sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

Transcrição de discurso feito no encontro nacional do Muda PT

O texto abaixo é a transcrição -- feita pela companheira Natália Sena-- de discurso feito no encontro nacional do Muda PT, em Brasília, dia 3 de dezembro de 2016. 

(...)

Programa

O nosso ponto de partida é a afirmação de um programa democrático, popular e socialista. Não como um slogan retórico, não como somatório de tarefas distintas e muito menos como uma sequência de passos sucessivos. 

Nós não consideramos possível ampliar o bem estar do povo brasileiro, ampliar as liberdades democráticas, ampliar a soberania nacional, ampliar a integração regional, de maneira profunda, de maneira rápida e de maneira irreversível, sem que ao mesmo tempo imponhamos uma derrota profunda aos capitalistas e ao padrão de desenvolvimento capitalista.

Ao não vincular a luta pela inclusão e a luta contra o neoliberalismo ao socialismo, o que nós colhemos de fato foi uma reversão da inclusão e um regresso do neoliberalismo.

Quantas vezes no debate público nós argumentamos que "queremos reformas estruturais, mas, vejamos bem, não estamos falando de socialismo".

E ainda há quem agregue que nos países capitalistas avançados as reformas estruturais foram feitas, e inclusive impulsionaram o desenvolvimento capitalista. 

Isso é verdade. Mas a burguesia brasileira, como a burguesia dos países periféricos, sabe muito bem que aqui é diferente. 

Que aqui, pra competir com o grande capital internacional, eles precisam lançar mão da super exploração do capital, da associação subordinada aos centros metropolitanos, da redução ao máximo das liberdades democráticas. 

E por isso eles sabem que lá fora, no passado, em outras épocas, em outros países, talvez reformas estruturais fossem não só compatíveis mas tivessem inclusive impulsionado o capitalismo. 

Mas aqui, num país como o Brasil, as reformas estruturais são a morte, para o capital e para os capitalistas.

E é por isso que contra coisas mínimas que nós fizemos, eles fazem o discurso máximo, como se estivéssemos diante de governos bolivarianos, comunistas, socialistas, revolucionários etc.

Por isso novamente, falar de reformas estruturais no Brasil é falar de impor uma derrota ao capital e aos capitalistas, é falar de socialismo. 

(...)

O centro da nossa formulação programática é que os objetivos da inclusão social, da derrota ao neoliberalismo, do bem estar social, da ampliação das liberdades democráticas, da soberania nacional, da integração regional e as reformas estruturais, devem estar organizados como parte de um programa socialista, que se traduz...

... 1) em derrotar o capital, especialmente os oligopólios transnacionais e financeiros

.... 2) se traduz em ampliar a área de propriedade social e pública

(parênteses que tem enorme importância para nós: estatizar o setor financeiro, não haverá desenvolvimento democrático, popular e socialista num país como o Brasil se o capital financeiro continuar sob controle de um oligopólio privado)

....3) como parte dessa “armação socialista” do nosso programa, além de impor uma derrota ao capital, além de ampliar a área de propriedade pública e social, se trata de colocar a sociedade brasileira sob o controle da classe trabalhadora e tudo que isso implica do ponto de vista da reestruturação da ordem política e social brasileira.

A burguesia brasileira sabe disso, e é por isso que ela encara cada medida parcial e mínima que nós propomos como tivéssemos uma estratégia socialista e revolucionária para o Brasil. 

Eles reagem assim. O irônico é que nós não agimos assim, uma grande parte de nós não age assim. Uma grande parte de nós agiu e continua agindo, continua pensando, como se fosse possível seguir passo a passo, a cada momento, tática-processo, “lá na frente a gente vê o que será”.

Estratégia

Para materializar esse programa, cujo detalhamento está no jornal Página 13, é necessário uma estratégia de poder, que enfrente o tema das rupturas e da revolução. 

Grande parte do nosso partido enfrentou o debate sobre a crise do socialismo nos anos 90 jogando na lata do lixo a ideia da revolução e da ruptura e aceitando sob as mais variadas formas a visão social-democrata mais chulepa que está na base dos equívocos cometidos. 

Até mesmo o endeusamento que eles fazem do PED não diz respeito apenas a que através do PED eles acham que ganham, mas diz respeito a submissão deles à ideia liberal de que o máximo de democracia possível é o voto individual. 

Tem um problema de fundo, de concepção. 

Por isso, quando nós falamos de estratégia, nós estamos falando que só faz sentido a nossa auto organização como partido e como classe, só faz sentido a luta cultural e ideológica, só faz sentido a luta social e de massas, só faz sentido a luta institucional e o exercício de mandatos parlamentares e de governos como parte de uma estratégia não apenas de construção do poder, mas de conquista do poder. 

Quando falamos isso na comissão de teses do congresso nacional um companheiro respondeu que o PT não pode aceitar essa ideia, que um governo encabeçado pelo PT não pode colocar a PF sob controle, não pode colocar o STF nem o MP sob controle, que o PT tem que defender a autonomia dessas instituições de Estado, porque isto é ser republicano, e que o PT nunca vai aceitar – disse esse companheiro – uma estratégia organizada em torno da ideia de conquistar o poder, realizar rupturas, realizar uma revolução, porque, dizia este companheiro, "o PT é um partido democrático". 

E esse companheiro que falou isso não é da CNB, não é do setor atualmente majoritário.

Falo isso para que nós --sem preconceitos-- enfrentemos as questões também entre nós, pois as ilusões republicanas também estiveram presentes entre nós.

O setor majoritário no Diretório Nacional fez o que fez porque ganhou entre nós enorme espaço a ideia do republicanismo, a ideia da revolução democrática, e outras ideias que a história também derrotou, e nós temos que admitir isso se nós quisermos ser maioria e construir uma maioria dentro do partido. 

Em 1993 a esquerda foi maioria no PT e nós não conseguimos sustentar essa maioria de esquerda; em 2005 nós quase fomos maioria, e não chegamos a ser porque um pedaço da então esquerda petista desistiu da luta pelo PT antes da hora.

Esses dois erros nós não podemos cometer: capitular às ideias deles e abandonar a batalha que será vencida. 

Será vencida porque o problema de fundo não é a discussão sobre o PT, eu sou comunista, sou socialista, sou revolucionário, e é tão difícil tudo isso. E se eu acho que, apesar de tão difícil, tudo isso é possível, porque mesmo eu acharia impossível ganhar a batalha do PT? 

Num país como o Brasil, a classe dominante não tem condições estruturais de cooptar, de maneira similar a que fez nos países centrais, a classe trabalhadora. 

Existe uma base material que torna possível ter um partido socialista, de massas e revolucionário. 

Essa base material é que nos dá as condições de vitória. Não é a vontade, não são as disputas de aparato, não é o mau humor de fulano ou de beltrano, não é a existência momentânea de uma liderança carismática X Y ou Z.

Três problemas adicionais que eu quero abordar para encerrar. 

Tudo isso que eu falei até agora poderia ser dito desta mesma forma 3 ou 4 anos atrás. 

Portanto, hoje não podemos dizer só isto, para enfrentar o debate em que nós estamos. 

Porquê? 

Primeiro porque o ambiente internacional se alterou profundamente. 

Nós estamos vivendo um período de crises e guerras, similar ao que precedeu as duas guerras mundiais, similar àquele onde ocorreu a grande Revolução Russa de 1917, e se isso não entrar no nosso desenho estratégico, se nós fizermos o debate estratégico e programático, acreditando ou desconsiderando esse ambiente internacional, seremos atropelados. 

Em segundo lugar, não é possível repetir apenas o que foi dito até agora, porque a burguesia brasileira voltou ao seu "modo normal". 

O golpe é, entre outras coisas, o desmanche dos acordos firmados na Constituição Federal de 1988. 

A Constituição Federal de  1988 não incorporou nenhuma das demandas por reformas estruturais que a esquerda brasileira defendia. Mas por outro lado, a Constituição afirmou: daqui para frente, se respeitarão as liberdades democráticas e havendo crescimento, haverá distribuição de renda. 

O golpe consumado em 31 de agosto de 2016 interrompeu estas duas coisas. 

A PEC 55 diz: havendo crescimento, não haverá mais distribuição de renda. E o impeachment contra nós disse: as liberdades democráticas -- entre as quais a verdade das urnas -- está sob questão. 

E isso deve ser levado em conta em nosso desenho estratégico, porque não nos basta mais dizer o que dizíamos em 1987: “queremos ser governo como parte do caminho para ser poder”. 

Porque o “queremos ser governo” supõe que o lado de lá aceite ser derrotado eleitoralmente. E como nós tivemos a grande chance e, por razões estratégicas se abriu mão de utilizar nossa presença no governo para disputar o poder, não está dado que esta possibilidade volte a se repetir. 

O que coloca para nós a necessidade, como partido, de construir uma estratégia de longo prazo de disputa pelo poder, que não tenha como única via de acesso a conquista eleitoral de governo.

Isso tudo implica enfrentar uma dificuldade adicional, de "vocabulário". 

No PT e na esquerda brasileira,  quando fazemos o debate sobre programa e estratégia, usamos as mesmas palavras para dizer coisas diferentes, e as vezes usamos palavras diferentes pra dizer as mesmas coisas. 

Por isso é muito importante abordar o Congresso do PT como um processo, não tendo pressa para chegar a acordos no papel, mas com radicalidade para explicitar os pontos de acordo e os pontos de diferença, porque na nossa opinião pode ser que o momento que nós estamos vivendo seja superado rapidamente, mas pode ser também que a gente esteja diante de um período histórico longo, onde vai ser necessária muita vontade e disposição e onde um partido socialista, de massas e enraizado na classe trabalhadora como o PT é indispensável, motivo pelo qual nós estamos entre aqueles que não colocamos em discussão, em nenhuma hipótese, em nenhum lugar, e não participaremos de absolutamente nada que coloque como premissa a hipótese da saída do Partido dos Trabalhadores.




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