segunda-feira, 28 de outubro de 2024

Boulos e a dignidade da esquerda brasileira

A eleição em São Paulo foi muito dura.

E a pessoa que mais pode falar a respeito é, sem dúvida, nosso candidato, o companheiro Boulos.

Dada a importância da cidade na política brasileira, será preciso fazer um balanço muito profundo acerca do que ocorreu.

Entre outras questões, cabe responder se é verdade; e, sendo, quais os motivos do que segue abaixo:

-votação de Bruno Covas em 2020: 59,38% dos votos válidos

-votação de Ricardo Nunes em 2024: 59,35% dos votos válidos

-votação de Boulos em 2020: 40,62 % dos votos válidos

-votação de Boulos em 2024: 40,65% dos votos válidos

Com o PT na campanha desde o início, com uma quantia expressiva de recursos financeiros, com Marta na vice e Lula presidente, por quais motivos os resultados foram esses, estatisticamente parecidos com os de 2020?

Posteriormente voltaremos a essas e a outras questões (inclusive a entrevista de emprego com Marçal).

Mas há algo que deve ser dito hoje, referente a um trecho do discurso feito por Boulos na noite de ontem, após o anúncio dos resultados.

Sei que no calor da hora se fala muita besteira retórica.

Mas dizer que "essa campanha recuperou a dignidade da esquerda brasileira" não é qualquer besteira.

Não sei o quê ou em quem Boulos pensou, ao falar isso.

Mas só se recupera o que foi perdido. 

Se alguém perdeu e agora achou, fale por si. 

Não fale pela esquerda brasileira, que é muito grande, tem muitos defeitos e problemas, mas não merece ouvir isso de ninguém.

Nem fale pelo PT.

Teria outras coisas para falar a respeito, mas como esse texto é público, só peço ao Boulos o seguinte: nos inclua fora dessa.



Dois turnos de 2024: pontos para um balanço

A eleição no primeiro turno ocorreu em 5569 municípios.

Portanto, há 5.569 balanços municipais a serem feitos.

Ou, no caso do PT, 3.550 balanços, que é o número total de municípios onde (segundo o Grupo de Trabalho Eleitoral do partido) lançamos candidaturas.

Também é necessário fazer 26 balanços estaduais (no Distrito Federal não acontecem eleições municipais).

Mas, para além dos balanços municipais e estaduais, há um balanço nacional a ser feito.

Sobre este, algumas opiniões preliminares.

Primeiro: as direitas

Os partidos que vão do centro à direita receberam mais votos, conquistaram maior número de prefeituras e maior número de vereanças. Isso aconteceu no primeiro turno e se repetiu no segundo turno.

Os números (aproximados) no primeiro turno foram os seguintes:  

*91 milhões de votos em candidaturas do centro à direita, 22 milhões de votos para candidaturas do centro à esquerda;

*4726 prefeituras conquistadas por candidaturas do centro à direita, 740 prefeituras conquistadas por candidaturas do centro à esquerda;

*48.106 mandatos de vereança conquistados por candidaturas do centro à direita, 10.308 mandatos conquistados por candidaturas do centro à esquerda.

No segundo turno, os números (aproximados) foram os seguintes:

*17 milhões de votos em candidaturas do centro à direita, quase 5 milhões de votos em candidaturas do centro à esquerda;

*45 prefeituras conquistadas por candidaturas do centro à direita, 6 prefeituras conquistadas por candidaturas do centro à esquerda.

Por quais motivos os partidos do centro à direita venceram? 

Entre estes motivos, há que considerar a força acumulada, dinheiro, mídia, crime, influência dos aparatos, legislação eleitoral que os favorece, emendas parlamentares, uso da máquina, linha política etc. 

Mas há, também, o que nós da esquerda fizemos ou deixamos de fazer.

Segundo: os nem nem

Tanto no primeiro quanto no segundo turno, houve um imenso número de pessoas que não compareceram para votar; ou compareceram, mas votaram branco ou nulo. 

Estamos falando de mais de 40 milhões de brasileiros e brasileiras.

Há quem compreenda este fenômeno como uma demonstração do “fracasso” da democracia, outros como uma manifestação antisistêmica de parte da população, outros ainda como uma confirmação da natureza burguesa do nosso sistema política. 

Qualquer que seja a avaliação, trata-se de um fenômeno que merece ser analisado em detalhe, para informar medidas que precisam ser tomadas com urgência.

Terceiro: o desempenho das esquerdas

Desde 1982 até 2024, já tivemos 12 processos eleitorais municipais. 

Em todos estes processos, os partidos do centro à direita tiveram mais votos, conquistaram mais prefeituras e vereanças. Portanto, o que ocorreu em 2024 não foi um ponto fora da curva.

Entretanto, em eleições anteriores, o desempenho das esquerdas em geral e do PT em particular foi relativamente melhor do que o de 2024. 

Melhor significa: tivemos um percentual maior de votos válidos, conquistamos um número maior de prefeituras e vereanças, conseguimos uma distribuição mais equilibrada dessas prefeituras pelo território nacional, alcançamos vitórias em maior número de cidades estratégicas.

Tudo relativamente, ou seja, relativamente aos nossos inimigos e relativamente ao nosso próprio desempenho.

Vejamos o caso específico do PT, que é o Partido que possui o melhor desempenho nas esquerdas.

Se compararmos o desempenho de 2024 (metade do governo Lula 3) com o desempenho de 2004 (metade do governo Lula 1), 2008 (metade do governo Lula 2), 2012 (metade do governo Dilma 1) e 2016 (depois do golpe), o resultado para prefeituras é o seguinte:

2004 409

2008 558

2012 635

2016 256

2020 183

2024 252

Portanto, observando a curva, voltamos agora a números absolutos parecidos com os que tivemos em 2016. E superiores aos de 2020. Mas inferiores aos dos anos anteriores.

Se compararmos 2024 com 2020 (metade do governo Lula 3 com metade do governo cavernícola), o desempenho foi melhor: de 183 para 252, 69 cidades a mais.

Mas quando levamos em consideração o porte das cidades, a coisa muda de figura.

Nas cidades com mais de 100 mil eleitores, caímos de 9 para 8 prefeitos/as. A grande novidade é que agora temos uma capital.

Nas cidades com 50 a 100 mil eleitores, crescemos de 7 para 15 prefeitos/as.

Nas cidades que tem entre 20 à 50 mil eleitores, crescemos de 20 para 41 prefeitos/as.

E nas cidades com menos de 20 mil eleitores, crescemos de 147 para 188 prefeitos/as.

Ou seja, este ano elegemos 69 cidades a mais, mas a maior parte disto (41) foi em cidades de pequeno porte.

Além disso, é bom lembrar que - quando a eleição começou - o PT governava não 183 cidades, mas sim 265 cidades. Isto porque prefeitos eleitos por outros partidos, resolveram filiar-se ao PT depois da vitória de Lula. 

Portanto, a rigor, caímos de 265 para 252. 

Além disso, a distribuição das prefeituras eleitas por estado revela uma concentração brutal: 202 das 252 estão concentradas em cinco estados. Bahia e Piauí com 50 cada, Ceará com 47, Minas Gerais com 35 e Rio Grande do Sul com 20. 

Vale destacar que apenas em dois estados (Bahia e Piauí), o número atual de prefeituras é o maior já obtido. Nos outros três (Minas, Rio Grande e Ceará), o PT já governou, no passado, um número maior de cidades.

Vale destacar que houve um crescimento importante foi o número de pessoas governados por administradores petistas.  Em 2020 governávamos 4,4 milhões de pessoas, agora vamos passar a governar 7,6 milhões de pessoas (lembrando que Fortaleza sozinha tem 2,4 milhões). Um crescimento de 73% em termos da população governada. 

Mas este crescimento precisa ser considerado relativamente: o PL governava 6,6 milhões em 2020 e agora passou a governar 19 milhões, um crescimento de 189%. O PSD e o Republicanos também tiveram um crescimento expressivo em termos proporcionais.

Ademais, quando comparamos o PT consigo mesmo, o resultado é o seguinte: o PT governava 19,9 milhões em 2008, 27 milhões em 2012, 4,3 milhões em 2016, 4,4 milhões em 2020 e agora vamos governar 7,6 milhões.

Por esses e por outros motivos, quando analisamos do ponto de vista nacional, o resultado para as esquerdas em geral e para o PT em particular não deve ser apresentado como uma vitória eleitoral. 

Claro que há derrotas eleitorais que são vitórias políticas. Aliás, o fato de termos obtido alguns resultados mais positivos do que os de 2020, o fato de termos vencido ou de termos tido grande crescimento em algumas cidades, tudo isto demonstra que o resultado nacional poderia ter sido outro. 

Mas, quando olhamos o resultado nacional de conjunto, não é correto falar nem de vitória eleitoral, nem de vitória política. Vitórias políticas, com ou sem vitória eleitoral, foram obtidas em um número importante de cidades. Mas no conjunto do país, o resultado foi outro.

Quarto: o impacto no governo

Tendo em vista que o governo Lula inclui partidos do centro à direita e do centro à esquerda, há quem diga que a oposição cavernícola ao governo Lula foi derrotada. 

E há quem vá além disso.

É o caso de Paulo Teixeira, titular do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar. Segundo Teixeira, “quem ganhou as eleições no Brasil foi a base do presidente Lula”.

A frase é meio capciosa: não foi Lula quem ganhou, nem foi o partido de Lula quem ganhou, foi “a base”. E como a “base” é composta por vários partidos do centro à direita, como o MDB e o PSD, é possível dizer que a “base” ganhou.

Mas há três problemas nessa análise.

Primeiro, minimizar a força da extrema-direita. O PL, por exemplo, foi o partido mais votado e com melhor desempenho nas cidades com mais de 200 mil eleitores.

Segundo, desconsiderar que muitas vitórias da base foram obtidas contra a esquerda, sem defender o governo e muitas vezes em aliança com a extrema-direita.

Terceiro e principalmente, esquecer que não foi toda a base do governo que cresceu. Quem cresceu foi a parte da base que vai do centro para a direita. 

O que isto vai significar, na condução do governo e nas eleições de 2026, ainda está por ser definido. Mas há crescentes motivos de preocupação para quem é de esquerda.

Quinto: para além das eleições

Para além das questões citadas anteriormente, há inúmeras que merecem análise detalhada.  A respeito, cito a seguir trechos de um texto divulgado no dia 9 de outubro de 2024.

A eleição demonstrou, mais uma vez, que temos três graves problemas: em primeiro lugar, um déficit de compreensão acerca da realidade brasileira, das classes e da luta de classes neste momento da história do Brasil, em particular a análise sobre a influência da extrema-direita sobre os setores populares; em segundo lugar, uma reduzida presença cotidiana junto à classe trabalhadora, o que explica parte da dificuldade que enfrentamos nas campanhas eleitorais; em terceiro lugar, uma orientação estratégica equivocada, que não dá conta dos tempos de guerra em que vivemos. O PED de 2025 será útil se, além de substituir quem precisa ser substituído, também ajudar o Partido a perceber e começar a corrigir estes problemas.



Tem gente (no PT e no governo) que vive no metaverso

Domingo 27/10 de noite, repostaram no grupo de zap do Diretório Nacional do PT o seguinte texto:


Imediatamente enviei, no mesmo grupo de zap, a seguinte mensagem:

“Pessoal Teremos tempo para fazer um balanço. Mas este tipo de título não corresponde à realidade: “PT consolida crescimento com vitórias em Fortaleza, Camaçari, Mauá e Pelotas”.
O segundo turno não alterou o resultado político global do primeiro turno. Tivemos uma vitória das direitas. Cabe analisar qual a força de cada setor da direita, mas de conjunto as direitas tiveram uma vitória. Podemos ponderar o efeito disto sobre o governo. Mas não vejo como falar em “consolida crescimento” no caso do PT. Tivemos uma derrota eleitoral das esquerdas em geral e do PT em particular. Por exemplo: das 15 cidades em que PT e PSOL estavam no 2° turno, ganhamos em quatro, a saber, Fortaleza (única capital que teremos), Camaçari, Mauá e Pelotas. Óbvio que tivemos vitórias eleitorais e políticas, inclusive onde não ganhamos a eleição. Mas falar em “consolida o crescimento” não corresponde aos fatos”. 

Segunda, 28/10, a matéria continua lá.

Donde concluo que existe gente - na direção do Partdo e na cúpula do governo - que vive num metaverso. É o caso de quem escreveu este balanço.

O sentimento na maior parte da base do Partido não é de vitória.  Precisamos de um balanço de verdade, não de discursos de autocongratulação sem base na realidade. 

Esse é o mínimo que a direção deve  à militância que, no primeiro e no segundo turno, fez de tudo para que o resultado fosse melhor.

sábado, 26 de outubro de 2024

Papo com um conhecido

Natal, Rio Grande do Norte, segundo turno de 2024, noite de sábado, restaurante de um hotel, local e horário improvável para encontrar um cidadão que não via desde o final dos anos 1970.

A conversa foi rápida, mas merece registro. Depois das preliminares e das eleicionices, perguntei se a bucket list dele continuava a mesma.

Ele respondeu que sim. Desde a última vez que nos vimos, sua lista de desejos seguia a mesma, modestíssima, com apenas três itens: "o partido", "a revolução" e "o socialismo".

Trata-se de uma "piada interna" de alguns dos que fizemos movimento secundarista no final dos anos 1970, início dos anos 1980: a lista de coisas para as quais queríamos contribuir, antes de partir.

No caso dele, ajudar a organizar o partido, participar da revolução e contribuir na construção do socialismo.

Só isso, simples assim.

Pode soar meio estranho, mas ao menos para parte dos que vivemos naquela época, o socialismo não era visto apenas como um horizonte que nos ajudava a caminhar, mas que se distanciava de nós na mesma medida em que caminhávamos na direção a ele.

Para nós, naquela década de imensa mobilização social, o socialismo era algo bem palpável, que muitos de nós acreditávamos que poderia ser alcançado no tempo de nossas vidas. E como acreditávamos nisso, agíamos em conformidade.

O mesmo vale para a revolução. O Vietnã tinha triunfado há pouco tempo. Havia guerrilhas em vários países da região. Nicarágua e Irã, tão diferentes, viraram seus mundos de ponta cabeça em 1979. As lutas sociais eram crescentes. Embora todo mundo percebesse que estavam se abrindo espaços crescentes na chamada institucionalidade, para alguns de nós isso não tirava a revolução do horizonte. Pelo contrário, nesse caso falávamos de trilhar um caminho chileno com final feliz.

Hoje isso mudou tanto, que se alguém da esquerda brasileira colocar a "revolução" e o "socialismo" na sua bucket list, corre o risco de ser tratado como candidato à Academia de Letras.

Sendo assim as coisas, achei melhor desviar a conversa para algo mais palpável: o partido.

Mesmo me sentindo um pouco como quem pergunta "como vai a esposa", correndo o risco de ouvir "qual delas", perguntei ao cidadão como ia "seu partido". Ele respondeu que depois de uma breve militância numa organização da qual fora expulso, entrou num partido no qual seguia militando até hoje.

Não sei o que mais me surpreendeu: se a monogamia ou se o partido citado. Afinal, até onde eu sabia, não se tratava do partido mais socialista e mais revolucionário existente na praça.

Para minha surpresa, ele concordou com minhas ressalvas. E contou rapidamente três ou quatro histórias, daquelas de deixar careca de cabelo em pé, acerca das internas do partido onde ele era não apenas militante, mas inclusive dirigente.

Como não uso hábito para ouvir tanta confissão e ser compreensivo, tasquei a pergunta: mas que merda você está fazendo neste lugar? 

Ele adotou uma expressão facial que me recordou nossos tempos de movimento secundarista e disse que, primeiro, deixar de militar não era uma opção, pois isso seria militar para o inimigo; e que dentre as opções disponíveis, apesar de tudo, a dele tinha mais qualidades e menos defeitos do que as alternativas disponíveis.

Conheço de cor e salteado estes argumentos; assim, mesmo sem ter a certeza do cidadão, comecei a mudar de assunto, quando ele me interrompeu e adicionou algo que é o motivo pelo qual achei que valia a pena registrar esta conversa.

O aditivo foi mais ou menos o seguinte: somos de um tempo em que a gente entrava ou saia de um partido por razões muito nobres. Podia ser a concepção de socialismo, podia ser o programa, podia ser a estratégia, podia ser a concepção organizativa, podia ser a linha de massas, podiam ser até os pressupostos teóricos. Mas nunca, nunca, era o coeficiente eleitoral ou qualquer coisa parecida com isto.

Trocamos mais algumas palavras, mas de despedida. Ele tinha vindo a trabalho, estava indo embora, queria chegar a tempo de votar na sua cidade. Me pareceu fisicamente meio acabado, roupa amarfanhada, meio triste. Mas quando ele entrou no táxi, se despediu sorrindo e mostrando a mão com o punho cerrado. Foi quase um déjà vu: tive a impressão de estar vendo o mesmo cara com quem convivi no movimento secundarista.

É pouco provável que ele viva o suficiente para ver todos seus desejos serem atendidos. Mas sem a persistência e resiliência de centenas de milhares de pessoas como ele, aqueles e outros objetivos nunca virarão realidade. No futuro alguém poderá dizer se isto foi ou não verdade.

 


 




Venezuela: tirem as crianças e a política da sala

Não bastasse a realidade, que já é dura...

Não bastassem as divergências, que já são enormes...

Ainda temos que lidar com os adeptos da teoria da conspiração.

Estes tipos abundam na direita.

Mas há exemplares também na esquerda.

Um deles é o procurador-geral do Ministério Público da Venezuela.

A mais recente deste cidadão viralizou nos meios brasileiros, como se pode ver aqui: CNN Política | ACUSAÇÃO SEM EVIDÊNCIAS Neste sábado (26), o procurador-geral do Ministério Público da Venezuela acusou - sem apresentar evidências - o... | Instagram

Sabendo que contra certos argumentos não há fatos, me limito a dizer o seguinte: Lula se feriu, o ferimento foi grave e ele não pode viajar para participar da cúpula dos BRICS.

A ausência de Lula causou prejuízos para o Brasil, que teria podido ter maior protagonismo na reunião de Kazan. 

Além disso, a ausência de Lula pode ter contribuído para o incorreto tratamento dado à Venezuela.

Afinal, mesmo sabendo que em última instância foi dele a orientação de vetar a presença da Venezuela, acho possível que - tendo em vista o que sei acerca do motivo do veto -, se Lula estivesse fisicamente presente, poderia ter dado outro encaminhamento para a questão.

Neste sentido, é duplamente lamentável que Lula não tenha podido estar na cúpula dos BRICS.

E é totalmente errada - do ponto de vista de quem defende a integração regional - a posição adotada pelo Brasil sobre a Venezuela. Adotada não apenas por Sabóia-o-sherpa, não apenas por Celso Amorim, não apenas pelo Itamaraty, mas pelo governo brasileiro.

Isto posto, acreditar que Lula forjaria um acidente para faltar em Kazan, mesmo tendo como efeito colateral sua ausência na reta final das campanhas eleitorais no Brasil, é transferir o debate da política para o plano do teatro bizarro.

Entendo que alguns setores da Venezuela, ao analisar o ocorrido, apelem para o alívio cômico. A situação está tão ruim, que é necessário fazer piada com a própria desgraça (tipo o cara estar caindo de um prédio e dizendo, ao passar voando pelo sexto andar, "até aqui, tudo bem").

Mas difundir teorias conspiratórias nos conduz a abandonar o debate político, com suas pressões, opções e inflexões.

O problema real é o seguinte: na maioria dos países latinoamericanos e caribenhos onde a esquerda governa, estamos passando por grandes problemas. 

No Brasil, a situação é conhecida. 

Na Venezuela, além das sanções do império, a oposição chegou bem perto de ganhar. 

Em Cuba, o cerco do império, somado à outras variáveis, está criando situações cada vez mais terríveis. 

O cerco também está presente na Nicarágua, servindo de argumento para uma situação em que o "extraordinário se torna cotidiano", mas não no sentido utilizado por Che. 

Na Bolívia, aprofunda-se o conflito entre os diferentes setores da esquerda. 

Na Colômbia, o presidente tem falado publicamente que há um golpe em marcha. 

No Chile, apesar de todas as ginuflexões do atual presidente, tudo indica que a direita vai ganhar as próximas eleições.

Em Honduras, a pressão é crescente.

À exceção do México (e, esperamos, de outros países que venhamos a conquistar, como o Uruguai, onde teremos eleições neste domingo 27 de outubro), o quadro onde somos governo na América Latina e Caribe é muito difícil.

E, para complicar o que já é difícil, as relações entre os governos de esquerda e progressistas da região não estão, ao menos até aqui, contribuindo para melhorar a situação.

Sendo assim as coisas, quem quiser ajudar a resolver o problema, tem que começar enfrentando a questão com a seriedade que merece. 

O estilo Tarek William Saab é, deste ponto de vista, um completo desserviço. Adotado, melhor tirar as crianças da sala. E pedir que elas levem junto a política.






 

sexta-feira, 25 de outubro de 2024

Celso Amorim e a “confiança quebrada”

Segundo Celso Amorim explicou, em entrevista ao Globo, o veto à entrada da Venezuela “não se trata de democracia, mas de confiança que foi quebrada”.


“Confiança quebrada”!

Semprei achei o oficio diplomático algo muito difícil. Mas para quem adota a “confiança” como critério, deve ser duríssimo. 

Uma verdadeira montanha russa emocional.

Afinal, a esmagadora maioria dos Estados tem o hábito de colocar seus interesses acima de quaisquer outras considerações, inclusive das solenes declarações feitas na noite anterior.

Os Estados Unidos, por exemplo, vivem decepcionando quem tem “confiança” nas promessas deles. Vide o caso das negociações do Brasil com o Irã, a pedido de Obama.

Aliás, pergunta: o Brasil “confia” em cada um dos integrantes do BRICS? A Venezuela seria mesmo um ponto fora da curva?

Seja como for, o que um Estado deve fazer quando há uma “confiança que foi quebrada”?

Fazer uma “DR” e recomeçar outra vez?

“Dar um gelo”? Retaliar? Mostrar quem manda? Romper relações? 

Mudar de continente (e de vizinhos)?

Ao colocar o problema nesses termos - “confiança quebrada” - somos levados a abordar uma questão de Estado de um ponto de vista muito louvável nas relações pessoais, mas pouco apropriado, digamos assim, à selva da política, especialmente, mas não só, da politica internacional.

Reconheço, entretanto, que a teoria da “confiança quebrada” ajuda a entender os acontecimentos dos últimos dias. Pois o fato de uma teoria ser errada, não impede que as pessoas acreditem e se orientem por elas.

Entretanto, mesmo deste ponto de vista, nossas relações com a Venezuela não começaram ontem. Assim, se é para falar de “confiança”, é bom lembrar de tudo que aconteceu em nossas relações bilaterais, especialmente desde 2016.

Quando se faz isso, é impossível desconhecer que, se existiu “quebra de confiança”, não foi unilateral.



Reginaldo Lopes e Venezuela: subindo de classe

Que a grande imprensa fale besteira, faz parte.

Que alguns petistas repitam estas besteiras, também faz parte.

Exemplo: a opinião do deputado Reginaldo Lopes sobre a posição do governo brasileiro em Kazan.

Tal opinião pode ser lida aqui:


Segundo o deputado, o Brasil seria uma espécie de professor que dá notas para os países da região. “Não fez o dever de casa, não sobe de classe”.

O Brasil, nos governos Lula e Dilma, sempre recusou tal postura de “agência certificadora”. Entre outros motivos porque seria impossível competir com os EUA no quesito arrogância & prepotência.

Além de querer copiar a sutileza dos gringos, o deputado parece querer copiar também a ignorância.

Afinal, qualquer pessoa bem informada sabe que vários integrantes dos BRICS não correspondem (ainda bem!)  ao “standard USA de democracia”. 

É o caso, entre outros, de Cuba, cuja inclusão na “lista de pretendentes a participar dos BRICS” foi corretamente apoiada pelo Brasil. 

Portanto, qualquer que tenha sido o critério do governo brasileiro para vetar a inclusão da Venezuela, falar que o “recado” teria relação com a “democracia” é, na melhor das hipóteses, lacração demagógica.

Sobre o papel da “democracia” nas razões do veto brasileiro, recomendo ler o que diz Celso Amorim na entrevista abaixo:

Segundo Amorim, “a questão com a Venezuela [no Brics] não tem a ver com democracia”.

Moral da história: Reginaldo não sabe do que está falando. Mas sabe muito bem porque está falando. 

Seu objetivo é “subir de classe”. 

Nesse quesito, reconheço que ele está indo muito bem.