terça-feira, 27 de novembro de 2018

Aldo Fornazieri e o “destino” de Lula


O professor Aldo Fornazieri escreveu um artigo intitulado “Destino de Lula: abandono e solidão”.


O que o artigo afirma é verdadeiro? 

Sobre o presente e o passado recente, não. 

Sobre o futuro, tampouco, ao menos no que depender da campanha Lula Livre.

Com base em que fatos se baseia Fornazieri, para afirmar que o destino de Lula é “abandono e solidão”?

Vejamos ponto a ponto.

Fornazieri começa afirmando que “Lula está politicamente abandonado”. 

A direita não acha isso. 

Seus porta-vozes reclamam que Lula transformou sua cela em comitê eleitoral. O próprio Bolsonaro acusou Fernando Haddad de receber instruções de um preso. 

No dia 18 de novembro de 2018, o jornal O Estado de S. Paulo publicou texto afirmando que Lula recebeu 572 visitas ao longo de seis meses de prisão. 

Façam as contas: seis meses, mais ou menos 180 dias, 572 visitas. A lista inclui desde familiares até artistas famosos, passando por lideranças do PT e personalidades internacionais as mais variadas. O Papa, como todos sabem, mandou sua mensagem. E, mais importante que tudo, 31 milhões de brasileiros e de brasileiras votaram no primeiro turno na candidatura escolhida, indicada e apoiada por Lula.

Sendo assim, do que mesmo Fornazieri está falando?

Vejamos o argumento de Fornazieri: “O abandono político de Lula, principalmente por parte do PT, se prenunciava quando o partido não fez uma campanha de mobilização nem para se contrapor à sua condenação, nem para se contrapor à sua prisão e nem para exigir a sua libertação.”

Portanto, Fornazieri acha que a culpa pelo “abandono político” é “principalmente” do PT.

Fornazieri acusa a esquerda de ser responsável e culpada pelo que a direita está tentando fazer.

Fornazieri é mais um de uma longa lista que aponta o dedo acusador e diz: “a culpa é do PT”.

A direita persegue, condena sem provas, prende injustamente. E a culpa, segundo Fornazieri, é do PT.

Com base no que Fornazieri sustenta esta afirmação?

Segundo Fornazieri, o PT não teria feito uma campanha de mobilização nem para se contrapor à condenação de Lula, nem para contrapor à prisão de Lula e nem para exigir a libertação de Lula.

Lendo isto, só posso responder que Fornazieri vive num mundo alternativo, como aquele mostrado na série “Fringe”. 

Neste mundo paralelo, não existe a campanha Lula Livre, não existe a Vigília na sede da Polícia Federal, não houve nenhuma mobilização quando Lula foi depor, não houve nenhum ato público, não houve mobilização de artistas e intelectuais e juristas, não foram distribuídos milhões de jornais, panfletos e revistas, não circularam dezenas de milhões de memes, mensagens, tweets...

Talvez Fornazieri tenha querido dizer que a campanha Lula Livre até agora não teve êxito. E isto é um fato: sofremos um golpe, sofremos uma derrota eleitoral, Lula segue um preso político. 

Mas ter sido derrotado não é igual a não ter lutado. O fato de Lula estar preso não significa que ele tenha esteja sendo vítima de “abandono político”. 

Talvez Fornazieri tenha querido dizer que a campanha Lula adota uma linha política equivocada. 

Segundo Fornazieri, “ocorreram atos isolados aqui e acolá, é verdade. Mas não atos que se inscrevessem no contexto de campanhas organizadas e sistemáticas. O processo da campanha eleitoral impôs a Lula a consumação do abandono político, sacramentado no pós-eleições”. 

Vou pular a parte dos “atos isolados aqui e acolá”. O fato (fatos existem, ainda que alguns intelectuais desconsiderem este detalhe) é que, na maioria das cidades do Brasil e em grande número de cidades no exterior ocorreram várias atividades em defesa da liberdade de Lula.

Também vou deixar de lado a discussão sobre a necessidade de “campanhas organizadas e sistemáticas”. Claro que se faz necessário que tenhamos mais organização, mais sistematicidade, mais disciplina, mais dinheiro, mais tudo.  Sempre é necessário tudo isto e sempre haverá quem, de fora, às vezes direto de uma torre de cristal, critique duramente os que estão fazendo.

Me concentrarei na seguinte afirmação de Fornazieri: “O processo da campanha eleitoral impôs a Lula a consumação do abandono político, sacramentado no pós-eleições.”

Será que isto é verdade? 

Mesmo estando preso, Lula foi inscrito no dia 5 de agosto como candidato do PT à presidência da República. 

De 5 de agosto até 11 de setembro, o PT manteve a candidatura Lula. Foi, inclusive, vítima de perseguição judicial por causa disso.

No dia 11 de setembro, o PT foi obrigado a substituir Lula como candidato a presidente. Mas Lula continuou presente na campanha de Haddad, muito mais no primeiro turno, muito menos no segundo turno.

Esses são os fatos. 

Pergunto: estes fatos permitem sustentar a tese de Fornazieri, segundo a qual “o processo da campanha eleitoral impôs a Lula a consumação do abandono político”??

Talvez Fornazieri esteja querendo dizer que alguns setores de centro e de esquerda, talvez até mesmo alguns integrantes do PT, queriam reduzir a presença de Lula na campanha e, agora, querem minimizar a importância da campanha Lula Livre.

Mas se é isto que Fornazieri quer dizer, então ele deveria dar nome e sobrenome para quem está fazendo isso. E não fazer uma acusação genérica contra o PT. 

E o pós-eleições?

Será verdade que “o abandono político” foi “sacramentado no pós-eleições”?

Novamente, pergunto: com base em que fatos Fornazieri afirma isso?

Segundo Fornazieri, o depoimento de Lula “à juíza Gabriela Hardt simbolizou o abandono político efetivo do ex-presidente: nenhuma mobilização, nenhum ato de apoio, nenhum protesto nas proximidades do tribunal. O que se viu no depoimento foi um Lula envelhecido, triste e cansado, acompanhado apelas pelos advogados que até agora não obtiveram nenhuma vitória jurídica”.

Primeiro: não é verdade que não tenha ocorrido “nenhuma mobilização, nenhum ato de apoio, nenhum protesto nas proximidades do tribunal”.


Fornazieri pode criticar o tamanho da mobilização. Mas não pode falar que nada tenha sido feito.

Segundo: é simplesmente ridículo criticar o fato de que Lula estava acompanhado “apelas [sic] pelos advogados que até agora não obtiveram nenhuma vitória jurídica”.

[Suponho que o “apelas” acima transcrito seja, na verdade, “apenas”.]

O acesso ao local dos depoimentos é restrito. Isto é culpa do PT?

E a ausência de vitórias jurídicas é culpa dos advogados? Será culpa do PT? Ou será resultado de um processo que, desde o início, está organizado para condenar e prender Lula?

Como já dissemos antes, Fornazieri atribui ao PT (a vítima) a responsabilidade, a culpa, pelas ações cometidas pelo agressor (a coalizão golpista).

Terceiro: não sei bem o que dizer sobre a frase “o que se viu no depoimento foi um Lula envelhecido, triste e cansado”.

Eu tenho minha avaliação sobre o depoimento dado por Lula. E também tenho minha avaliação sobre o estado de ânimo de uma pessoa de mais de 70 anos, vítima de uma injustiça sem tamanho. 

Mas a maneira como Fornazieri refere-se ao fato é simplesmente absurda. 

Lula está envelhecido? Quem não estaria, depois de meses numa cela? Lula está triste? Quem não estaria, depois do que ocorreu no Brasil nas últimas semanas? Lula está cansado? Quem não estaria, sendo submetido a um interrogatório medieval?

Talvez no mundo de Fornazieri, só existam homens de aço. No meu mundo, até as principais lideranças são gente como a gente. 

Assim, o impressionante não é o cansaço, a tristeza e o envelhecimento. O impressionante é que Lula e todos nós continuemos lutando e resistindo. 

Fornazieri já foi dirigente partidário, no Partido Revolucionário Comunista e no Partido dos Trabalhadores. Já foi de ultra-esquerda, já foi de um moderado-extremista, hoje não sei bem como situá-lo do ponto de vista político. Mas seu “anima” é mais ou menos a mesmo, desde que o conheci pessoalmente, entre o final dos anos 70 e início dos anos 80.

É este “anima” que permite a ele, direto da torre de cristal, afirmar que “o que era de se esperar é que, com o fim da campanha eleitoral, o PT já tivesse uma campanha planejada de mobilização pela liberdade de Lula”. 

Confesso, novamente, certa dificuldade em responder a esta afirmação de Fornazieri.

Se ele tivesse perguntado antes de atirar, eu teria respondido: não atire, o planejamento existe. 

Mas, como é obvio, a campanha seria uma ou outra, a depender do resultado das eleições presidenciais.

Detalhe importante: a campanha pela libertação de Lula não é apenas do PT. O PT tem um papel importante, mas seria errado ele decidir sozinho. 

No dia 30 de novembro e 1 de dezembro, um representante da campanha apresentará o plano de trabalho na reunião do Diretório Nacional do PT.

Fornazieri não tem a obrigação de saber de nada disto. Mas ele tem a obrigação de, antes de escrever a respeito, se informar.

Mas Fornazieri prefere operar no terreno das “suspeitas” de que “não se veria nada disso”.

E tempera estas suspeitas com a seguinte afirmação: “muitos petistas, perguntados acerca da situação de Lula, respondem que "não há o que fazer". Este conformismo derrotista é a confirmação do abandono”.

Não sei quem são estes “muitos petistas” que servem de fonte para Fornazieri. Devem ser pessoas muito importantes, pois ele diz que seu “conformismo derrotista é a confirmação do abandono”.

O que posso garantir é que “muitos petistas” pensam diferente. 

Ontem, por exemplo, foi divulgado o projeto de resolução que será debatido na já citada reunião do Diretório Nacional do PT. Contrubuiram na redação deste projeto de resolução representantes de todas as chapas que participaram da eleição do atual Diretório Nacional do PT. E, como todos poderão confirmar lendo o projeto de resolução, não há nenhum “conformismo derrotista”.

Claro, a situação é muito mais difícil agora que antes. Mas nossa postura frente as dificuldades é a seguinte: lutar para mudar a correlação de forças. E para que isso ocorra, é preciso convencer a maioria do povo de que a condenação deve ser anulada e Lula deve ser livre. 

Voltemos ao texto de Fornazieri. 

Ele afirma que “quando foi adotada a tática de levar a candidatura Lula até as últimas consequências esperava-se que as elites e o Judiciário pagassem um preço alto pela exclusão do líder das pesquisas, do político mais popular da história do Brasil, junto com Getúlio Vargas. Mas para que este preço fosse pago, evidentemente, alguém haveria de cobrá-lo. O preço seria uma parcela significativa da sociedade mobilizada para exigir a candidatura Lula. Dificilmente bases sociais se mobilizam sozinhas. É preciso direção, comando e coragem para que haja mobilizações. Não havia nada disso quando Lula foi interditado, confirmando que o PT, que havia perdido as ruas desde 2013, mas, principalmente, durante o processo de impeachment que levou ao golpe, não foi capaz de recuperá-las nem para defender seu maior líder - um líder de milhões de brasileiros”.

Não sei se Fornazieri ainda é filiado ao PT. Ou se milita em algum partido. Deveria fazê-lo, pois pelo visto ele sabe (ou acha que sabe, ao menos no papel, ao menos em tese) o que deve ser feito para que haja mobilizações: “direção, comando e coragem”. Eu acrescentaria dois “detalhes”: que haja uma cultura de mobilização e que haja disposição de luta de pelo menos um setor importante das massas.

Desde 2013 até 2018, houve muita mobilização de massa, em torno de diferentes pautas, capitaneada por diferentes setores políticos. Quando olhamos o conjunto da obra, a conclusão é que a direita teve mais êxito que nós, tanto nas ruas quanto nas urnas. Por quais motivos isso ocorreu? Há muitos motivos. Um deles é que, embora tenhamos mantido base e cultura de mobilização eleitoral, perdemos base social organizada e cultura de mobilização de massa.

Isso não ocorreu em 2018, nem em 2015, nem em 2013. Isso vem de muito antes e tem relação direta com as posições que Fornazieri defendeu no Partido dos Trabalhadores, durante os anos 1990 e até 2005 pelo menos. 

Mesmo assim, mesmo tendo perdido parte de sua capacidade de mobilização, o PT e outros setores de esquerda e democráticos fizeram muita mobilização neste período. 

Dizer que “não havia nada”, como diz Fornazieri, é uma injustiça contra quem se mobilizou, é uma informação equivocada e, principalmente, contribui para passar uma falsa impressão sobre a correlação de forças. 

Se as coisas fossem como Fornazieri insinua, não teríamos tido 47 milhões de votos. Estes votos não caíram do céu. São produto de um imenso esforço de mobilização militante.

A questão é que – como já aconteceu no passado, com o próprio Fornazieri – uma postura maximalista rapidamente se converte em derrotismo. 

A linha do tudo ou nada, vitória ou morte, pode ser boa para corrida de 100 metros, mas não é útil quando estamos diante de uma maratona.

Fornazieri pergunta: “Qual foi o preço pago pelas elites e pelo Judiciário pelo encarceramento e pela exclusão de Lula das eleições? Nenhum. Ficaram no lucro com a vitória de Bolsonaro, com principal algoz de Lula premiado com o Ministério da Justiça e com um criminoso e escandaloso aumento de 16,38% nos salários dos juízes. Mas como as esquerdas vivem de ilusões, anunciando vitórias que nunca vêm e que, ao fim e ao cabo das coisas se traduzem em derrotas, agora já vaticinam o fracasso do governo Bolsonaro à espera de apanhar o fruto sem plantar a árvore, para lembrar uma frase de Sérgio Buarque de Holanda”.

Começando pelo final: não sei de que “esquerdas” Fornazieri fala. Como em outras passagens de seu texto, nesta ele faz referência a um sujeito indeterminado. Da minha parte, posso dizer: o PT não subestima os desafios da conjuntura aberta pela eleição de Bolsonaro. 

Agora ao miolo do problema: os golpistas venceram. Sendo assim, que relevância tem constatar o óbvio? Pois é óbvio que os que venceram, “ficaram no lucro”. 

A questão relevante é outra: a derrota que sofremos nos destruiu, ou permite que sigamos lutando?

Em nossa opinião, um Partido que recebeu 31 milhões de votos no primeiro turno e cuja candidatura recebeu 47 milhões de votos no segundo turno tem base social, força eleitoral e capacidade política de seguir lutando.

Claro, tem gente na oposição que pensa diferente. E tem gente, como Fornazieri, que faz críticas que contribuem para criar um clima de “desmoralização e terra arrasada”. 

Aliás, recomendo aos leitores de Fornazieri que leiam vários artigos dele, pois aí o enredo toda fica claro.

Mas pior que a posição de Fornazieri, é seu estilo literário, digamos assim. 

Vejamos dois parágrafo de seu texto: 

“No seu abandono, o que Lula tem pela frente é a perspectiva de novas condenações. O ambiente político adverso com a vitória de Bolsonaro, a pressão de generais que não querem Lula livre e o alinhamento das altas Cortes do Judiciário com os militares reforçam ainda mais a perspectiva de novas condenações e de alguns longos anos na cadeia”.

“Na medida em que o tempo passa e que nada de excepcional acontece em torno de Lula e de sua prisão (a não ser novas condenações), a ideia de Lula preso vai sendo naturalizada não só pelos petistas, mas pela consciência democrática em geral. A passividade é uma forma de aceitação, é uma memória triste e impotente do que poderia ser diferente mas não foi. A passividade é também uma forma de esquecimento. No caso, do esquecimento de que Lula está preso. O incômodo dessa lembrança só virá às mentes pelas notícias negativas das mídias”.

O problema do, digamos, estilo literário de Fornazieri, é que ele primeiro faz várias afirmações que são verdadeiras (“ambiente político adverso”, “pressão de generais”, “alinhamento das altas Cortes do Judiciário”, “perspectiva de novas condenações”) acerca do lado de lá. 

Em seguida Fornazieri conduz seu leitor para um segundo conjunto de afirmações, desta vez acerca do lado de cá: “a ideia de Lula preso vai sendo naturalizada”, “a passividade é uma forma de aceitação”, “memória triste e impotente”, “forma de esquecimento”. 

Estas afirmações são verdadeiras? Como já expliquei antes, não são. Do lado de cá, existe mobilização e luta por Lula Livre. Há dúvidas e certo desânimo? Claro!! Há menos mobilização e organização do que o necessário? Claro também. Mas o clima descrito por Fornazieri é não apenas exagerado: ele contribui para criar um ambiente de depressão e cizânia. Pois a moral da história que nos é sugerida é que Lula não é vítima dos golpistas, mas sim de nossa suposta passividade.

Ligando o primeiro e o segundo bloco de afirmações, Fornazieri coloca uma frase enigmática: “Na medida em que o tempo passa e que nada de excepcional acontece em torno de Lula e de sua prisão”. 

Não vou especular o que ele quer dizer com “nada de excepcional”. 

Apenas digo o seguinte: não se deve esperar dos golpistas e do governo Bolsonaro nenhum tipo de complacência, nem com o PT, nem com Lula. 

Como mudar esta situação? Com algo excepcional, um ato mágico feito por algum super-herói? Não, pelo contrário.  

Mudar a situação, anular a sentença, libertar Lula, depende de que dezenas de milhões de brasileiros e brasileiras convençam outras dezenas de milhões de que a condenação foi injusta, que Lula é inocente, que sua pena deve ser anulada e ele deve ser liberto.

O estilo literário de Fornazieri contribui para isto?  Nem um pouco. 

Vejam só o estilo distópico do que vem a seguir: “O abandono e o esquecimento de Lula o retirarão também da memória coletiva e ele será lembrado como uma coisa boa para os muitos pobres e uma coisa ruim para os mais ricos. Mas ele será cada vez mais uma lembrança que vai empalidecendo. Na medida em que as pessoas precisam viver e continuar a vida, as suas expectativas se deslocam para novos líderes, para novos embates ou para novas frustrações”.

O que nos espera, segundo Fornazieri? “Novas frustrações”...

Outro exemplo de distopia deprimente: “Com Lula abandonado e esquecido na prisão, a sua força mítica tende a se enfraquecer. Aqueles que querem que essa força se enfraqueça ou morra tenderão, ao máximo, fazer verossímeis as acusações e aqueles que gostariam que ela continuasse viva não têm força e nem coragem para fazê-la viver. O que se verá, se nada for feito, é a desencantadora consumação da força extraordinária de um autêntico líder do povo. E o povo, que é o verdadeiro abandonado, não terá essa força mítica como conforto de suas angústias, como energia ativa de suas lutas e como referência de combate. O enfraquecimento da figura mítica de Lula se expressará como enfraquecimento da própria energia combativa do povo, pois este acreditará que nada vale a pena já que o seu destino será a pobreza e a derrota”.

O que nos espera?
“A pobreza e a derrota”.

Esta retórica depressiva causa apenas mais depressão. Mas qual a causa profunda desta atitude depressiva?
 
Fornazieri dá uma pista, quando ele fala do que acha que Lula estaria sentindo. Diz Fornazieri: “solidão”, “solidão da falta de perspectivas de exercitar a sua liberdade com plenitude”, “solidão diante de um país que lhe negou a possibilidade de ele doar-lhe o que tem de melhor”.

Não sei se Fornazieri conhece Lula o suficiente para falar coisas desse tipo. Assim vou me limitar a parte política do comentário de Fornazieri: “solidão diante de um país que lhe negou a possibilidade de ele doar-lhe o que tem de melhor”.

Vejam que curioso: o círculo se fecha.

No começo do texto, Fornazieri nos disse que a culpa pelo “abandono político”de Lula seria “principalmente” do PT.

No final do texto, Fornazieri nos diz que a culpa pela solidão de Lula é do “país”.

Do país?

Não da classe dominante, não dos golpistas, não da direita e extrema direita, mas... do país!!

E aí vem a cereja do bolo: “A situação de Lula é uma lição dolorida que todos os políticos deveriam aprender: o poder não pode ser arrogante, mas deve ser exercido com prudência, humildade e humanidade”. 

Ou seja: a culpa é de quem foi arrogante ao lidar com o poder...

Fornazieri termina seu texto convocando o “PT, os movimentos sociais, as esquerdas e os líderes políticos que têm poder de convocação” para “atenuar a dor da solidão de Lula: mostrar, através de uma campanha organizada, em atos e mobilizações, que ele não está só”.

Mas mesmo neste momento, o que predomina é o pessimismo: “talvez, o destino de Lula seja o de confirmar, tristemente, uma afirmação de Schopenhauer”, a saber, que "a solidão é a sorte de todos os espíritos excepcionais".

Penso diferente de Fornazieri. 

Nosso objetivo não é “atenuar a dor da solidão de Lula”. Isto é frase adequada, quem sabe, a doentes terminais, no leito de morte.

Lula não está morto, nós não estamos mortos, não queremos “atenuar a dor da solidão”.

Queremos anular a sentença, queremos libertar Lula, queremos derrotar Bolsonaro, queremos voltar a governar o Brasil.





Segue o texto de Fornazieri

Destino de Lula: abandono e solidão

por Aldo Fornazieri

Lula está politicamente abandonado. O abandono político de Lula, principalmente por parte do PT, se prenunciava quando o partido não fez uma campanha de mobilização nem para se contrapor à sua condenação, nem para se contrapor à sua prisão e nem para exigir a sua libertação. Ocorreram atos isolados aqui e acolá, é verdade. Mas não atos que se inscrevessem no contexto de campanhas organizadas e sistemáticas. O processo da campanha eleitoral impôs a Lula a consumação do abandono político, sacramentado no pós-eleições. O seu depoimento à juíza Gabriela Hardt simbolizou o abandono político efetivo do ex-presidente: nenhuma mobilização, nenhum ato de apoio, nenhum protesto nas proximidades do tribunal. O que se viu no depoimento foi um Lula envelhecido, triste e cansado, acompanhado apelas pelos advogados que até agora não obtiveram nenhuma vitória jurídica.


O que era de se esperar é que, com o fim da campanha eleitoral, o PT já tivesse uma campanha planejada de mobilização pela liberdade de Lula. Mas as suspeitas que não se veria nada disso se confirmaram. Muitos petistas, perguntados acerca da situação de Lula, respondem que "não há o que fazer". Este conformismo derrotista é a confirmação do abandono.

Quando foi adotada a tática de levar a candidatura Lula até as últimas consequências esperava-se que as elites e o Judiciário pagassem um preço alto pela exclusão do líder das pesquisas, do político mais popular da história do Brasil, junto com Getúlio Vargas. Mas para que este preço fosse pago, evidentemente, alguém haveria de cobrá-lo. O preço seria uma parcela significativa da sociedade mobilizada para exigir a candidatura Lula.

Dificilmente bases sociais se mobilizam sozinhas. É preciso direção, comando e coragem para que haja mobilizações. Não havia nada disso quando Lula foi interditado, confirmando que o PT, que havia perdido as ruas desde 2013, mas, principalmente, durante o processo de impeachment que levou ao golpe, não foi capaz de recuperá-las nem para defender seu maior líder - um líder de milhões de brasileiros.

Qual foi o preço pago pelas elites e pelo Judiciário pelo encarceramento e pela exclusão de Lula das eleições? Nenhum. Ficaram no lucro com a vitória de Bolsonaro, com principal algoz de Lula premiado com o Ministério da Justiça e com um criminoso e escandaloso aumento de 16,38% nos salários dos juízes. Mas como as esquerdas vivem de ilusões, anunciando vitórias que nunca vêm e que, ao fim e ao cabo das coisas se traduzem em derrotas, agora já vaticinam o fracasso do governo Bolsonaro à espera de apanhar o fruto sem plantar a árvore, para lembrar uma frase de Sérgio Buarque de Holanda.

No seu abandono, o que Lula tem pela frente é a perspectiva de novas condenações. O ambiente político adverso com a vitória de Bolsonaro, a pressão de generais que não querem Lula livre e o alinhamento das altas Cortes do Judiciário com os militares reforçam ainda mais a perspectiva de novas condenações e de alguns longos anos na cadeia.

Na medida em que o tempo passa e que nada de excepcional acontece em torno de Lula e de sua prisão (a não ser novas condenações), a ideia de Lula preso vai sendo naturalizada não só pelos petistas, mas pela consciência democrática em geral. A passividade é uma forma de aceitação, é uma memória triste e impotente do que poderia ser diferente mas não foi. A passividade é também uma forma de esquecimento. No caso, do esquecimento de que Lula está preso. O incômodo dessa lembrança só virá às mentes pelas notícias negativas das mídias.

O abandono e o esquecimento de Lula o retirarão também da memória coletiva e ele será lembrado como uma coisa boa para os muitos pobres e uma coisa ruim para os mais ricos. Mas ele será cada vez mais uma lembrança que vai empalidecendo. Na medida em que as pessoas precisam viver e continuar a vida, as suas expectativas se deslocam para novos líderes, para novos embates ou para novas frustrações.

Com Lula abandonado e esquecido na prisão, a sua força mítica tende a se enfraquecer. Aqueles que querem que essa força se enfraqueça ou morra tenderão, ao máximo, fazer verossímeis as acusações e aqueles que gostariam que ela continuasse viva não têm força e nem coragem para fazê-la viver. O que se verá, se nada for feito, é a desencantadora consumação da força extraordinária de um autêntico líder do povo. E o povo, que é o verdadeiro abandonado, não terá essa força mítica como conforto de suas angústias, como energia ativa de suas lutas e como referência de combate. O enfraquecimento da figura mítica de Lula se expressará como enfraquecimento da própria energia combativa do povo, pois este acreditará que nada vale a pena já que o seu destino será a pobreza e a derrota.

Lula sempre foi muito ativo politicamente, alegre, afetivo, comunicativo, brincalhão. Em que pese ter muitas visitas na prisão, parece óbvio que o tolhimento de sua liberdade faz com que lhe pese a solidão. Essa pode ser ainda maior porque o seu encarceramento o impede de viver essa essência, essa natureza afetiva, expansiva e comunicativa. Não se trata apenas da solidão de passar horas e dias sozinho, mas da solidão da falta de perspectivas de exercitar a sua liberdade com plenitude. Trata-se da solidão diante de um país que lhe negou a possibilidade de ele doar-lhe o que tem de melhor. Trata-se da solidão de ver envelhecer-se mergulhado no abismo de quatro paredes.

Certamente, Lula já terá refletido muito acerca do caráter efêmero do poder e acerca da precariedade da vida humana. Até ontem ele era um dos presidentes mais festejados do mundo e, hoje, vê-se na aterradora condição de um encarcerado. A situação de Lula é um retrato vívido da precariedade e da fragilidade das coisas humanas. A situação de Lula é uma lição dolorida que todos os políticos deveriam aprender: o poder não pode ser arrogante, mas deve ser exercido com prudência, humildade e humanidade. Somente este tipo de poder merece ser glorificado e somente os líderes que assim o exercem se tornam heróis cuja, sua memória, sua lembrança e sua invocação são como uma setas que atravessam os tempos.

Somente nós, mas principalmente o PT, os movimentos sociais, as esquerdas e os líderes políticos que têm poder de convocação poderão atenuar a dor da solidão de Lula: mostrar, através de uma campanha organizada, em atos e mobilizações, que ele não está só. Dizer que "não há o que fazer" é enfiar um punhal na já dilacerada solidão de Lula. Mas, talvez, o destino de Lula seja o de confirmar, tristemente, uma afirmação de Schopenhauer: "A solidão é a  sorte de todos os espíritos excepcionais".

Aldo Fornazieri - Professor da Escola de Sociologia e Política (FESPSP).

7 comentários:

  1. Então qual a dificuldade em se organizar manifestações? Vai ficando cada vez mais difícil que elas aconteçam pois no congresso, a tendência é criminalizar qualquer movimento!

    As notas de repúdio do PT não surtirão efeito sozinhas.

    Gostei muito do tom positivo de seu texto e espero que seu final se realize.

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Ótima análise de Pomar. Sem negativismo, sem conformismo e sem interpretações vazias de fatos.

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  4. Acho justo lembrar que a equipe dos adv. Zanin e Valeska, obtiveram vitória extraordinária ao conseguir parecer favorável da ONU, pelo direito de Lula ser candidato. Esse "ZAP" levado às últimas consequências faria com que o judiciário "melasse" a eleição impugnando a candidatura do PT.
    STF e a propria direita fizeram de tudo para que o PT saísse com um candidato que legítimasse o processo.
    Quando se tinha controle total do TSE e das urnas inalditaveis, forçar o adversário retirar seu melhor jogador de campo é como impor a vitoria por WO.
    Assim como nas vesperas da efetivação do plano B a equipe do Dr. Zanin ainda pode nos surpreender. Existem provas nos documentos da Odebrecht, que estão em Berna, capazes de provocar um terremoto na classe política.
    So espero que não seja tarde demais para revelar os segredos dessa caixa preta.

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  5. O Comitê Popular Lula Livre Zona Oeste de São Paulo, está todas as quartas feiras no Largo da Batata, conversando com a população, distribuindo panfletos e desejando Boa Noite ao Presidente Lula.
    Convidamos todos a aderir este Boa Noite, que ocorre às 19:30.
    Que estes "atos isolados", que se repetem toda quarta, se una a outros de outros comitês.
    Não é possível aos militantes, se deslocar a Curitiba o ano todo, e sabemos que a luta é de longa duração, porisso os comitês se dividem em regiões, para viabilizar a luta constante.

    https://www.facebook.com/events/2067235726908602/

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  6. O que você achou do texto do Breno Altman na Folha de S.Paulo?

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  7. O que você achou do texto do Breno Altman na Folha de S.Paulo? Eu acho que a análise dele está de certa forma correta, mas não é capaz de abordar a questão central: Para mim, apesar de não ceder ao neoliberalismo, o partido considera que não há condições para romper com essa ordem. Parece que a questão de romper o cerco institucional "de fora para dentro do poder público, recorrendo à organização e ao movimento de suas bases sociais", não está mais colocada. Portanto, a única forma é disputar o poder do Estado para realizar suas propostas, conformando-se com essa ordem. O problema é que mesmo assim a elite não aceitou a ascensão do partido e ao romper, ou pelo menos mudar significativamente a ordem em que estava se conformando, derrotou momentaneamente o partido. O erro foi não perceber que essa ordem, que até então parecia poder ser rompida, seria colocada em risco pela própria classe dominante.

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