ministro já instalado no seu sítio em Viçosa. A seguir, os principais trechos:
Valor: O PCdoB assumiu a defesa da tese do plebiscito num momento em que o principal nome do partido é acusado de participar de um esquema de propina na Lava-jato. Uma coisa não atrapalha a outra?Aldo Rebelo: Já me pronunciei sobre essa calúnia. É um absurdo completo. Só posso atribuir a acusação ao ressentimento do ex-deputado de ter sido cassado quando eu presidia a Câmara. Como é que se diz que alguém está envolvido em alguma coisa e não aponta uma evidência sequer? Quando alguém recebe uma propina é porque alguém pagou. Qualquer acusação que atinja o patrimônio moral de uma pessoa causa algum tipo de dano, mas não há nada que ele possa constituir como prova ou evidência disso.
Valor: O custo político de um plebiscito ainda não é muito alto para ser pago pelo país?Aldo: O plebiscito não é uma bandeira, é uma plataforma. A proposta do plebiscito tem o objetivo de resgatar os dois elementos decisivos para a governabilidade, que são a legalidade e legitimidade. A legalidade do atual governo está viciada pela ausência de um crime de responsabilidade que justifique o afastamento da presidente. E a legitimidade está afastada no momento em que o governo não obteve nas urnas a autoridade para governar. Diante disso a autoridade original que é o voto do eleitor constitui a única solução não só possível como duradoura.
Valor: Mas o plebiscito não pressupõe o retorno de uma presidente afastada que enfrenta um repúdio generalizado das lideranças políticas?Aldo: O retorno dela estaria protegido pelo compromisso da convocação de um plebiscito sobre a convocação de novas eleições.
Valor: Dá para confiar num compromisso como esse?Aldo: Caímos no terreno da subjetividade. Temos que confiar na justeza das suas convicções.
Valor: Novas eleições sem cassação da chapa inteira pelo TSE implica na aprovação de uma proposta de emenda constitucional. Não é inviável isso?Aldo: Estamos discutindo o conteúdo de uma plataforma. Os detalhes de uma saída institucional ficam por conta da criatividade da política. O problema é que vai criar a solução. A ideia do plebiscito ou de outra alternativa vai nascer menos da articulação política que do mal estar que toma conta do país em função do antagonismo das forças representadas por Dilma e Temer.
Valor: Com que apoio essa proposta conta hoje?Aldo: O apoio é aquele derivado da busca de uma solução que pacifique o país e que torne um lenitivo para o drama e para os conflitos que enfrentamos atualmente, de natureza ideológica e política, de legalidade e legitimidade.
Valor: Com que partidos o senhor já conversou?Aldo: Em todos os partidos, se este debate não é conclusivo, já foi iniciado.
Valor: Inclusive no PMDB?Aldo: Sim.
Valor: O senhor já discutiu o plebiscito com o presidente do Senado, Renan Calheiros?Aldo: Não quero nomear pessoas, mas o debate do plebiscito como solução para o atual conflito, de legalidade e legitimidade, é muito mais produto da necessidade do que de uma elaboração ou de uma força política.
Valor: Que interesse pode ter a população numa proposta que retardará a definição de rumos para o país?Aldo: O interesse numa saída que devolva ao país a expectativa de um governo que reúna legalidade e legitimidade. Em vários momentos de nossa história esse conflito surgiu. No Fico [de dom Pedro I], na abdicação de dom Pedro I, do golpe da maioridade, na República, em 1930 e em 61, na aprovação do parlamentarismo. Em todos esses momentos você tinha um dos polos da governabilidade fragilizado, o da legalidade ou da legitimidade.
Valor: Mas nem sempre a saída encontrada trouxe estabilidade, como no parlamentarismo de 1961 que não evitou o golpe de 1964...Aldo: Em 1961 a renúncia de Jânio deu lugar a um governo que era legal, o do Jango, mas para o qual havia um déficit de legitimidade porque ele não havia sido eleito. Era a posse daquele que perdeu a eleição porque Jango era vice do [Henrique Teixeira] Lott, mas tinha tido mais votos que o vice de Jânio (Milton Campos). E a Constituição previa que ele assumisse. Como é que se corrigiu esse déficit de legitimidade? Com o parlamentarismo, uma tentativa de se dar a legitimidade necessária a um presidente cuja chapa havia sido derrotada. Quando o golpe aconteceu o acordo do parlamentarismo já havia sido revogado e a revogação trouxe de volta o conflito.
Valor: Mas em defesa do Temer não se poderá arguir que ele, ao contrário de Jango, era integrante da chapa que venceu as eleições?Aldo: Mas a crise de legitimidade do presente momento se explica por razões quase autoevidentes, a partir do próprio fato de que o governo luta desesperadamente para manter estabilidade, pela renúncia de três ministros em pouco mais de um mês e pelo esgarçamento da governabilidade.
Valor: Mas o governo não teve vitórias importantes no Congresso como a DRU e sinalizou rumo ao controle de gastos?Aldo: Embora tenha sido importante alcançar maioria em votações importantes, as circunstâncias que envolvem a legitimidade deste governo no Congresso não asseguram que este cenário permaneça. O curto circuito no edifício da governabilidade, da coesão social e da unidade nacional faz com que seja necessário contemplar algo inusitado como a consulta fora do calendário eleitoral.
Valor: Mas um novo governo teria que trabalhar com este Congresso, isso não mina a governabilidade de qualquer um?Aldo: Um novo governo daria ao eixo do Executivo uma âncora importante para a estabilidade. Os fatores que reduzem o coeficiente de legalidade e legitimidade do Executivo têm uma causa muito clara que é o afastamento da presidente e a ascensão do vice. É preciso encontrar na Câmara e no Senado os personagens que conduzirão este debate.
Valor: A inclusão do PCdoB e de outros nomes interessados numa antecipação eleitoral, como o Rede, de Marina Silva, no rol de denúncias não corre o risco de contaminar o plebiscito como uma saída para a Lava-Jato que o governo Temer não conseguiu oferecer?Aldo: A Lava-Jato é tema de outro poder, é do Judiciário. Não há como Executivo ou Legislativo se manifestarem sobre a condução da Lava-Jato. O que cada um pode fazer são as considerações do ponto de vista politico, mas a operação está na esfera de outro poder.
Valor: Mas o Legislativo tem manifestado inconformidade com temas como a delação premiada, por exemplo, e discute mudança. o senhor é a favor?Aldo: O Congresso sempre vai atualizar a legislação de combate à corrupção preservando o que há de virtuoso e coibindo ou modificando aquilo que se constituiu em deformidade. Isso é um trabalho do Congresso. A legislação tem que contemplar dois princípios fundamentais do Estado de Direito, a punição dos delitos e a garantia dos direitos individuais.
Valor: A Lava-Jato vai reduzir a corrupção na política brasileira?Aldo: A corrupção é uma manifestação da morbidez que atinge a política e que deve ser combatida para que não comprometa as elevadas decisões que a política tem que adotar. Os responsáveis por ela tanto na agenda pública quanto os agentes do mercado devem ser condenados.
Valor: Uma campanha plebiscitária nesse momento não imporia um custo muito alto à economia do país?Aldo: O impasse econômico dificilmente encontrará uma solução satisfatória enquanto o governo carecer de plena legalidade e de inconteste legitimidade, além da força e da autoridade conferida pela população. O impasse da nossa economia talvez seja mais profundo que as disfunções de nosso sistema político-eleitoral. Esse debate hoje torna-se mais difícil porque os atores que têm a possibilidade de nele intervir estão com dificuldade para agir. Há um problema importante a ser enfrentado na Previdência? Sim, claro, mas esta resposta só um governo com a força das urnas pode dar.
Valor: O senhor acha que a esquerda custa a aceitar teses já pacificadas no resto do mundo em relação à Previdência?Aldo: Já passou da hora de a esquerda aceitar a discussão da idade mínima e da convergência de regras para homens e mulheres na Previdência. A agenda da esquerda não pode se limitar ao multiculturalismo. Todo esse debate só pode ser enfrentado de forma eficiente por um governo que receba o verniz do voto. A dificuldade de hoje torna impossível que se alcance uma reforma. No governo Lula muito do que foi aprovado na Previdência contou com a chancela de uma parte importante da oposição.
Valor: Plebiscito junto com uma eleição municipal não mistura demais os canais?Aldo: Se nos prendermos à forma vamos perder de vista o conteúdo. A forma vai ficar mais clara quando o conteúdo for exaltado como uma necessidade. Quando houver forca política, social, econômica, empresarial, intelectual, quando houver força suficiente para isso a forma vai ganhar contornos. Não estou preocupado com a forma, estou preocupado com o convencimento e com a busca de solução. A essência da solução não é posta na alçada daquele que propõe mas naquele que executa, que é a população.
Valor: O fato de as denúncias da Lava-Jato varrerem todo o espectro político não compromete a legitimidade dos atores que buscam essa solução?Aldo: Acusação, responsabilidade e culpa são categorias diferentes. Acusação é uma categoria que antecede a culpa e a condenação. Não acho correto nos anteciparmos às decisões do Poder Judiciário.
Valor: Com quem o senhor já conversou sobre o plebiscito?Aldo: Conversamos pouco e de forma esparsa. É preciso que as próprias lideranças e partidos percebam a proposta para refletir sobre ela sem a pressão das discussões.
Valor: O fato de os partidos estarem todos contaminados pela Lava-Jato não os levam a se desinteressar por uma eleição que exigirá candidatos acima de quaisquer suspeitas?Aldo: Naturalmente aparecerão nos partidos lideranças que se digam em condições de enfrentar o desafio.
Valor: O fato de o senhor ter relações muito antigas com o presidente do Senado não levará a se concluir que Renan é parte dessa discussão?Aldo: Temos relações pessoais antigas, mas pertencemos a partidos diferentes que se movem por critérios partidários distintos. Não sei qual a posição do presidente do Senado, mas acho que ela precisa também independer dele para ser debatida no partido e no Congresso.
Valor: Quando o senhor ficou convencido da tese do plebiscito?Aldo: Essas decisões não nascem solitariamente, vão amadurecendo aos poucos. É preciso consultar a história, em busca do protagonismo em momentos cruciais da vida das nações. Quando [o poeta alemão] Goethe encontrou Napoleão, perguntou-lhe o que diferenciava a tragédia como destino na antiguidade e naquele momento. Ouviu de Napoleão que na antiguidade a tragédia era marcada pela renúncia dos homens ao seu destino, que estava nas mãos dos deuses. Com a política, o homem subtraiu dos deuses a previsão do destino. A política passou a ser fonte do destino e da tragédia. Ou a política se apropria do destino do país, ou a sociedade ficará à mercê dos deuses, de corporações ainda imaturas.
Valor: De que corporações o senhor está falando, do Judiciário?Aldo: Alguns poderiam sugerir o Judiciário, outros a mídia, outros ainda as empresas, que buscam protagonismo sobre o destino e a tragédia. Cada um se julga legítimo nesse papel. Mas só aquela que busca no voto a legitimidade do povo, essa unção, tem a capacidade de assumir sem uma contestação muito forte esse protagonismo. Não vejo outro poder que não o da política, com todos os seus vícios e virtudes, que são reflexo da própria sociedade. Isso serve para Napoleão e serve para o século XXI. Fora da política é difícil encontrar quem possa conciliar os antagonismos da sociedade.
Valor: Que setores da sociedade o senhor acha que devem ter maior protagonismo e maior resistência ao plebiscito?Aldo: Independente de quem tenha maior receptividade a esta proposta, não se deve excluir ninguém. O Brasil só vai ter solução se recompuser a coesão em torno de seus desafios. O país dividido, misturado na desconfiança de seus setores médios da sociedade não encontra energia para enfrentar seus desafios. O país não será capaz de encontrar essa energia no fosso que separa o povo e sua elite, uma elite que nos deu [José] Bonifácio e [Roberto] Simonsen. Ou o país busca uma unidade ou vai se exaurir em confrontos. Não tem solução para o Brasil sem englobar povo, classe média e elite. Qualquer solução excludente imobiliza.
Valor: Isso exigirá um mea culpa do PT pela campanha de 2014?Aldo: Não estamos num filme de faroeste, em que o vilão morre no fim e o mocinho triunfa. Não adianta achar que a culpa é do outro ou é de um partido. Não adianta sufocar um partido ou colocar o outro no altar. Nominar as responsabilidades não é um bom início para um debate que busca a coesão social e a união política.
Valor: O primeiro obstáculo ao plebiscito é a votação no Senado. O governo não tem trabalhado para ampliar o placar?Aldo: O governo pode ter dificuldade de assegurar os votos no Senado porque é difícil contemplar três senadores por Estado. No máximo, consegue levar dois, o que pode tornar o placar dos dois terços muito justo.
Valor: Alguém, de fato, trabalha com a hipótese de devolver o governo a Dilma Rousseff?Aldo: A necessidade traz a solução como a noite carrega a madrugada. Ninguém se sente confortável num país em que as pessoas se xingam nas redes sociais, nos restaurantes, no meio da rua. O que leva à exasperação? Podemos conviver com a competição política sem barbárie.
Valor: Esse veto ao financiamento privado nas eleições vai durar?Aldo: Minha impressão é que vai ter muito escândalo. Não se muda do dia para noite. Agora campanha pagando R$ 5 milhões a um advogado eleitoral ou R$ 80 milhões para marqueteiro isso não vai mais existir. Só uma celebridade faz tanto dinheiro. Marqueteiro não é Beyoncé.

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