quarta-feira, 6 de novembro de 2024

Trump venceu. E agora, José, para onde?

Se não houver nenhuma surpresa, no dia 20 de janeiro de 2025 Trump voltará a presidir os Estados Unidos.

Detalhe: o candidato do Partido Republicano conseguiu maioria de votos no Colégio Eleitoral e, também, conseguiu maioria entre os eleitores.

O que explica este resultado?

O que mudará na política externa e interna dos Estados Unidos?

O que farão aqueles que equipararam Trump, não apenas com o fascismo, mas também com o nazismo?

O que devemos fazer nós, na América Latina e Caribe, especialmente no Brasil?

Nas próximas horas, dias e semanas, muita gente vai queimar os neurônios tentando responder estas e outras questões.

A seguir, algumas opiniões.

Primeiro: fenômenos complexos geralmente não têm uma única causa. 

Mas tudo indica que a vitória de Trump, inclusive com maioria de votos populares, está relacionada com a situação econômica dos Estados Unidos.

Alguém poderia dizer: mas os índices econômicos dos EUA são positivos (como os do Brasil, acrescentaria alguém da Fazenda brasileira)!

Sim, isto é verdade. 

Mas, como no Brasil, o julgamento popular não coincide com os índices. 

Além disso, e muito mais importante, o que está em jogo não é apenas a situação econômica no sentido estrito do termo; o que está em jogo é algo mais profundo, a saber, o lugar dos Estados Unidos no mundo.

Tanto Democratas quanto Republicanos querem que os EUA voltem a liderar. 

E, mesmo que por pequena diferença, a maioria do eleitorado estadounidense escolheu a fórmula trumpista para tentar "fazer a América grande outra vez".

O que isto significará na prática?

Em algumas questões, significará mais do mesmo ou uma radicalização do que já está acontecendo.

Noutras questões, teremos novidades. 

A esse respeito, recomendo ler o seguinte artigo: 

https://www.brasildefato.com.br/2024/11/05/kamala-e-trump-sao-extremos-tres-exemplos-mostram-que-nem-tanto

Mas, seja lá o que Trump efetivamente venha a fazer, o impacto político imediato será o envalentonamento da extrema-direita mundo afora e a decorrente polarização.

Um verdadeiro inferno para os que têm medo da polarização.

Mas como a polarização existe, gostemos ou não, temos que nos preparar para vencer.

Para alguns isso exigirá "ir mais para o centro", ou seja, aprofundar as alianças entre a esquerda e a direita gourmet.

Acontece que uma fórmula aparentada com esta foi derrotada nas eleições estadunidenses. 

O "social liberalismo democrático" é incapaz de vencer a extrema-direita. 

Claro, os caminhos alternativos - por exemplo, "ir para a esquerda" - não são nada fáceis.

Mas é o que temos, se não quisermos que se repita aqui o que acabou de acontecer na gringolândia.

Trata-se de tomar medidas mais profundas e velozes para garantir nossa soberania econômica, o que entre outras coisas exige deixar de lado as limitações do Calabouço Fiscal.

Trata-se de tomar medidas urgentes para reconstruir a integração regional, o que entre outras coisas exige voltar a manter boas relações com o governo da Venezuela.

Trata-se de aprofundar as relações com os BRICS, o que entre outras coisas significa estabelecer um acordo de alto nível entre a China e o Brasil, na visita que Xi Jinping fará ao Brasil.

Trata-se, enfim, de voltar a pensar a longo prazo. 

Entre outros motivos porque, sem estratégia, no curto prazo estaremos todos mortos.







 



 

segunda-feira, 4 de novembro de 2024

Balanço das eleições e próximas tarefas

 


A executiva nacional da tendência petista Articulação de Esquerda, reunida no dia 3 de novembro de 2024, aprovou a seguinte resolução de balanço das eleições municipais e nossas próximas tarefas. Esta resolução será submetida a debate na plenária nacional de 22 a 24/11.

1.Em primeiro lugar, reiteramos nossa saudação à toda a militância de esquerda, que defendeu nossas cores, nossa bandeira, nossas propostas e nossa estrela no primeiro e no segundo turno das eleições de 2024. As eleições municipais de 2024 demonstraram, mais uma vez, a necessidade de reconstruir nossa atuação militante junto às lutas cotidianas da classe trabalhadora. É desta atuação militante cotidiana que dependeu, depende e continuará dependendo a vitalidade e o futuro do nosso Partido e da classe trabalhadora brasileira. 

2.Tanto no primeiro quanto no segundo turno, as direitas conseguiram uma vitória em termos de votos válidos, do número de prefeituras e mandatos de vereança, bem como em termos de população governada e controle de cidades estratégicas. Os números e a análise política dos resultados não deixam lugar à dúvida sobre quem venceu na maioria dos 5.569 municípios brasileiros.

3.Orientamos a militância a realizar um balanço completo do processo eleitoral, a começar por cada uma das 3550 cidades em que tivemos candidaturas petistas e em cada um dos 26 estados onde ocorreram eleições. É preciso avaliar o desempenho de cada partido e das Federações, as eleições proporcionais e as eleições majoritárias, a política de alianças, a escolha das candidaturas, a tática de campanha, a comparação entre o desempenho atual e nas eleições passadas, a mobilização militante, a influência dos governos (inclusive dos encabeçados por petistas), o uso e a deformação das pesquisas, o fundo eleitoral, a agenda das lideranças e inclusive do presidente Lula, a influência das emendas parlamentares, da compra de votos, do crime organizado, dos meios de comunicação e das igrejas. 

4.No caso da tendência petista Articulação de Esquerda, o processo de balanço deve ser concluído na plenária nacional que vamos realizar nos dias 22, 23 e 24 de novembro de 2024, em São Paulo capital. Por isto mesmo, é importante que compareça, nessa plenária, a militância que protagonizou as campanhas de 2024.

5.No caso do Partido, o processo de balanço deve ser concluído na reunião que o Diretório Nacional do PT realizará no dia 7 de dezembro de 2024. A tendência petista Articulação de Esquerda apresentará ao Diretório um projeto de resolução.

6.Preliminarmente, apontamos que o desempenho no primeiro turno confirma a necessidade de uma mudança urgente na linha política do Partido e na linha de atuação do governo. Vejamos alguns dados que indicam isso.

Primeiro turno

7.Os números (aproximados) do primeiro turno são os seguintes:  

*91 milhões de votos em candidaturas vindas do centro à direita, 22 milhões de votos para candidaturas vindas do centro à esquerda;

*4726 prefeituras conquistadas por candidaturas vindas do centro à direita, 740 prefeituras conquistadas por candidaturas vindas do centro à esquerda;

*48.106 mandatos de vereança conquistados por candidaturas vindas do centro à direita, 10.308 mandatos conquistados por candidaturas vindas do centro à esquerda.

*um imenso número de votos em branco, nulos e abstenções, cuja soma é superior à votação das esquerdas.

É importante dizer que – mesmo tomando separadamente a extrema-direita e a direita tradicional – ainda assim elas superam o desempenho das esquerdas. 

8.Apesar dos resultados citados anteriormente, ampliamos a votação das esquerdas em relação a 2020, embora em certos casos isso incorpore o efeito estatístico resultante do crescimento do eleitorado nacional. Elegemos mais prefeituras e vereanças do que em 2020, embora este crescimento tenha sido modesto. Ganhamos no primeiro turno em algumas cidades simbólicas, como Juiz de Fora e Contagem, em Minas Gerais; Bagé e Rio Grande, no Rio Grande do Sul; assim como Maricá, no Rio de Janeiro. Fomos ao segundo turno em Camaçari/BA, Caucaia/CE, Fortaleza/CE, Anápolis/GO, Cuiabá/MT, Olinda/PE, Natal/RN, Pelotas/RS, Santa Maria/RS, Porto Alegre/RS, Diadema/SP, Mauá/SP e Sumaré/SP. Elegemos ou projetamos novas lideranças, tanto na disputa das prefeituras quanto nas Câmaras Municipais. E, mesmo onde perdemos, mobilizamos centenas de milhares de pessoas, que dedicaram parte do tempo de suas vidas para defender nossas bandeiras, nossas cores, nossa estrela. 

9.Apontar estas vitórias é importante, entre outros motivos porque elas demonstram que nosso resultado - já no primeiro turno - poderia ter sido muito melhor do que foi. Mas, como já foi dito, é inegável que – quando consideramos o resultado das eleições como um todo – os partidos do centro à direita venceram. Cabe então perguntar os motivos disso. Entre estes motivos, há que considerar a força acumulada, dinheiro, mídia, crime, o peso dos aparatos (família militar, igrejas)legislação eleitoral que os favorece, as emendas parlamentares, uso da máquina, assim como linha política adotada pelas candidaturas de direita etc. Mas há que considerar, também, o que nós da esquerda fizemos ou deixamos de fazer.

10.Desde 1982 até 2024, já tivemos doze processos eleitorais municipais. Em todos estes processos, os partidos do centro à direita tiveram mais votos, conquistaram mais prefeituras e vereanças. Portanto, o que ocorreu em 2024 não foi um ponto fora da curva. Entretanto, em várias das eleições municipais anteriores, o desempenho das esquerdas em geral e do PT em particular foi relativamente melhor do que o de 2024. Melhor significa: tivemos um número maior de votos, um percentual maior de votos válidos, conquistamos um número maior de prefeituras e vereanças, conseguimos uma distribuição mais equilibrada das prefeituras e mandatos de vereança pelo território nacional, alcançamos vitórias em maior número de cidades estratégicas. Tudo isso relativamente, ou seja, relativamente aos nossos inimigos e relativamente ao nosso próprio desempenho. 

11.Vejamos o caso específico do PT, que é o Partido que possui o melhor desempenho dentre as forças de esquerda. Se compararmos o desempenho de 2024 (metade do governo Lula 3) com o desempenho de 2004 (metade do governo Lula 1), 2008 (metade do governo Lula 2), 2012 (metade do governo Dilma 1) e 2016 (depois do golpe), o resultado para prefeituras é o seguinte:

2004 409

2008 558

2012 635

2016 256

2020 183

2024 252

Portanto, observando a curva dos resultados, voltamos em 2024 a alcançar números absolutos de prefeituras conquistadas que são superiores aos de 2020 e parecidos com os que tivemos em 2016. Mas, ao mesmo tempo, os números de 2024 são inferiores aos de todas as demais eleições ocorridas em meio aos mandatos Lula 1, Lula 2 e Dilma 1. 

12. Como já foi dito, apenas se compararmos 2024 (metade do governo Lula 3) com 2020 (metade do governo cavernícola), nosso desempenho foi melhor: de 183 para 252, 69 cidades a mais. Mesmo assim, quando levamos em consideração o porte das cidades, verificamos que nosso progresso em números absolutos incluiu um preocupante desvio de rota. Nas cidades com menos de 20 mil eleitores, crescemos de 147 para 188 prefeituras. Ou seja, neste ano de 2024 conquistamos 69 prefeituras a mais, mas a maior parte disto (41) foi em cidades de pequeno porte.  Além disso, é importante lembrar que - quando a eleição começou - o PT governava não 183 cidades, mas sim 265 cidades. Isto porque prefeitos eleitos por outros partidos, resolveram filiar-se ao PT depois da vitória de Lula. Na época, isso foi comemorado comoprova do vigor do Partido. Mas, depois dos resultados, aquele número foi retirado de várias tabelas divulgadas pelo Grupo de Trabalho Eleitoral nacional, provavelmente para ocultar o fato de que, a rigor, caímos de 265 para 252. 

13.Além disso, a distribuição das prefeituras eleitas por estado (no primeiro turno) revela uma concentração brutal: 202 das 252 estão concentradas em cinco estados. Bahia e Piauí com 50 cada, Ceará com 47, Minas Gerais com 35 e Rio Grande do Sul com 20. Vale destacar que apenas em dois estados (Ceará e Piauí), o número atual de prefeituras é o maior já obtido na história eleitoral do PT naqueles respectivos estados. Nos outros três (Minas, Rio Grandedo Sul e Bahia), o PT já governou, no passado, um número maior de cidades. A tabela abaixo, a qual acrescentamos a situação de São Paulo, mostra a evolução histórica.

 

2000

2004

2008

2012

2016

2020

2024

BA

7

19

66

93

39

32

50

CE

2

12

15

29

15

18

47

MG

34

85

110

114

41

28

35

PI

1

7

19

21

38

24

50

RS

35

43

61

72

38

23

20

SP

38

57

63

68

8

4

4

 

14.Vale destacar, também, que houve um crescimento importante no número de pessoas que moram em cidades governadas por administradores petistas.  Em 2020 governávamos 4,4 milhões de pessoas, agora vamos passar a governar 7,6 milhões de pessoas (lembrando que esse número inclui Fortaleza, que tem 2 milhões e 200 mil habitantes). De toda maneira, houve um crescimento de 73% em termos da população governada. Mas este crescimento precisa ser considerado relativamente ao dos nossos inimigos. Por exemplo: o PL governava 6,6 milhões de habitantes em 2020 e agora passou a governar 19 milhões, um crescimento de 189%. O PSD e o Republicanos também tiveram um crescimento expressivo em termos proporcionais.

15.Ademais, quando comparamos o PT consigo mesmo, o resultado é o seguinte: o PT governava 19,9 milhões em 2008, 27 milhões em 2012, 4,3 milhões em 2016, 4,4 milhões em 2020 e agora vamos governar 7,6 milhões. Ou seja, crescemos sim, mas fizemos isso num patamar ainda muito baixo.

16.Merecem análise detalhada as derrotas em Aracaju, Salvador e Teresina, sendo as duas últimas capitais de estados governados pelo PT; a anulação do partido no Rio de Janeiro e em Recife, apresentada como positiva – em nome de derrotar a extrema-direita – mas que traz no seu bojo um desastre estratégico; a derrota em Belo Horizonte, onde a candidatura do PT foi abandonada por vários setores do partido; o apoio a uma candidatura de direita em Curitiba, que não conseguiu nem ao menos ir ao segundo turno; a presença do PT, inclusive como vice, em chapas encabeçadas por partidos de direita

Segundo turno

17.Os números (aproximados) do segundo turno são os seguintes:

*17 milhões de votos em candidaturas do centro à direita, quase 5 milhões de votos em candidaturas do centro à esquerda;

*45 prefeituras conquistadas por candidaturas do centro à direita, 6 prefeituras conquistadas por candidaturas do centro à esquerda.

12.Merecem análise detalhada: o resultado eleitoral no estado de São Paulo, onde elegemos no primeiro turno apenas três cidades, somada a uma única vitória no segundo turno; o desempenho do PT no Rio Grande do Sul, tanto as vitórias quanto as derrotas, em particular a relação entre as enchentes, a ação do governo federal e o resultado das eleições; os desempenhos regionais do Partido, por exemplo na região amazônica. É necessário, ainda, avaliar o resultado das eleições em Cuiabá, Fortaleza e Natal.

18.As vitórias e as derrotas sempre têm várias causas. Uma delas é a linha de campanha, que precisa ser analisada de maneira muito críticaOutra delas é o impacto da ação do governo federal. Destacamos, também, a ausência de Lula em boa parte das campanhas. Tanto no primeiro quanto no segundo turno, fez muito mal para o Partido o ultracentralismo que transferiu, em caráter preliminar, todas as decisões para a direção nacional. Atitude que teve como um de seus destaques a decisão de não renovar as direções municipais em 2023.

19.É preciso avaliar, ainda, o comportamento do partido naquelas cidades onde o segundo turno foi disputado entre duas direitas.

20. Finalmente, destacamos que, tanto no primeiro quanto no segundo turno, houve um imenso número de pessoas que não compareceu para votar; ou compareceu, mas votaram branco ou nulo.  Estamos falando de mais de 40 milhões de brasileiros e brasileiras. Há quem compreenda este fenômeno como uma demonstração do “fracasso” da democracia, outros como uma manifestação antisistêmica de parte da população, outros ainda como uma confirmação da natureza burguesa do nosso sistema político. Qualquer que seja a explicação, trata-se de um fenômeno que merece ser analisado em detalhe, para informar medidas que precisam ser tomadas com urgência.

Mudança de direção

21.De conjunto, o processo eleitoral confirma a necessidade do Partido existir nos anos ímpares, se quiser ter mais vitórias nos anos pares. Precisamos voltar a ter presença cotidiana junto a classe trabalhadora, presença que não pode ter como objetivo principal a conquista futura de mandatos.

22.Na perspectiva de aprofundar o balanço, convidamos nossa militância a:

-estudar os balanços divulgados em nossa página eletrônica e nas edições de outubro e novembro do jornal Página 13, bem como na revista Esquerda Petista;

-elaborar um balanço da eleição em cada cidade em que o PT teve candidaturas;

-elaborar balanços específicos sobre as cidades em que governávamos e perdemos;

-elaborar um balanço do desempenho do PT na disputa de vereança, inclusive sobre o papel negativo que a Federação jogou na maioria das cidades;

-elaborar um balanço específico de cada candidatura que apoiamos;

-organizar atividades abertas à toda militância petista, para discutir balanço e tarefas, em cada estado.

23.Na plenária nacional de novembro, em que vamos realizar o balanço do processo eleitoral, também vamos discutir nossa tática para a eleição direta das direções partidárias. São óbvios os problemas da atual direção. Mas nossos problemas não serão solucionados apenas substituindo pessoas e/ou tendências. A eleição demonstrou, mais uma vez, a necessidade de enfrentar três grandes questões: em primeiro lugar, um déficit de compreensão acerca da realidade brasileira, das classes e da luta de classes neste momento da história do Brasil, em particular a análise sobre a influência da extrema-direita sobre os setores populares; em segundo lugar, uma reduzida presença cotidiana junto à classe trabalhadora, o que explica parte da dificuldade que enfrentamos nas campanhas eleitorais; em terceiro lugar, uma orientação estratégica equivocada, que não dá conta dos tempos de guerra em que vivemos. O PED de 2025 será útil se, além de substituir quem precisa ser substituído, também ajudar o Partido a perceber e começar a corrigir estes problemas.

24.Defenderemos que a eleição das novas direções seja realizada em prazos que permitam filiar novos militantes, com regras que permitam que todas as chapas e candidaturas possam fazer chegar suas propostas à militância. Orientamos a iniciar, em todas as cidades, campanhas de filiação ao Partido.

25.Cabe ao Partido escolher, através do voto direto e secreto, seus novos dirigentes. Mas, antes de escolher os dirigentes, é preciso escolher a direçãoou seja, nosso rumo estratégico e programático. O partido precisa mudar de linha política. Precisamos defender o socialismo e as reformas estruturais, precisamos reconstruir nossa presença junto à classe trabalhadora, estimular as lutas sociais, participar ativamente da batalha cultural e pressionar o governo para que cumpra o programa para o qual foi eleito.

26.Precisamos de uma direção coletiva, à altura dos imensos desafios da época em que vivemos. Lembrando que presidente do partido não é ministro, não é escolhido pelo presidente da República.

27.Com base nessas orientações, construiremos -em comum acordo com outros setores do Partido – uma tese, uma chapa e uma candidatura à presidência nacional do Partido.

28.Concluímos este balanço opinando ser um grave erro o apoio prestado pela bancada federal do PT na Câmara dos Deputados à candidatura de Hugo Motta à presidência daCâmara. O erro é agravado pela desnecessária antecipação da decisão e, também, pelos motivos apresentados, entre os quais uma suposta vaga no TCU. A decisão de apoiar Hugo Mota corresponde à conclusão que alguns tiraram da eleição: seria necessário ir ao centro, eufemismo utilizado para referir-se à direita. Nossa conclusão é diametralmente oposta: as eleições demonstraram que é necessário um giro à esquerda.

 

Brasília, 3 de novembro de 2024


quinta-feira, 31 de outubro de 2024

Venezuela: o provocador Reginaldo Lopes attacks again

Quando eu comecei a militar, no final dos anos 1970, o termo "provocador" era uma acusação pesada.

Provocador era, por exemplo, aquele cara aparentemente radical, cujos atos criavam o pretexto para a repressão atacar uma manifestação.

Os tempos mudaram e há quem use a palavra com outro sentido. É o caso do deputado federal Reginaldo Lopes, conforme pode ser lido aqui: Reginaldo Lopes sobre mudanças no PT: 'Quero ser o provocador' - Estado de Minas

Um dos alvos preferidos das "provocações" de Reginaldo é a Venezuela, como se pode ler aqui: Reginaldo Lopes no X: "Maduro se torna cada vez mais autoritário, adotando uma postura de ditador. É hora do Brasil rever sua relação com esse governo, mostrar nossas diferenças e reafirmar nossos compromissos com um projeto de esquerda democrática." / X

Não sei se Reginaldo propõe adotar este critério apenas contra a Venezuela; ou se ele defende que toda a política externa do Brasil passe a ser baseada em critérios políticos e ideológicos, como queria o Ernesto Araújo.

O que sei é que esta não é a primeira vez que Reginaldo assume posições extremistas, digamos assim.

Em 2016, por exemplo, ele propôs - numa reunião da executiva nacional - que o PT abandonasse seus símbolos. Mais detalhes, aqui: Petista propõe discutir mudanças no partido, incluindo a estrela vermelha - ÉPOCA | Expresso

Como se pode ver, tem muito caroço nesse angu. 

Venezuela e os agentes do imperialismo

Primeiro, uma preliminar: devemos trabalhar para que os governos do Brasil e da Venezuela voltem a ter boas relações.

Boas relações não é concordar em tudo. Nunca foi e nunca será isso.

Boas relações é, por exemplo, não trocar ataques pelos meios de comunicação, não aprovar resoluções mutuamente condenatórias, não convocar os respectivos embaixadores para esclarecimentos, não questionar o funcionamento das respectivas instituições, não vetar a participação em organismos internacionais etc.

Trabalhar por boas relações é essencial, ao menos para quem defende a integração regional latinoamericana e caribenha.

Hoje, a integração passa por dificuldades. E um dos motivos disto é que a esquerda regional também passa por dificuldades e, além disso, está atravessada por crescentes conflitos entre suas lideranças e seus partidos.

No passado, a sinergia entre os governos de esquerda e progressistas foi fundamental para o sucesso da integração regional. Assim como foi fundamental a sinergia entre os partidos governantes, especialmente no terreno do Foro de São Paulo. 

Hoje, esta sinergia é menor que antes.

Há muitas ações que podem ser feitas para mudar esta situação. Uma delas é melhorar as relações entre Brasil e Venezuela. E para que isso seja possível, um bom ponto de partida é parar de achar que só uma das partes comete erros. 

Nesse sentido, não concordo com a embocadura de Marcelo Zero no artigo Alguns esclarecimentos sobre a Venezuela | Brasil 247

Assim como não fiquei satisfeito com o depoimento de Celso Amorim na Câmara do Deputados (embora nesse caso se deva dar os descontos devidos ao ambiente onde o depoimento foi feito).

Sobre Celso, ler aqui:

https://www.camara.leg.br/noticias/1106455-eleicao-na-venezuela-deve-ser-resolvida-pelos-venezuelanos-diz-celso-amorim

Seja como for, a postura correta, na minha opinião, é tomar nota que erros foram cometidos por todas as partes envolvidas. E concentrar nossas energias, não sobre esses erros, mas sobre como fazer para recompor.

Se estou falando em erros, por óbvio estou tratando de relações entre “países amigos”. Como deve ter dito o analista de Bagé, “amigos também fazem merda”.

Este é um dos motivos pelos quais considero ser pior que um crime, ser um erro adotar teorias conspiratórias. Foi isso que disse no artigo Venezuela: tirem as crianças e a política da sala | Brasil 247

Este artigo foi criticado - surprise!!! - pelo Diário da Causa Operária aqui: Não é 'teoria', imperialismo está conspirando contra a Venezuela - Diário Causa Operária

Segundo está escrito neste artigo do PCO, "o problema não é a colocação do procurador, ainda que ela possa ser exagerada ou errada", "a discussão mais importante não é se o acidente foi ou não real", pois " seja lá qual foi o acidente de Lula", "objetivamente a ausência de Lula nos BRICS revela a política covarde do governo".

Pergunto: se no passado alguém foi acusado de ser agente da Gestapo, não importava saber se isto era verdade ou não??

Óbvio que algumas aparências ganham vida própria, assim como é óbvio que conspirações existem, o imperialismo e a CIA operam pesadamente, atacar a Venezuela objetivamente ajuda os Estados Unidos etc. 

Mas nada disto torna irrelevante saber se algo é ou não real, se alguma coisa aconteceu ou não, sob pena de fazermos raciocínios absurdos tais como o da frase "objetivamente a ausência de Lula nos BRICS revela a política covarde do governo". 

"Objetivamente" a ausência de Lula "revela" que ele sofreu um acidente e não pode viajar. 

A ausência teve efeitos ruins? Sim! Como disse no artigo citado acima, a ausência de Lula "causou prejuízos para o Brasil, que teria podido ter maior protagonismo na reunião de Kazan. Além disso, a ausência de Lula pode ter contribuído para o incorreto tratamento dado à Venezuela".

A política do governo brasileiro frente a Venezuela, na reunião de Kazan, foi na minha opinião errada. Isso na prática ajudou os EUA? Sim. 

Mas nem todo mundo que objetivamente, por ação ou omissão, ajuda os EUA é agente da CIA. 

Por exemplo: neste momento o discurso conspiratório contribui para escalar um conflito que precisamos superar. Se deixar arrastar por teorias conspiratórias ajuda, objetivamente, os EUA. Mas, como já disse, as vezes até os amigos fazem merda. Nem por isso deixam de ser amigos. Até porque, quando se está falando de política externa, o conceito de “amigo” não tem o mesmo significado de “amigo” nas relações pessoais.

Se queremos retomar a integração regional, devemos trabalhar para que os governos do Brasil e da Venezuela voltem a ter boas relações.

O resto é o resto.





quarta-feira, 30 de outubro de 2024

Comentários sobre a "estratégia Tatto"

Está causando interesse, pelo menos em alguns meios petistas, a entrevista concedida ao Intercept pelo deputado federal Jilmar Tatto, secretário nacional de comunicação do PT, acerca dos resultados eleitorais de 2024.

A entrevista pode ser lida aqui: Jilmar Tatto quer PT ao centro e revela estratégia na periferia: ‘Emenda dá voto'

O Intercept deu o seguinte título para a entrevista: “Estratégia Tatto”. 

Por razões óbvias, me lembrei de um texto escrito por Valério Arcary (A estratégia Boulos - Esquerda Online), texto que repliquei aqui: Valter Pomar: A estratégia Boulos: uma réplica?

Antes de comentar a entrevista de Tatto, explico que conheci o Jilmar em 1987, no Instituto Cajamar. Em 2005, se a memória não me trai, Tatto e eu apoiamos a mesma candidatura à presidência nacional do Partido. E fizemos o mesmo no segundo turno de 2007. 

Naquela época, o pessoal agrupado em torno da tendência “Construindo um novo Brasil” (CNB) criticava muito Tatto. Hoje, Tatto se converteu em um dos principais dirigentes da CNB e, também, numa das pessoas mais influentes na atual executiva nacional do Partido. 

Vencidas estas preliminares, vamos à entrevista.

Nela, Tatto aborda três questões: a campanha Boulos, nossa política nacional e a presença do PT na periferia. Vou começar pela primeira questão. 

Não sou um entusiasta do Boulos, nunca fui, por razões que só Stanislavski explica. Tampouco sinto simpatia pelo PSOL, seja pelo velho, seja pelo atual. E, falando hipoteticamente, preferia que tivéssemos lançado uma candidatura petista à prefeitura. 

Mas isso não ocorreu, antes de mais nada, porque em 2020 Fernando Haddad não quis ser candidato à prefeitura, baseado principalmente (na minha interpretação dos fatos) em um cálculo incorreto acerca das chances de Lula disputar a presidência em 2022. Sem Lula, Haddad seria novamente candidato à presidência, tornando (na opinião de quem pensa assim) a disputa de 2020 um risco desnecessário.

Sem Haddad no páreo, o PT escolheu Jilmar Tatto para disputar a prefeitura em 2020. Mas a escolha ocorreu da pior maneira possível: através de um colégio eleitoral, sem prévias. Principal responsável por isso? Jilmar Tatto.

Esse ponto de partida, mais as restrições que parte do PT da capital tinha (e segue tendo) contra Tatto, serviu de pretexto para que muitas lideranças partidárias aderissem à campanha de Boulos já no primeiro turno.

 Mais detalhes sobre isto podem ser lidos aqui: Valter Pomar: O PT vai dar Boulos?

Para não falar de outras pessoas, cito aqui: Lula está muito errado. Por Válter Pomar

O resultado foi o que sabemos. Tatto teve, no primeiro turno de 2020, 8,65% dos votos válidos. Na eleição anterior, também no primeiro turno, Haddad teve 16,70% dos votos válidos. E na eleição de 2012, o mesmo Haddad teve no primeiro turno 28,98% dos votos válidos.

O que veio depois de 2020, também sabemos: em 2022 Boulos e o PSOL aderiram desde o início à candidatura Lula presidente e receberam a promessa, tanto de Lula quanto de Gleisi, de que Boulos teria o apoio do PT à sua candidatura à prefeito de São Paulo em 2024. Como método, um horror. Mas este método não caiu do céu: Tatto deu sua contribuição na criação do contexto que levou boa parte do PT paulistano a ver Boulos como a melhor alternativa disponível.

O PT era obrigado a apoiar o Boulos? Claro que não. Poderíamos ter tido outra candidatura? Claro que sim. Teríamos tido um desempenho igual ou melhor ao obtido por Boulos? Não sei, nunca saberemos. 

O que tenho certeza é que a campanha Boulos, para além de seus méritos, também cometeu erros. É o que eu deduzo do seguinte: apesar de contar com o apoio do PT desde o início, apesar de ter Marta-a-ampla como vice, apesar de ter um volume de recursos maior do que o disponível há quatro anos, apesar de ser mais conhecido que antes, Boulos terminou a campanha de 2024 com o mesmo percentual de votos válidos obtido no segundo turno de 2020. 

Tatto acha que a campanha de Boulos cometeu erros? Suponho que sim. Mas ao ler a entrevista, o que ele destaca não são os erros, mas a tática supostamente inadequada ao contexto. De um lado, estaria Nunes, um candidato à reeleição com muito dinheiro. De outro lado, um eleitorado que estaria “indo pro centro e pra direita”. Apesar desse contexto, reclama Tatto, “na maior cidade do Brasil, o PT apoia um candidato de esquerda do PSOL?” Segundo ele, o eleitor “não entende isso”. 

Portanto, o problema principal – sempre segundo Tatto - não teria sido o que Boulos fez ou deixou de fazer. O problema principal foi ele ter sido nosso candidato, supostamente sinalizando para a esquerda num contexto adverso. 

E qual seria a alternativa? Jilmar diz que “podíamos ter construído uma candidatura do PT ou talvez uma candidatura mais ao centro”. 

De fato, uma candidatura petista poderia ter sido o ideal, mas para isso ser cogitado a sério, para começo de conversa nossa tática em 2020 deveria ter sido outra.

Jilmar especula, também, sobre um apoio ao Ricardo Nunes. Diz que “poderia ser difícil politicamente falando e acho que não era o caso, porque o PT fez oposição a ele durante quatro anos. Mas, pensando em 2026, o Ricardo poderia, em vez de se alinhar mais à direita, fazer um movimento em direção à esquerda. Teríamos uma situação mais confortável hoje, com um prefeito do MDB que fosse aliado do Lula. Mas, para isso, teríamos que ter feito um esforço, e não fizemos. Nem o próprio Ricardo Nunes fez essa movimentação porque não interessava a ele”.

Claro, se as coisas fossem diferentes, elas não seriam como são. Mas não é verdade que não tenha havido "esforço". É público e notório que uma parte da bancada do PT na Câmara Municipal e, inclusive, uma parte do próprio Partido na capital não se comportou como oposição. Mas este esforço não foi suficiente, entre outros motivos porque existe um personagem chamado Tarcísio, um sujeito oculto na entrevista de Tatto, sei lá por qual motivo.

Aliás, os motivos pelos quais o eleitorado de São Paulo votou como votou (inclusive uma imensa quantidade de votos brancos, nulos e abstenções), ademais dos motivos que levaram ao fenômeno Boçal (outro sujeito oculto na entrevista de Tatto, ao menos na versão publicada), merecem ser analisados detidamente. É uma simplificação atroz, além de errado em si mesmo, resumir nosso "problema" ao fato de, supostamente, o eleitorado não ter "entendido" nossa política de alianças. Ou a frase segundo a qual “teríamos que ter feito um esforço, e não fizemos”.  

Digo isso, embora concorde que "teríamos que ter feito um esforço", especialmente um esforço no sentido de ampliar nossa presença militante cotidiana na cidade. Nosso principal problema não é o que fazemos nos anos pares, eleitorais, mas sim o que deixamos de fazer nos anos ímpares, no cotidiano, fora dos processos eleitorais.

Este é um dos principais equívocos, penso, da linha que Tatto defende que adotemos. Reproduzo um trecho da entrevista: “o PT quer fazer parte das alianças que o próprio Lula está montando, quer ser tratado de forma equivalente – e não ficar de fora. Não pode ser só centrão, queremos também o nosso espaço. Há ministros do MDB, por exemplo, que envolvem suas bases locais nas ações do governo. Muitas vezes, no entanto, nossos ministros deixam de fazer isso com lideranças do PT. O governo está entregando, mas a base não capitaliza politicamente. Precisamos melhorar nossa articulação e comunicação, isso é essencial. Lula sabe fazer isso, e agora é o momento de arrumar a casa e preparar os palanques para 2026. (...) É preciso pragmatismo para governar, e o Lula entende isso”.

Se entendi direito, Jilmar acha que o governo Lula está na linha justa, mas o povo não fica sabendo (comunicação) e o Partido não se beneficia (articulação). Numa frase: “não pode ser só centrão, queremos também o nosso espaço” (pragmatismo).

Este jeito de ver as coisas é, na minha opinião, parecido demais com o dos políticos tradicionais. 

Questões mais amplas da luta de classes – como a política macroeconômica do governo, a guerra cultural, a organização e luta social, a ação do partido – são abstraídas. E a questão central é apresentada como sendo a de “capitalizar politicamente” as ações de governo. 

O que isso significa pode ser melhor entendido pelo que Tatto fala, no início da entrevista, acerca da implantação do PT na periferia de São Paulo capital.

Jilmar Tatto começa lembrando de uma história que vem “desde os anos 1970”, que construíram a “capilaridade que tem no território”. Em seguida, ele constata, sem tirar consequências, que o PT não está organizado: “em Guaianases, Cidade Tiradentes, Itaim Paulista, Grajaú, Parelheiros, não tem sede do PT, e se tem abre só para reunião”. Apesar disso, estamos “nas organizações sociais, no movimento social (...) em associação de bairro, na igreja, em uma parte de sindicato (...) Esse enraizamento significa que tem gente militando todos os dias (...) Você tem uma militância, você faz reunião do PT, faz assembleia, vai em culto, em missa, reunião de bairro, leva reivindicação fundiária, briga para ter uma universidade lá na zona leste, briga para ter um instituto federal, asfalto, posto de saúde, transporte”. Tudo isso faz com que “o PT tenha 30%, talvez um pouco mais”.

Perguntado por qual motivo “o PT começa a perder espaço onde sempre foi forte”, ele diz que isso acontece “porque a direita, o atual prefeito e os vereadores começaram a entrar para disputar esse território”. Claro, nós temos as “emendas federais, estaduais e municipais (...) a gente manda dinheiro, manda emenda. E isso se reverte depois em voto. (...) Todo mundo faz isso. A esquerda só não faz mais porque não tem dinheiro. O valor que a direita tem é desproporcional, entendeu? O PT é o que mais tem emenda, mas na sequência tem vários outros partidos que ganham muito mais”.

Tatto descreve, do jeito dele, o beco sem saída em que estamos nos metendo. Em resumo de minha responsabilidade: a nossa organização atual não está conseguindo vencer a direita, "ser oposição não é fácil"; e a direita tem mais dinheiro-em-emendas do que nós. Qual seria a saída? Conseguir que o governo federal nos trate como, supostamente, trata os partidos do centrão. 

Nesse contexto, ir para o centro não é apenas uma linha política. No passado, fazíamos política de alianças com o objetivo de ampliar nossas chances de vitória. Agora, o objetivo passa a ser ampliar nossa participação na "capitalização política".

Registro que o termo “capitalização” é, neste contexto, extremamente preciso.

E como o objetivo é “capitalizar”, desde que isso possa ser feito, que problema haveria em ampliar cada vez mais nossa política de alianças? Que problema haveria em contemporizar com os “liras” da vida?

É por isso - e não por motivos da alta política, da política com P maiúsculo - que cresce em setores da bancada federal do PT um comportamento clientelista. Não apenas naturalizando o tema das emendas, como também tentando controlar a destinação do fundo eleitoral e fazendo lobby para acabar com o número máximo de mandatos consecutivos que um petista pode exercer.

Para piorar as coisas, a busca da felicidade individual de cada parlamentar não gera a felicidade geral do PT. Acontece que o sistema político brasileiro é organizado em torno da disputa individual pelos votos; por isto, os parlamentares são estimulados a se converterem numa espécie de partido-de-uma-pessoa-só. E o resultado vem sendo o desacúmulo coletivo.

Na minha opinião, portanto, esta linha política que o Tatto propõe pode ser chamada de muita coisa, mas não de “estratégia”. Prefiro reservar o termo estratégia para designar o caminho da classe trabalhadora para o poder. O que Tatto propõe é apenas pragmatismo. Ou, se quisermos um nome mais preciso, clientelismo eleitoral de esquerda

Adotada esta política, alguns parlamentares podem sobreviver até se aposentarem, alguns governos podem ser conquistados, algumas políticas legais podem ser implementadas. Entretanto, como o próprio Tatto reconhece ("o valor que a direita tem é desproporcional"), são remotas as chances da classe trabalhadora e da esquerda conseguirmos vencer. 

Mas são enormes as chances de morrermos tentando.





terça-feira, 29 de outubro de 2024

Eleições 2024: Mercadante doura a pílula



Se a imprensa não registrou errado, é do companheiro Aloizio Mercadante, presidente do BNDES, a declaração mais curiosa que li, até agora, acerca das eleições municipais de 2024.

Segundo Mercadante, “cerca de 80% dos prefeitos foram reeleitos, o que mostra satisfação do povo com as prefeituras, com a vida”.

Mais detalhes, aqui: 

https://www.brasil247.com/brasil/reeleicao-em-massa-sinaliza-aprovacao-popular-diz-mercadante

Será verdade?

Vejamos o caso de São Paulo capital. 

Na cidade moram 11.451.245 habitantes, dos quais mais ou menos 9,3 milhões são eleitores. Vamos supor que o eleitorado, neste caso, é igual ao "povo".

Deste povo eleitor, 2,9 milhões não compareceram para votar. 

Restam 6,4 milhões, dos quais 234 mil votaram em branco, 430 mil votaram nulo e 2.323.901 votaram em Boulos.

Como Ricardo Nunes teve 3,3 milhões de votos, sua reeleição não indica "satisfação do povo com as prefeituras”. 

A reeleição significa apenas que ele teve maioria dos votos válidos.

Por quais motivos Nunes teve a maioria dos votos válidos, cabe analisar. 

Mas mesmo que todos que votaram nele estivessem satisfeitos "com as prefeituras, com a vida", ainda assim não daria para atribuir tal estado de ânimo ao "povo".

A não ser, é claro, que aceitemos que o cidadão que não vota no vencedor, perde a cidadania.

Situações como a de São Paulo se repetiram por todo o país, ou seja, a soma de abstenções, votos brancos, votos nulos e votos na oposição superou o número de votos no candidato à reeleição, que mesmo tendo maioria dos votos válidos, não tem ao seu lado a maioria do povo.

Não nego que exista uma conexão entre satisfação e reeleição. 

Mas é um erro isolar esta variável e deixar de lado ou minimizar outras variáveis, tais como a compra de votos, o uso das máquinas, a manipulação da mídia, a violência política, o financiamento empresarial legal e ilegal, sem falar no uso e abuso eleitoral das emendas parlamentares.

Seja como for, é óbvio o parentesco entre a opinião de Mercadante e a de Padilha.

A respeito de Padilha, ler aqui:

https://revistaforum.com.br/politica/2024/10/28/padilha-diz-que-pt-no-saiu-da-zona-de-rebaixamento-gleisi-parte-para-cima-dele-168313.html

Mercadante dourou e Padilha receitou a pílula.

Do meu ponto de vista, a afirmação de ambos é uma tentativa de amenizar um fato óbvio: o governo federal contribuiu para o desempenho de várias candidaturas da direita.

Não me refiro ao ambiente nacional, nem me refiro às obrigações legais. 

Me refiro à transferências voluntárias, à presença (ou omissão) política, entre outras atitudes. 

Já conhecemos esta atitude de outros carnavais: é o suposto republicanismo, suposto porque geralmente beneficia quem de republicano nada tem.

Curiosamente, o "efeito satisfação", que hoje favoreceria o desempenho das direitas nas eleições de 2024, ainda não está favorecendo o governo Lula. 

Todas as pesquisas divulgadas desde o início de 2023 até hoje mostram a satisfação com nosso governo marcando o passo. 

Mais ou menos como ocorreu na campanha de Boulos em São Paulo capital: mantivemos o mesmo patamar já obtido nas eleições de 2020.

Será diferente nas eleições de 2026? Esperamos que sim. 

Mas as eleições municipais afetam a composição do Congresso. E um Congresso mais à direita afeta o desempenho do governo.

Por tudo isso, havia quem esperasse que o governo tivesse agido diferente. Não agiu A pergunta é se, diante de mais esta, o Partido vai agir diferente. Ou se apenas tuitará o descontentamento.

A mensagem de Boulos

Não participei da reunião ampliada da executiva nacional do PT, realizada dia 28 de outubro de 2024, para iniciar o balanço das eleições.

Mas li na imprensa diversas declarações, dadas durante e após a reunião, com destaque para a polêmica entre o ministro Padilha e a presidenta Gleisi.

Vide aqui:

https://www.instagram.com/p/DBr4UjYJisC/?igsh=MTM2Yml1Y2RzZG1lMg==

Li também declarações criticando e outras defendendo o apoio do PT a Boulos em São Paulo. 

Apesar do tom às vezes ácido, tratam-se de “contradições no seio do mesmo povo”, ou seja, nuances de opinião entre os que defendem a chamada frente ampla e uma estratégia focada nas eleições.

Prova disto é a declaração segundo a qual “o foco agora são as eleições de 2026”, sem falar das defesas de ir mais ao “centro” e do apoio à política de ajuste fiscal.

Vide aqui:

https://pt.org.br/pt-reune-executiva-nacional-e-parlamentares-e-faz-balanco-das-eleicoes/

E aqui:

https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2024/10/28/gleisi-temos-que-fazer-uma-alianca-muito-mais-ao-centro-para-reeleger-lula.htm

Ou seja: depois de uma eleição que confirmou mais uma vez a necessidade de recuperarmos presença organizada junto à classe trabalhadora, a principal orientação que alguns pretendem dar sobre o que fazer é seguir gastando os anos ímpares na preparação dos anos pares, num círculo vicioso do qual já estamos saindo menores do que precisamos.

Uma parte da esquerda não consegue pensar de outro jeito. Tudo gira ao redor das urnas. A organização e a ação coletiva autônoma da classe trabalhadora é enquadrada na institucionalidade. E um dos resultados é… o encolhimento de nossa presença nas urnas! E como quase nada se faz para derrotar os poderes fáticos, mesmo quando ganhamos não conseguimos levar a contento.

Prova adicional da influência desta postura na esquerda é a mensagem divulgada por Boulos através das redes sociais. Procurem palavras como Partido, movimento e luta social. Não encontrarão. Detalhe, dirão alguns. Quem dera fosse.