segunda-feira, 13 de outubro de 2025

Breno Altman, o sionismo e o racismo

Breno Altman é uma das principais vozes em defesa da Palestina e contra o Estado terrorista de Israel.

Isso incomoda os sionistas.

Breno Altman é judeu, filho, neto e bisneto de judeus

Isso incomoda muito mais os sionistas.

É por isso que Breno tem sido alvo de inúmeros ataques.

Um dos mais recentes ataques é uma denúncia feita pela Confederação Israelita do Brasil (CONIB) e acolhida pelo Ministério Público Federal.

Segundo esta denúncia, Breno seria racista.

Trata-se da já manjada “lógica” que equipara qualquer crítica à Israel e/ou ao sionismo com anti-semitismo e, portanto, com racismo.

O mérito da acusação já foi refutado pela Polícia Federal e pelos signatários de um abaixo assinado que pode ser lido aqui: 


Do ponto de vista político, o que a ação da CONIB  pretende é intimidar e criminalizar todos que defendem a Palestina, que atacam o genocídio, que consideram que o sionismo é uma ideologia colonialista e racista.

Detalhe: o núcleo duro do bolsonarismo, Tarcísio inclusive, é unha e carne com Bibi. E o governo e a embaixada de Israel no Brasil atacam Lula dia sim e dia também.

Por isso, além de prestar total solidariedade a Breno Altman, é preciso dar ao tema a importância política que possui: o único racismo que existe nesta questão concreta é aquele cuja vítima é o povo palestino.





Articulista da Folha defende a fascista Corina


Eu ouço a Jovem Pan. Mas confesso que tenho cada vez mais dificuldade em ler a Folha.

Por exemplo o artigo assinado por Lygia Maria e publicado na edição de 12 de outubro, sobre o prêmio Nobel da Paz dedicado à fascista Maria Corina.

O artigo de Lygia Maria tem o seguinte título: “Discurso petista pró-democracia é balela”.

Segundo Lygia Maria, “o petismo é avesso à liberdade política”.

No artigo, o único exemplo citado para fundamentar essa opinião é o caso da Venezuela.

Quem quiser conhecer as polêmicas no PT acerca da Venezuela veja aqui: Venezuela em debate. Valter Pomar, 2024 - ELAHP

Segundo Lygia, Corina seria “uma ativista latino-americana que luta pelo fim da ditadura de uma nação vizinha”.

Mas Corina não é uma “ativista”, ela é dirigenta política de uma das facções da oposição na Venezuela.

Esta facção é vinculada à internacional fascista liderada pelo Vox da Espanha, como pode ser lido aqui: Conheça o Foro de Madrid, iniciativa que fará contraposição ao Foro de São Paulo - Conexão Política

Desta internacional fascista participa, entre outros, Eduardo Bolsonaro.

Corina, como a própria Lygia cita, chegou a pedir uma intervenção militar na Venezuela.

Em qualquer lugar do mundo, uma pessoa que pede uma intervenção militar contra seu próprio país arrisca-se a juízo e condenação por traição à pátria.

A escolha de Corina como Nobel da Paz contribui na escalada militar dos EUA contra a Venezuela.

É por esses e outros motivos que mesmo pessoas contrárias ao governo Maduro e também pessoas críticas ao PT, não aplaudem a escolha de Corina para o prêmio.

Mas Lygia Maria, assim como certos articulistas da Jovem Pan, são de outro planeta.

Vide a comparação indireta que ela faz, entre a ingerência militar dos EUA na Venezuela com a recente proposta de Trump acerca de Gaza, um tipo de raciocínio que só ganha sentido no mundo paralelo onde os gringos são um instrumento da paz.

Mas o que esperar de alguém que propôs jogar uma bomba nuclear no Irã?

Mais detalhes aqui: Colunista da Folha defende jogar bomba no Irã: "Malucos de toalha na cabeça"

Como se constata, Lygia é mesmo a pessoa certa para comentar e aplaudir a escolha da fascista Corina para Prêmio Nobel da Paz.

E que a Folha seja sua plataforma, mais certo ainda.

sexta-feira, 10 de outubro de 2025

Vergonha alheia... da notícia publicada pela EBC sobre o Nobel da Paz

Peço que leiam o texto e assistam o vídeo disponível no link abaixo.

O texto foi publicado originalmente na RTP notícias.


O texto do vídeo é baseado na matéria da RTP.

E termina com a apresentadora da Repórter Brasil Tarde dizendo que o Nobel foi para uma pessoa que está "em defesa da democracia".

Ou seja: Corina, uma figura da extrema-direita venezuelana, articulada com Bolsonaro e com a internacional fascista articulada pelo Vox, é apresentada pela EBC como uma democrata.

Não reconhecer a vitória de Maduro já é...

Não aceitar a Venezuela nos BRICS também já é...

Relatar acriticamente a decisão do Nobel por sua vez é....

Mas apresentar Corina como democrata é, pura e simplesmente, uma mentira deslavada, uma empulhação, uma vergonha.

Espero que seja feita uma correção, se não for por razões políticas, pelo menos por razões jornalísticas.











E o prêmio foi para...

Cá entre nós, por essa nem o patão laranja esperava!

Como lembrou o professor Francisco Teixeira, a mais recente laureada pelo Prêmio Nobel da Paz foi uma fascista.

Citando Teixeira: "Maria Corina Machado é signatária da "Carta de Madrid", a Nova Internacional Fascista, junto do Vox espanhol, de Marine Le Pen, Eduardo e Flávio Bolsonaro e Bea Kicis". 

Surpresa?

Não. 

Esta não foi a primeira nem será a última vez que este prêmio é dado a assassinos, alguns aparentemente inteligentes como Kissinger, outros aparentemente simpáticos como Obama, outros seguramente truculentos como Theodore Roosevelt Big Stick.

No limite, a escolha indica que tipo de apito sensibiliza o parlamento norueguês, responsável por escolher o comitê que laureou Maria Corina.

Que efeitos práticos isso vai ter no cerco dos EUA contra a Venezuela, veremos logo mais.

De resto, comprova-se que certos crimes valem a pena para quem os pratica: mais de 1 milhão de dólares como prêmio por trair a pátria e tentar derrubar um governo eleito.

Será que alguém da famiglia se candidatou?



quinta-feira, 9 de outubro de 2025

Mais um para o livro

No romance que escreverei depois de ser cremado, haverá um personagem inspirado no José Dirceu.

Que, aliás, está ativíssimo, em plena (pré-pré-pré)campanha para deputado federal.

A respeito, recomendo a leitura da entrevista concebida por Dirceu a BBC News, que reproduzo na íntegra ao final.

Embora haja muito que mereça comentário, me limito a duas questões: BC e Congresso.

Sobre a primeira questão (BC), a BBC News Brasil perguntou o seguinte: "Mas os juros só têm subido. E o presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, é alguém próximo do presidente e do ministro da Fazenda, Fernando Haddad".

A resposta de Dirceu foi a seguinte: "Foi indicado pelo presidente, mas a política do Banco Central não depende do Galípolo, nem da diretoria do Banco Central, por causa do poder que o setor financeiro tem no Brasil, e porque não se consegue fazer uma reforma tributária".

Essa resposta é simplesmente incrível. 

Alguém acharia razoável aplicar este critério para a gestão Roberto Campos Neto?

Alguém acredita mesmo que o presidente do BC e sua diretoria não têm algum poder?

Aliás, tanto tem que o sistema financeiro faz de tudo para capturar a diretoria do BC.

Ademais, qualquer que seja a relação entre a política de juros e a ausência de uma reforma tributária, este argumento não explica nem justifica os 15%.

A verdade, triste verdade, é a que eu disse no recente encontro estadual do PT SP: Dirceu repete em relação a atual política econômica a mesma postura que adotou frente a política econômica capitaneada por Palocci, no primeiro governo Lula.

Sobre o segundo ponto (Congresso), a BBC perguntou a Dirceu o que segue: "Mas para fazer reforma tributária precisa do Congresso..."

Dirceu respondeu o seguinte: "Por isso tenho dito que a palavra de ordem, o grito de guerra é: 'vamos mudar o Congresso Nacional'. Nenhum país vota em candidato. As pessoas votam em lista, no partido ou no distrito. [Temos que] mudar o sistema eleitoral brasileiro nem que leve 4, 8, 12 anos. É um processo".

De maneira indireta, Dirceu reconhece que o próximo Congresso não será muito diferente do atual.

Afinal, a mudança dependeria da adoção da lista eleitoral e a adoção da lista depende do Congresso aprovar uma reforma.

E é mais provável acontecer uma revolução nesse país do que este ou o próximo Congresso aprovar pacificamente uma reforma eleitoral que prejudique a reeleição dos 311 picaretas.

Portanto, a questão é: enquanto a tal reforma não vem, como avançar?

A resposta a essa questão estratégica deveria estar no centro das nossas preocupações.

Sem resolver esta questão, o Brasil não vai "caminhar para um reformismo mais radical".

Um dos alternativas ficou óbvia no dia 21 de setembro. Mas para investir nessa alternativa precisamos ter um partido disposto a fazer algo mais do que soltar um "grito de guerra".

Quem sabe no segundo volume de suas memórias Dirceu nos ofereça sua opinião a respeito. 


A seguir a íntegra da entrevista citada acima.

6 outubro 2025

Confira os principais trechos da entrevista:

José Dirceu.Crédito,Félix Lima/BBC

BBC News Brasil – O senhor disse, numa entrevista há 20 anos, que havia revelações que o senhor só faria depois de 80 anos. Faltam 6 meses. Não pode antecipar alguma coisa?

José Dirceu - Não vou contar. Na verdade, eu tinha uma avaliação de que, quando chegasse aos 80 anos, eu estaria muito mais velho do que estou e que estaria quase aposentado. Como eu não estou nem mais velho nem aposentado...

Vou publicar o segundo volume das minhas memórias, que começa na minha saída do governo, da minha cassação, que já está inclusive no primeiro volume, e vai até 2014, 2015.

Aí eu vou escrever sobre... O título é 'Eu e a Lava Jato depois das eleições de 26'. Mas o importante é refletir como o Brasil mudou, como o mundo está mudando também.

A parte mais reservada, sigilosa é minha participação na resistência armada à ditadura. Eu sempre falo em geral, mas nunca escrevi um livro sobre isso. Daria para escrever um livro sobre a minha clandestinidade e minha atuação na luta contra a ditadura. Mas isso sempre traz fantasmas que não vale a pena ressuscitar.

BBC News Brasil – Uma pergunta sobre isso então: o senhor fez plástica, desfez. Ficou dez anos sem dar notícias para sua mãe, para sua mulher, seu filho. O senhor se arrepende de alguma coisa?

Dirceu - Não.

BBC News Brasil - Ficaria dez anos sem dar notícia para a família de novo?

Dirceu – Ficaria, se fosse necessário. Era necessário porque todos os que não obedeceram essa regra tinham mais probabilidade de ser assassinado, torturado pela ditadura.

Então acho que eu protegi a minha família, protegi a [ex-mulher] Clara Becker e o Zeca Dirceu [filho de Dirceu, deputado]. Dar notícia, entrar em contato com a família era o caminho mais curto para ser descoberto pela repressão. Sempre foi assim, em todas as experiências da resistência, em todas as grandes guerras, revoluções, revoltas.

Há regras que você tem que seguir, principalmente se você faz opção por entrar na guerra, pegar em armas, você tem que obedecer a uma disciplina militar e você atua para sobreviver. Na guerra você é treinado para matar e sobreviver.

Eu recebi um treinamento que me levou a fazer a plástica, a construir uma documentação sólida, passar um ano inventando um personagem.

Levei um ano para inventar o Carlos Henrique Gouveia de Melo [personagem criado quando ele viveu clandestinamente no Paraná]. O modo de falar, de andar, a história dele.

BBC News Brasil - Como foi esse processo?

Dirceu - É como se fosse criar um personagem do cinema, do teatro.

BBC News Brasil – Mas fez isso sozinho? Quem ajudou?

Dirceu - Brasileiros e brasileiras que estavam conosco em Cuba. Por exemplo, eu sabia tudo sobre Buenos Aires, onde eu morava, onde eu estudei, porque o passaporte que eu usei no mundo por muitos anos era de um argentino-brasileiro, judeu.

Então isso é uma construção. A clandestinidade é algo que, primeiro, você precisa ter confiança em você mesmo, porque se você começa a entrar no estado de instabilidade, no estado de medo, você não sobrevive na clandestinidade.

Talvez pela minha própria experiência nesses anos, foi que eu passei todos esses anos de prisão. Primeiro, uma prisão ilegal, a ação penal 470, chamada mensalão, depois mais de 40 meses em regime fechado [quando foi preso na Lava Jato].

BBC News Brasil – Falando em prisão, existe a possibilidade de que o ex-presidente Jair Bolsonaro cumpra sua pena toda em casa, não vá para a prisão. O senhor acha isso injusto?

Dirceu – Não. Acho que, dado o estado de saúde dele, e já que o Fernando Collor está cumprindo prisão em casa... [Embora] Não foi assim com o presidente Lula, né? Ele foi preso. É verdade que era uma prisão da Polícia Federal.

Acho muito improvável que se possa colocar presos vulneráveis no sistema penitenciário que é controlado pelo crime organizado. As condições são péssimas.

E como o estado de saúde dele [Bolsonaro] está se agravando, porque parece que isso é real, eu não vejo como é que ele pode entrar no sistema penitenciário.

Seria, de qualquer maneira, uma prisão especial. Nós mesmos ficamos muitas vezes na área de vulneráveis. Não tínhamos contato com os presos. Íamos para o pátio sozinhos, para a biblioteca sozinhos. Recebíamos visita num dia diferenciado, como se fosse uma autoproteção.

Agora, vão querer diminuir as penas [dos condenados pelos atos de 8 de janeiro]. Mas esses que estão falando em diminuir as penas agora, nos últimos dez anos eles aumentaram as penas para tudo no Brasil, sem condições do sistema penitenciário receber.

A direita brasileira sempre aplaudiu isso, mas agora ela quer diminuir para aqueles que destruíram o Parlamento brasileiro, a sede do Poder Judiciário e o Palácio do Planalto. Como se isso fosse pouco.

BBC News Brasil – Qual foi a última vez que o senhor encontrou o presidente Lula? Vocês têm se encontrado?

Dirceu - Nos encontramos raramente.

BBC News Brasil – Por quê?

Dirceu - Porque eu não sou ministro, não sou deputado.

BBC News Brasil – Mas é dirigente do PT de novo.

Dirceu - Mas sou dirigente do PT agora, acabei de ser eleito. Não tem razão para me encontrar com o presidente regularmente. O Edinho [Silva], que é presidente [do PT], que tem que encontrar com ele. Quando ele sente que é preciso conversar comigo, ele me convoca, eu vou ao encontro dele, converso com ele.

BBC News Brasil – Mas o senhor 'manda a real' para ele? Falam que o Lula está isolado das pessoas que 'mandavam a real', falavam a verdade para ele...

Dirceu - Não, não vejo que o Lula esteja [isolado]. Lula tem o Jaques Wagner [PT-BA], tem o Randolfe [Rodrigues, PT-AP], o Rogério Carvalho [PT], o José Guimarães [PT].

E tem os ministros da casa. E Lula tem conversado muito com os outros partidos, principalmente agora, e tem interlocução com empresariado.

Evidentemente que ele tem um círculo de relações mais pessoais, que ele, de tempo em tempo, consulta. Quando ele sente necessidade, ele fala comigo. Mas eu e o Lula temos uma relação de quase 40 anos, e convivemos de 1979 até 2005 quase que semanalmente ou diariamente. Então nós também conversamos, vamos dizer assim, por telepatia.

BBC News Brasil – O senhor já disse que Lula montou um governo de centro-direita. E se aliar com o centrão é uma discussão dentro do PT. Qual a sua opinião sobre isso? O Lula vai precisar se aliar com o centrão no ano que vem?

Dirceu - Quem fez a aliança foi o eleitor. O eleitor nos deu 130 deputados, com PT, PCB, PV, Rede, PSOL, PSB, Cidadania e PDT. E no Senado nos deu 22 senadores. O presidente precisava e aprovou as principais medidas para ele chegar até aqui. É só olhar esses últimos dois anos e nove meses.

Portanto, é um governo de centro-esquerda, mas a base parlamentar do governo é composta por partidos de centro-direita, de direita.

Na campanha eleitoral [de 2022], Lula disputou só com esquerda. Nos aliamos com [Geraldo] Alckmin e com um amplo setor de centro-direita das classes médias brasileiras. Mas o PP não nos apoiou, o União Brasil não nos apoiou, o MDB, só a [Simone] Tebet no segundo turno, mas não o MDB todo.

Agora, tudo indica que a direita, toda ela, terá um candidato: o PL com toda a direita, ou dois candidatos. E nós teremos uma candidatura que está bem caracterizada.

BBC News Brasil – Mas a chapa vai ser Lula e Alckmin ou o senhor é a favor de tirar o Alckmin?

Dirceu - Eu não sou a favor de tirar o Alckmin. É uma decisão que cabe ao presidente, aos dois partidos. Mas São Paulo exige uma chapa forte, porque nós ganhamos a eleição no Nordeste, mas podemos perder aqui. Bolsonaro perdeu quatro milhões de votos aqui e mais três milhões no Espírito Santo, Minas e Rio. Então, foram sete milhões.

É muito importante São Paulo, Minas e Rio para a disputa presidencial. A chapa dos sonhos de todos [em São Paulo] é Alckmin e Haddad, pelo menos um dos dois na chapa.

Porque isso significa que nós temos condições de ir para o segundo turno e disputar de igual para igual com o Tarcísio [Freitas, do Republicanos] ou com outro.

BBC News Brasil - Existe a possibilidade de ser uma chapa puro sangue, com Lula e Haddad?

Dirceu - É bastante improvável, até porque nós nunca fizemos isso. Mesmo o Haddad [quando foi candidato, em 2018], trouxemos a Manuela [d'Ávilla] do PCdoB, uma fantástica deputada, para ser a vice e foi bem sucedida.

BBC News Brasil – O presidente Lula, assim como o senhor, está completando 80 anos. Já enfrentou um câncer e, recentemente, levou um tombo preocupante. O vice dele para o ano que vem é uma escolha muito importante, não?

Dirceu – Sempre é. Mas nós estamos bem, tanto o Lula como eu. Eu acho que a chapa ideal é Lula e Geraldo Alckmin. A contribuição do Geraldo Alckmin para a eleição de 2022 e no governo [é grande]. Nessa crise produzida pelo tarifaço, o Alckmin se mostrou não só que estava à altura da crise, mas também sua capacidade e de como ele representa setores importantes da sociedade brasileira.

Nós temos condições [de fazer] o Brasil dar um salto em dez anos e mudar completamente o país. O Brasil tem as bases para fazer, precisa fazer uma reforma tributária à lá OCDE. Não vamos inventar nada, só trazer a estrutura para cá. Desconcentrar renda e baixar os juros.

BBC News Brasil – Mas os juros só têm subido. E o presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, é alguém próximo do presidente e do ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

Dirceu – Foi indicado pelo presidente, mas a política do Banco Central não depende do Galípolo, nem da diretoria do Banco Central, por causa do poder que o setor financeiro tem no Brasil, e porque não se consegue fazer uma reforma tributária.

Juros de 15% significa uma dívida insolúvel. Temos que sair dessa armadilha. A única maneira de sair é fazendo uma profunda reforma tributária.

BBC News Brasil – Mas para fazer reforma tributária precisa do Congresso...

Dirceu - Por isso tenho dito que a palavra de ordem, o grito de guerra é: 'vamos mudar o Congresso Nacional'. Nenhum país vota em candidato. As pessoas votam em lista, no partido ou no distrito. [Temos que] mudar o sistema eleitoral brasileiro nem que leve 4, 8, 12 anos. É um processo.

Mas sobre a reforma tributária acredito que já há consciência na sociedade de que ela é necessária. O país está mudando.

Quando as pesquisas indicam que 2/3 da população, principalmente os jovens, querem o fim da escala 6x1, querem cobrar impostos dos mais ricos, há uma mudança.

Acho que o Brasil vai caminhar para um reformismo mais radical do que o "baixo reformismo", como [o cientista político] André Singer, que nós conseguimos implementar no país nos últimos anos.

BBC News Brasil – O senhor falou de escala 6x1. O PT demorou para abraçar essa bandeira?

Dirceu - A campanha contra a escala 6x1 foi uma surpresa até para aqueles que a propuseram. Havia propostas de deputados e senadores do PT no passado, mas foi a da deputada Erika Hilton (PSOL), em boa hora, que é uma grande liderança.

Ela assumiu essa bandeira, mas, na verdade, foi um trabalhador que iniciou. Por isso que eu digo que é uma mudança no país.

BBC News Brasil – Mas o PT demorou para abraçar?

Dirceu - O PT já tinha abraçado no passado.

BBC News Brasil – Mas não engajou...

Dirceu - Porque também as condições políticas do país não estavam propícias. E a reação contra é muito forte na Câmara e no empresariado, porque a redução da jornada de trabalho sem redução de salário no Brasil é quase uma heresia.

Mas a grande mudança que houve no Brasil é que antes era quase proibido falar que os ricos não pagavam imposto.

E hoje é senso comum que os ricos não pagam imposto. Essa mudança nós ainda não sabemos a consequência dela nos próximos anos, porque significa que vai haver uma pressão muito grande.

O principal problema de o Brasil não crescer é a concentração de renda. A estrutura tributária e os juros altos são as consequências: que 1% do Brasil tenha a mesma renda que 150 milhões, é uma coisa assim estarrecedora.

O Brasil precisa é ter um projeto.

BBC News Brasil - Mas o PT já governou por muito tempo. Não tem responsabilidade em não se ter projeto?

Dirceu - Não é responsabilidade nossa porque nós nunca tivemos maioria no Parlamento.

BBC News Brasil - Mas aí o problema vai ser sempre o Congresso?

Dirceu - O Congresso, ou a sociedade que se mobilize de uma maneira que ela obrigue, como agora ela obrigou o Senado, a revogar a PEC da impunidade que foi construída na Câmara.

Muitos dizem: o que aconteceu com o PT? Aconteceu que entre 2013 e 2018, o PT foi reprimido. Nós não podíamos sair às ruas com a nossa camiseta, com o nosso símbolo, a estrela, com o boné, da CUT, do MST.

Aí falam 'a direita ficou forte'. Claro que ficou forte. Ela nos reprimiu durante dez anos e ocupou todo o território. Ela tem o poder econômico do lado dela, o que nós não temos, nós dependemos de nós mesmos.

Se olharmos historicamente, a maioria das classes trabalhadoras e das classes médias sempre votaram de maneira nacionalista, desenvolvimentista e progressista.

Há um sentido histórico, um fio da história do Brasil e um impulso para a soberania do país, para a democracia e para uma forte distribuição de renda.

Houve um avanço da consciência política individualista muito grande no Brasil, junto com o fundamentalismo religioso — sem estar fazendo valoração nenhuma, dado que o Brasil é uma nação cristã, só estou revelando um fato —, e junto com o conservadorismo político e moral.

Quando eu fui aos EUA representar o PT falando em nome do presidente para criar massa crítica a nosso favor, muitos diziam para mim "não use essas palavras 'distribuição de renda'".

Até o presidente [americano George W.] Bush um dia fez um comentário nesse sentido, porque eu usava muito a palavra riqueza, propriedade, renda e distribuir. Mas essa é realidade do Brasil.

BBC News Brasil – O senhor fez parte da costura, desse diálogo entre Lula e Bush, no primeiro mandato do presidente Lula. O que falta para o Lula ter alguma relação com o Trump?

Dirceu – Que ele se comporte como o Bush [risos].

O tarifaço não vai afetar o Brasil. Afeta alguns setores, mas nós temos capacidade para superar isso. Está prejudicando os EUA, porque os americanos consomem cinco bilhões de hambúrgueres e o blend da carne é a carne brasileira.

O Brasil exporta oito milhões de sacas de café para os EUA. Ele vai substituir? Não tem café no mundo, não tem carne, não tem açúcar no mundo.

BBC News Brasil – Mas o senhor acha que Trump já percebeu isso?

Dirceu – Estou falando de um dos elementos. Por outro lado, não há nada nos últimos 200 anos, principalmente nos últimos 30 anos, nas relações entre Brasil e Estados Unidos, nem na questão comercial nem tarifária, nada que justifique o que os EUA fizeram com o Brasil.

BBC News Brasil - Mas Trump já deixou claro que é uma questão política e não econômica.

Dirceu - Mas aí a questão política quem decide é o povo brasileiro. O Bolsonaro tem que ganhar a eleição. Não ganhará. Colado na política, na imagem do Trump e nos interesses norte-americanos, ninguém ganha eleição no Brasil.

Historicamente, nunca aconteceu isso.

BBC News Brasil – O senhor está planejando ser candidato a deputado federal no ano que vem, ao passo que vem defendendo também, há um tempo, a renovação no Congresso. A sua candidatura é condizente com essa renovação?

Dirceu - [Risos] A do meu filho [é]. Eu vou fazer 80 anos, não sou renovação geracional. Sou candidato porque o presidente [Lula] pediu para eu seja.

Segundo, porque acredito que é por justiça, é uma reparação que vou pedir para o eleitorado, para o povo em São Paulo, porque a minha cassação foi política.

BBC News Brasil – Mas o eleitor vai votar no senhor por reparação?

Dirceu - Não, vai votar em mim porque eu sou do PT, porque eu tenho uma história e por causa das minhas propostas e da minha própria vida.

BBC News Brasil - Algumas análises apontam que, por um lado, uma eventual candidatura sua pode trazer uma imagem ruim porque ainda é colada com a história do mensalão, e, ao mesmo tempo, o senhor tem um eleitorado fiel, e não fura a bolha, não traz novos votos para o PT. O que acha dessa leitura?

Dirceu – É cabotino ficar falando de si mesmo, mas as pesquisas indicam que eu tenho um público muito além do PT. É só olhar minhas entrevistas, o número de leitores que eu atinjo.

Eu tive no passado meio milhão de votos, na minha última eleição. Tenho uma história política de relação com muitos setores da sociedade. Apesar de eu ser de esquerda, e bastante de esquerda, eu sempre fui um construtor de aliança, de consenso.

Só a eleição vai dizer se eu vou ter voto para além do PT, eu avalio que eu tenho. Mas também o eleitorado do PT é 15% do eleitorado. Não é pouca coisa.

BBC News Brasil – Por que o senhor não disputaria o Senado?

Dirceu - Primeiro, porque tem outros nomes.

BBC News Brasil – Quem?

Dirceu – O [Fernando] Haddad pode disputar o Senado, [Guilherme] Boulos pode disputar a Marina [Silva], estou falando de outros partidos, porque estamos em uma aliança. A Tabata [Amaral] pode disputar.

BBC News Brasil – O Haddad toparia ser candidato?

Dirceu - O que o Haddad vai fazer, ou o Geraldo Alckmin, é assunto do presidente Lula. Evidentemente que nós podemos não querer. Mas quando o presidente e a direção do partido fazem o apelo e se analisa o cenário, muitas vezes nós adotamos a posição de fazê-lo.

Eu acredito que nós temos nomes para o Senado. A direita não tem nome para o Senado em São Paulo. O Derrite [Guilherme Derrite, deputado federal pelo Progressistas e atual secretário de Segurança Pública de São Paulo] não é esse candidato Brastemp.

E quem eles têm além do Derrite? O Kassab vai para o Senado? O Nunes? O próprio Tarcísio, evidentemente que é favorito, ninguém pode negar isso, mas não estou dizendo que é invencível, porque isso não existe aqui em São Paulo.

BBC News Brasil – O PT não ganha no Senado aqui desde a Marta Suplicy, em 2010.

Dirceu - Nós ganhamos três vezes o Senado. Tá bom demais. Não é fácil São Paulo.

Governamos a cidade três vezes. São Paulo não é para amador.

BBC News Brasil – O senhor falou recentemente que é impossível ser evangélico e não ser conservador. O PT tem muita dificuldade de dialogar com essa fatia da sociedade, que não é pequena. Vai continuar com essa dificuldade?

Dirceu - Primeiro, nem todos os evangélicos são conservadores. Pelo menos um terço, inclusive, vota no Lula e vota no PT. O que está de bom tamanho, porque nós viemos da Igreja Católica, das CEBs [Comunidades Eclesiais de Base], das Pastorais, da Teologia da Libertação.

E os evangélicos cresceram exatamente no período que nós estávamos reprimidos.

A questão não é evangélica, não é religiosa, é agenda, é visão do mundo. Os evangélicos, por exemplo, apoiam a política do Bolsonaro de fazer de conta que não teve a pandemia e negar a vacina? Então nós não concordamos.

Os evangélicos apoiam a escola sem partido, as escolas cívico-militares? Nós não apoiamos. Os evangélicos apoiam a liberalização das armas? Nós não apoiamos. Os evangélicos são contra taxar os ricos? Nós somos a favor.

Não é questão religiosa. A questão é que esse eleitorado, independentemente da religião, é um eleitorado que tem uma agenda, uma pauta conservadora.

BBC News Brasil – Mas o senhor acha que é tão homogêneo assim?

Dirceu - Não. Tanto que eu falei que 30% dos evangélicos votam no Lula.

E mais, está chegando uma geração evangélica, e eu tenho exemplo na família, completamente diferente. Não tem nada a ver com bolsonarismo. Os jovens evangélicos hoje, de 15, 17, 18 anos, estão no trap, se vestem de uma maneira...

BBC News Brasil – E o PT está se preparando para falar com esse jovem?

Dirceu - Tem falado, tem feito um grande esforço de diálogo. Inclusive, se você olhar toda a agenda das leis que eram demandadas pelos evangélicos foram aprovadas no governo Lula.

Acho que o Bolsonaro não fez nada pelos evangélicos, se comparar com o que o Lula fez. Não existe nenhum sentimento antirreligioso no PT.

Quando cheguei no PT ficava surpreso, porque se rezava antes da reunião.

É importante que haja liberdade religiosa, porque essa questão dos pastores fazerem política, os padres faziam também.

A questão é que o Brasil é profundamente politizado. Muitas vezes o presidente fala que o Brasil está polarizado, e eu falo não, o Brasil está politizado.

O mundo hoje não é um lado contra o outro, é a extrema direita combatendo a própria direita.

BBC News Brasil - Outra dificuldade do PT é de dialogar com essa nova classe trabalhadora, que já não é nem tão nova assim. Tem um plano de ação?

Dirceu - O governo tem feito um esforço. Eu mesmo tenho defendido, porque eu convivo com motoboys na minha família, que não é verdade que eles são conservadores e não aceitam a CLT.

Eles estão reivindicando proteção previdenciária e proteção à saúde. Eles já pararam São Paulo umas três vezes com uma pauta de reivindicação.

Então não é verdade que os motoboys são conservadores, que eles não lutam.

Nós sofremos uma reforma previdenciária, trabalhista, sindical, o golpe da Dilma, a prisão do Lula, mudança tecnológica, automação, robotização, precarização de trabalho, aplicativo. Então é preciso de um tempo para digerir isso e mudar.

Assim como o setor comercial e de serviços. O que está acontecendo? O jovem se recusa a trabalhar por R$ 1800, seis dias por semana de empacotador, de caixa, no açougue, na padaria. Isso são os empresários que falam para mim.

BBC News Brasil - Mas o PT está sabendo falar com essa população?

Dirceu – Aos poucos vai aprendendo. Até porque a necessidade leva ao aprendizado. E também à experiência.

Foi muito rápido que surgiu dois milhões de trabalhadores de aplicativo, centenas de milhares de trabalhadores de Uber.

Mas, por outro lado, há uma rebelião silenciosa da juventude exigindo mudança nas relações de trabalho e nos horários de trabalho. E há também uma falta de mão de obra qualificada.

Então há a necessidade de acelerar a formação.

Não é por causa do Bolsa Família que está faltando mão de obra, é por causa da qualificação e das condições de trabalho e do salário.

BBC News Brasil - O Valdemar Costa Neto disse em uma entrevista que o senhor é um "craque, inteligente, preparado, tem estratégia". O senhor retribui o elogio?

Dirceu - Eu fiquei preso com Valdemar Costa Neto duas vezes.

BBC News Brasil - Como foi?

Dirceu - Na prisão todo mundo se ajuda. Lá todo mundo é igual. Você tem que sobreviver e ter boas condições de saúde mental, principalmente. Porque uma afeta a outra. Saúde mental destrói.

BBC News Brasil - O senhor acha que Bolsonaro sobreviveria na prisão?

Dirceu - Eu não desejo mal a ninguém, nem a ele. Nessas condições, ele sobrevive porque vai ficar em regime domiciliar, com família, com tratamento médico. A família é muito importante.

BBC News Brasil - Mas e se ele for para a prisão, como o senhor foi?

Dirceu - Mas ele não tem condições de ir para a prisão. Isso não aconteceria nunca, você não pode colocar um ex-presidente da República no sistema penitenciário.

BBC News Brasil - Mas como Lula foi, em um lugar especial?

Dirceu - Eu nunca tive relação com Bolsonaro, mas me parece que ele é uma pessoa psicossomática, que vai acelerando, muito instável. Não é uma pessoa que tem autocontrole.

Todo mundo sofre na prisão, todo mundo tem depressão, chora, chama a mamãe, reza.

BBC News Brasil - Mas o senhor estava falando do Valdemar...

Dirceu - Valdemar é o político mais hábil que tem na direita, porque ele construiu um partido que tem 92 deputados e elegeu o presidente da República. Então não pode subestimar. E ele, já como líder da cidade dele, como deputado no PL na época dos José Alencar, ele já era um dirigente importante.

É um dos quadros da direita brasileira mais qualificados, ao estilo do Valdemar Costa Neto. E cada um tem seu estilo.

BBC News Brasil - Qual é o estilo dele?

Dirceu - Esse que estamos vendo aí todos os dias [risos].

Ele trabalha, é trabalhador. E é leal ao Bolsonaro. E ele comanda o PL. Você já viu revolta no PL contra o Valdemar? Nunca teve problema.

Na prisão, o Valdemar às vezes ficava bravo comigo, porque eu queria arrumar uma lâmpada, porque eu queria ler, e ele dizia "Zé Dirceu, nós temos que sair daqui, para com isso, você parece que está querendo ficar". E eu dizia, não, Valdemar, eu quero ler.

Prisão é muito insalubre, né? Então [eu dizia] vamos resolver o problema da goteira, às vezes cheirava muito mal, e eu queria resolver.

Ele ficava bravo porque parecia que a gente ia ficar muito tempo lá.

Felizmente ele não ficou, mas eu fiquei. Eu estava certo, porque fiquei, então tive que lutar por melhores condições dentro da prisão.

BBC News Brasil - O caso do mensalão está completando 20 anos. Delúbio Soares, então tesoureiro do PT, negou a existência do mensalão na época, mas confessou que teve caixa dois. A mesma coisa aconteceu na Lava Jato. O que o senhor teria feito de diferente?

Dirceu - Eu não teria feito nada, porque eu não tive participação nenhuma.

BBC News Brasil - Teve caixa dois?

Dirceu - Eu não podia ser processado porque eu estava licenciado. O Supremo mudou a jurisprudência e eu fui processado pela Câmara.

Não há provas de corrupção.

Eu fui cassado pelo domínio do fato, que depois o Claus Roxin [jurista alemão que desenvolveu e difundiu a teoria do domínio do fato] veio aqui no Brasil e disse que não tinha nada a ver.

Da minha parte, vou pedir revisão criminal, assim que passar as eleições, no Supremo, da minha condenação no caso do mensalão.

BBC News Brasil - Mas na época do mensalão, em 2005, o próprio Lula foi em rede nacional dizer que o PT errou e que o PT deveria pedir desculpas. Do que então ele estava falando?

Dirceu - Ele estava falando que era caixa dois.

BBC News Brasil - O senhor acha que foi perseguição? Por quê?

Dirceu - Para me tirar do governo e da vida pública.

BBC News Brasil - Por quê? O senhor seria o sucessor de Lula?

Dirceu - Eu não era sucessor natural do Lula, porque talvez o Lula nem me indicasse. Mas eu era o presidente do PT, o ministro da Casa Civil, a liderança do PT, da esquerda. Isso, dizem, não sou eu que estou dizendo.

BBC News Brasil - Mas não houve nenhum erro naquele momento?

Dirceu - Erros a gente comete sempre. Eu não estou dizendo que não houve, mas, da minha parte, é só pegar os autos. Se você ler inteirinho, eles não tinham como me condenar.

BBC News Brasil - Mas não houve mensalão então?

Dirceu - Não. Não houve.

Na primeira reforma tributária e previdenciária, a oposição era da esquerda. Os problemas eram dentro do PT, do PCdoB B, do PDT. Os outros partidos queriam a reforma tributária, todos os prefeitos e governadores queriam e foi aprovada.

Não há nenhuma prova de que houve compra de voto nos autos. Eles não foram condenados por compra de voto.

BBC News Brasil - Foi por causa dos empréstimos do Marcos Valério para o PT?

Dirceu - Mas não há dinheiro público também. Todos os recursos eram recursos bancários, tudo caixa dois para a eleição.

BBC News Brasil - E agora? Como fazer campanha sem caixa dois?

Dirceu - Tem fundo partidário, fundo eleitoral. E há um movimento forte para voltar o financiamento das pessoas jurídicas.

BBC News Brasil - O que o senhor acha?

Dirceu - O problema maior agora são as emendas parlamentares. Esse é um problema grave do Brasil: R$ 52 bilhões. Porque isso vira um poder econômico numa eleição, tem uso eleitoral e está provado que tem desvio, não só de finalidade, de eficiência, de custo beneficio, como também desvio de enriquecimento ilícito.

Tem agora 80 e tantos inquéritos [sobre isso]. Esse é um problema grave que está na mão do Supremo, e o Congresso se recusa a rever. Além de ser uma invasão das atribuições do poder Executivo.

Não sei como é que o Brasil vai lidar com isso, porque é uma coisa inédita. O fundo partidário de um partido é de $ 600, R$ 700 milhões. Tem deputado que tem isso de emenda. Imagina o poder que ele tem, isso que é grave. Depois diz que o povo não sabe votar.

BBC News Brasil - O senhor ainda fala com o Palocci?

Dirceu - Não.

BBC News Brasil - Há quanto tempo não fala com ele?

Dirceu - Eu estive com o Palocci quando eu fui depor na Polícia Federal pouco antes dele fazer delação [em 2018]. Depois nunca mais falei com ele.

BBC News Brasil - Por quê?

Dirceu - Porque eu nunca mais encontrei ele também.

BBC News Brasil - E nunca mais ligou para ele?

Dirceu - Também não.

BBC News Brasil - Por quê?

Dirceu - Porque não é o caso. Eu não vou julgar o Palocci. Não vou julgar ninguém que fez delação, porque você não sabe a que ele foi submetido, [que tipo] de tortura psicológica, [se houve] prisão da mulher, do filho.

Eu não quis fazer delação. Não me propuseram também. Eu não faria jamais. Até porque, eu tenho toda uma história de dezenas de companheiros e companheiras minhas que foram mortos na tortura porque não denunciaram.

Eu jamais faria. Eu preferia morrer do que fazer. Ele fez, assumiu as consequências e eu não vou julgar, não vou fazer isso, porque eu acho que é até covardia fazer isso.

É tão desagradável tudo isso que aconteceu, porque nós eramos muito ligados afetivamente, tínhamos uma vida em comum, todos nós. Mas na política isso acontece, às vezes as pessoas mudam completamente, mudam de lado, viram todos inimigos, [sendo que] eram quase que irmãos.

Eu tenho relações de 60, 50 anos com dezenas de militantes políticos, inclusive da direita, inclusive amigos meus, que já estiveram em oposição a nós, como o Aloysio Nunes Ferreira (PSDB), por exemplo, que é meu amigo. Amicíssimo. E nós nunca misturamos isso com as divergências.

Eu não costumo deixar de ter uma relação com alguém porque a pessoa não é de esquerda, não pensa comigo. Até porque eu já tive amores na vida que não eram de esquerda.

BBC News Brasil - Quais?

Dirceu - Aí não vem ao caso (risos).

JBS: grande demais para ser punida?

Em 2008, durante a grande crise internacional, foi muito frequente ouvir a frase: "too big to fail".

Assim eram denominadas as empresas "grandes demais para quebrar", exatamente as que estavam no centro da crise.

A decorrência prática disso era a seguinte: os governos tinham que fazer de tudo para salvar as empresas.

"Normal": lucros privados, prejuízos públicos.

Naquela época, pessoas de boa índole acreditavam que as empresas seriam salvas, mas os responsáveis por sua gestão seriam punidos.

Não foi o que aconteceu, ao menos na imensa maioria dos casos.

Aliás, assim que o susto passou, as "too big to fail" se tornaram ainda mais big e o transatlântico da financeirização seguiu seu curso, até o próximo desastre.

Lembrei desta história, ao ler um trecho do parecer "jurídico" que teria embasado a decisão do Ministério do Trabalho e Emprego poupando a famosa JBS de entrar na "lista suja do trabalho escravo".

Diz o referido trecho: "diante da notória complexidade fática e jurídica, da extrema gravidade das alegadas infrações e do potencial de alcance nacional das consequências jurídico-econômicas decorrentes do resultado final do processo, mostra-se adequado e recomendável o exercício do poder avocatório”.

Ou seja: no caso de uma empresa que tem "potencial de alcance nacional", deve imperar a cautela.

Algo como "too big to punish": grande demais para castigar.

Uma das vantagens de ser grande é poder contar com bons advogados. Segundo a imprensa, João Paulo Cunha, ex-deputado federal petista, ex-presidente do PT SP e ex-presidente da Câmara dos Deputados, seria um dos advogados da JBS nesse caso. 

Do lado do Ministério do Trabalho e Emprego, a decisão coube a Luiz Marinho e a Chico Macena. Os três (João, Luiz e Chico) têm uma boa lista de contribuições à luta da classe trabalhadora. 

Poderiam ter se poupado e nos poupado dessa situação vergonhosa. Seja como for, espero que a decisão do MTE seja revista e que o processo corra seu curso normal.








quarta-feira, 8 de outubro de 2025

Lula e Galípolo ou sobre como criar corvos

É conhecido o ditado: crea cuervos y te sacarán los ojos.

Cria corvos e eles comerão seus olhos.

Ajude inimigos e eles vão te causar dano.

Este ditado vem à mente, quando se lê o texto abaixo, publicado recentemente pela coluna Painel, da Folha de S.Paulo.

Lula libera auxiliares a aumentarem tom das críticas 
à gestão Galípolo no BC
Frustrado com o presidente do BC, Gabriel Galípolo, Lula deve 
liberar auxiliares diretos a aumentarem o tom das críticas à alta 
taxa de juros.  
O petista não pretende atacar diretamente Galípolo, indicado por 
ele, como fazia com seu antecessor no cargo, Roberto Campos 
Neto, que foi nomeado por Jair Bolsonaro. Mas, segundo um 
aliado, ele se sente surpreendido negativamente com a defesa 
enfática do atual BC ao patamar da Selic, de 15%. 
De acordo com um interlocutor, o petista pretende autorizar 
auxiliares como Alckmin, Haddad e Gleisi Hoffman a fazer 
críticas mais duras ao BC. Outro que deve ter essa prerrogativa 
é Guilherme Boulos, caso assuma a Secretaria Geral. 
Segundo esta fonte, o objetivo é não deixar a Faria Lima falando 
sobre o tema e oferecer um contraponto, com o argumento de 
que a economia já está esfriando e que a taxa pode baixar de 
forma segura. 
Para o governo, a discussão sobre política monetária não pode 
ser apenas técnica, mas também tem um componente político.

Lembro que no recente encontro nacional do PT, realizado nos dias 1, 2 e 3 de agosto de 2025, a maioria dos delegados rejeitou uma proposta que propunha que o Partido fizesse exatamente isso.

Recomendo aos interessados assistir o debate a respeito, em especial as falas contrárias (ou seja, favoráveis a manter o silêncio obsequioso do Partido frente à alta taxa de juros).

(Tentei achar o link, sem sucesso.)

O incrível é que há alguns poucos dias, em reunião da executiva nacional do PT, importante dirigente nacional argumentou que o Partido não deveria incluir em resolução uma crítica pública aos juros. Segundo o cidadão, o papel do Partido seria fazer chegar sua opinião crítica ao presidente.

Da defesa de um partido de vanguarda à exaltação do embargo auricular: assim caminha parte da humanidade.




terça-feira, 7 de outubro de 2025

Como "exterminar" o Hamas?


Hoje aconteceu mais uma sessão solene no Senado brasileiro.

Esta sessão foi realizada por proposta do senador Sérgio Moro.

Sim, aquele Moro.

Grande parte dos discursos feitos na tal sessão foi de parlamentares da oposição, inclusive um que atende pelo apelido Bolsonaro.

Mas também falaram convidados.

Uns e outros fizeram críticas explícitas ou implícitas contra o governo brasileiro, bem como contra quem apoia a causa e a luta do povo palestino.

Entretanto, o grande destaque da sessão solene foi, ao menos na minha opinião, a fala do senador Jaques Wagner (PT-BA).

A intervenção de Wagner pode ser assistida aqui:

 https://youtu.be/lTwbwBc0Y_g

A Wagner coube a difícil tarefa de defender o governo Lula num ambiente para lá de hostil.

Parte do discurso de Wagner foi o esperado: solidariedade às vítimas e condenação ao "ato abominável" do Hamas.

Outra parte do discurso foi a tentativa de "salvar a cara" do Estado de Israel, diferenciando-o do governo do carniceiro Bibi. 

Tarefa difícil, quando se lembra que o terrorismo de Estado foi uma arma constante de todos os governos de Israel, desde o início até hoje.

Uma terceira parte do discurso de Wagner foi a defesa do processo de paz, defesa que incluiu lembrar do ex-primeiro-ministro israelense Yitzhak Rabin, assassinado "ironicamente por um extremista de direita, um judeu que não tolerava a ideia da paz pregada por Rabin".

Uma quarta parte do discurso foi a defesa do governo Lula, defesa que foi recebida de forma tão hostil pelos presentes à sessão solene que Wagner chegou a reclamar do "fanatismo" de quem não aceita ouvir posições diferentes. 

Mas foi na esteira dessa crítica ao fanatismo que Wagner assacou que "o Hamas deve ser exterminado, mas o governo de Israel, não. Hoje é um, amanhã será outro”. 

O grande problema deste tipo de abordagem, na minha opinião, é desconhecer um fato: Israel ocupa ilegalmente território que, segundo a ONU, é território palestino. E como não podia deixar de ser, Israel mantém esta ocupação lançando mão de terrorismo de Estado. 

Enquanto houver ocupação e terrorismo de Estado, haverá luta e resistência, de todos os tipos, cores e sabores. 

Assim sendo, quem quer mesmo "exterminar" o Hamas deveria começar lembrando a necessidade de "exterminar" a ocupação e o terrorismo praticado pelo Estado de Israel. 

"Hoje é um, amanhã será outro" quem lutará contra a ocupação. Mas enquanto houver ocupação, não haverá paz.








O PT e a Constituição de 88: o outro lado da história




O Instituto Lula, a Fundação Perseu Abramo e o Memorial da Democracia divulgaram um post para marcar os 37 anos de promulgação da Constituição de 1988.

O referido post está aqui: 


Para quem quiser conhecer o outro lado desta história, recomendo a leitura do discurso que Lula fez, anunciando que a bancada do PT votaria contra o projeto da Constituição.

O discurso está disponivel aqui:


Copio e colo abaixo.

Discurso proferido na sessão de 22 de setembro de 1988

O SR. LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA (PT-SP. Sem revisão do orador.) – Sr.

Presidente, Sras. e Srs. Constituintes:

Em fevereiro de 1987, quando o Partido dos Trabalhadores chegou ao Congresso Constituinte, não trazia nenhuma ilusão de que poderia, através da Constituição, resolver todos os problemas da sociedade brasileira. Entendíamos, já no dia 16 de novembro de 1986, que a composição da Constituinte não seria uma composição favorável aos projetos políticos da classe trabalhadora brasileira, tampouco seria favorável àqueles que sonharam ter uma Constituição a mais progressista possível.

O Partido dos Trabalhadores apresentou, em março de 1987, um Projeto de Constituição que não era, de forma alguma, um projeto socialista. Era o Projeto de Constituição nos parâmetros permitidos pelo capitalismo, mas entendíamos que, com o nosso projeto, poderíamos, mesmo dentro do sistema capitalista, minorar o sofrimento da classe trabalhadora brasileira. Passados 18 meses, é importante reconhecer que não apenas o Partido dos Trabalhadores como outras forças progressistas aqui, nesta Casa, se empenharam 24 horas por dia, de segunda a domingo, para que pudéssemos hoje estar votando esta Constituição.

O Partido dos Trabalhadores, com apenas 16 Deputados Constituintes, trabalhou de forma incansável, na perspectiva de que pudéssemos, até num prazo anterior a este, apresentar à opinião pública um projeto de Constituição.

É preciso ressalvar que, se isso não foi possível, não se deveu aos setores de esquerda, não se deveu aos setores progressistas que aqui compareceram em todos os chamamentos do Presidente Ulysses Guimarães. Comparecemos, na expectativa de que pudéssemos, ainda possivelmente no ano passado, entregar esta Constituição.

Setores conservadores ligados ao Palácio do Planalto, setores conservadores – e até reacionários – ligados ao poder econômico criaram os mais diferentes tipos de embaraços, para que não pudéssemos votar esta Constituição. Mentiras e mais mentiras foram vinculadas através dos meios de comunicação. Tentava-se passar a idéia de que, a partir da promulgação da Constituição, este País iria explodir, este País não iria ter jeito, tal a quantidade de conquistas que a classe trabalhadora havia alcançado.

O Partido dos Trabalhadores fez um estudo minucioso, através da sua bancada e da sua direção, e chegou à conclusão de que houve alguns avanços na Constituição; de que houve avanços na ordem social, de que houve avanços na questão do direito dos trabalhadores, mas foram avanços aquém daquilo que a classe trabalhadora esperava acontecesse aqui, na Constituinte.

Entramos aqui querendo 40 horas semanais e ficamos com 44 horas; entramos aqui querendo férias em dobro e ficamos apenas com um terço a mais nas férias; entramos aqui querendo o fim da hora extra ou, depois, a hora extra em dobro, e ficamos apenas com 50%, recebendo menos do que aquilo que o Tribunal já dava. Algumas conquistas consideradas importantes não passaram, nem sequer de perto, para que a classe trabalhadora pudesse ter o sabor e o prazer de festejar essas conquistas.

Sobre a questão da reforma agrária, esta Assembléia Nacional Constituinte teve o prazer de dar aos camponeses brasileiros um texto mais retrógrado do que aquele que era o Estatuto da Terra, elaborado na época do Marechal Castello Branco.

Os militares continuam intocáveis, como se fossem cidadãos de primeira classe, para, em nome da ordem e da lei, poderem repetir o que fizeram em 1964, ou o que foi feito agora no Haiti.

O latifundiário brasileiro deve estar festejando, juntamente com o Sr. Ronaldo Caiado, a grande vitória dos proprietários de terra que, em 5 séculos, não avançaram um milímetro para entender que a solução para os problemas graves deste País está no dia em que tivermos capacidade para elaborar uma reforma agrária que possa distribuir a terra e, ao mesmo tempo, o Estado garantir os meios.

Poderíamos mencionar, ainda, o anúncio feito pelo Líder do PMDB, de que mais ou menos 200 artigos serão regulamentados por legislação ordinária ou lei complementar. A própria CNI (Confederação Nacional da Indústria) elaborou um documento, possivelmente mais volumoso do que a própria Constituição, mostrando os artigos que, do seu ponto de vista, precisam ser regulamentados por lei ordinária e por lei complementar.

Todos nós, Constituintes, sabemos perfeitamente bem que na elaboração das legislações complementar e ordinária teremos um trabalho insano tanto quanto o foi o desta Constituição.

Todos sabemos que teremos eleições em 89, que teremos eleições em 90 e que possivelmente até lá não tenhamos quórum para regulamentar um único artigo de lei

previsto na Constituição.

Ressalto 2 pontos importantes: a questão da estabilidade no emprego, que todos sonhávamos ou pelo menos uma parte sonhava conquistar. Esta vai ter que ser regulamentada por lei complementar.

Sabemos que apenas os Princípios Gerais não garantem a efetivação da democracia, que apenas a efetivação de alguns princípios gerais não garantem à classe trabalhadora viver em regime efetivamente democrático. É possível que, dependendo dessa correlação de forças existentes na Constituinte e permanecendo no Congresso, pouca coisa será regulamentada e algumas, possivelmente, serão regulamentadas em prejuízo da classe trabalhadora.

Sabemos que é necessário um trabalho insano de arregimentação do movimento popular. Sabemos que é necessário um trabalho insano de arregimentação do movimento sindical, dos partidos políticos progressistas, para que possamos manter a sociedade permanentemente pressionando o Congresso, para que ele possa regulamentar a legislação em benefício da classe trabalhadora brasileira.

Poderia citar a questão do direito de greve, possivelmente a maior conquista obtida nesta Constituinte. Mesmo assim vai depender da regulamentação do que são categorias essenciais, vai depender de definirmos o que é abuso, porque, dependendo da cabeça política do empresariado brasileiro, a própria decretação de uma greve já pode ser caracterizada como abuso e todos sabem que a lei ainda existe neste País para punir os fracos, e não os poderosos.

Poderia citar aqui a questão do aviso prévio, que é uma coisa simples, que poderia ter sido definido na Constituinte, entretanto, ainda vai ser definido pela lei e não sabemos quando é que essa lei vai definir o que é a proporcionalidade.

Engraçado que alguns Constituintes aleguem que a votação de hoje é apenas uma votação de vírgula, uma votação de passagem, porque o texto já foi votado. Nós, do Partido dos Trabalhadores, entendemos que essa votação é mais importante do que a votação de mérito. Exatamente por entendermos isso que para nós não é apenas uma votação de vírgula ou uma votação de coisas pequenas.

É importante lembrar que determinados Constituintes tentam acusar o Partido dos Trabalhadores da mesma forma que na época da Nova República o acusavam, da mesma forma que na época do Plano Cruzado colocaram a Maria da Conceição Tavares para chorar na televisão, depois da fala do Governador do Rio de Janeiro, Leonel Brizola, da mesma forma que acusaram o PT por ocasião do Plano Cruzado.

Importante na política é que tenhamos espaço de liberdade para ser contra ou a favor. E o Partido dos Trabalhadores, por entender que a democracia é algo importante – ela foi conquistada na rua, ela foi conquistada nas lutas travadas pela sociedade brasileira –, vem aqui dizer que vai votar contra esse texto, exatamente porque entende que, mesmo havendo avanços na Constituinte, a essência do poder, a essência da propriedade privada, a essência do poder dos militares continua intacta nesta Constituinte.

Ainda não foi desta vez que a classe trabalhadora pôde ter uma Constituição efetivamente voltada para os seus interesses. Ainda não foi desta vez que a sociedade brasileira, a maioria dos marginalizados, vai ter uma Constituição em seu benefício.

Sei que a Constituição não vai resolver o problema de mais de 50 milhões de brasileiros que estão fora do mercado de trabalho. Sei que a Constituição não vai resolver o problema da mortalidade infantil, mas imaginava que os Constituintes, na sua grande maioria, tivessem, pelo menos, a sensibilidade de entender que não basta, efetivamente, democratizar um povo nas questões sociais, mas é preciso democratizar nas questões econômicas. Era preciso democratizar na questão do capital. E a questão do capital continua intacta. Patrão, neste País, vai continuar ganhando tanto dinheiro quanto ganhava antes, e vai continuar distribuindo tão pouco quanto distribui hoje.

É por isto que o Partido dos Trabalhadores vota contra o texto e, amanhã, por decisão do nosso diretório – decisão majoritária – o Partido dos Trabalhadores assinará a Constituição, porque entende que é o cumprimento formal da sua participação nesta Constituinte.

Muito obrigado, companheiros. (Muito bem! Palmas.)

segunda-feira, 6 de outubro de 2025

Para registro

 Fui secretário de relações internacionais do PT de 2005 à 2010, secretaria executivo do Foro de São Paulo de 2005 a 2013 e hoje sou diretor de cooperação internacional da Fundação Perseu Abramo.

Ao longo desta trajetória, já estive com inúmeros e variados interlocutores, dos EUA à Rússia e China, de Palestina e Irã à Israel, do SPD ao Linke.

Isto posto, deixo dois registros:

1/fiz chegar com antecedência ao SRI do PT minha opinião que é um erro que a primeira visita internacional do novo presidente do PT seja a um país europeu. O certo teria sido visitar algum país da América Latina e Caribe, por exemplo Uruguai;

2/esse erro é agravado pelo fato do partido anfitrião fazer parte de um governo que tem reprimido violentamente as manifestações palestinas, além de estar estimulando o aprofundamento da guerra Rússia/Ucrânia.

domingo, 5 de outubro de 2025

Quem diria, se move!

 


Editorial do Página 13 de outubro de 2025

Quem diria, se move!

É conhecida a história de Galileu Galilei: defensor da teoria heliocêntrica, segundo a qual a Terra gira ao redor do Sol, foi levado a julgamento pela Inquisição. Condenado, Galileu teria dito em latim a frase eppur si muove. Ou seja: o tribunal pode me condenar, mas que se move, se move...

Assim foi com o Congresso Nacional nos últimos dias. No Comissão de Constituição e Justiça do Senado, a “PEC da Bandidagem” foi enterrada. E, na Câmara dos Deputados, a isenção no Imposto de Renda foi aprovada por unanimidade!

E tanto num caso quanto noutro, jogou importante papel a mobilização popular, comprovando que, falem o que quiserem, é possível incidir de fora para dentro e de baixo para cima na correlação de forças do parlamento.

O curioso é que vários dos que usavam o argumento da correlação de forças para justificar todo tipo de concessão, agora se comportam como se a “unanimidade” fosse real e não produto das circunstâncias.

Noutras palavras: obrigados a votar a favor da isenção, os parlamentares de direita tentarão dar o troco na primeira oportunidade. E uma das oportunidades está aí na frente: a contrarreforma administrativa. O jogo deles será cortar na carne dos trabalhadores e dos serviços públicos, fazendo sobrar mais recursos para os gastos que interessam às elites: as isenções, os subsídios e a dívida pública.

Motivo pelo qual a mobilização não pode ser nuvem passageira, tem que ser uma ferramenta permanente da esquerda. E o PT, a CUT e o MST precisam não apenas participar, mas principalmente dirigir o processo. O que, por sua vez, exige política com começo, meio e fim. Harmonia que faltou no episódio da “PEC da Bandidagem”, em que setores do governo, da direção partidária e da bancada na Câmara se comprometeram com posições inaceitáveis e/ou passaram o pano em quem fez isso.

A mesma postura não pode se repetir na votação da anistia para os golpistas. Como a anistia explícita é inviável, os adeptos da “pacificação” querem fazer passar a chamada dosimetria, ou seja, mudanças que levem a redução das penas. Os argumentos são vários, mas o objetivo é um só: reduzir o tempo e o rigor da pena, na medida certa para levar o cavernícola a dar seu apoio para uma candidatura com maiores chances de unificar as direitas contra Lula. Nesse sentido, os integrantes da esquerda que aceitam a “dosimetria” estão fazendo o jogo da direita que quer se unificar. Ou seja, estão ajudando a pacificar o campo adversário!

E por falar em falsa pacificação, o governo Trump fez uma proposta para a Palestina: a de transformar Gaza num condomínio sob gestão do próprio presidente estadunidense e do ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair. Não sabemos o que o povo palestino decidirá a respeito desta proposta. Mas do ponto de vista dos princípios, no caso do ponto de vista da soberania nacional, esta proposta não pode ser aplaudida. Mas foi isso que fez o ministro Mauro Vieira, supostamente falando em nome do governo brasileiro.

Na nossa opinião, só há uma maneira de resolver a situação da Palestina: acabando com todo e qualquer tipo de dominação colonial exercida pelo Estado terrorista de Israel. Qualquer proposta que mantenha o colonialismo, significa a continuação do conflito. Quem realmente quer paz precisa defender a soberania palestina.

Basta de genocídio!

Viva a flotilha da liberdade!

Viva a luta do povo palestino!

Viva a Palestina Livre!

Os editores

 

quinta-feira, 2 de outubro de 2025

O plano de Trump

Cabe aos palestinos responder se aceitam ou não o plano Trump.

Mas não vejo como aplaudir a proposta feita pelo presidente dos Estados Unidos no dia 29 de setembro.

Quem não leu a proposta, leia abaixo (na versão traduzia por El Continent e disponível aqui: El plan de Trump para Gaza: texto íntegro - El Grand Continent).

Ao final faço um comentário.

1. Gaza será una zona desradicalizada, libre de terrorismo, que no representará ninguna amenaza para sus vecinos.

2. Gaza será reurbanizada en interés de la población de Gaza, que ya ha sufrido lo suficiente.

3. Si ambas partes aceptan esta propuesta, la guerra terminará inmediatamente. Las fuerzas israelíes se retirarán hasta la línea acordada para preparar la liberación de los rehenes. Mientras tanto, se suspenderán todas las operaciones militares, incluidos los bombardeos aéreos y de artillería, y las líneas del frente permanecerán congeladas hasta que se den las condiciones necesarias para una retirada completa por etapas.

4. En las 72 horas siguientes a la aceptación pública de este acuerdo por parte de Israel, todos los rehenes, vivos o muertos, serán devueltos.

5. Una vez liberados todos los rehenes, Israel liberará a 250 presos condenados a cadena perpetua, así como a 1.700 gazaíes detenidos desde el 7 de octubre de 2023, incluidas todas las mujeres y todos los niños detenidos en este contexto. Por cada rehén israelí cuyos restos sean devueltos, Israel devolverá los restos de 15 gazaíes fallecidos.

6. Una vez liberados todos los rehenes, los miembros de Hamás que se comprometan a coexistir pacíficamente y a entregar sus armas se beneficiarán de una amnistía. A los miembros de Hamás que deseen abandonar Gaza se les ofrecerá un paso seguro a países de acogida.

7. Tan pronto como se acepte este acuerdo, se enviará inmediatamente la ayuda completa a la Franja de Gaza. Las cantidades de ayuda serán, como mínimo, las previstas en el acuerdo del 19 de enero de 2025 sobre ayuda humanitaria, incluida la rehabilitación de infraestructuras (agua, electricidad, alcantarillado), la rehabilitación de hospitales y panaderías, y la entrada del equipo necesario para retirar los escombros y abrir las carreteras.

8. La distribución y la ayuda en la Franja de Gaza se llevarán a cabo sin interferencia de ninguna de las dos partes, a través de las Naciones Unidas y sus agencias, la Media Luna Roja y otras instituciones internacionales que no estén asociadas de ninguna manera con ninguna de las dos partes. La apertura del paso de Rafah en ambos sentidos se someterá al mismo mecanismo que el aplicado en el marco del acuerdo del 19 de enero de 2025.

9. Gaza será gobernada en el marco de una gobernanza transitoria temporal por un comité palestino tecnocrático y apolítico, encargado de garantizar el funcionamiento diario de los servicios públicos y los municipios para la población de Gaza. Este comité estará compuesto por palestinos cualificados y expertos internacionales, bajo la supervisión y el control de un nuevo órgano internacional de transición, el «Consejo de Paz», dirigido y presidido por el presidente Donald J. Trump, con otros miembros y jefes de Estado que se anunciarán más adelante, entre ellos el ex primer ministro Tony Blair. Este organismo establecerá el marco y gestionará la financiación de la reconstrucción de Gaza hasta que la Autoridad Palestina haya completado su programa de reformas —tal y como se describe en diversas propuestas, entre ellas el plan de paz del presidente Trump de 2020 y la propuesta franco-saudí— y pueda retomar el control de Gaza de forma segura y eficaz. Este organismo aplicará las mejores normas internacionales para crear una gobernanza moderna y eficaz, al servicio de la población de Gaza y capaz de atraer inversiones.

Agora o comentário. 

Deixarei de lado o estilo, a pegada de incorporador imobiliário, o passar o pano nos crimes cometidos pelo Estado de Israel e o desequilíbrio geral.

Deixarei de lado, também, o estilo ultimatum.

E, principalmente, deixarei de lado a pegada chantagem de gangster ("tenho uma pistola na tua nuca, se você não concordar, atirarei").

Vou me focar só numa questão de princípio: a soberania.

O que Trump está propondo é estabelecer um protetorado sob sua gestão pessoal.

Leiam: "Gaza será gobernada en el marco de una gobernanza transitoria temporal por un comité palestino tecnocrático y apolítico, encargado de garantizar el funcionamiento diario de los servicios públicos y los municipios para la población de Gaza. Este comité estará compuesto por palestinos cualificados y expertos internacionales, bajo la supervisión y el control de un nuevo órgano internacional de transición, el «Consejo de Paz», dirigido y presidido por el presidente Donald J. Trump, con otros miembros y jefes de Estado que se anunciarán más adelante, entre ellos el ex primer ministro Tony Blair. Este organismo establecerá el marco y gestionará la financiación de la reconstrucción de Gaza hasta que la Autoridad Palestina haya completado su programa de reformas —tal y como se describe en diversas propuestas, entre ellas el plan de paz del presidente Trump de 2020 y la propuesta franco-saudí— y pueda retomar el control de Gaza de forma segura y eficaz. Este organismo aplicará las mejores normas internacionales para crear una gobernanza moderna y eficaz, al servicio de la población de Gaza y capaz de atraer inversiones".

O controle sobre Gaza não será da população palestina, não será da Autoridade Palestina. 

Será de um "Conselho de Paz", dirigido e presidido por Trump. 

Um "novo órgão internacional de transição", constituído a la carte, que controlará as coisas até que a Autoridade Palestina tenha feito o dever de casa  e possa "retomar o controle de Gaza de forma segura e eficaz".

Trata-se de um protetorado. 

Ou seja, é uma espécie de regresso ao princípio da história. 

Aliás, ter o "poodle" Tony Blair à cabeça da coisa só reforça a lembrança do protetorado britânico sobre a Palestina.

Que o ministro Mauro Vieira tenha dito que o Brasil "aplaude" este plano e que ele estaria "alinhado com posições históricas do Brasil" só demonstra como são diferentes os critérios adotados para avaliar o que é soberania nacional.

Cabe aos palestinos, que estão na linha de fogo, decidir o que fazer. 

Mas não há como não dizer que a proposta de Trump perpetua a causa de fundo da situação: a ocupação colonial.


ps. a interceptação da flotilha que rumava em direção a Gaza, feita em águas internacionais, é mais um dos inúmeros crimes cometidos pelo Estado terrorista de Israel, a maior "amenaza para sus vecinos" que existe na região. 



terça-feira, 30 de setembro de 2025

Sobre o fascismo

O texto abaixo foi encomendado pelo companheiro Leandro Eliel, para fazer parte de uma coletânea intitulada História do Fascismo, que deve ser publicada em parceria pelo CCEV, pela Elahp e pela editora Página 13. Autorizado pelo Leandro, divulgo abaixo.

O que é o neofascismo e como a esquerda deve agir frente a ele

A palavra “fascismo” voltou à moda. Mas não há uma definição unânime acerca do que foi o fascismo da década de 1920 na Itália, nem tampouco o que foram as “variantes” portuguesa (o salazarismo), espanhola (o franquismo) e alemã (o nazismo). Sem falar da “variante” japonesa, assim como dos “galinhas verdes” e integralistas brasileiros.

A palavra “fascismo” voltou à moda para designar a extrema-direita que possui grande força, hoje, especialmente nas Américas e na Europa. Mas como há diferenças entre o fascismo original e a extrema-direita atual, muitos preferem falar de “neofascismo”, enquanto outros preferem falar de extrema-direita.

E o que seria a extrema-direita? Quais as diferenças entre a direita e a extrema-direita? Todas as variantes da extrema-direita podem ser colocadas no saco do “neofascismo”?

Para responder a estas e outras perguntas, um bom ponto de partida é responder como domina a classe dominante, ou seja, os capitalistas.

O capitalismo é um modo de produção relativamente jovem, ao menos em comparação com o feudalismo e com o escravismo. Ao longo dos seus cerca de 300 anos de vida, o capitalismo passou por diferentes momentos e assumiu diferentes formas. Mas qualquer que fosse a situação, há algo que não muda: o capitalismo depende da exploração da força de trabalho. E essa exploração só tem êxito quando se combinam, em determinadas proporções, cooperação e opressão.

Sem algum nível de opressão, os trabalhadores podem, a qualquer momento, se insurgir com êxito. Sem algum nível de cooperação, a produção não flui. Portanto, a classe dominante precisa o tempo todo combinar estes dois elementos: cooperação e opressão. Sem algum pão e circo, não funciona. Mas sem um pouco de tiro, porrada e bomba, também não tem dominação.

Como esses dois componentes da dominação são necessários o tempo todo, coexistem dentro da classe dominante (e de seus “funcionários”, como é o caso de grande parte dos governantes, parlamentares, operadores do direito, burocratas muito bem remunerados, penas e línguas de aluguel etc.) pessoas e setores especializados em defender e praticar cada uma dessas posturas e suas inúmeras variantes.

Noutras palavras, sempre haverá, em cada país e em cada época, setores da classe dominante defendendo e praticando o método do porrete e outros defendendo e praticando o método da cenoura, em suas inúmeras variantes, “tudo junto e misturado”.

Por isso é que, quando buscamos no passado ou quando olhamos ao nosso redor, sempre vamos encontrar bem mais que 50 diferentes tonalidades da dominação, que vão do fascismo mais brutal até a democracia burguesa aparentemente tolerante.

Falando em tese, o melhor método para a classe dominante é o do pão e circo. Ou seja, aquele método em que uma parte importante da classe trabalhadora não se percebe dominada, acreditando ser colaboradora do processo: “Se eu trabalhar bastante e fizer minha parte, chegarei lá”. Ou, para falar in english, o american way of life hegemônico quando os EUA pareciam bem das pernas.

Evidentemente, o método do pão e circo só funciona perfeitamente em alguns momentos da história, quando o capitalismo está em expansão em determinado país ou região. Mas quando o capitalismo está ou parece estar num beco sem saída, cresce o descontentamento e com ele crescem os setores da classe trabalhadora que contestam o capitalismo e propõem alternativas. Nesse contexto, os métodos doces de dominação cedem lugar aos métodos amargos. É “la hora de los Hornos”! Então a extrema-direita, em todos os seus variados matizes, assume importante papel na manutenção da dominação de classe.

Acontece que a extrema-direita não nasce nesse momento, ela apenas adquire intenso protagonismo. Noutras palavras, a extrema-direita já estava lá, com seus hábitos, com seus valores, com suas manias e taras. E quando assume o primeiro plano, traz junto essa herança maldita. Por exemplo, no caso do Brasil, mas também de inúmeros outros países, o racismo, a misoginia, o fundamentalismo, o ódio atávico aos povos originários, tudo junto com o “homem cordial” e com o culto do privado frente ao público.

Daí se explica por qual motivo a extrema-direita não é apenas conservadora, ela é principalmente reacionária, está sempre cultuando e propondo voltar “aos bons tempos” do Brasil Colônia, da escravidão e do patriarcado sem limites.

Isto posto, como enfrentar o fascismo/neofascismo/extrema-direita? As formas concretas dependem do momento histórico. Na época da Segunda Guerra Mundial, por exemplo, o principal meio de enfrentar o fascismo era o combate militar. Noutros momentos, predominaram as medidas políticas e ideológicas. Mas como o “fascismo” (ou algo que é visto como “fascismo” por muita gente) voltou à moda, é preciso concluir algo óbvio: enquanto houver capitalismo, o espectro da extrema-direita seguirá rondando, qual um Freddy Krueger. A respeito, recomendamos ler um texto de 1935, escrito por Bertold Brecht, chamado “O fascismo é a verdadeira face do capitalismo”.[1]

Assim, se a esquerda quer mesmo derrotar o fascismo, deve começar enfrentando o capitalismo. O que exige um movimento duplo e simultâneo: por um lado, defender a superação do capitalismo; por outro lado, defender medidas imediatas em defesa da classe trabalhadora (mais empregos, mais salários, mais e melhores aposentadorias, redução da jornada, fim da escala 6x1, pagar menos impostos, mais políticas públicas) e também medidas contra a classe capitalista (redução dos juros, impostos progressivos, estatização de certas atividades econômicas, proteção da soberania nacional contra o imperialismo).

Este duplo movimento é importante, entre outros motivos, porque o “fascismo” também faz um movimento duplo. Por um lado, ele serve aos interesses da classe dominante. Mas, ao mesmo tempo, o “fascismo” precisa neutralizar a influência que a esquerda consegue alcançar na classe trabalhadora em momentos de crise do capitalismo. E, para conseguir êxito nessa neutralização, o “fascismo” precisa dialogar não apenas com os sentimentos profundos inculcados há séculos no povo (“família”, “Deus” e “pátria”), mas também precisa dialogar com a insatisfação material de grandes parcelas da população. Por isso, o fascismo original (na Itália e na Alemanha, na década de 1920) precisou aparecer como crítico das elites, dos oligarcas, do sistema. O mesmo movimento é feito, hoje, por parcelas do bolsonarismo brasileiro e dos seguidores de Milei na Argentina.

Por isso, o êxito da esquerda na luta contra o “fascismo” supõe fortalecer a dimensão antissistêmica da esquerda, não apenas no plano estratégico (a defesa do socialismo), mas também no plano imediato (a defesa de reivindicações imediatas em favor da classe trabalhadora).

As formas concretas da luta contra a extrema-direita dependem, como foi dito antes, de circunstâncias concretas: em que país, em que época, contra qual extrema-direita, a partir de qual esquerda. Mas há uma variável geral que merece ser destacada, a saber: o “fascismo” é chamado à cena quando não estão dando conta do recado aquelas instituições e procedimentos tradicionalmente utilizados pelos capitalistas para exercer sua dominação. Nesse contexto, para atingir o objetivo de derrotar a esquerda e aumentar a exploração das classes trabalhadoras, o fascismo tende a entrar em conflito, mais ou menos profundo, com o modus operandi várias daquelas instituições e procedimentos. Isso gera conflitos, maiores ou menores, com outros setores da classe dominante que se identificam com aquelas instituições e procedimentos.

Quando tudo isso acontece, parte da esquerda acredita ser possível fazer uma aliança com parte da classe dominante em defesa das “instituições” e da “democracia mesmo que burguesa”. Isso aconteceu inúmeras vezes na história e sobre tal linha política há balanços muito diferentes dentro da própria esquerda.

O que pode ser dito a respeito, em termos genéricos, é o seguinte: nos momentos históricos em que a extrema-direita está ascendendo, a maior parte da classe dominante tem simpatia pelas posições “fascistas”. Um exemplo disso é o apoio que Bolsonaro teve (e ainda tem) entre os ricos. Portanto, naqueles momentos históricos, são minoritários os setores da classe dominante dispostos a fazer uma aliança com a esquerda. E, além de minoritários, são inseguros, confusos, com muita gente preferindo o caminho da “pacificação”.

Sendo assim as coisas, é preciso saber que, fazendo ou não alianças - lembrando que alianças são uma questão tática, não de princípio -, o sucesso na luta contra a extrema-direita depende fundamentalmente das classes trabalhadoras e da esquerda. O maior exemplo disso foi a própria Segunda Guerra Mundial: houve uma aliança. Mas de cada cinco soldados alemães que tombaram durante o conflito, quatro foram mortos pelos soviéticos, que, por sua vez, respondem por quase 90% das baixas militares sofridas por URSS, EUA e Inglaterra.[2]

Do que foi dito anteriormente decorre outro ensinamento: como em certos momentos precisa entrar em choque com a institucionalidade vigente, a extrema-direita causa, em alguns desavisados, a impressão de ser “revolucionária(em algum lugar, andaram comparando a intentona de 8 de janeiro com a tomada do Palácio de Inverno). Essa impressão é falsa, por vários motivos.

Em primeiro lugar, a ação da extrema-direita contra uma parte da institucionalidade conta sempre com o apoio de outra parte. Aqui no Brasil, o ataque à Praça dos Três Poderes partiu de acampamentos em frente aos quartéis, teve inicialmente escolta policial e contou com participação direta e indireta de gente das Forças Armadas, assim como do Judiciário, do Executivo e do Legislativo. Golpes de Estado, vamos lembrar, são golpes praticados por uma parte do Estado contra outra parte do Estado.

Em segundo lugar e principalmente, o programa da extrema-direita não é revolucionário. A extrema-direita não se propõe a fazer uma revolução social, não se propõe a acabar com o capitalismo. Nem se propõe a fazer uma revolução política, não se propõe a colocar a classe trabalhadora no poder. O que a extrema-direita quer é fazer uma “contrarrevolução”, mesmo que esta contrarrevolução seja fake. Os governos Lula e Dilma não foram revolucionários, mas se dependesse do que acreditavam os cavernícolas, os presidentes petistas estariam implantando o socialismo no Brasil. Aliás, foi isso que Bolsonaro disse em seu discurso na ONU em setembro de 2019.

Mas embora tenha este componente fake, a extrema-direita causa danos reais, imediatos e de médio prazo. Morreram centenas de milhares de pessoas, durante a pandemia, por conta do que o governo cavernícola fez e deixou de fazer. A vida do povo piorou brutalmente. E as mortes violentas cresceram no país por um conjunto de razões que têm relação direta com a presença da extrema-direita no governo. Por isso e pelo conjunto da obra, mesmo que sejam caricatos, os movimentos de extrema-direita não devem ser tratados com doçura. Contra eles, é preciso aplicar a lei, mas principalmente e acima de tudo a mais implacável luta política e ideológica. Zero acordo, zero concessão, zera tolerância. Combater, derrotar e destruir: este deve ser o comportamento da esquerda no enfrentamento ao neofascismo.



[1] Disponível em O Fascismo é a Verdadeira Face do Capitalismo, consultado em 29/9/2025.

[2] Estas e outras informações estão na insuspeita biografia de Churchill escrita por Andrew Roberts.