quinta-feira, 11 de dezembro de 2025

Análise e caricatura

A Câmara dos Deputados deliberou, no dia 10 de dezembro, sobre os mandatos de Carla Zambelli e de Glauber Braga.

O mandato de Zambelli, criminosa contumaz, foi mantido.

O mandato de Braga, perseguido por se opor a Arthur Lira, foi suspenso por 6 meses.

Vitória parcial do povo.

A depender do que ocorra nos casos de Ramagem e Eduardo Bolsonaro, vitória muito parcial.

Mas tendo em vista a correlação de forças existente na Câmara, era esperado que a direita preservasse os seus.

O ponto fora da curva foi termos conseguido evitar a cassação de Glauber Braga.

Portanto, embora parcial, inclusive porque ocorreu a suspensão, o resultado está sendo comemorado por toda a esquerda.

Mas além de comemorar, é preciso analisar o ocorrido. Até porque está aberta, em todo o país, uma verdadeira temporada de caça contra mandatos de esquerda, especialmente mulheres, jovens, negros e negras.

Evidentemente, análises há de todos os tipos, gostos e sabores.

Entre elas, a de Gilberto Maringoni, que reproduzo ao final.

Maringoni diz que Braga "obteve magnífica vitória contra a direita e a extrema-direita".

Diz que essa vitória só foi obtida porque Glauber teria "se negado a recuar e a negociar antes da hora".

Cita duas ações de Glauber: a greve de fome e a ocupação da cadeira da presidência da Câmara.

Maringoni reconhece que, na época, considerou que a greve de fome seria um "gesto impensado".

Talvez movido pelo erro de avaliação cometido ali atrás, Maringoni agora torça o bastão para o outro lado, ou seja, debite o resultado (suspensão, ao invés de cassação) apenas na conta do que Glauber fez ou deixou de fazer.

Glauber, sem dúvida, merece aplausos pela combatividade e pela resistência. Mas o resultado da votação teve outros ingredientes, que uma análise séria precisa levar em conta.

Um dos ingredientes, como é óbvio, é o fato da direita levar em conta o "enorme impacto na opinião pública" que teria, por exemplo, cassar Glauber e manter Zambelli. 

Outro ingrediente, que Maringoni cita, é que a "esquerda e o progressismo se unificaram, embora sejam minoritários nas duas casas legislativas".

Um terceiro é a tese - muito defendida pela extrema-direita e direita, na forma extrema da blindagem - segundo a qual a cassação não deve ser banalizada. Tese que eles usam para defender bandidos, não prerrogativas parlamentares.

Maringoni registra que não aconteceram "mobilizações de massa nas exíguas 48 horas entre o anúncio da entrada da matéria em pauta e sua votação", mas "o impacto midiático pode ter feito a reação recuar". 

E nesse ponto introduz a seguinte frase: "Nas condições atuais e diante da omissão do presidente da República, a suspensão foi uma vitória e tanto".

A obsessão de Maringoni em carimbar Lula de forma negativa o leva a cometer esta avaliação.

Primeiro, vamos nos entender: não cabe ao Presidente da República se intrometer oficial, formal e publicamente em processos internos da Câmara.

Segundo, vamos nos entender também: alguém acha mesmo que o resultado teria sido esse, se do ponto de vista político Lula não estivesse de acordo em preservar o mandato de Glauber?

(Como me disse um amigo, depois de ter lido este texto: basta ver o que disse e fez Guimarães, o líder do governo, durante a sessão da cassação, para saber qual foi a posição do governo e de Lula, a saber, defender Glauber.)

Maringoni termina seu texto afirmando que com o resultado - a suspensão de Glauber - "desaba espetacularmente um dos mantras do lulismo, que serve de justificativa para todo tipo de hesitação e recuo: acabou a conversa fiada da "correlação de forças" como dado da natureza!"

De fato há pessoas - inclusive no atual partido de Maringoni, o PSOL - que pensam que a correlação de forças é um dado da natureza.

Mas Lula já demonstrou inúmeras vezes que não é partidário dessa tese. Tivemos exemplos recentes disso. 

O que ocorre muitas vezes é que Lula faz escolhas, como qualquer um, acerca de que brigas comprar. E faz concessões, com as quais podemos não concordar (muitos heróis de Maringoni, como Vargas e Stálin por exemplo, fizeram inúmeras "concessões "intragáveis).

Nesse caso particular, Lula teve lado. Maringoni não quer ver, porque ele - embora tenha citado Lênin no final de seu texto - esqueceu que o velho russo dizia ser necessário análise concreta da situação concreta.

Se ele tivesse feito isso, não correria o risco de - daqui há alguns meses - ter que fazer autocrítica, como fez em seu texto acerca da greve de fome de Glauber.

Fora isto, viva Glauber, Glauber fica!


Segue abaixo o texto comentado acima


SÓ É AMPLO QUEM É RADICAL

Gilberto Maringoni


1. GLAUBER BRAGA SÓ OBTEVE a magnífica vitória contra a direita e a extrema-direita, amplamente majoritárias no Congresso, por ter se negado a recuar e a negociar antes da hora. Vamos lembrar: ao ser condenado a perder o mandato em decisão da Comissão de Constituição e Justiça, em abril deste ano, o parlamentar iniciou uma greve de fome de nove dias. O gesto, tido como impensado por muita gente – inclusive por este que escreve -, alterou prazos do processo, com enorme impacto na opinião pública. 


2. ÀS VÉSPERAS DA VOTAÇÃO em plenário, na terça (9), sob o risco de perder o mandato, o parlamentar partiu para outra ousadia: tomou a cadeira da presidência da Câmara por pouco mais de uma hora. Hugo Motta titubeou e, num gesto de soberba e ignorância, chamou a polícia legislativa, que retirou Glauber com truculência, expulsou a imprensa do plenário e cortou o sinal da TV Câmara. Em aliança tácita com as big techs, os perfis de várias lideranças de esquerda foram apagados dos buscadores de redes sociais. Motta mostrou o muque, num gesto amadorístico que corroeu sua imagem. O estúpido foi além e comandou a inglória batalha da anistia, agora sob o pomposo neologismo de "dosimetria". 


3. O COMANDO TROGLODITA do novo golpe parlamentar – Motta, Lira, Alcolumbre etc. - amanheceu na quarta (10), o dia da "cassa", sujo como pau de galinheiro diante da opinião pública. A esquerda e o progressismo se unificaram, embora sejam minoritários nas duas casas legislativas.


4. A PARTIR DAÍ, A NEGOCIAÇÃO de PSOL, PT, PCdoB e outros setores partidários com Hugo Motta foi feita a quente. Ou seja, de forma distinta ao toma-lá-dá-cá palaciano e na surdina que marca as tratativas do governo Lula com o Congresso. Embora não tenha havido mobilizações de massa nas exíguas 48 horas entre o anúncio da entrada da matéria em pauta e sua votação, o impacto midiático pode ter feito a reação recuar. Foi nessas condições que se chegou à punição da pena de seis meses, sem perda de mandato. Nas condições atuais e diante da omissão do presidente da República, a suspensão foi uma vitória e tanto.


5. A CASSAÇÃO DE GLAUBER – uma vingança pessoal de Arthur Lira diante das denúncias do orçamento secreto feitas pelo psolista – mostrou-se nada interessantes para setores da direita e da extrema-direita. A intervenção de Zé Trovão (PL-SC) foi eloquente: “Quem foi eleito por milhares de pessoas não pode ser cassado por alguns deputados. Se for assim, hoje é Glauber e amanhã é qualquer um de nós”. A banalização da perda de mandatos assusta quem pode ter telhado de vidro. A métrica valeu para Carla Zambelli (PL-SP)


6. A POSSÍVEL DERROTA do parlamentar de esquerda – quase certa na terça - gorou na quarta. Desaba espetacularmente um dos mantras do lulismo, que serve de justificativa para todo tipo de hesitação e recuo: acabou a conversa fiada da "correlação de forças" como dado da natureza! E Glauber Braga e seus apoiadores mostraram que, diante de um inimigo mais forte, não se dilui a própria posição com concessões inexplicáveis. Ao contrário. Vale sempre lembrar da frase atribuída a Lênin, “Só é amplo quem e radical”. A esquerda foi ambos nessa quarta-feira nervosa.


Gilberto Maringoni

2 comentários:

  1. Começo pelo fim: 6. houve , correlação de forças sabidamente. O próprio PSOL sugeriu a outra liderança de bancada a defesa da suspensão. Não poderia, moralmente, partir do partido de Glauber, então houve essa costura. E o PT? O que fez nesse processo? Quem mais esteve ao seu lado nas trincheiras além dos colegas partidários? Quem defendeu com tanta veemência e sendo mulher negra e idosa, conseguiu o riso escarnecido do presidente da casa? Continuo por uma questão posta no início: a greve de fome , até onde eu me recorde, teve intervenção do Lula e e da liderança do governo na câmara para que terminasse. Posso estar enganada? A decisão foi de Glauber (parlamentar absolutamente necessário para o Brasil), mas a negociação que colocou fim a ela...

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