sábado, 24 de maio de 2025

A carta de José Dirceu

 A retórica é uma arte.


Lembrei disso ao ler a carta que José Dirceu escreveu, em defesa da candidatura de Edinho Silva.

A carta apresenta as posições de Dirceu acerca de Deus e seu tempo.

Posso concordar ou discordar. Mas são as posições de Dirceu, não as de Edinho.

E são posições cuja implementação exigiria que o PT tivesse à sua cabeça alguém que não se comporte como correia de transmissão do governo.

Edinho tem demonstrado, desde que iniciou sua campanha, que está léguas à direita do que Dirceu expressa nesta carta.

E também tem demonstrado, não só agora mas antes, que seu estado de ânimo é a de ministro de um governo parlamentarista, não a de presidente de um partido de combate

Se ainda assim Dirceu o apoia, é na minha opinião por razões e motivações que estão apenas implícitas e sugeridas na sua “carta”. 

Entre elas a famosa “unidade da CNB”, que terminou sua Batalha de Itararé sem que o distinto público fosse informado acerca do que de verdade ocorreu, para que uma aparente paz prevalecesse onde antes pululavam violentas e públicas acusações recíprocas.

Infelizmente para todos nós, a realidade dura e crua é que a carta de Dirceu coincide com mais uma rodada de cortes orçamentários, confusão no governo e uma onda de ataques que demonstram que a linha política defendida pela cúpula da CNB e materializada pelo governo não está resistindo ao teste da prática.

Contra isso não basta retórica. É preciso uma inflexão na política. 

O que Edinho e a cúpula da CNB - leiam a tese inscrita - oferecem ao Partido não é uma inflexão na política, mas uma insistência dogmática no erro: “mais e melhores alianças com a direita”, temperada com concessões e capitulações frente ao capital financeiro.

Não está dando certo e simplesmente não vejo como possa dar certo. Reconheço que a alternativa que propomos a isso é difícil e arriscada. Entretanto, como Dirceu sabe muito bem, combater sempre é arriscado. Mas combater também é sempre melhor que capitular, não importa com qual retórica se justifique isso.

Por tudo isso e mais um pouco, seguimos lutando para que o Partido gire à esquerda. Acreditamos que isso ajudará a superarmos a difícil situação que enfrentamos desde o início de 2025 e, também, ajudará a conquistarmos, em 2026, um quarto mandato Lula em condições de ser superior ao atual.

Mas, acima de tudo, uma inflexão à esquerda contribuirá para que nosso Partido - Dirceu, Edinho e a CNB incluída - tenha bem mais que um grande passado pela frente.

#

Abaixo o texto criticado:

Mais uma vez nosso PT renovará suas direções, e agora por eleições diretas depois de dois PEDs

indiretos e uma prorrogação de mandato. Temos de reconhecer a árdua e difícil tarefa que as últimas direções do PT enfrentaram sob a presidência do companheiro Rui Falcão e depois de nossa presidente Gleisi Hofmann em condições de ataque e guerra jurídica contra o partido e o nosso projetovpolítico.

 

O momento político exige de nós a luta pela unidade da CNB e do PT, na sua diversidade e no

seu pluralismo, além da construção de uma maioria que vá além da CNB e assegure ao partido a governabilidade nos próximos quatro anos. Essa unidade se expressa na participação de todas as correntes e tendências políticas na direção nacional e em sua executiva, e no reconhecimento das candidaturas, todas representativas e legítimas: o companheiro Rui Falcão, militante político da luta contra a ditadura, com experiência na presidência do PT, parlamentar e de governo; Romênio Pereira, dirigente experiente do PT que representa o Movimento PT; e, por fim, Valter Pomar, militante e dirigente do PT, historiador e professor, que representa a Articulação de Esquerda.

 

O apoio à candidatura do companheiro Edinho

Silva, de início dentro da CNB e agora no PED,

baseia-se na legitimidade e na sua experiência

como vereador, deputado estadual, presidente

duas vezes do PT paulista, quatro vezes prefeito e ministro de Estado no Governo da presidenta

Dilma. Edinho tem uma vasta experiência na

direção do PT e nos governos que dirigiu e participou, conhece o mundo parlamentar e vem

de uma vida de lutas, nas pastorais da juventude e operária da Igreja Católica.

 

Como eu, foi office-boy, depois funcionário de uma empresa, operário na fábrica de meias Lupo e na extinta metalúrgica Climax, atual Electrolux.

Apaixonado por futebol, atuou como atleta nas

categorias de base da Ferroviária na década de

1980. Identificado com as propostas democráticas e socialistas do PT, filiou-se em 1985, aos 20 anos de idade. Foi presidente do Diretório Municipal de Araraquara e coordenador regional, assessorou nossa bancada de deputados estaduais durante a Constituinte Estadual, da qual participei como deputado. Em 2007, foi eleito presidente do PT de São Paulo e reeleito com voto de 90% dos filiados e filiadas. Em 2010, foi eleito deputado estadual com 184.397 votos, sendo votado em 500 municípios do Estado.

 

Creio que Edinho está à altura do desafio de

presidir o PT nesse momento histórico e nessa

conjuntura que enfrentamos. Tem experiência e

competência para nos dirigir com apoio do

presidente Lula e não só da CNB como também de outras correntes e lideranças do PT, respeitando a unidade na diversidade e no pluralismo do partido.

 

Temos a tarefa de praticamente reconstruir o PT

depois de uma década de ataque frontal, de

perseguição e mesmo tentativas de cassação de

nosso registro, sem falar no golpe parlamentar-

jurídico que sequestrou o mandato da nossa

presidenta Dilma e da infame prisão do nosso

companheiro Lula num processo ilegal, sumário e

político, felizmente já anulado pelo Supremo

Tribunal Federal. A tarefa de unificar toda a

esquerda numa frente que vá além do PV e do

PCdoB para enfrentar o PL e o bolsonarismo.

 

A conjuntura e as condições que governamos

exigem de nós a capacidade de fazer alianças mais amplas que a centro-esquerda, mas ao mesmo tempo criar as condições de mobilização popular, social e sindical para fazer avançar as reformas estruturais que o país reclama: a política, tributária e financeira, o que exige que nosso PT se autorreforme para retomar a capacidade de mobilização, recriando nossas sedes, nos emponderando nas redes, expandindo a formação política via EAD, ampliando e refazendo nossas relações com os movimentos sociais e nossas campanhas nacionais.

 

É preciso ainda continuar nossa transição

geracional e nosso compromisso com a diversidade e o pluralismo interno,organizar as oposições aos governos estaduais da direita, sustentar e orientar nossa atuação no governo e no Parlamento e, principalmente, reviver as instâncias partidárias e nossa democracia de base, as consultas e relações entre os diretórios municipais e estaduais, as bancadas, governos e nossa direção nacional, facilitadas hoje pelo uso das videoconferências, o que não substitui, pelo contrário, a presença dos dirigentes nos estados, municípios e principalmente nas lutas e mobilizações, e não só pelas redes.

 

Sustentar o governo do presidente Lula e suas

propostas de retomada do projeto de

desenvolvimento nacional, sintetizados na Nova

Indústria Brasil, no PAC e na transição energética-ambiental. Defender a reforma tributária progressiva, a revisão do Imposto de Renda dos ricos, a maior participação dos trabalhadores e trabalhadoras no Orçamento. Reafirmar nosso compromisso com a reforma agrária e a agricultura familiar orgânica e sustentável. Reforçar o debate sobre a liderança brasileira na COP-30 e as ações de enfrentamento à emergência climática. Defender o fim da escala 6x1, impedir o desmonte das estatais e bancos públicos, e do Estado de Bem-Estar Social conquistado com todas suas limitações na Constituinte de 1988.

 

Derrotar de novo a extrema-direita e o bolsonarismo, sem anistia ou mudanças no Código Penal que livre os golpistas de prestar contas à Justiça, mas ao mesmo tempo aumentar nossa bancada na Câmara e no Senado, nossos governos estaduais, e nossa presença nas assembleias legislativas, com atenção especial ao Senado, onde o bolsonarismo trama a retomada de seu projeto autoritário e ditatorial, criando assim as condições para dar continuidade ao nosso projeto político e reeleger o Presidente Lula em 2026.

 

O ataque ao sindicalismo e à luta em defesa do

emprego, dos direitos trabalhistas e da Justiça do

Trabalho deve ser uma prioridade frente à escalada de fortalecimento do sindicalismo patronal e do desmonte da legislação que protege os direitos conquistados na luta das últimas décadas. O PT deve priorizar a reforma política nos próximos anos, construindo uma proposta e a defendendo junto à cidadania. Trata-se de uma urgência, dada a degradação do parlamento via o desvirtuamento das emendas parlamentares e os desvios de recursos para fins eleitorais e mesmo enriquecimento ilícito, o avanço do parlamento sobre os poderes constitucionais do presidente, a indecente decisão de aumentar o número de deputados e as ameaças à independência dos poderes, seja o Judiciário ou o Executivo.

 

É preciso uma verdadeira mudança na vergonhosa concentração de renda e no cartel bancário financeiro, na política de juros e nas metas da inflação, que exigem uma radical reforma tributária e financeira, capaz de pôr fim à apropriação e expropriação da renda nacional pelo capital financeiro e agrário, num circuito entre o Banco Central e a Faria Lima, que cada vez mais concentra renda, via os juros altos únicos no mundo. O serviço da dívida pública e praticamente a isenção histórica que gozam nossas elites da obrigação de pagar impostos limitam nossa capacidade de investimento, impedem que o Estado financie o gasto social, com o agravante de que a saída de uma elite que representa 1% da população é exatamente a manutenção do status quo e o fim do Estado de Bem-Estar Social, com o desmonte dos bancos públicos, das estatais e da nossa capacidade de planejar e financiar o desenvolvimento nacional.

 

Ao PT e às esquerdas resta a tarefa histórica de

concluir a revolução social brasileira inacabada,

que exige duas condições: a soberania e

independência nacional, de um lado, e a democracia, de outro, num mundo onde

precisamos ter lado, lutar contra a extrema-direita

e o neofascismo e manter nossa política externa

independente e não alinhada, guiada pelos

interesses nacionais e pelo nosso projeto de

desenvolvimento e integração regional.

Nosso lugar é no Sul Global, nos Brics e na relação com a América do Sul e América Latina, com a África e os países árabes. Nosso norte é o bem-estar de nosso povo e a defesa de nossa cultura, nossa soberania, nossa terra e riquezas naturais, e nossa independência financeira e tecnológica. Sem isso nada será possível, mesmo com nossa riqueza e soberania alimentar e energética, com nosso mercado interno e nosso imenso território continental.

 

Com esse espírito e ânimo convido filiados e

filiadas do PT, nossa brava e guerreira militância,

a participar do PED, na construção das chapas, no debate político e votando no próximo dia 6 de

julho. Vamos dar uma demonstração da força de

nossa democracia interna e de nossa capacidade

de unir o PT na diversidade e na pluralidade, para

reeleger nosso presidente Lula em 2026 e dar

continuidade ao nosso projeto político em defesa

do Brasil democrático e popular, reiterando nosso

compromisso com a CNB e a candidatura mais

ampla do nosso companheiro Edinho Silva.

 

Saudações petistas e socialistas,

José Dirceu.

 


sexta-feira, 23 de maio de 2025

Rogério Carvalho e a amizade com Israel

Israel está cometendo um genocídio contra o povo palestino.

Mas os apoiadores de Israel fingem que não está acontecendo nada de extraordinário.

Um exemplo disso foi à aprovação, pelo Senado, de um Projeto de Lei estabelecendo o dia 12 de abril como Dia da Amizade Brasil-Israel.

Esse projeto começou torto: sua versão original propunha  que a “amizade” Brasil e Israel fosse comemorada no dia 29 de novembro, “por acaso” o dia que a ONU estabeleceu como Dia Internacional de solidariedade à Palestina.

Por conta disto o PL foi vetado, em 2013, pela então presidenta Dilma Rousseff. No mesmo ano começou a tramitar um novo projeto, que foi aprovado em 2019 pela Câmara e agora pelo Senado.

Como deveria ser óbvio, aprovar este projeto no mesmo momento em que está em curso um genocídio ajuda quem tenta desviar a atenção.

Assim, não surpreende que a direita e a extrema-direita tenham votado a favor deste PL.

O surpreendente é que a bancada do PT também votou a favor.

A bancada do PT no Senado é composta por Augusta Brito (CE), Beto Faro (PA), Fabiano Contarato (ES), Humberto Costa (PE), Jaques Wagner (BA),  Paulo Paim (RS), Randolfe Rodrigues (AP), Rogério Carvalho (SE) e Teresa Leitão (PE).

Mas o voto a favor foi simbólico, ou seja, foi apenas o líder Rogério Carvalho que votou.

Em entrevista ao Opera Mundi, Rogério Carvalho disse que “a diplomacia é feita também de gestos simbólicos — e que isso não contraria, em hipótese alguma, a nossa defesa intransigente de um Estado palestino soberano e de uma solução justa e negociada para o conflito no Oriente Médio”.

A pergunta é: qual o símbolo que resulta desta aprovação, no exato momento em que o Brasil deveria endurecer a relação com um Estado terrorista?

Rogério afirma que a “homenagem não é um endosso ao sionismo bélico, mas um gesto diplomático de continuidade institucional (…) entre Israel e o Brasil, não entre o atual governo de Israel e o atual governo do Brasil”

Digamos que isso fosse verdade, que o genocídio fosse uma política de governo e não uma política de Estado. Ainda assim, por qual motivo aprovar essa homenagem nesse exato momento?

A resposta está implícita na seguinte passagem da entrevista de Rogério ao Ópera Mundi: “Ser contra o genocídio em Gaza não nos obriga a romper laços históricos com o povo israelense.”

Ou seja: em nome dos “laços históricos”, o governo brasileiro - mesmo diante de um genocídio - não deveria romper relações diplomáticas com Israel.

O que o senador Rogério não quer entender é que a situação mudou e para pior. Portanto não é aceitável, especialmente na conjuntura atual, adotar um “marco simbólico construído há mais de uma década, em um contexto de relações bilaterais estáveis”. Nem basta a “crítica do presidente Lula ao genocídio”. Tampouco é suficiente reafirmar “nosso compromisso com uma diplomacia que respeita a soberania dos povos, inclusive do povo palestino”.

É preciso ir além, no sentido da ruptura das relações. Votar a favor da amizade, nesse contexto, a mim soa como um escárnio.

Nassif propõe entregar os pontos

Como piorar ainda mais uma situação difícil?

Um bom exemplo disto é a proposta feita por Luís Nassif, em artigo intitulado “ É hora de Lula começar a preparar sua sucessão” e disponível no seguinte endereço: 

https://jornalggn.com.br/coluna-economica/e-hora-de-lula-comecar-a-preparar-sua-sucessao-por-luis-nassif/

Embora em nenhum momento diga isso de maneira explícita, o que Nassif sugere é que Lula não seja candidato em 2026.

Os “argumentos” de Nassif são basicamente subjetivos: “o herói cansou”, “não tem mais paciência”, “não terá pique”.

Talvez por pensar assim, Nassif trata como insuperáveis as nossas atuais dificuldades: “um governo sitiado, sem espaço para ampliar os gastos, “a apropriação de grande parte do orçamento pelo Centrão”, “a armadilha da política monetária-fiscal”, “a total incapacidade do governo de articular qualquer proposta que devolva ao país a capacidade de sonhar”.

O que Nassif propõe frente a isto é… desistir, capitular. 

Outra atitude é possível, necessária e urgente. 

Ela consiste, entre outras coisas, em mudar a orientação política do governo, especialmente a relativa ao impossível “déficit zero”.

Desistir de fazer isso, usando como pretexto a suposta inapetência de Lula, nos condenaria a derrota não apenas em 2026 e depois, mas também nos condenaria a derrota imediata, em 2025.

Afinal não é criando artificialmente um “sucessor” que Lula fará “o governo parar de jogar na retranca e criar uma expectativa de futuro”.

Em 2005, numa situação muito mais difícil que a atual, também propuseram que Lula abrisse mão de disputar a reeleição.

Mas a escolha feita pela militância petista no PED de 2005 foi outra: mudamos de política e demos a volta por cima.

É o que a militância deve fazer, novamente, no PED deste ano de 2025. Para nós, entregar os pontos nunca foi uma boa alternativa.


Segue abaixo o texto criticado acima:

É hora de Lula começar a preparar sua sucessão, por Luís Nassif 

https://jornalggn.com.br/coluna-economica/e-hora-de-lula-comecar-a-preparar-sua-sucessao-por-luis-nassif/

Há um quadro complexo pela frente.

De um lado, tem-se um governo sitiado, sem espaço para ampliar os gastos e preso a duas armadilhas.

Uma delas, a apropriação de grande parte do orçamento pelo Centrão em um movimento duplo: tirando fôlego político do governo e turbinando eleitoralmente os parlamentares.

Some-se a isso a armadilha da política monetária-fiscal, obrigando o Banco Central a manter juros estratosféricos, que impedem qualquer relançamento maior da economia.

E, no meio, a total incapacidade do governo de articular qualquer proposta que devolva ao país a capacidade de sonhar.

No centro dessa ciranda, Lula, indiscutivelmente a maior liderança moderna do país, único governante que, em período democrático, conseguiu amenizar um pouco a gritante desigualdade brasileira e criar algumas políticas estruturantes. 

Lula é o maior ativo internacional brasileiro, visto mundialmente como a grande voz pela paz, em um mundo cada vez mais radicalizado e conturbado.

Além disso, enfrentou seu martírio, a prisão, a perda de entes queridos, sem jamais baixar a cabeça, dando um complemento épico à sua biografia, especialmente quando voltou para salvar o país da completa milicialização, representada por Bolsonaro.

Agora, é hora de começar a encarar uma situação de frente: o herói cansou. Nada a ver com capacidade cognitiva. Na China, quando deixou de lado o discurso escrito, mostrou sua enorme capacidade de comunicar os aspectos centrais da ética pública. 

Mas o político Lula cansou, não tem mais paciência para o dia-a-dia da política, nem para administrar seu ministério, como fez brilhantemente na grande crise de 2008. Não terá pique para montar seu plano de metas, organizar ações interministeriais, devolver um novo sonho ao país, da mesma maneira que o sonho de eliminar a fome, que pavimentou seus dois primeiros governos.

Essa falta de pique cria uma curva descendente de expectativas que será fatal, mesmo que ainda garanta algum fôlego para vencer as próximas eleições. 

É hora de Lula começar a discutir a sua sucessão. Não se trata de abrir mão do enorme ativo político que ele representa, nem de sua liderança sobre esse processo. Mas tem que começar a apostar em um sucessor, abrir espaço para ele dentro do governo, para o governo parar de jogar na retranca e criar uma expectativa de futuro.

terça-feira, 20 de maio de 2025

Os BRICS são um tigre de papel?



Recomendo muito a palestra da presidenta Dilma Roussef, realizada nesta terça-feira 20 de maio, acerca dos BRICS.

A palestra pode ser assistida aqui: 

https://www.youtube.com/live/hqa0L7qzQn8?feature=shared

Entre os muitos motivos para escutar Dilma, está a análise que ela faz acerca da política implementada por Donald Trump em seu segundo mandato.

Ao mesmo tempo que pontua os impasses e dificuldades do Império, contrapondo os êxitos e fortalezas dos BRICS, em particular da China, Dilma não comete dois equívocos muitos comuns em setores da esquerda: não reduz Trump a uma caricatura, nem trata os EUA como um tigre de papel.

(Aliás, embora sua famosa imagem tenha inspirado muitos desatinos, Mao levava muito a sério o imperialismo.)

Acontece que a recíproca é verdadeira: os Estados Unidos tampouco acham que os BRICS sejam um tigre de papel.

Supostamente eles deveriam pensar isso. 

Afinal, é preciso muito esforço para encaixar as ações concretas do grupo no modelito "sabotador", "confrontacional", "anti-sistema", "anti-Ocidente" & "eixo-do mal" que frequenta as fantasias de certa direita.

Nada mais natural, portanto, que os EUA reconhecessem o "perfil reformista" dos BRICS.

O problema é que os EUA tem um modo muito particular de ver e agir. 

Por exemplo: foram os pais de Bretton Woods, mas quando lhes foi útil rasgaram unilateralmente o padrão dólar-ouro. 

Outro exemplo: foram os pais da globalização neoliberal, mas quando lhes pareceu útil entraram no modo protecionista-mas-não-toque-no-meu-dólar.

Noutras palavras, não importa se você respeita as regras do jogo, o que importa é se você ameaça a hegemonia dos EUA.

Por este e por outros motivos, os EUA não tem ilusões acerca da ameaça existencial representada pelos BRICS. 

Ameaça existencial que não vem apenas da potência econômica da China e do desafio militar da Rússia, mas também de um Brasil-que-não-aceita-ser-quintal-de-ninguém.

Motivo pelo qual o governo brasileiro, como anfitrião da próxima cúpula dos BRICS, precisa lembrar que nas relações internacionais não vale o ditado segundo o qual quando um não quer, dois não brigam.




segunda-feira, 19 de maio de 2025

Quaquá desistiu da candidatura


Acabo de ler no instagram do cidadão a seguinte mensagem:

"Estive agora com Ministra @gleisihoffmann, da Secretaria de Relações Institucionais, para tratar de questões importantes para o Rio e o Brasil, e falamos também da situação do PT e de nossas eleições internas, já que hoje é o último dia para inscrição de chapas e candidatura a presidente do PT".

"Fiz nos últimos meses o debate do que acho ser fundamental para o PT e os melhores perfis para nos dirigir, mas já tinha dito ao próprio presidente Lula que acataria sua vontade, seja qual fosse".

"De ontem para hoje o comando da CNB, do qual faço parte, fez várias rodadas de conversa para buscar a unidade da corrente. A ministra Gleisi, que foi presidente do PT e tem o respeito de todos, e agora como ministra de absoluta confiança do presidente Lula, deixou claro o apoio, o empenho e o pedido de apoio do Presidente Lula à candidatura de Edinho a presidente".

"Atendendo ao Presidente Lula e contribuindo para a unidade da CNB, que é indispensável para a boa governança do PT, e para termos um partido com rumo e unido para a reeleição do presidente Lula eu vim conversar com a Ministra Gleisi, e aqui chegamos à conclusão de que o melhor é não registrar candidatura a presidente e sairmos com a CNB unida e com Edinho sendo o candidato de todos e todas a presidente".

A mensagem acima pode ser conferida aqui: 

https://www.instagram.com/p/DJ2IsmVJUYZ/?igsh=MmtxdGYyMWNyeXRy

Algumas pessoas me disseram estar surpresas com o fato, tendo em visto os alhos e bugalhos que Quaquá disse a respeito de Edinho, inclusive na entrevista ao Manifesto Petista, entrevista que está disponível no seguinte endereço: 

https://youtu.be/gK14ehT37HI

Não me surpreende a decisão de Quaquá, muito menos seu "argumento". 

Afinal, faz tempo que prevalece em setores do Partido a lógica de acatar a "vontade" do presidente, "seja qual fosse".

Quem adota esta postura pode ser, na melhor das hipóteses, um bom ministro. Na pior, um belo de um puxa-saco. Mas em nenhuma hipótese serve para ser presidente do Partido.

Pois o mínimo que se espera de um presidente do PT é que seja capaz de expressar o ponto de vista do Partido, mesmo quando este ponto de vista não coincidir com a "vontade" do presidente da República.

Aliás, o uso do termo "vontade" neste contexto é bem revelador da lógica torta adotada por Quaquá neste e noutros debates. 

Como já vimos no passado, em outros partidos e em outros países, essa lógica torta serve inclusive para -se tudo der errado - transferir a responsabilidade para o dono da vontade, eximindo os que se limitaram a "acatar".

De outro lado, o esforço que foi feito para atrair Quaquá é revelador de quanta tolerância existe, dentro de um setor do Partido, quanto aos métodos e posturas do atual prefeito. 

Seja como for, aquelas pessoas de boa vontade que temiam uma disputa entre Edinho e Quaquá agora sabem que na verdade enfrentamos Edinho & Quaquá. Com tesouraria e tudo!

Da nossa parte, seguiremos travando o debate a que nos propusemos: o PT precisa mudar de rumo, o governo precisa mudar de rumo. E rápido! 










 


Edinho: seu nome é diálogo




O companheiro Edinho Silva, candidato à presidência nacional do PT, acaba de dar entrevista ao Opera Mundi.

Ele teve bons momentos na entrevista, destacadamente sua trajetória nas pastorais, sua posição sobre o chamado identitarismo e sua crítica ao modelo hegemônico de segurança pública (que ele não disse, mas é o vigente por exemplo no estado da Bahia, governado hoje e anteriormente governado por três apoiadores dele).

A entrevista também teve momentos muito constrangedores, como sua posição acerca das eleições na Venezuela e da entrada da Venezuela nos BRICS. Aliás, constrangedores não apenas pelo mérito, mas também pela forma: ficou visivelmente irritado por ser tirado da zona de conforto.

Mas o que me assustou foi certa falta de memória, tanto no tema do socialismo quanto no tema da foto de Lula com Bolsonaro.

Sobre o tema "socialismo", Edinho disse que tem falado do assunto em seus discursos país afora. Não sabia, muito antes pelo contrário, espero que alguma alma boa me envie a prova. De toda forma, recomendo a Edinho que faça uma emenda no manifesto de sua candidatura. Pois lá a palavra socialismo simplesmente não consta.

Agora, sobre o tema "foto de Lula com Bolsonaro", Edinho primeiro tergiversou e depois deu uma versão incorreta sobre o ocorrido.

Para quem não lembra, transcrevo abaixo trecho de um texto publicado neste blog e disponível aqui: 

https://valterpomar.blogspot.com/2025/03/edinho-e-foto-com-bolsonaro.html


Os bastidores não sei, só sei que foi publicado assim no UOL dia 4/11/2022:  Edinho disse que “o presidente Lula tem que tomar posse no ambiente de estabilidade institucional. Temos que criar as condições para tanto. Eu defendo que se abra um amplo diálogo com as próprias forças que foram derrotadas (…) Isso não é sequer consenso no meu partido, mas é a minha posição. Se existiu uma foto de Fernando Henrique e Lula na transição de 2002, por que nós não podemos construir essa foto agora com Bolsonaro e Lula, mostrando ao país que existe uma transição madura, adulta, dentro de um ambiente democrático? Isso seria um gesto que efetivamente baixaria a temperatura do Brasil".

Edinho comparou esta sua proposta com o que supostamente teria sido feito pelo “ex-chanceler alemão Konrad Adenauer, [que] quando foi empossado, se encontrou com lideranças do nazismo para depois destruir o nazismo. Do ponto de vista histórico, o encontro Lula e Bolsonaro pode ser importante e não significa nenhuma concessão".

Na história que estudei, Adenauer não “destruiu o nazismo”, muito antes pelo contrário. Mas o mais importante é que - como ficou demonstrado pelas investigações do STF - no momento em que Edinho queria fazer uma foto, Bolsonaro e os seus estavam (como seguem estando) numa vibe pouco amigável, digamos assim. 

Edinho aprendeu a lição? Pela ênfase beirando a temerosa que ele dá ao fascismo, pareceria que sim. Mas suas declarações acerca da “polarização” & outros assuntos mostram que ele segue não entendendo que para “destruir o nazismo” é preciso um partido para tempos de guerra, onde ninguém ache boa ideia fazer selfie com fascista.

O artigo citado pode ser lido aqui:

https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2022/11/04/coordenador-petista-defende-foto-de-lula-com-bolsonaro-transicao-madura.htm

segunda-feira, 12 de maio de 2025

Andes: resultados e perspectivas



Nos dias 7 e 8 de maio de 2025 aconteceram as eleições do Andes Sindicato Nacional.

Venceu a chapa 1, apoiada pela atual diretoria do Andes, integrada essencialmente por setores do PSOL oposicionista e antipetista.

Em segundo lugar ficou a chapa 4, apoiada por variados setores do PT, setores do PSOL, docentes vinculados a outras organizações e muitos "independentes".

Em terceiro lugar ficou a chapa 2, vinculada essencialmente mas não só à tendência petista O Trabalho.

Por último ficou a chapa 3, vinculada ao PSTU e a outros grupos que geralmente são considerados como de ultra-esquerda.

Na tabela abaixo estão os resultados da eleição de 2025 e de 2023.

VOTOS

TOTAL

CHAPA1

CHAPA2

CHAPA3

CHAPA4

2023

16351

7058

6736

2253

ZERO

2025

14431

6452

2390

2015

3574


Um ponto extremamente negativo para o Andes é o pequeno número de votantes. Aliás, o número de participantes nas eleições do Sindicato Nacional dos docentes vem caindo sistematicamente há vários anos. 

Esta queda parece atingir por igual todos os campos (comparando 2025 com 2023, a queda na votação das chapas 1 e 3 é similar à queda na votação das chapas 2 e 4).

Mas a maior prejudicada pela queda no número de votantes é a oposição. 

Há cerca de 300 mil docentes, dos quais aproximadamente 70 mil são afiliados às Associações Docentes. Se todos estes 70 mil votassem, é muito provável que a oposição vencesse. Como a participação se limita a cerca de 25%, cresce o peso dos militantes profissionais em prejuízo do conjunto da base. E cresce, também, o peso dos aposentados em relação aos professores que estão na ativa. 

A queda do número de eleitores tem relação direta com a política implementada pela atual diretoria, mas também com o impacto contraditório que o governo Lula tem sobre o estado de ânimo do corpo docente, inclusive e principalmente sobre o entusiasmo dos que votaram em Lula no primeiro e no segundo turno de 2022.

Outro ponto importante a destacar é que a chapa vitoriosa é minoritária não apenas entre os docentes, mas também minoritária entre os que votaram. A soma das chapas 2, 3 e 4 é maior do que a votação da chapa 1. 

Mas é verdade, também, que as chapas que considero esquerdistas  (1+3) foram mais uma vez majoritárias no eleitorado.

Um terceiro ponto importante é que o segundo lugar nas eleições de 2025 coube a chapa 4, que quase foi impedida de participar por uma ação combinada das outras três chapas. 

Repetindo de outro jeito: as chapas 1, 2 e 3 tentaram por diversas vezes impedir a inscrição da chapa 4. Usaram e abusaram do jurídico do Andes para tentar privar 3574 docentes do direito de votar na sua chapa preferida.

Embora não seja possível provar, é possível afirmar que a chapa 4 teria um resultado ainda melhor se não tivesse tido que gastar um enorme tempo e energia lutando pelo direito de participar do processo. 

Neste sentido, a chapa 4 teve uma vitória política, entre outras razões por confirmar sua liderança na oposição à diretoria do Andes. Aliás, apesar da perseguição que sofreu por parte das outras três chapas, a chapa 4 demonstrou quem tinha e quem não tinha maioria no antigo movimento Renova Andes.

Mas é preciso colocar esta vitória política da chapa 4 no contexto. A divisão da antiga chapa 2 (tal como concorreu em 2023) obrigou as duas chapas resultantes da cisão (as chapas 2 e 4 que concorreram em 2025) a um grande esforço. E mesmo assim, a soma das chapas 2+4 ficou atrás do resultado obtido pelas chapas 1+3. O que confirma algo óbvio: a eleição do Andes não será ganha na própria eleição. Para ganhar é preciso não apenas organizar tudo com mais antecedência, mas principalmente é necessário ampliar e muito a mobilização das bases do movimento docente em torno das nossas pautas sindicais e político-pedagógicas. 

Seja como for, o resultado que a chapa 4 alcançou nas eleições de 2025 serve como um bom ponto de partida para ações futuras. Mas como já foi dito, o principal não é começar a preparar a próxima eleição. O principal é reforçar o movimento docente aqui e agora. E para isso teremos que saber lidar com as contradições do governo Lula, contradições que não atrapalham o peleguismo vermelho & esquerdista, mas atrapalham demais quem precisa ampliar e muito a participação dos docentes. 



Os jornalões atacam Lula


Prova de que Lula mandou muito bem ao escolher Moscou para comemorar os 80 anos da vitória contra o nazifascismo é a reação histérica dos jornalões.

A respeito, Globo, Folha e Estadão publicaram textos carregados de ódio, bílis e fezes. 

Mas, no meio do besteirol vintage anticomunista, há trechos reveladores acerca do que pensam os intelectuais da classe dominante brasileira.

(Ver ao final a íntegra dos textos que citarei a seguir.)

No texto publicado por O Globo, é dito que "a democracia liberal está ameaçada". Note-se: o que estaria ameaçada é um tipo específico de democracia, a "liberal".

A extrema-direita estaria por toda parte. E além disso haveria "a ameaça do imperialismo militar russo" e os "os riscos da eventual hegemonia econômica da ditadura chinesa". Sem falar do "fogo amigo". Ou seja, os porta-vozes da classe dominante brasileira estão se sentido como aquele cachorro que caiu do caminhão de mudança: não sabem para onde ir.

Neste contexto, reconhece-se que "a celebração do aniversário de 80 anos da vitória na Segunda Guerra Mundial" é "simbólica: serve como alerta contra os riscos do extremismo e faz parte da luta da democracia pela sobrevivência". Mas também se diz que "Lula poderia festejar em qualquer lugar —inclusive no Brasil, de onde se ausenta em demasia —, mas escolheu Moscou. Haverá quem diga que faz sentido, já que a antiga URSS era nossa aliada contra o nazismo. Mas o Brasil entrou na guerra por causa dos Estados Unidos e sempre combateu sob o comando de generais americanos. Nunca tivemos contato com os russos".

Cá entre nós, o Brasil entrou na guerra por conta de uma pressão combinada. De um lado, os EUA. De outro lado, a pressão dos setores democráticos e de esquerda no Brasil, inclusive os "russos", quer dizer, os comunistas. Ademais, o fato de nossas tropas estarem submetidas ao comando dos EUA (o que explica parte do comportamento dos generais brasileiros depois da guerra) não elimina uma verdade histórica: a derrota do nazi-fascismo deveu-se em primeiro lugar ao esforço soviético. E, podemos agregar, a derrota do imperialismo nipônico deve-se em primeiro lugar ao sacrifício do povo chinês.

Outro trecho interessante do texto do Globo é o seguinte: "Além disso, a aliança era acidental e incômoda: Alemanha e URSS eram regimes totalitários similares, comandados por ditadores paranoicos e sanguinários. Antes de se unir à luta contra o nazi fascismo, Stálin assinou um pacto de não agressão que permitiu a Hitler iniciar a guerra. A URSS ficou com Finlândia, Repúblicas Bálticas e metade da Polônia — e a ocupação soviética foi tão brutal quanto a alemã. (O governo da Polônia no exílio se aliou aos países ocidentais, não à URSS.)"

De fato, a aliança era incômoda: entre 1933 e 1939, o nazismo tinha muitos simpatizantes nos países europeus, inclusive na França e Inglaterra. E na véspera da guerra, é conhecido o esforço que estes dois países fizeram para empurrar os nazistas contra a URSS. Fizeram isso porque para a classe dominante daqueles países a URSS era percebida como sendo um perigo maior do que os nazistas. Sendo esse o contexto, criticar o Pacto Molotov-Ribbentrop sem falar nada de Munique é de um unilateralismo vergonhoso.

O texto do Globo é a reclamação de que Lula teria "esnobado" Zelenski "por quase dois anos". Citar dois anos e falar de "esnobar" é malandragem pura, como pode constatar que ler isso aqui: https://www.bbc.com/portuguese/articles/c51pe7vn9y5o

Mas o mais importante do texto publicado pelo Globo é a afirmação segundo a qual "Hitler e Stálin eram parecidos, e Putin se parece com os dois. Não apenas por ser um ditador totalitário que tem o hábito de assassinar adversários, mas também por questões geopolíticas". (....) Só não vê a semelhança, só ignora o risco, quem quer". De fato, só quem quer ignora o "risco" embutido neste tipo de interpretação, acompanhada da seguinte ameaça: "Não é apenas ignorância histórica e estupidez política, é a mais grave agressão diplomática (depois de muitas) às democracias europeias até agora. Ela terá consequências".

Uma última passagem, para concluir: "Lula poderia ir a Moscou a qualquer tempo, mas escolheu este momento simbólico, em que as democracias celebram a vitória contra as tiranias, para confraternizar com Putin, Xi Jinping, Maduro e mais dúzia e meia de liberticidas". O problema, ó X&#@*% que escreveu este texto, é que na derrota da "tirania" nazista, os povos soviéticos e o Exército Vermelho tiveram a primazia.

#

Passemos agora para o que disse um editorial da Folha, intitulado "Deferência de Lula a Putin constrange o Brasil" e publicado dia 9 de maio.

Causa vergonha alheia ver um jornal que apoiou a ditadura, tentar agora falar em nome do Brasil. Mas sigamos.

Segundo a Falha de S. Paulo, não haveria "qualquer vantagem estratégica na presença de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no cortejo a Vladimir Putin. Sua viagem a Moscou para o beija-mão do autocrata abala a imagem do Brasil, ao permitir a leitura de parcialidade ante o ataque movido pelo russo à Ucrânia".

A Falha esquece que Lula, certo ou errado, criticou a agressão da Rússia contra a Ucrânia. Mas sempre disse que para acabar com a guerra era preciso combinar com os russos. "Parcialidade" é cometida por quem fala em paz, mas evita tratar com os russos.

(Não sei como o Manual de Redação da Folha deixa passar frases como a de que a guerra da Rússia contra a Ucrânia é condenada "pela maior parte das democracias do mundo, com exceção do Brasil". Mas é compreensível: não basta condenar, tem que mandar armas e dinheiro, tem que aplaudir o ditador Zelensky, tem que dizer que a Otan é um ninho de pombos que nada tem que ver com a guerra etc.)

A Falha também esquece que os BRICS são estratégicos para o Brasil, especialmente nesses momentos de guerra comercial e tarifária. Guerra desencadeada pelos Estados Unidos, diga-se.

Um ponto alto do editorial da Falha de São Paulo é a seguinte frase: "O presidente brasileiro posou para a propaganda do regime russo ao lado de líderes autoritários unidos pelo terceiro-mundismo, a doença infantil do anti-imperialismo". A pergunta é: o imperialismo existe? O Sul Global existe? De que lado deve estar o Brasil? Ao lado da Europa onde a extrema-direita cresce e que é cúmplice do genocídio de Israel? Ou ao lado do governo Trump? 

O editorial da Falha diz que Lula, ao ir a Moscou, pode "constranger o Brasil perante a União Europeia, um dos maiores parceiros comerciais e reduto antagonista de Putin após a meia-volta errática de Trump". 

Em se tratando de União Europeia, constrangimento mesmo é ler o seguinte: "Francesca Albanese, relatora especial da ONU para os Territórios Palestinos Ocupados, pediu que altos funcionários da União Europeia, incluindo a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e a representante da União Europeia para Relações Exteriores e Política de Segurança, Kaja Kallas, sejam acusadas ​​de cumplicidade em crimes de guerra por seu apoio à campanha genocida de Israel na Faixa de Gaza".

O melhor de tudo, neste editorial da Falha, é ler que "a deferência ao russo não pode ser equiparada ao cultivo de boas relações com o autoritário Xi Jinping. A China, afinal, é outro destino decisivo das exportações nacionais e não move no momento guerra contra uma nação soberana —em que pesem ameaças perenes contra Taiwan".

Primeiro, Taiwan não é uma nação soberana. Segundo, não tem preço ver um "liberal" demostrando que seus princípios democráticos são cotados em dólares. E também em "renminbis".

#

Agora vamos ao editorial do Estadão, publicado dia 10 de maio e intitulado "Lula em Moscou: o dia da infâmia".

Segundo o porta-voz dos bandeirantes quatrocentões, "a imagem de Lula na Praça Vermelha, ladeado por facínoras para ver o desfile de mísseis que vão massacrar inocentes na Ucrânia, marcará o dia da infâmia da política externa brasileira."

Dizer que a ida de Lula a Moscou foi um "vexame moral" é, digamos, uma questão de ponto de vista. Afinal, como já foi dito, nossa moral é diferente da deles. Mas dizer que foi um "fiasco geopolítico para o Brasil" é pura ignorância. Como até a Falha percebe, se não for por outros motivos, o mero pragmatismo recomendaria cultivar boas relações com os integrantes dos BRICS, inclusive porque só tem um jeito de acabar com a guerra: combinando com os russos.

Ocorre que o Estadão considera que o regime russo "encarna o que há de mais próximo ao fascismo hoje" (...) A semelhança com as ambições irredentistas de Hitler (...) é óbvia demais para ser ignorada".

 Se for para levar a sério esta afirmação, devemos concluir que o Estadão está fazendo soar as trombetas da terceira guerra mundial. Infelizmente para eles, a vida está muito confusa, como eles mesmos reconhecem ao dizer que "o gesto de Lula também o aproxima do presidente dos EUA, Donald Trump. Ambos têm apreço por autocratas, disputam um lugar no coração de Putin e culpam a Ucrânia por uma guerra de agressão que a Rússia começou".

Um trecho importante do editorial do Estadão diz assim: "Como em todos os governos petistas, Lula conduz uma política externa pautada não por interesses de Estado, mas por taras ideológicas e por sua ambição de ser festejado como vedete terceiro-mundista. Foi assim na aloprada mediação nuclear com o Irã, em 2010. É assim na contemporização sistemática de ditaduras como Cuba, Venezuela e Nicarágua". 

Ler isto deve decepcionar e muito os amigos do governo e da esquerda brasileira que comemoraram três decisões recentes do governo, a saber, a de retirar o embaixador brasileiro da Nicarágua, a de não reconhecer o resultado das eleições da Venezuela e a de não aceitar a entrada da Venezuela nos BRICS. Afinal, o que o Estadão está dizendo é que não basta ajoelhar, tem que rezar e muito!

Obviamente, o que também está em jogo é 2026. Segundo o Estadão, além de "conspurcar" a "memória dos combatentes da Força Expedicionária Brasileira", Lula teria jogado "mais uma pá de cal na tal “frente ampla democrática” que o elegeu em 2022, sequestrando aquele pacto cívico para usá-lo como instrumento de autopromoção ideológica".

Tudo isso porque o Brasil, segundo o Estadão, estaria se afastando "dos polos democráticos e reformistas do mundo" e se aproximando "da constelação sombria de regimes autoritários do novo eixo de caos". Nessa hora me dá saudade do agente 86. Pois afinal se há um eixo do caos neste mundo de 2025, sua capital é Washington e sua sucursal é Bruxelas.

Estar em Moscou no dia 9 de maio de 2025 foi um acerto de Lula e da política externa brasileira. O ódio dos jornalões apenas confirma isso.


SEGUEM OS TEXTOS COMENTADOS

 O Globo

Coluna: Lula em Moscou: o lado errado da História

Ricardo Rangel, empresário

08/05/2025

Não é novidade que a democracia liberal está ameaçada. Nunca, desde a derrota do nazifascismo em 1945, a extrema direita esteve tão forte, e ela está por toda parte: Trump, Le Pen, Orbán, Bolsonaro etc. Recentemente, o segundo lugar nas eleições alemãs ficou com a extremista Alternativa para a Alemanha (AfD), e o vencedor teve dificuldade para formar um governo (na última vez em que um cenário parecido ocorreu, em 1930, ele abriu caminho à ascensão de Hitler).

A situação internacional tampouco é fácil. Há a ameaça do imperialismo militar russo, os riscos da eventual hegemonia econômica da ditadura chinesa e o fogo amigo. Trump rasga a Constituição como quem troca de roupa, defende extremistas estrangeiros, desorganiza o comércio internacional.

A celebração do aniversário de 80 anos da vitória na Segunda Guerra Mundial, nesta semana, é simbólica: serve como alerta contra os riscos do extremismo e faz parte da luta da democracia pela sobrevivência. Lula poderia festejar em qualquer lugar —inclusive no Brasil, de onde se ausenta em demasia —, mas escolheu Moscou. Haverá quem diga que faz sentido, já que a antiga URSS era nossa aliada contra o nazismo. Mas o Brasil entrou na guerra por causa dos Estados Unidos e sempre combateu sob o comando de generais americanos. Nunca tivemos contato com os russos.

Além disso, a aliança era acidental e incômoda: Alemanha e URSS eram regimes totalitários similares, comandados por ditadores paranoicos e sanguinários. Antes de se unir à luta contra o nazi fascismo, Stálin assinou um pacto de não agressão que permitiu a Hitler iniciar a guerra. A URSS ficou com Finlândia, Repúblicas Bálticas e metade da Polônia — e a ocupação soviética foi tão brutal quanto a alemã. (O governo da Polônia no exílio se aliou aos países ocidentais, não à URSS.)

De toda forma, se a justificativa para a presença de Lula na Rússia é a antiga aliança com a URSS, como fica a Ucrânia, também ex-república soviética? Qual a justificativa para prestigiar um antigo aliado e insultar o outro? Lula quis reduzir o papelão marcando, em cima da hora, uma visita a Volodymyr Zelensky — isso depois de esnobá-lo por quase dois anos. O presidente da Ucrânia mandou dizer que tem mais o que fazer, classificou a ida de Lula a Moscou como “ato hostil” e cogita reduzir o status diplomático na relação conosco.

A maior parte dos países europeus viveu anos sob ocupação e opressão nazistas, e metade se libertou de Hitler para cair sob a opressão soviética. Hitler e Stálin eram parecidos, e Putin se parece com os dois. Não apenas por ser um ditador totalitário que tem o hábito de assassinar adversários, mas também por questões geopolíticas.

Hitler anexou a Áustria, intimidou as potências ocidentais para lhe darem um pedaço da Tchecoslováquia (depois tomou o país inteiro), invadiu a Polônia e jogou o mundo numa guerra devastadora. Putin anexou a Crimeia e invadiu a Ucrânia, e líderes como Trump e Lula dão a entender que ficará tudo bem se ele ficar com (só) mais um pedaço do país. Só não vê a semelhança, só ignora o risco, quem quer.

Lula poderia ir a Moscou a qualquer tempo, mas escolheu este momento simbólico, em que as democracias celebram a vitória contra as tiranias, para confraternizar com Putin, Xi Jinping, Maduro e mais dúzia e meia de liberticidas. Não é apenas ignorância histórica e estupidez política, é a mais grave agressão diplomática (depois de muitas) às democracias europeias até agora. Ela terá consequências.

Lula, alvo de uma tentativa de golpe de Estado, vive elogiando e defendendo a democracia, mas suas ações contrariam suas palavras. Karl Marx escreveu que o critério da verdade é a prática, e a prática de Lula mostra que sua defesa da democracia é da boca para fora. Só vale em benefício próprio.

#

Folha

Editorial: Deferência de Lula a Putin constrange o Brasil

09/05/2025

Não há qualquer vantagem estratégica na presença de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no cortejo a Vladimir Putin. Sua viagem a Moscou para o beija-mão do autocrata abala a imagem do Brasil, ao permitir a leitura de parcialidade ante o ataque movido pelo russo à Ucrânia.

Comemoravam-se 80 anos do Dia da Vitória contra o nazismo, com a entrada do Exército Vermelho em Berlim. O feito militar se deu após a morte de 27 milhões de pessoas da União Soviética na Segunda Guerra Mundial.

O presidente brasileiro posou para a propaganda do regime russo ao lado de líderes autoritários unidos pelo terceiro-mundismo, a doença infantil do anti-imperialismo. Na pretensão de opor à força global dos Estados Unidos, fazem mesuras ao czar de um país que de potência tem só o arsenal atômico.

Lula presenciou não a justa celebração do fim do mais letal conflito da história da humanidade, e sim a glorificação de outro atual, condenado pela maior parte das democracias do mundo, com exceção do Brasil. A guerra de mais de três anos travada pelo gigante nuclear contra a ex-república soviética já causou 1 milhão de mortes, de acordo com estimativas difíceis de verificar.

Ninguém ignora em Brasília que tal agressão foi precedida pela tomada da Crimeia, uma década antes, pelo mesmo Putin. O pretexto para seu expansionismo belicoso seria, desta feita, a iminente adesão ucraniana à Otan.

Na parada militar moscovita, deu-se outra patranha, a de que a Rússia "foi e sempre será uma barreira indestrutível contra o nazismo, a russofobia e o antissemitismo". Em cinismo, Putin se irmana a Donald Trump ao instrumentalizara tragédia do Holocausto de forma mendaz.

O gesto de Lula pode soar diplomático, ao prestigiar uma das nações fundadoras do BRICS, porém serve mais para desqualificá-lo no sonhado papel de mediador entre Rússia e Ucrânia. E, decerto, para constranger o Brasil perante a União Europeia, um dos maiores parceiros comerciais e reduto antagonista de Putin após a meia-volta errática de Trump.

A deferência ao russo não pode ser equiparada ao cultivo de boas relações com o autoritário Xi Jinping. A China, afinal, é outro destino decisivo das exportações nacionais e não move no momento guerra contra uma nação soberana —em que pesem ameaças perenes contra Taiwan.

Lula teria feito melhor ao Brasil se, em vez de participar de convescote com autocratas, cuidasse das articulações políticas em que seu governo, ainda envolvido em um escândalo bilionário, colhe mais derrotas que vitórias.

#

Estadão

Opinião: Lula em Moscou: o dia da infâmia

10/05/2025

A imagem de Lula na Praça Vermelha, ladeado por facínoras para ver o desfile de mísseis que vão massacrar inocentes na Ucrânia, marcará o dia da infâmia da política externa brasileira

Ao tomar parte nas celebrações do “Dia da Vitória” em Moscou – data em que a Rússia festeja a vitória na 2ª Guerra contra o nazismo alemão e que o autocrata Vladimir Putin usa para fazer propaganda de seu regime tirano –, o presidente Luiz Inácio Lula da Silvas e/ou não um triunfo diplomático ou um gesto de realismo pragmático, mas um vexame moral e um fiasco geopolítico para o Brasil. Ao lado de autocratas de todos os cantos, Lula foi aquilo que os antigos agentes secretos soviéticos chamariam de “idiota útil”: um ocidental deslumbrado e voluntarioso – e descartável após servir às ambições do império russo. 

Em teoria, a participação de um presidente brasileiro nas comemorações do fim da 2ª Guerra poderia significar a celebração da liberdade contra a tirania, da coragem do povo russo, do papel civilizatório da Rússia nas artes, nas letras, nas ciências, ou mesmo uma oportunidade para um estadista astuto tecer alianças diplomáticas num mundo multipolar– e até explorar canais para promover uma paz justa entre Rússia e Ucrânia. Na prática, Lula foi o exato oposto.

O cortejo foi a peça de propaganda fabricada por um regime que encarna o que há demais próximo ao fascismo hoje: uma autocracia que envilece sua nação e oprime seu povo, silenciando a oposição, perseguindo minorias, fraudando eleições para sustentar um líder vitalício adornado por uma iconografia imperial. É também um Estado predador, que desestabiliza governos, invade vizinhos e massacra civis sob a bandeira fraudulenta da “desnazificação”. A semelhança com as ambições irredentistas de Hitler, que invocava a germanidade para saquear territórios da Checoslováquia e da Polônia, é óbvia demais para ser ignorada.

Ironicamente, o gesto de Lula também o aproxima do presidente dos EUA, Donald Trump. Ambos têm apreço por autocratas, disputam um lugar no coração de Putin e culpam a Ucrânia por uma guerra de agressão que a Rússia começou.

Como em todos os governos petistas, Lula conduz uma política externa pautada não por interesses de Estado, mas por taras ideológicas e por sua ambição de ser festejado como vedete terceiro-mundista. Foi assim na aloprada mediação nuclear com o Irã, em 2010. É assim na contemporização sistemática de ditaduras como Cuba, Venezuela e Nicarágua. E é assim também, à custa da credibilidade internacional do Brasil, na relação amistosa com Vladimir Putin, um déspota que reintroduziu a guerra na Europa e exumou a guerra fria, flertando com um conflito mundial nuclear.

Ao celebrar o imperialismo de Putin, Lula, numa só tacada, surrou os princípios constitucionais que regem a política externa brasileira – autodeterminação dos povos, prevalência dos direitos humanos e solução pacífica dos conflitos. Também conspurcou a memória dos combatentes da Força Expedicionária Brasileira que tombaram ombro a ombro com os aliados europeus em nome da liberdade na 2ª Guerra. E jogou mais uma pá de cal na tal “frente ampla democrática” que o elegeu em 2022, sequestrando aquele pacto cívico para usá-lo como instrumento de autopromoção ideológica.

O resultado é que o Brasil se afasta dos polos democráticos e reformistas do mundo e se aproxima da constelação sombria de regimes autoritários do novo eixo de caos. Em vez de se mover com pragmatismo e independência num mundo multipolar, Lula opta por um multilateralismo de fachada, que relativiza regras, desrespeita tratados e consagra a lei do mais forte – justamente a lógica que mais prejudica um país como o Brasil, que não dispõe do poder das armas ou do dinheiro, só da diplomacia, da persuasão e da adesão às normas internacionais para proteger seus interesses.

A imagem de Lula na Praça Vermelha, ladeado por facínoras, assistindo ao desfile de tanques e mísseis que vão massacrar inocentes na Ucrânia e outros povos, marcará na História o dia da infâmia da política externa brasileira, um dia em que o Brasil, sem ganhar rigorosamente nada em troca, arruinou seus princípios republicanos e democráticos, bajulando criminosos de guerra e adulando ditadores por puro capricho do demiurgo petista.

O chanceler paralelo Celso Amorim disse que Lula iria a Moscou como um “mensageiro da paz”. Foi apenas um mensageiro da torpeza.