sexta-feira, 19 de abril de 2024

Ficção sobre pesos e medidas

que segue é ficção. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência.

Um cara dá seguidas declarações públicas que desgastam o Partido.

Nada acontece com ele.

Um segundo cara passa anos servindo aos inimigos.

Este segundo cara é refiliado, sem prestar contas do que fez. Em sua defesa, é dito que “o partido não tem o hábito de pedir autocrítica de ninguém!”

Pano rápido.

Um terceiro cara é acusado de ter cometido um crime que ele não cometeu.

Pedem que ele peça desculpas.

A pressão pela “autocrítica” não tem êxito, mas contribui para enfraquecer a defesa.

O mesmo filme está se repetindo agora. Com direito a ligações, pressões e até “chantagem”.

Por quais motivos se adotam diferentes pesos e medidas??

Por um lado, resulta da influência da “teoria” segundo a qual o ataque não seria a melhor defesa.

Também contribuem para a reprise os interesses menores, os amigos errados e os “especialistas” em marketing, que sempre aparecem nessas  horas.

Além disso tem uma tara antiga, segundo a qual - dependendo do teu gênero, idade e etnia - você é culpada, mesmo sem culpa.

Portanto, deve pedir desculpas por existir.

Sabedora disto, a direita escolhe seus alvos especialmente entre aqueles cuja carne Elza Soares cantou.

Noves fora tudo isso, sempre lembrando que este texto é mera ficção, o bom senso manda cerrar fileiras na defesa da acusada da hora. Entre outros motivos porque não se ganha uma guerra fazendo aquilo que os inimigos querem que façamos.

Aventuras do PT na China (última parte, por enquanto)


Em Shangai, são 22h00 de 19 de abril de 2024. Logo mais regressa ao Brasil a delegação do PT que está em visita à China. Viemos via Frankfurt, voltaremos via Qatar.

A "delegação de alto nível", como foi denominada pelos anfitriões, era para ter tido 30 integrantes, depois foi reduzida devido a desistências de última hora, bem como por pessoas que tiveram que regressar antes do término, tendo chegado ao final da visita com a seguinte composição: Romênio Pereira, Monica Valente, Valter Pomar, José Airton, João Maurício, Saulo Dias, Maria Isabel, Miguel Ângelo, Carlos Veras, Carlos Zaratini, Ricardo Campos, Maria Isolda, Laura Sito, José Ronaldo, Macaé Maria, Helder Salomão, Cícero Balestro, Vitor Silveira, Debora Pereira, Jean Mark, Danilo Veloso e Liliam Borges. 

No último dia da visita, além das atividades fenícias e de turismo, a delegação visitou um centro comunitário e o respectivo comitê de base do Partido. Também houve uma reunião bilateral onde se combinaram os próximos passos, como por exemplo a vinda de professores chineses para uma atividade de formação sobre a história e funcionamento do PCCh, sobre o funcionamento do governo chinês e da planificação, sobre a iniciativa do Cinturão e Rota.

Aliás, do ponto de vista chinês, esta talvez seja a grande questão: se o Brasil vai se integrar à Iniciativa. Seguramente este será o grande tema a ser debatido, quando das visitas que Celso Amorim e Geraldo Alckmin farão à China nos próximos meses. Lembrando que, em novembro de 2024, será a vez de Xi Jinping visitar o Brasil.

De volta ao Brasil, cada integrante da delegação terá o desafio de digerir a experiência e transmitir, ao seu círculo de relações, as impressões que teve. O programa Janela Internacional, da TV FPA, entrevistará quem se disponha. A Fundação também buscará publicar os textos de balanço que sejam produzidos.

O grande desafio, entretanto, transcende conhecer a China e o PCCh. O grande desafio é transformar o Brasil. Deste ponto de vista, a visita a China ajuda a perceber o papel que podem jogar, na transformação profunda de um país, a vontade política, a ação coletiva, a perspectiva de longo prazo.

A "correlação de forças" não era favorável, quando o Partido Comunista da China foi criado, em 1921, por 13 delegados, representando 58 pessoas, num país com 300 milhões de habitantes. A "correlação de forças" também não era favorável, em inúmeros outros momentos da história da China. Mas, adotando a postura de transformar a correlação de forças, as forças sociais encabeçadas pelo PCCh conseguiram - com avanços e recuos, vitórias e derrotas, erros e acertos - fazer da China o que ela é hoje.

Para nós, do Brasil e da esquerda brasileira, é fundamental aprender com essa disposição de não se prostrar diante das dificuldades, de não transformar a correlação de forças momentânea num obstáculo definitivo e, principalmente, de não adotar a mediocridade como meta e parâmetro.

Nosso país tem enormes possibilidades. Enquanto os capitalistas dos setores financeiro e primário-exportador forem dominantes, essas possibilidades seguirão sendo apenas isso: possibilidades. Também por isso, o PT e o conjunto da esquerda brasileira não podem aceitar o papel de gestores do status quo. É preciso disposição de transformar profundamente o país, investir pesadamente no bem-estar social e no desenvolvimento. Quero crer que a delegação de alto nível decolará, logo mais, com esta ideia na cabeça, ainda que com diferentes opiniões acerca de como fazê-lo.

Terminamos por aqui a parte pública desta série de textos. Quanto a parte privada, ou seja, os relatos reservados da excursão, estes serão publicados proximamente, claro que em javanês.






quinta-feira, 18 de abril de 2024

Aventuras do PT na China (parte 10)

 

A comitiva do PT que está em visita a China está agora em Shangai. Como em todas as outras cidades, fomos hospedados num hotel de primeira categoria. O que só está sendo possível porque a parte chinesa está pagando, assim como pagaram as passagens de avião, os deslocamentos internos e as refeições. 

O hotel de Shangai fica na parte da cidade outrora ocupada pelos franceses. Quem não lembra, aqui vai: desde a Guerra do Ópio (1840), os chineses foram militarmente derrotados por diversas vezes. E, ao final de cada guerra, uma das imposições dos vencedores era ocupar – com direitos de extraterritorialidade – cidades, pedaços de cidade, portos etc. Na prática, era como se uma parte do território da China fosse considerado território francês, ou britânico, ou russo, ou austro-hungaro, ou germânico, ou estadounidense, ou japonês. Não uma embaixada, mas quarteirões e quarteirões.

No caso de Shangai, na denominada “concessão” francesa, ficou famosa uma placa posta na entrada de um parque público: não são admitidos cachorros e chineses. Hoje, no mesmo lugar onde estava a escandalosa placa, está um impressionante museu da história da cidade.

E por falar em coisas impressionantes, a China é o paraíso dos trem bala, das gruas em operação, dos viadutos floridos, dos museus e show-rooms. 



Em todas as cidades e em todas as empresas que fomos, há um amplo espaço onde se conta a história da respectiva instituição, entremeada sempre com a história do país. E com direito a generoso espaço para as decisões do Partido Comunista e – no caso das cidades que visitamos – para o pensamento de Xi Jinping. Por exemplo: os investimentos se fazem em todos os países, mas os empresário tem nacionalidade e precisam ser patriotas.

Tanto museus quanto showrooms usam técnicas “da hora”. E isto está ligado, como é óbvio, ao esforço que os chineses seguem fazendo no sentido de modernizar e desenvolver o país.

Curiosamente, uma pesquisa nas redes geralmente atribui esta iniciativa ao camarada Xi ou ao camarada Deng, mas na verdade desde pelo menos 1964 o PCCh vem perseguindo as "quatro modernizações": da agricultura, da indústria, da defesa, da ciência e tecnologia. 

A rigor, o que a China segue fazendo – em 2024 – é implementar o programa da Nova Democracia, formulado no início dos anos 1940 por Mao e aprovado pelo Partido. Que tenham havido zigue-zagues e delays imenso não altera a existência de um fio de continuidade. A China moderna não é obra de Confúcio, mas sim da revolução e da tradição marxista. Fato que os chineses reiteram o tempo todo, aliás.

O desenvolvimento das forças produtivas é apresentado, sempre, em combinação com a planificação. No Museu da Cidade de Xangai, por exemplo, há planos urbanos que vão até 2050 e além...

Vale dizer que nos apresentaram Shangai como uma cidade “jovem”, com “apenas” 600 anos, mais ou menos. Jovem, mas fundamental na história chinesa. Foi em Shangai que o PCCh foi fundado, exatamente dentro de uma “concessão”. Foi também em Shangai que nasceu Li Peng, que saiu do comando da cidade para o primeiro posto do Partido Comunista da China, logo depois do Incidente de Tianamen (ou, na versão dos críticos, o “massacre da praça da paz celestial”.

Em 2004, a delegação do PT foi levada a conhecer Pu Dong, uma antiga vila de pescadores, convertida em pólo de desenvolvimento científico-tecnólogico. Em 2024, a delegação foi levada a conhecer Yangshan, um novo distrito industrial, também construído a partir do zero e hoje convertido numa cidade com 450 mil residentes e 150 mil trabalhadores. 

Não tem nada que ver com os distritos industriais existentes no Brasil. Trata-se de uma cidade, com todas as comodidades e, também, com muitas belezas paisagísticas e arquitetônicas,

A maior parte da construção de Yangshan transcorreu nos últimos 5 anos, entre 2019 e 2024; hoje há cerca de 400 empresas atuando lá.  É em Yangshan (cuja tradução seria “pingo dágua”, devido a um imenso lago artificial construído no local) que fica o talvez maior porto de águas profundas do mundo. Lá visitamos uma fábrica de chips (Versilicon) e uma fábrica de robôs (Siasun). Também por lá fica uma fábrica da Tesla, com 28 mil trabalhadores.

Sim ladys and gentleman, a Tesla está na China, com direito a presença do sindicato e de uma célula do PCCh. Elon Musk, pelo visto, tem critérios mais elásticos do que se depreende, quando se observa sua campanha pela “liberdade irrestrita” do X no Brasil.

O PCCh tem, no distrito de Yangshan, 4.300 militantes. Cerca de 10% daqueles 4.300 são o que chamaríamos, no Brasil, de “profissionalizados”. Mas a maioria desses profissionalizados tem tarefas públicas, não apenas internas e organizativas. O chefe do Partido no distrito, por exemplo, responde pelo desenvolvimento global do distrito.

O chefe local do Partido, que nos recebeu, tem 58 anos, entrou no Partido em 1990. Quase desistiu, porque o processo de seleção é muito rigoroso, as vezes dura 5 anos. Ele acrescentou o seguinte: é muito difícil entrar no Partido e é muito difícil voltar ao Partido, caso a pessoa tenha saído por vontade própria ou se sido expulsa.

Como se pode constatar, é uma situação "quase igual" a como funciona um certo partido latino-americano. Pano rápido, voltaremos depois com mais um relato.

ps. este texto foi postado duas vezes. Na primeira vez, com o título errado. Foi um ato falho. Aventuras de um chinês na China é um texto do Júlio Verne, publicado em 1879 e, no meu caso, lido nos anos 1970.

ps2. nos anos 1970, Pedro Pomar esteve na China, para um encontro com Chu Enlai (ver foto abaixo), com o objetivo de informar sobre a Guerrilha do Araguaia. O tradutor deste encontro, um cidadão chamado Guo, também contribuiu na tradução de duas outras visitas - feitas por Wladimir e Rachel Pomar - no início dos anos 1980, sendo uma delas a primeira visita oficial do PT à China. Pois bem: Guo -que aparece na foto abaixo - está com seus oitenta e tantos anos e manda lembranças para os amigos brasileiros.









terça-feira, 16 de abril de 2024

O plano é tirar Haddad do páreo?

Ainda é cedo para discutir cenários de 2026. Muita água vai passar embaixo da ponte. Inclusive muita água suja, como se pode constatar vendo as previsões relativas ao resultado das eleições municipais de 2024.

Isto posto, a preços de hoje, a depender do cenário, a direita e a extrema-direita têm vários presidenciáveis, desde o cavernícola e sua consorte, até alguns governadores.

E a esquerda? Há também vários nomes, o principal dos quais é o próprio Lula. Outro dos nomes era o Haddad. Era. Pois, pelo visto, está em curso um plano para tirar Haddad da lista de opções para 2026. Plano que conta com a ativa participação do próprio ministro da Fazenda.

Explico: desde 1989 até 2022, o único ex-ministro da Fazenda que se elegeu presidente foi outro Fernando, o Henrique. Mas o fez cavalgando o Plano Real. No médio prazo, o Real causou um desastre macroeconômico. Mas, no curto prazo, foi um valioso ativo eleitoral.

Pois bem: podemos ter divergências sobre qual será o efeito de médio prazo da política que está sendo conduzida pelo ministério da Fazenda, encabeçado por Haddad. Mas está cada vez mais evidente que, no curto prazo, seus efeitos não serão eleitoralmente positivos, nem em 2024, nem em 2026.

Detalhes a respeito estão espalhados em inúmeros textos de análise do arcabouço fiscal, o mais recente dos quais - acerca da PLDO 2025 - eu reproduzo ao final. Como se poderá constatar, confirmam-se as previsões de que, para fechar as contas, a Fazenda vai pressionar pela revogação dos pisos constitucionais da saúde e da educação.

Para além das implicações éticas, políticas, econômicas, sociais e estratégicas deste tipo de proposta, não apenas sobre o governo e sobre o Partido, mas também sobre a história pessoal (e o currículo lattes!!!) de quem promove este tipo de barbaridade, há algo mais imediato: alguém acha que uma candidatura de esquerda se elegerá, tendo como bandeiras o déficit zero e a responsabilidade fiscal?

A situação me lembra um conto que li, em que um ministeriável disse para um presidente recém-eleito algo mais ou menos assim: "voce vai entregar para mim o ministério da tesoura e vai entregar para fulano o ministério do tijolo?" 

Enfim, a política fiscal do governo Lula, além de errada em si mesma, pelos motivos explicados noutros textos, tem como efeito político imediato reduzir o leque de opções eleitorais do PT para 2026. Se este é o plano, dá dando certo.

Alguém poderá dizer: "mas tem 2030!" É verdade, tem 2030. Mas no ritmo em que as coisas estão indo, com as duas direitas fungando no nosso cangote, em 2030 a esquerda corre o risco de não estar muito bem de saúde.

Como fez em 2006, o governo precisa mudar o rumo de sua política econômica. Há pressões e movimentos nesse sentido, como se percebe no caso da recente decisão sobre as metas do primário. Mas se isso for feito sem romper com as premissas do arcabouço fiscal, o resultado final será cortar na carne. 

Claro, sempre esta a opção de contar com a sorte. Algo pouco prudente, na atual situação política do Brasil e do mundo.


Segue a análise referida acima.

David Deccache no X: "Comentários preliminares sobre o PLDO de 2025 e a ameaça ao piso da saúde. Ao dar uma primeira olhada no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2025, minha reação foi de completa incredulidade. Nas projeções fiscais do PLDO para os gastos com saúde (obrigatórios com… https://t.co/n3ctCryhrp" / X (twitter.com)

Comentários preliminares sobre o PLDO de 2025 e a ameaça ao piso da saúde. Ao dar uma primeira olhada no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2025, minha reação foi de completa incredulidade. Nas projeções fiscais do PLDO para os gastos com saúde (obrigatórios com controle de fluxo), o governo parece pressupor o fim do piso constitucional já a partir de 2025. Isso confirma e ratifica as declarações recentes da equipe econômica, que se opôs publicamente aos atuais mínimos constitucionais para saúde e educação, conquistas históricas do nosso povo. Para que as projeções e/ou projetos do governo apontados no texto se concretizem de fato, é necessário que uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) seja aprovada no Congresso ainda neste ano, revogando os atuais pisos constitucionais da saúde e da educação. Portanto, nada está perdido. Ainda. O PLDO revela intenções claras do governo de promover um declínio contínuo nos gastos com saúde de 2025 a 2028, representando um retrocesso flagrante em comparação com o modelo atual. Para 2024, a projeção de gastos começa em R$ 153,4 bilhões e segue uma trajetória de queda anual, atingindo R$ 148 bilhões em 2028 (a preços de 2024). Essa redução é ainda mais drástica para essa variável específica que o congelamento imposto durante a gestão Temer, configurando uma verdadeira trajetória de 'derretimento', conforme descrito na tabela 7 do PLDO 2025. Em decorrência da contínua e deliberada deterioração relativa dos gastos com saúde, o governo prevê diminuir a proporção desses gastos em relação ao PIB de 1,33% em 2024 para 1,15% em 2028 (tabela 6). É importante ressaltar que o anúncio deste projeto ocorreu no mesmo dia em que foi divulgada uma suposta parceria entre o governo e o Congresso para a aprovação de uma PEC que visa estabelecer um piso para aumentar os gastos com as Forças Armadas de 1,2% do PIB para, no mínimo, 2%. Há também a promessa de redução do tamanho do Estado como um todo em proporção ao PIB. O diagnóstico do governo é claro: considera que o Brasil gasta muito com saúde, educação e demais áreas públicas. Portanto, pretende construir uma economia com mais mercado e menos Estado. Concretamente, promete reduzir os gastos primários totais de quase 19,63% do PIB em 2023 para 17,85% em 2028 (PLDO 2025, p. 146). Um trecho curioso do PLDO é quando o governo menciona que pretende realizar uma ampla revisão de gastos com o seguinte objetivo: "O processo de revisão de gastos no âmbito do Poder Executivo federal surge como uma resposta estratégica e proativa a três desafios: (1) reduzir a pressão das despesas obrigatórias, que têm previsão de crescimento, por força legal e de movimentos sociodemográficos (...)." Sinceramente, é razoável para um governo progressista atuar para reduzir despesas que tendem a crescer para acompanhar o aumento da demanda da população por um determinado serviço? Como a população brasileira está envelhecendo, por exemplo, há obviamente pressão para a ampliação com gastos em saúde. Diante deste cenário a atitude sensata é atuar para reduzí-los? Antecipando-se às críticas, o governo defende que os cortes de gastos serão compensados por um 'aumento de eficiência'. Naturalmente, argumentam que o cerne dos problemas na saúde e educação reside na eficiência. Segundo essa lógica, reduzindo os salários dos professores e dos profissionais de saúde, a eficiência, por consequência, aumentaria. Detalhe: embora o governo, por motivos óbvios, não mencione explicitamente saúde e educação como alvos diretos das revisões, as tabelas anexadas e o Relatório de Projeções Fiscais do Tesouro deixam claro essa intenção. O relatório revela que foram realizados estudos visando a retirada de mais de R$ 500 bilhões dessas áreas até 2033. Diante deste cenário de contração fiscal dos gastos e investimentos públicos, como o governo pretende gerar crescimento econômico nos próximos ? (i) Contração fiscal expansionista e... progresssista. Baseados em suposições sem evidências, apostam que a reforma tributária e a contração fiscal reduzirão significativamente 'a tal taxa neutra de juros' (p. 123). Esta hipótese neoliberal, amplamente falha e ridicularizada por fartas evidências históricas, é hoje criticada até pelo FMI. Apenas os mais ardorosos defensores do neoliberalismo ainda sustentam a tese de uma contração fiscal expansionista. Até Alberto Alesina, o arquiteto dessa teoria, agora admite suas falhas. Contudo, o governo promete que dessa vez a contração fiscal vai funcionar tão bem que além de ser expansionista será progressista, algo que será inédito na história do capitalismo. (ii) As chamadas medidas microeconômicas, principalmente a ampliação da facilidade do sistema financeiro em executar garantias de devedores, como carros, casas e afins. Prometem que isso também reduzirá juros. A Febraban apoia efusivamente a medida que ela mesmo construiu e garante que os juros no Brasil são altos porque o nosso povo fica dando muita volta nos pobres bancos. (iii) Citam medidas de incentivo ao investimento privado, especialmente ambientais, como o chamado Plano de Transformação Ecológica. Será o mercado salvando o meio ambiente da destruição que ele mesmo gera. (iv) Consideram que a suposta inovação do programa de hedge cambial para reduzir o risco do especulador externo vai atrair investimentos. Prosseguem com um espetáculo de platitudes neoliberais, tão familiares aos discursos dos tucanos ao longo das décadas. Entretanto, não posso terminar esse texto sem mencionar algo que me chamou bastante atenção: a curiosa aposta na ampliação da dívida externa. Aqueles minimamente familiarizados com a economia brasileira entendem bem o risco de trocar dívida emitida na nossa própria moeda por dívida em dólares e outras moedas fortes. No entanto, para o governo, parece não haver diferença alguma. Vejam esse trecho de uma matéria assinada pelo Tesouro Nacional: "A emissão reforça o papel importante da dívida externa em termos de alongamento de prazo, diversificação de indexadores e da base de investidores (...)" Por fim, o governo conclui no PLDO que é a austeridade fiscal que vai matar a fome e a insuficiência de serviços públicos no Brasil: "Políticas fiscais bem elaboradas, dentro de um arcabouço que prima por responsabilidade fiscal, podem mitigar os problemas sociais que assolam a população brasileira, como a fome, a oferta ainda insuficiente dos serviços públicos e as desigualdades."



O problema de Pimenta não é comigo

Pela graça do bom pai, estou viajando e sem tempo para ler, muito menos responder, toda a verborragia que o Rui Costa Pimenta e o PCO andam escrevendo a meu respeito.

Acontece que não consigo resistir ao estilo do referido cidadão, estilo que classifico como de assédio doentio  (aliás, esta é mais um ponto de contato com a extrema direita, além das já citadas defesas de vários escrotos, de Musk e de Brazão, o convívio com o Movimento Nova Resistência etc.).

Novamente, vou deixar de lado grande parte das abobrinhas, inclusive a minha inclusão na "esquerda pequeno burguesa". Até porque todos sabemos quem, nesta vida, efetivamente trabalha para ganhar seu pão.

Me restrinjo, portanto, ao ponto que deu origem a este debate: a liberdade de expressão "irrestrita", argumento que Pimenta utiliza para defender Musk.

Segundo Pimenta, "a única política séria sob a ditadura da burguesia seria a de lutar para ampliar o mais possível os direitos do povo trabalhador, o que obviamente é uma luta contra a burguesia".

É verdade. E é exatamente por isso que vários marxistas defendiam e seguem defendendo a "ditadura do proletariado". Ditadura do proletariado que eles definiam como sendo democracia para o proletariado e ditadura para a burguesia. Ou seja: para ampliar a democracia para uns, é preciso restringir a democracia para outros. 

Não fui eu que inventei esta maneira de expor o problema, foi Marx, foi Lênin e outros menos dotados. 

Por analogia, para ampliar os direitos dos trabalhadores, das mulheres, dos negros, é preciso restringir ou até mesmo eliminar por completo os direitos do senhor de escravos, do patrão e do patriarca, do Roberto Marinho et caterva, incluindo na quadrilha o Musk e o Brazão.

No tratamento do tema "democracia", Pimenta adota um jeito de pensar que não é marxista, é liberal. 

Para ele existiria um direito genérico, que ou é restringido para todos, ou é ampliado para todos. Mas na vida real, na sociedade de classes, não funciona assim. Numa sociedade dividida em classes, para ampliar o direito de uns, é preciso restringir o direito de outros. 

Para desenhar: não tem jeito de ampliar os direitos das mulheres, sem restringir os direitos quase absolutos dos homens. Não tem jeito de ampliar os direitos dos negros e negras, sem restringir os direitos quase absolutos dos brancos. Não tem jeito de ampliar os direitos da classe trabalhadora, sem restringir os direitos quase absolutos dos burgueses. 

Por óbvio, eu não defendo censura sobre os trabalhadores. Quem defende censura contra os trabalhadores é quem defende o Musk. 

Eu, pelo contrário, defendo restringir o direito de mentir do Musk, assim como defendo restringir o direito de mentir dos oligopólios. Aliás, censurar os jornais burgueses, fechar os jornais burgueses, impedir a burguesia de mentir para o povo, foi algo comum a todas as revoluções socialistas. 

Isto posto, tenho dúvida se Pimenta lê o que ele assina. Vejam a seguinte frase: "Em resumo, Pomar prova que os direitos democráticos restringem a ditadura e o arbítrio e que, portanto, é preciso lutar por eles, porque são uma luta contra a ditadura do capital". 

Pois então: a "ditadura" que eu pretendo "restringir" é a ditadura exercida pela burguesia contra a classe trabalhadora. Acontece que essa ditadura é, ao mesmo tempo, uma democracia para a burguesia; a democracia da burguesia é a ditadura para os trabalhadores. Repito: não fui eu quem inventou esse jeito de pensar, quem fez isso foi o Marx, foi o Lenin etc e tal. 

Portanto, o problema de Pimenta não é comigo, é com os fundadores do marxismo. Agora, repito: do ponto de vista do povo brasileiro, que não é marxista, o problema real é que o PCO está defendendo posições que objetivamente favorecem a extrema-direita. 

Poliana me diz que isto tem um lado positivo: poderíamos propor ao PCO que ofereça asilo para uma determinada pessoa. Mas isso já são outros quinhentos.


Segue abaixo o texto criticado 

Valter Pomar: por que a esquerda pequeno-burguesa defende a censura

"Com a censura, a classe dominante está destruindo os direitos democráticos da classe operária", escreve Rui Costa Pimenta em resposta a Valter Pomar

A réplica de Valter Pomar à nossa matéria de resposta a ele neste órgão revela com toda a clareza por que a esquerda pequeno-burguesa não defende os direitos democráticos do povo e apoia a censura.

Segundo Pomar, "Pimenta, do PCO, reclama que eu não refutei seus argumentos. (..) A bem da verdade, eu os desconsiderei, exceto um: a `liberdade de expressão irrestrita`".

"Desconsiderei", aqui, é um eufemismo para "não sei o que dizer a respeito". Alguns podem acreditar que estou apenas utilizando a mesma tática de Valter Pomar de desclassificar o contraditor para evitar entrar no debate de ideias, mas não é assim. Explico.

A esquerda pequeno-burguesa em geral e Pomar em particular nada entende sobre as questões da democracia política. Acreditam que "numa sociedade de classes, não existe liberdade 'irrestrita'". Este raciocínio, que é uma verdade relativa nos levaria a acreditar que restringir ainda mais a liberdade, seria bom. A falta de lógica é indicativa de que o autor não sabe do que está falando.

O problema com Valter Pomar é, portanto, que ele não sabe o que é democracia burguesa e menos ainda o programa marxista em relação a ela.

Para um marxista é óbvio que a única política séria sob a ditadura da burguesia seria a de lutar para ampliar o mais possível os direitos do povo trabalhador, o que obviamente é uma luta contra a burguesia.

Pomar mostra de maneira mais clara a sua ignorância da questão democrática ao dizer que "é óbvio que ampliar o direito das mulheres restringe o poder até então absoluto dos homens". O problema dessa afirmação é óbvio para um marxista: o poder absoluto dos homens não é um direito, mas uma ditadura, um privilégio antidemocrático, assim como acabar com a escravidão e dar ao escravo todos os direitos de cidadania não é restringir o "direito" de escravizar porque escravizar não é um direito democrático. Ele repete esse absurdo ao dizer que "dar ao povo o 'direito de falar' - se for para valer - significa 'tirar' da classe dominante o 'monopólio da fala', exercido através do controle empresarial dos grandes meios de comunicação".

Monopolizar alguma coisa também não é um direito democrático. Ao contrário, o monopólio é um sinônimo de ditadura. Se Pomar entende que sob o monopólio da burguesia sobre os meios de comunicação, a liberdade de expressão seria apenas uma mentira e não um direito limitado pelo poder econômico da classe dominante, isso também não invalida a luta pela mais ampla liberdade de expressão; isso significa que esse direito somente será exercido totalmente quando a burguesia for expropriada. Certamente restringir esse direito, não trará senão prejuízo para os trabalhadores.

Em resumo, Pomar prova que os direitos democráticos restringem a ditadura e o arbítrio e que, portanto, é preciso lutar por eles, porque são uma luta contra a ditadura do capital. Qualquer censura somente poderá ser exercida pela classe dominante, pela classe que domina o Estado, a burguesia, e isso significa que, com a censura, a classe dominante está destruindo os direitos democráticos da classe operária.


Aventuras do PT na China (parte 9)




No dia 13 de abril de 2024, a delegação do PT chegou em Xiamen, uma das nove cidades de uma província chamada Fujian. 

Esta província é lindeira ao Estreito de Taiwan. Do outro lado do Estreito, fica a província de Taiwan.

Além de Xiamen, a delegação também visitou - entre 13 e 17 de abril - três outras cidades: Jinjiang, Ningde e Quanzhou.

Xi Jinping, atual presidente da China e secretário-geral do Partido Comunista, trabalhou por 12 anos nesta província.

Um dos projetos impulsionados por Xi Jinping foi o combate à pobreza extrema. Para conhecer um exemplo disto, a delegação visitou a Vila Xiaqi.

Trata-se de uma vila de pescadores. Até a década dos 1980, estes pescadores (cerca de 3 mil na época) viviam em condições muito difíceis, o que incluía morar em seus barcos. A partir dos anos 1990, teve início uma série de transformações. Hoje moram na Vila Xiaqi cerca de 13 mil pessoas, em casas e com o devido acesso às políticas públicas básicas.

Os feitos de Xi Jinping no combate à pobreza extrema são contados detalhadamente numa grande exposição no Centro de Convenções de Ningde, exposição que termina com uma foto muito didática, que vincula Xi a Mao.



Evidentemente, a capacidade de transformar profundamente a vida das pessoas tem relação direta com várias conquistas da revolução de 1949. Entre elas, o fato da terra ser propriedade pública.

Outras características estruturais da sociedade chinesa foram destacadas na conversa com a prefeita de Ningde, onde fica a vila de pescadores. Os dois momentos altos da conversa foram: 

I/quando o tradutor demorou a entender nossa pergunta sobre quantos por cento da população da China têm acesso ao saneamento. Em bom português, ele reagiu com um “100% óbvio”, muito revelador das diferenças atuais entre os dois países;

Ii/quando a prefeita explicou que, na China, os entregadores de aplicativos recebem, das empresas que os contratam, todos os direitos previdenciários e similares.

Ao mesmo tempo que destacaram essas conquistas sociais, em várias das reuniões mantidas, nesta fase da viagem, o que predominou foi a ênfase no empreendedorismo-ao-estilo-chinês.

Foi o caso, por exemplo, das visitas a grandes empresas, como: a Kelme (artigos esportivos), a CATL e a Kehue Data Company (baterias), assim como a Fuyao Glass Company.

A mesma pegada “empreendorista” dominou a visita da delegação a dois show-rooms: BRICS PartNIN Inovation Cente e o Jinjiang Experience Museum.

Foi o caso, igualmente, das conversas predominantes em dois banquetes oferecidos à delegação, onde se tratou principalmente de “irmandades” entre cidades e estados, bem como sobre possibilidades de cooperação econômica.

Em várias das atividades supracitadas havia painéis onde estava escrito, em letras garrafais: “boas vindas à delegação de alto nível”.

A delegação visitou, ainda, um caso exemplar de combate à degradação ambiental (Lago Yundang e a importante Universidade de Xiamen.

O que mais impressionou a delegação, acho eu, foi a infraestrutura: o trem bala, os viadutos, as estradas, as grandes avenidas, os conjuntos habitacionais, as cidades que nos eram apresentadas como sendo “vilas rurais”. Sem falar na beleza dos viadutos e ruas ajardinadas.

Um ponto especial foi a visita ao templo budista de Kaiyuan, nomeado na dinastia Tang, em 738 dC (segundo a datação convencional adotada, por exemplo, no Brasil). Este templo tem uma importância específica, devido a presença da influência hindu.

Valer lembrar que Fujian era um dos pontos da antiga rota da seda e, hoje, é um dos nós da iniciativa cinturão e rota lançada, em 2013, por Xi Jinping.

Aliás, na Universidade de Xiamen existe um instituto totalmente dedicado ao Cinturão e Rota. Um dos temas abordados por este Instituto é o que os chineses denominam de “comunidade de futuro compartilhado”.

Possibilidade que horroriza certa direita brasileira, como se pode constatar nas críticas feitas por certa jornalista brasileira:


ps1.a essa altura, a delegação já está 4 pessoas menor, devido à volta, ao Brasil, de Gleisi Hoffmann, Anne, Dimas e Zunga;

ps2.no dia 17/4 a delegação viaja a Shangai, uma etapa da viagem;

ps3.passo por alto dois pontos turísticos visitados pela delegação, entre os quais o centro histórico de Fuzhou.

domingo, 14 de abril de 2024

Miriam Leitão e suas críticas acerca da opinião do PT sobre a China



A China tem vários problemas, mas neste momento o fuso horário é o mais angustiante. Pior ainda é acordar as 3h da madrugada, cair na besteira de olhar mensagens e deparar com um artigo da Miriam Leitão. No caso, um artigo acusando o PT de ajudar a extrema-direita golpista.

Antes de tratar do grão, confesso que admiro a cara-de-pau da direita gourmet brasileira, especialmente de seus funcionários que trabalham em certos meios de comunicação. Os caras trataram o PT a pau e pedra. Contribuíram para o ascenso da extrema-direita. Mas não perdem a pose e continuam se achando no direito de nos dar lições.

Isto posto, proponho olhar a situação de conjunto. Gostemos ou não gostemos, o mundo está mudando. Os Estados Unidos estão declinando. Outras nações estão ascendendo. A questão de fundo é: o Brasil quer ser uma dessas nações? Ou quer dar um abraço de afogado nos Estados Unidos?

O empresariado brasileiro já fez sua escolha. A China é o principal parceiro comercial do Brasil. Mas a escolha do empresariado aprofunda o modelo primário-exportador. Se queremos outro modelo, é preciso colocar a política no comando. E isso implica em ter relações partido-partido, não apenas governo-governo.

Na China, o núcleo do poder é o Partido Comunista. Que, pasmem senhores defensores da democracia-ao-estilo-ocidental, valoriza a relação com os partidos políticos de todo o mundo, inclusive os partidos de direita.  É outra das ironias dos tempos modernos: enquanto nas democracias ocidentais os partidos políticos vivem um péssimo momento, os comunistas chineses seguem valorizando essa instituição criada na grande revolução burguesa de 1789.

Esta é a situação de conjunto: precisamos ter relações com a China, precisamos mudar o conteúdo dessa relação, precisamos ter relações com o Partido Comunista da China.

Até aí, como diria o grande Hobsbawn, acho que até os cientistas políticos seriam capazes de entender.

A questão seguinte é: vamos lá para dar lições aos comunistas chineses? Explicar que não é assim que se faz? Explicar que eles estão fazendo tudo errado desde 1949? Que o modelo que funciona é o nosso? Que o sucesso do Brasil, o esplendor dos Estados Unidos e a maravilhosa Europa constituem o farol da humanidade?

Na boa, essa atitude professoral e arrogante é simplesmente ridícula.

Eu já estive muitas vezes na China e sei o impacto que causa. Sei que as vezes o impacto é tão grande, que resulta em exageros verbais, bem como no apagamento de problemas e contradições que os próprios chineses reconhecem. Por exemplo: só agora os chineses conseguiram eliminar a pobreza absoluta. Ou seja: eles mesmo admitem que durante mais de 60 anos, o socialismo realmente existente na China convivia com a pobreza absoluta.

Ademais, a opção que os comunistas chineses fizeram - de usar o mercado capitalista, da forma e na escala que eles utilizam - produz pelo menos três efeitos colaterais: a desigualdade social, a corrupção e o individualismo. A combinação dos três tende a enfraquecer e desmoralizar a autoridade do Partido. Sem Partido, o Estado e o plano perdem força e o mercado pode deixar de ser variável subordinada, produzindo desigualdades e podendo, no limite, fazer o socialismo se converter em capitalismo.

Agora, qual seria a alternativa? O socialismo-da-pobreza? O socialismo-de-caserna? Outras alternativas, que vislumbramos, que desejamos, mas que ainda não conseguimos materializar? Podemos ter qualquer opinião a respeito, mas o que não podemos é desconhecer o fato de que a China se tornou, ainda bem, uma variável predominantemente positiva na atual situação mundial.

Isto posto, vamos ao grão: do ponto de vista da Miriam Leitão e, também, do ponto de vista dos Estados Unidos, a China seria uma ditadura. Isso procede?

Depende. No sentido brasileiro do termo, certamente a China não é uma ditadura. Basta comparar a ditadura militar e a ditadura Vargas, com a China, para perceber as imensas diferenças. Então a China seria uma democracia? No sentido brasileiro do termo, também não. Aliás, os Estados Unidos são uma democracia? Quem realmente manda nos Estados Unidos: "nós, o povo"? Ou uma plutocracia que literalmente compra os processos eleitorais?

Acusar a China de ser uma ditadura não é uma análise, mas também não é apenas um xingamento. Prestem atenção na forma de raciocinar da Miriam Leitão: segundo ela, dizer que o encontro entre PT e PCCh foi “inspirador” faria o jogo da extrema direita. Supondo que isso fosse verdade, faço a seguinte pergunta: dizer que a China seria uma “ditadura” faz o jogo de quem? A resposta é: interessa aos Estados Unidos e a seus aliados, que dividem o mundo entre eles e os “autoritários”.

Segundo Miriam, não faria sentido “sugerir” que há uma “irmandade com um partido que governa a China com mão de ferro há 75 anos, que destrói qualquer oposição que apareça, que controla tudo, a imprensa, as redes sociais, as empresas, as artes. Um governo que, na última vez em que houve uma insurgência popular, em 1989, reagiu com um massacre em praça pública, e reprime ou reverte qualquer tentativa de abertura. Como acontece agora em que Xi Jinping colocou mais um ferrolho na porta em favor da sua permanência no poder”.

De fato, o Partido Comunista da China tem um imenso controle, o que não quer dizer que controle “tudo”. Aliás, não tem nenhuma teoria mais desmoralizada do que a do “totalitarismo”: em toda parte, inclusive na China, há contradições, há disputas, há conflitos, há luta de classe, como se viu em 1989, aliás. Paraíso não existe, pelo menos não na Terra. Mas, no caso chinês, vale a famosa frase do Galileu: eppur si muove. A China, com todas as suas contradições, avança. E é esse avanço, não as contradições e problemas inevitáveis, que perturba os gringos.

Miram Leitão diz que a China não “pode ser classificada como país socialista. A economia é dominada pelo capitalismo de Estado e uma elite cada vez mais bilionária de empresários que aceitam a simbiose de suas empresas com o regime. Visitar os colossos chineses de diversas áreas, como a Huawei, é interessante para qualquer pessoa. Estranho é achar que isso é socialismo”.

A frase de Miriam Leitão sintetiza o ponto de vista de muita gente, inclusive de muita gente de esquerda, para quem socialismo e capitalismo seriam incompatíveis. Se tem um, não tem o outro.

Quem pensa isso, mas ainda é de esquerda, deveria renunciar definitivamente ao socialismo. Pois as coisas não mudam do dia para a noite. Uma sociedade capitalista não vai virar uma sociedade não-capitalista por ato de mágica, instantaneamente. Faz-se necessário um processo, uma transição. Nessa transição, durante algum tempo continuará a existir capitalismo. Essa concepção, vale dizer, não foi inventada pelos comunistas chineses. Suas premissas estão nos textos de Marx e Engels, por exemplo num textinho genial chamado “Crítica ao programa de Gotha”.

Agora, quem quiser perceber a diferença prática entre o capitalismo e o socialismo-com-presença-de-capitalismo, basta comparar a evolução da China e da Índia, desde a década de 1940 até hoje. Nos dois países há bilionários, nos países esses bilionários se associam com o Estado, mas na China o comando está no Estado e o efeito disto se vê na elevação continuada da vida material e espiritual da população. Aliás, quando é mesmo que a Índia vai acabar com a pobreza absoluta de sua população?

Claro, a China não corresponde ao socialismo-de-manual onde alguns talvez tenham estudado quando foram militantes do Partido Comunista, como Miriam Leitão aliás foi, algo pelo qual ela merece todo o nosso respeito.

Mas isto faz tempo. Hoje, para Miriam, “o comunismo, como se sabe, não existe”. Eu diria algo parecido, mas diferente: “o comunismo, como sociedade, ainda não existe. Mas existe como movimento e existe como necessidade.”

Existem, no mundo inteiro, muitas pessoas que defendem o comunismo. E existe a necessidade: as imensas capacidades (produtivas e destrutivas) criadas na sociedade moderna precisam ser colocadas sob controle comum, ou vão nos destruir.

Entretanto, concordo com Miriam Leitão que a extrema-direita (e, também, uma parte da direita gourmet) usa o comunismo como espantalho. No que divirjo dela é como combater isso. Explico: o PT não fez um governo radical, mas mesmo assim a direita gourmet (Miriam inclusive) e a extrema-direita nos acusaram disso. Ou seja: para esta gente, inclusive para Miriam, não é a realidade que conta. Por isso, não adiantaria nada a Gleisi Hoffmann queimar uma efígie de Marx; correríamos aliás o risco dela ser acusada de “melancia” (verde por fora e vermelha por dentro).

Assim, o que devemos fazer é falar a verdade. E a verdade é que interessa ao Brasil aprofundar a cooperação com os chineses, interessa ao Brasil que esta cooperação ajude na nossa reindustrialização, para isso precisamos manter ótimas relações com o Partido Comunista da China.

Além de dizer que a China seria uma ditadura, que a China não seria socialista, que o comunismo não existiria, Miriam Leitão também reclama das críticas feitas pelo PT contra os Estados Unidos.

Segundo ela, fazer críticas aos EUA é natural, mas “fazer críticas em tom mais alto do que os chineses é ser mais realista do que o rei”. Fico na dúvida, ao ler isso, sobre o continente em que vive Miriam Leitão. Cá entre nós: se amanhã a China vencer os EUA, os EUA vão continuar existindo. E vão usar toda a força que tiverem para manter um controle ainda maior sobre o continente americano. Por isso, tanto hoje quanto amanhã, os EUA constituem um problema maior para nós do Brasil do que para a China. O que torna ainda mais necessário, para o Brasil, buscar uma aliança com a China. O que não nos impedirá de usar, a nosso favor, as contradições que existem dentro da elite dos EUA, por exemplo entre Biden e Trump.

Miriam Leitão acha que isso é “antiamericanismo estudantil” e “alinhamento com uma potência ditadorial”, quando não passa da boa e velha geopolítica. Acontece que Miriam Leitão tem lado nessa geopolítica. Por isso, onde nós preferimos destacar a pressão dos EUA e da OTAN sobre a Rússia, ela prefere destacar a “culpa” do “autocrata do Kremlin”. Por isso ela lembra do Biden presidente que reconheceu nossa vitória em 2022, enquanto nós também fazemos questão de lembrar do Biden vice-presidente que ajudou o golpe de 2016 contra a democracia brasileira.

Por fim: não sei onde foi que Miriam Leitão leu que “os Estados Unidos têm o monopólio da geração de crises no planeta”. Seguramente não foi num texto aprovado pelo PT. O que certamente ela pode ter lido, em algum texto do PT, é que o capitalismo em geral e os Estados Unidos em particular estão no centro da crise sistêmica vivida pelo mundo, neste santo ano de 2024. Para chegar a essa constatação não se faz necessário ter um “pensamento internacional mais sofisticado”, tão ao gosto dos tucanos. Basta o “rudimentar” método de adotar a prática como critério da verdade.

Termino por aqui, pedindo desculpas pela falta de revisão, pois em Xiamen já são 6h12 da manhã e o chá está quente.


ps. já estava desligando o computador, quando vi que Luis Favre escreveu que o artigo de Leitão é "excelente", "uma aula". Como se vê, o lobo perde o pelo, mas não o vício. Espero ansioso o dia em que alguém escreva a biografia do Favre, pois ele merece. Tá aqui: (2) Luis Favre - Excelente artigo de Miriam Leitão. Uma aula. LF... | Facebook

 

Segue o texto comentado

Míriam Leitão

PT ajuda a versão do adversário ao defender que tem a mesma proposta do PC Chinês

Gleisi Hoffmann vai a Pequim e declara que PC Chinês e seu partidos têm afinidades

Por Míriam Leitão

14/04/2024 04h30  Atualizado há 12 horas

A China é uma ditadura. O PT sempre governou o Brasil democraticamente. Tudo o que a extrema direita golpista quer é vincular o PT ao autoritarismo, apesar de ter sido essa mesma direita que tentou golpear as instituições democráticas. Nos últimos dias, na esteira do histrionismo de Elon Musk, parlamentares brasileiros ligados a Jair Bolsonaro têm gritado no exterior a sandice de que o Brasil é uma ditadura. Por que mesmo, num contexto assim, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, vai a Pequim declarar que seu partido e o PC Chinês têm afinidades, e afirmar que foi “inspirador" o encontro dos dois partidos?

Visitar a China, ter bom relacionamento com as autoridades chinesas, ter relações com o partido governante daquela potência, fazer acordos, isso é natural. O que não faz sentido é sugerir que há uma irmandade com um partido que governa a China com mão de ferro há 75 anos, que destrói qualquer oposição que apareça, que controla tudo, a imprensa, as redes sociais, as empresas, as artes. Um governo que, na última vez em que houve uma insurgência popular, em 1989, reagiu com um massacre em praça pública, e reprime ou reverte qualquer tentativa de abertura. Como acontece agora em que Xi JinPing colocou mais um ferrolho na porta em favor da sua permanência no poder.

A deputada Gleisi Hoffmann disse, segundo relato do jornalista Marcelo Ninio: “É o predomínio do capitalismo que gera um cenário internacional de instabilidade, crises, guerras e revoltas. Nossos partidos, o PT e o PC Chinês defendem que o socialismo é essa alternativa. Um de nossos maiores desafios é exatamente de tornar o socialismo mais influente e mais poderoso em nossos países e também em escala mundial”.

A propósito, a China não pode ser classificada como país socialista. A economia é dominada pelo capitalismo de Estado e uma elite cada vez mais bilionária de empresários que aceitam a simbiose de suas empresas com o regime. Visitar os colossos chineses de diversas áreas, como a Huawei, é interessante para qualquer pessoa. Estranho é achar que isso é socialismo.

O comunismo, como se sabe, não existe. Apesar disso, tem sido o espantalho eterno de quem tem intenções ditatoriais no Brasil. Foi essa ameaça que brandiram os golpistas de 1964, e repetem agora Bolsonaro e seus seguidores. O delírio do risco comunista é apresentado por pastores de má-fé nas suas igrejas. Falas como a da presidente do PT serão usadas como prova de que disseram a verdade.

Os Estados Unidos têm um enorme telhado de vidro e criticá-los também é natural. Fazer críticas em tom mais alto do que os chineses é ser mais realista do que o rei. Concluir que os Estados Unidos são o epicentro de todas as crises internacionais é simplificar o complexo. A boa política externa entende as complexidades desse mundo há muito tempo multipolar. A Rússia invadiu a Ucrânia levando uma guerra para dentro da Europa. Isso é conflito gerado pelo fato de os Estados Unidos não aceitarem a própria decadência? O ditador Vladimir Putin é também um resultado da crise do capitalismo? Nenhuma culpa recai sobre o autocrata do Kremlin?

O governo de Joe Biden parabenizou o presidente Lula meia hora depois de o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ter declarado a vitória do atual presidente no dia 30 de outubro. Jair Bolsonaro levou 38 dias para reconhecer a vitória de Biden. Bolsonaro conspirou para tentar impedir a posse do eleito, o que culminou na tentativa de golpe de 8 de janeiro. A direita trumpista tinha feito ataque semelhante ao Capitólio, dois anos antes, em 6 de janeiro de 2021, para tentar impedir a posse de Biden. Como tudo isso cabe dentro da visão de mundo de que os Estados Unidos têm o monopólio da geração de crises no planeta?

Há uma doença infantil da qual o Partido dos Trabalhadores nunca se curou. Somando-se os tempos, ele governou o Brasil por quase 15 anos. Já poderia ter desenvolvido um pensamento internacional mais sofisticado, sem alinhamento com uma potência ditatorial, e que evitasse o antiamericanismo estudantil. Aqui no Brasil partido é partido, governo é governo —ao contrário da China, aliás — mas o que a presidente do PT diz será usado pelos que querem rotular o atual governo de ditatorial, ou dizer que o espectro do comunismo ronda o Brasil.