terça-feira, 30 de junho de 2020

Zé Dirceu e a frente (pouco) democrática


Cada um com suas manias. Uma das minhas é pensar nos motivos pelos quais, na China, o Partido Comunista demorou praticamente uma década para mudar a estratégia que praticamente o destruiu. 

A estratégia baseada na insurreição urbana e num determinado tipo de aliança com os nacionalistas organizados no chamado Kuomitang, desembocou no massacre de Xangai (1927) e no extermínio físico de dezenas de milhares de quadros. Mas só durante a Longa Marcha (1934-1935), o Comitê Central do PC da China foi conquistado pelos dirigentes que defendiam outra estratégia, a chamada Guerra Popular Prolongada.

Há vários motivos para o intervalo de quase uma década. 

A necessidade de fugir, de se esconder, de preservar os quadros, as imensas distâncias, as condições de luta interna em um partido de massas e extremamente popular etc. Mas tenho para mim que um dos motivos é a inércia. Que se manifesta de diversas formas, entre as quais a influência que seguem tendo certas concepções, mesmo quando sua linha se revela um fracasso total. 

Hoje, por exemplo, quando falamos da China até 1949, lembramos de Mao, como se suas posições tivessem predominado entre os comunistas chineses, desde 1921. Mas os fatos são outros: desde 1921, e particularmente entre a derrota de Xangai e a Longa Marcha, as idéias predominantes foram outras.

Como disse, cada um tem suas manias. E depois de expor uma das minhas, passo a analisar o texto “Por que sou a favor de uma Frente Democrática”, assinado por José Dirceu e divulgado no dia 29 de junho de 2020.

Quem quiser ler o texto, está disponível aqui:

https://nocaute.blog.br/2020/06/29/por-que-sou-a-favor-de-uma-frente-democratica/

Não vou retomar aqui debates anteriores que mantive com (contra) as posições de Dirceu. Quem tiver interesse, pode encontrar vários textos a respeito, no mesmo endereço onde está esse aqui, um dos mais recentes: 

https://valterpomar.blogspot.com/search?q=dirceu

Mas adianto que, na minha opinião, Dirceu está repetindo o mesmo movimento que fez entre 1990 e 1993: sinalizou para a esquerda, mas está virando para a direita. 

Para ser mais preciso: todo mundo que manteve contato com Dirceu nos últimos meses e anos, já ouviu opiniões para lá de maximalistas acerca da conjuntura, da estratégia e do próprio Partido dos Trabalhadores. 

Mas nas últimas semanas, ele está dando sinais crescentes de que simplesmente não consegue se libertar das concepções que nos levaram à derrota em 2016. Como acho que o PT não está condenado a seguir repetindo o mesmo erro, me vejo na obrigação de polemizar com o que ele defende. 

Vejamos então o que Dirceu diz no artigo “Por que sou a favor de uma Frente Democrática”.

Nele, Dirceu afirma que “não podemos confundir direitos civis e políticos com direitos sociais. Sem liberdade, não teremos como recuperar os direitos sociais e ampliá-los”. 

De fato, se direitos civis e políticos fossem iguais aos direitos sociais, não haveria motivo para usar nomes distintos. 

Porém, na história real dos últimos 380 anos, em todo o planeta, foi a luta pelos direitos sociais que ampliou os direitos políticos. 

As classes trabalhadoras lutam por melhorar suas condições de vida e, nessa luta, criam e ampliam os direitos civis e políticos.

Por isso, se não podemos confundir, também não podemos separar a luta pela liberdade, da luta pelos direitos. 

E, mais importante, não podemos esquecer de que é a luta pelos direitos que faz as grandes massas lutarem pelas liberdades.

Claro que para os setores médios e ricos, que já têm direitos sociais, a luta pelas liberdades parece importante “em si mesma”, no sentido de que parece um móvel, um motor, um motivo suficiente. 

Luto pela liberdade porque quero ser livre, parece pensar o cidadão da mal denominada classe média. 

Mas para a imensa maioria do povo, a frase que descreve de maneira mais precisa o que se passa historicamente é: luto para sobreviver e ao lutar crio as liberdades; e passo a defendê-las para poder não apenas sobreviver, mas também para poder viver cada vez melhor.

Dirceu afirma, também, que “o voto é a arma do povo brasileiro, que não detém o poder econômico, militar, judicial ou de informação”.

“O voto é a arma do povo brasileiro”: essa é uma daquelas frases que parecem óbvias, mas que exatamente por isso deveria ser vista com um pouquinho mais de desconfiança. 

Para começo de conversa, é fato que a classe dominante brasileira fez e segue fazendo de tudo para impedir que a maioria do povo tenha acesso ao direito de votar e, principalmente, que tenha acesso às condições para votar de acordo com os interesses da classe trabalhadora. 

Dito de outra maneira, a classe dominante usa o “poder econômico, militar, judicial ou de informação” para impedir, constranger e influenciar o voto do povo. 

Portanto, mais correto seria dizer: “o voto pode ser uma arma do povo brasileiro”. Não "é", pode ser

E neste detalhe reside uma imensa diferença entre o pensamento democrático-liberal e o pensamento da esquerda. 

O democrata-liberal atua como se o voto tivesse “em si” poderes mediúnicos. 

A esquerda atua levando em consideração o voto e suas circunstâncias. 

Circunstâncias que podem levar, como levaram em 2018, parcelas expressivas do povo a votar num candidato da extrema direita.

Dirceu afirma que “para fazer o impeachment de Bolsonaro, temos que construir uma ampla frente democrática e, dentro dela, criar uma saída à esquerda para a crise brasileira e para a reconstrução de nosso país”.

Nestas frases considero estar o núcleo do pensamento de Dirceu. 

Lendo-as, lembro-me imediatamente de uma entrevista que ele me concedeu noutro milênio, para o jornal Brasil Agora, onde discorreu acerca do objetivo de conquistar governos cada vez mais progressistas, até que enfim teríamos um governo democrático e popular, que abriria caminho para o socialismo. 

Hehe. Hoje sabemos o lado B desta lógica gradualista.

Por partes.

É óbvio que para fazer o impeachment de Bolsonaro, precisamos de maioria neste Congresso que aí está. 

A maioria deste congresso é composta por parlamentares ligados a partidos de centro-direita & direita. 

Portanto, caso seja de fato aprovado, o impeachment em si mesmo seria uma materialização de uma “frente” entre a esquerda e setores do centro-direita & direita.

Isto posto, cabem duas perguntas: 1/isto deve ser chamado de “frente democrática”; 2/como conseguir que isto aconteça?

Bom, a escolha dos nomes das coisas é algo muito íntimo. Mas excesso de livre arbítrio conduz a certos exageros. 

Afinal, o que poderia motivar setores de direita & centro-direita a votar no impeachment não seria, nunca, a defesa da “democracia” em abstrato, mas sim a defesa dos seus (deles) interesses econômicos e políticos, que não têm nada que ver com os nossos. 

Portanto, num certo sentido, eles votariam no impeachment por motivos opostos aos nossos. 

Para fazer uma brincadeira com a famosa frase de Antonio Carlos, é como se dissessem: façamos o impeachment por cima antes que o povo o faça, por baixo

Chamar de “frente democrática” uma eventual aliança prática, em favor do impeachment, com setores cujos interesses são opostos e antagônicos aos nossos, apenas estimula a ilusão de que haveria uma convergência mais profunda de interesses.

Ou seja, que seríamos todos "democráticos". 

Aliás, ao chamar de “frente democrática” algo que simplesmente ainda não existe, estamos colocando a carroça adiante dos bois, pois já estamos distribuindo medalhinhas a quem não cometeu absolutamente nenhum ato de heroísmo.

O fato é que a maior parte da direita & centro-direita não defende o impeachment de Bolsonaro. 

Mesmo os que criticam Bolsonaro, ainda não foram (na sua maioria) além do ranger de dentes. 

Seja como for, independente de como chamemos a tal hipotética e desejada frente que se materializaria no voto pelo impeachment, cabe perguntar: como conseguir que isto aconteça?

A resposta de alguns petistas é, traduzida em linguagem pop, “chegando junto”. 

A gente assinaria uns manifestos inócuos, participaria de uns eventos com bastante gente descolada, aqui e ali falariamos alguma palavra proibida (tipo "basta", "fora" ou até mesmo "devolução dos direitos políticos", termos que provocam assaduras em alguns da direita&centro-direita) e, desta forma, por osmose talvez, iríamos convencendo a turma da centro&direita a abandonar a timidez e a transformar a auto-proclamada frente ampla pela "democracia", numa frente pelo impeachment.

Na minha opinião, esse jeito de "chegar junto" não vai nos levar a nenhum bom lugar, e não vai nos levar ao impeachment.

Se existe alguma chance de empurrar amplos setores da direita & centro-direita a defender pelo menos o impeachment, é fazendo pressão independente e autônoma, de baixo para cima e de fora para dentro.

Isso exige construir uma verdadeira frente democrática, uma coalizão entre os que de fato defendem o impeachment. 

E uma frente democrática consequente (ou seja, pelo menos pró impeachment) só vai conseguir audiência entre o povo, se conseguir convencer a massona de que o impeachment é condição necessária para melhorar a vida do povo.

Portanto, ao contrário do que diz Dirceu, não é por “dentro” de uma “ampla frente” que vamos criar uma saída à esquerda. 

Não é por dentro de uma “ampla frente” com FHC et caterva que vamos criar uma saída à esquerda.  

Primeiro, porque uma “ampla frente” com FHC ainda não é “democrática”, porque não coloca como objetivo pelo menos o impeachment. 

Segundo, porque a “ampla frente” de que faz parte a caterva de FHC só virá a assumir o impeachment, só vai se converter numa real frente democrática, se for empurrada de fora para dentro, de baixo para cima. 

E só haverá esse empurrão se convencermos o povo de que para defender a vida, é preciso tirar Bolsonaro. 

E não há como fazer isso, se estivermos misturados com os mesmos que prejudicaram os direitos do povo (EC95, reforma trabalhista, reforma da previdência etc.).

Portanto, o raciocínio de Dirceu --  “para fazer o impeachment de Bolsonaro, temos que construir uma ampla frente democrática e, dentro dela, criar uma saída à esquerda para a crise brasileira e para a reconstrução de nosso país” – não contribui nem para construir o impeachment, nem para construir uma frente democrática de verdade, nem para criar uma saída à esquerda, nem para a reconstrução de nosso país.

Acho que Dirceu sabe muito bem disso tudo que escrevi antes. Pois nada disso é novidade para quem construiu o PT na luta contra a ditadura militar e contra a transição democrática. 

É por isso, na minha opinião, que ele tem passado “por maus pedaços nas últimas semanas, na verdade meses”. Pois o que ele propõe fazer hoje, não é o que fizemos nos anos 1980. O que ele propõe fazer hoje é algo parecido com o que se tentou fazer, mas fracassou, entre 1964 e 1968. O que ele propõe hoje lembra o que a direita do Partido Comunista Brasileiro propunha fazer, no final dos anos 1970 e início dos anos 1980.

Aliás, por falar em confusões, numa passagem do texto Dirceu lembra que “pelo voto, o povo derrotou duas vezes as tentativas de impor o parlamentarismo e lutou bravamente pelo direito de eleger o presidente da República”. De fato. E na segunda vez, Dirceu esteve entre os que inicialmente defenderam o parlamentarismo, sendo derrotado fragorosamente pelo voto da maioria (70%) dos petistas.

Dirceu afirma que seus “argumentos são simples, quase simplórios, mas minha intuição e minha consciência me pedem que os apresente. Aprendi desde menino na luta contra a ditadura que os inimigos de meus inimigos são meus amigos, companheiros ou companheiras de viagem como se dizia, cada um com destino a uma estação, mas todos preservando o meio para o fim, a democracia”.

Então, cada um teve sua infância, inalienável e inesquecível. Na minha, aprendi que os inimigos de meus inimigos hoje raramente são meus “amigos”, sendo bem provável que logo logo se tornem meus inimigos de amanhã. 

Também aprendi que a burguesia e a classe trabalhadora têm posturas totalmente distintas frente a democracia e as liberdades. 

A classe trabalhadora, ao lutar para melhorar de vida, cria as liberdades democráticas. A classe dominante, ao defender interesses, ameaça cotidianamente estas mesmas liberdades. 

Portanto, não acredito que viajamos no mesmo trem, em direção a estações diferentes (aliás, tinha e acho que ainda tem um trem muito legal em Passa Quatro). 

Nem acredito que todos preservamos “o meio para o fim, a democracia”. 

A classe dominante, seus funcionários, seus intelectuais, podem usar e abusar da palavra democracia, mas não são democratas no mesmo sentido que a classe trabalhadora é democrata. 

A classe trabalhadora, repito, cria a democracia ao lutar para viver e sobreviver. Já a classe dominante, para preservar seus interesses, está sempre ameaçando as liberdades democráticas que servem ao povo. Mesmo que ao fazer isso, algumas vezes acabe restringindo até mesmo as liberdades que servem a setores da própria classe dominante. 

O que, aliás, resulta em reviravoltas curiosas, como a de um certo economista-youtubber que foi para as ruas em 2016 defender o impeachment, foi para as rádios atacar Lula e Haddad em 2018 e hoje posa de antibolsonarista desde criancinha, com direito a dar palpites em reuniões do PT e entrevistar o Lula. 

Enfim, não concordo com Dirceu, quando ele fala que seus argumentos sejam simples, quase simplórios. Na minha opinião seus argumentos não são simples, nem simplórios, são apenas democrático-liberais.

Claro que há várias passagens do texto de Dirceu que coincidem integralmente ou parcialmente com o que eu penso. E, como ele, não quero viver sob “uma ditadura de caráter neofascista e militar, um governo familiar de milicianos e defensores não apenas da tortura e assassinato político, mas do fundamentalismo religioso e do obscurantismo, de negação da ciência e da liberdade”.  

Minha divergência principal com ele está em que, na minha opinião, a linha que ele propõe para enfrentar este perigo terá tanto êxito quanto a que adotamos, a partir de 2005, para enfrentar a operação armada pela extrema-direita.

Aliás, Dirceu mesmo reconhece ser “verdade que nossa direita liberal e mesmo alguns na centro-direita sonham em conviver com um Bolsonaro domesticado e são seus aliados na manutenção dos interesses financeiros internacionais e dos rentistas internos, da mais iníqua e injusta concentração de propriedade, riqueza e renda do mundo”. 

Mas, paradoxalmente, ele afirma que “até agora Bolsonaro não se tornou um ditador, na prática, pela atuação da oposição e pelo impedimento que a Suprema Corte ou o Congresso Nacional lhe têm imposto e pela ampla e radical oposição da mídia monopolista a seu crescente autoritarismo e obscurantismo. Estou dizendo uma inverdade?”

Não, não está dizendo nenhuma inverdade. Como aliás é de todo óbvio, se os demais setores do golpismo não oferecessem resistência e defendessem seus interesses, Bolsonaro já seria nosso fuhrer

Mas se não é inverdade o que Dirceu diz, tampouco é toda a missa. 

Pois cabe lembrar que Bolsonaro não é apenas uma pessoa, nem um clã. Bozo é um protagonista importante de um projeto de país, de um projeto reacionário, que se totalmente vitorioso nos fará voltar aos anos 1920. 

Por isso, organizar nossa política em torno do que fazer ou deixar de fazer apenas com a pessoa física ou jurídica de Bolsonaro, pode nos fazer tratar Mourão e outros do gênero, não como os “adultos da sala”, como certos tolos gostam de dizer, mas como os “democratas” da sala.

Por isso, aliás, que o PT tem insistido não apenas no impeachment, mas no “fora Bolsonaro, fora Mourão, fora seu governo, suas políticas, convocação de novas eleições”.

O problema do raciocínio de Dirceu, portanto, não é que seja uma "inverdade". O problema é que, preocupado com o avanço da ditadura pessoal e do clã e do bolsonarismo estrito senso, minimiza o avanço da ditadura sistêmica, de um regime de exceção que vem sendo construído por dentro e há tempos.

Não custa lembrar que Bolsonaro não precisou se tornar um “ditador” para que 55 mil pessoas morressem e para que quase 40 milhões vivam sem emprego. 

A verdade é que está em curso a formação de um novo regime, de uma “democracia-de-exceção”, indispensável para controlar um país de 210 milhões, em que 40 milhões estão jogados no desemprego e outros tantos na precariedade. 

Na formação deste novo regime, a grande mídia, a maioria do congresso e do supremo são protagonistas. 

Num certo sentido, Bolsonaro cumpre um papel útil para distrair a atenção, enquanto eles “passam a boiada” da exceção. 

E quando ele cair, isto poderá ter o efeito de “tirar o bode da sala”, citado na conhecida piada. 

Mas a sala, a esta altura do campeonato, não terá mais nada que ver com a democracia, em qualquer sentido popular que esta palavra possa assumir. 

Quem dera, portanto, que nosso problema fosse apenas o cavernícola.

Na parte final do texto, Dirceu fala de Ciro e Marina como "candidatos à esquerda”, fala da “necessidade de deter o desmonte do Estado Nacional e de Bem Estar Social”, fala da “marcha insensata das chamadas reformas de Guedes” e diz que “as derrotas de Macri e Macron deviam nos servir de lição”.

São tantas as emoções, que é melhor ir passo a passo.

Claro que sempre alguém pode estar à esquerda de alguém. Mas não acho que seja possível chamar Ciro de esquerda. A esse respeito, recomendo ler o texto a seguir: https://www.diariodocentrodomundo.com.br/a-politica-de-odio-de-ciro-gomes-por-vivaldo-barbosa-brizolista-e-trabalhista-historico/

Claro que devemos lutar em defesa de determinadas instituições do Estado e em defesa de determinadas políticas públicas e sociais. 

Mas falar que está em curso o desmonte do Bem Estar Social, é falar de algo que nunca existiu em nosso país. Sem falar que não se está “desmontando” o “Estado nacional”, mas sim reforçando a dimensão mais brutal, repressiva e antissocial do Estado realmente existente.

Claro que as “reformas” de Guedes são um horror para o povo, mas não são “insensatas”. Este tipo de linguagem supõe que exista um parâmetro comum entre o povo e as elites; mas este parâmetro não existe, como a pandemia mais uma vez demonstrou. É preciso abandonar esta linguagem que nos induz a erro. Guedes é extremamente “sensato-do-ponto-de-vista-dos-setores-financeiros”.

Isto posto, vamos ao que realmente interessa: ao falar de Macron e de Macri, o que Dirceu está nos dizendo é para construir uma política tendo em vista 2022. 

A rigor, eu não sei por qual motivo Dirceu não compareceu ao ato por Direitos Já, na sexta-feira 26 de junho. 

Pois, como confessou inadvertidamente ao final um de seus organizadores, o plano real é esse: construir uma “frente democrática”, cujo objetivo real não é tirar Bolsonaro, mas sim construir uma frente eleitoral em 2022, em que a esquerda entre com os votos e com a música, deixando para os tucanos a candidatura presidencial e deixando o miolo do programa para os social-liberais.

Dirceu chega a escrever o seguinte: “construir uma Frente Democrática pelo impeachment e na luta e na unidade avançar para um programa mínimo mais amplo como foi o das Diretas que desaguou na Constituinte de 1988”.

O movimento das Diretas começou em 1983 por iniciativa do PT e foi traído, em 1985, pela burguesia liberal. O que desaguou no Congresso (e não Assembleia) Constituinte de 1988, portanto, não foi um, mas vários movimentos e programas mínimos diferentes entre si. Se o PT tivesse feito, naquela época, o movimento que Dirceu defende agora, o resultado teria sido uma Constituição ainda mais recuada.

Claro que Dirceu alerta que “conforme a radicalidade e amplitude da luta contra Bolsonaro, teremos um ou outro resultado. As ruas, as mobilizações e a entrada das classes trabalhadoras na luta – as classes médias só aguardam o fim da pandemia para sair às ruas — ditarão o rumo e o conteúdo das mudanças pós Bolsonaro”.

Claro, também, que Dirceu diz que “nossa tarefa é mobilizar e organizar as classes trabalhadoras, até porque os mais pobres, explorados, discriminados já estão nas ruas. A greve geral dos trabalhadores de aplicativos marcada para 1o de julho é um exemplo. A experiência recente prova que as classes médias conservadoras ou progressistas têm grande poder de mobilização até porque recebem um tratamento especial dos meios de comunicação”.

Aliás, nestes dois parágrafos aparece outro tema importante, mas que exigiria outro texto para ser abordado com algum cuidado: a relação que tem a polêmica frente ampla X frente de esquerda, com uma determinada concepção acerca da relação entre a classe trabalhadora e os setores médios.

Seja como for, admito que sempre pode ser que eu esteja exagerando quando falo de concepções democrático-liberais. Mas, como diria Dirceu, com certeza não estou dizendo uma inverdade. 

Acontece que, ao contrário da lenda, Dirceu é fundamentalmente um tático, não um estrategista. E por isso mesmo, ele é capaz de apresentar, no mesmo texto, respostas contraditórias e as vezes até antagônicas para uma mesma questão. 

Um exemplo disso é como ele termina o texto: “Se a direita liberal ou conservadora não quer fazer o impeachment de Bolsonaro, cabe a nós, das esquerdas, fazê-lo, disputando as classes trabalhadoras e base social democrática dessas forças. Isso exige formar uma ampla frente democrática pelo impeachment e, dentro dela, construir uma saída à esquerda para a crise brasileira e para a reconstrução de nosso país.”

Ou seja, se a frente democrática não for possível, por culpa da atitude de nossos supostos aliados, faremos sem eles o mesmo que queríamos fazer com eles. 

Mas cá entre nós: se somos capazes disso, por qual motivo deveríamos mais uma vez insistir na crença de que existe um “centro-verdadeiramente-democrático” em nosso país? 

Já não basta o que ocorreu entre 2014 e 2020? Já não basta Xangai?


SEGUE O TEXTO COMPLETO DE JOSÉ DIRCEU
Por que sou a favor de uma Frente Democrática
Não podemos confundir direitos civis e políticos com direitos sociais. Sem liberdade, não teremos como recuperar os direitos sociais e ampliá-los.  O voto é a arma do povo brasileiro, que não detém o poder econômico, militar, judicial ou de informação. Para fazer o impeachment de Bolsonaro, temos que construir uma ampla frente democrática e, dentro dela, criar uma saída à esquerda para a crise brasileira e para a reconstrução de nosso país.
Tenho passado por maus pedaços nas últimas semanas, na verdade meses. A cada dia, vejo amigos e amigas de décadas de luta – e mesmo o PT — se opondo a Frentes Democráticas. Razões não faltam, levando-se em conta o golpe que derrubou Dilma precedido da recusa do PSDB em aceitar a derrota eleitoral de 2014. Tudo se complica quando incluímos nas razões o apoio de praticamente toda nossa direita à agenda ultra liberal de Bolsonaro-Guedes e a infâmia e vergonhosa indignidade do impedimento de Lula.
Sem falar nas tentativas de prescrição do PT, um partido mais do que comprometido com a democracia — surgiu para lutar por ela e cresceu e se fortaleceu a defendendo e praticando mesmo quando não concordava com seu caráter elitista, excludente e eivado de heranças e entulhos da Ditadura como a tutela militar, filha da impunidade dos crimes praticados pelo Estado via Forças Armadas, o artigo 142 e outras pérolas como a desproporcionalidade na Câmara dos Deputados, a iníqua e injusta estrutura tributária e por aí vamos.
Fico remoendo o risco que corremos em confundir os direitos civis e políticos que conquistamos depois de 24 anos de ditadura na Constituição de 1988 com os direitos sociais que construímos na luta e escrevemos na Constituição Cidadã. Parece uma discussão inócua ou simplista, mas não o é pela simples razão de que, sem liberdade, teremos que lutar, como fizemos exclusivamente por ela, pelo direito de reunião, manifestação, organização, expressão. Não podemos nos esquecer de que nos custava a vida ou anos de prisão — geralmente tortura, desemprego, clandestinidade e exílio – apenas lutar por salários, contra a censura, a tortura, contra a falta de liberdade, pelo direito de greve, contra o arrocho salarial ou a manipulação da inflação, e como nos custou longos e duros 21 anos até o colégio eleitoral e 25 anos até as eleições para presidente.
O voto é a arma do povo
Na democracia crescemos e chegamos ao governo do país. O voto é a arma do povo brasileiro, que não detém o poder econômico, militar, judicial ou de informação e formação da mídia monopolista. Pelo voto, o povo derrotou duas vezes as tentativas de impor o parlamentarismo e lutou bravamente pelo direito de eleger o presidente da República.
Foi o povo que derrotou a Arena e a ditadura nas urnas em 1974 e nunca mais deixou a ditadura vencer uma eleição. E só não elegeu o presidente no colégio eleitoral em 1978 porque os militares mudaram a composição do colégio eleitoral e inventaram a excrescência do senador biônico.
Em 1986, deu maioria absoluta ao PMDB na Câmara e no Senado em 86 e elegeu o PT para governar o Brasil quatro vezes e o elegeria mais uma vez em 2018 fosse Lula o candidato ou as eleições limpas.
Meus argumentos são simples, quase simplórios, mas minha intuição e minha consciência me pedem que os apresente. Aprendi desde menino na luta contra a ditadura que os inimigos de meus inimigos são meus amigos, companheiros ou companheiras de viagem como se dizia, cada um com destino a uma estação, mas todos preservando o meio para o fim, a democracia.
Nosso povo e nosso Brasil já têm excesso de violência, pobreza, desigualdade e miséria, discriminação, preconceito, racismo, machismo e homofobia para que acrescentemos à violência Estatal uma ditadura de caráter neofascista e militar, um governo familiar de milicianos e defensores não apenas da tortura e assassinato político, mas do fundamentalismo religioso e do obscurantismo, de negação da ciência e da liberdade.
É verdade que nossa direita liberal e mesmo alguns na centro-direita sonham em conviver com um Bolsonaro domesticado e são seus aliados na manutenção dos interesses financeiros internacionais e dos rentistas internos, da mais iníqua e injusta concentração de propriedade, riqueza e renda do mundo. Na prática, mesmo em plena pandemia e crise sanitária, que já matou quase 60 mil brasileiros, já reassumem a agenda ultraliberal haja visto a aprovação da privatização da água. Apesar de toda campanha para dourar a pílula, o que o Senado aprovou foi a entrega de um bem natural à exploração privada que visa o lucro. Amanhã vão querer privatizar o ar, porque a terra já é bem privado neste país e as florestas, que são o nosso pulmão, caminham também para o mesmo iníquo destino.
Nem falarei da vergonhosa política externa e submissão de nossa soberania à política externa e de defesa aos Estados Unidos, a renúncia a um projeto de desenvolvimento nacional e a entrega da nossa soberania financeira à fracassada globalização financeira, o fechar de olhos para a captura dos aparelhos do Estado e a lenta, segura e gradual instauração de um regime autoritário como foi o de 1964.
Para completar o pano de fundo Bolsonaro, além de militar — esta é sua formação ideológica e política –, se apoia nas palavras de ordem do nosso fascismo tupiniquim ou monismo político da família, Deus e Pátria, no fundamentalismo religioso. Tem, portanto, raízes e base popular que, somadas aos interesses capitalistas de nossa elite, lhe garante apoio para, suportado pelos militares e milícias, manter não só o governo, mas avançar para se impor como ditador mesmo que dentro de aparente legalidade.
Outro fato, pois procuro me ater aos fatos, é que até agora Bolsonaro não se tornou um ditador, na prática, pela atuação da oposição e pelo impedimento que a Suprema Corte ou o Congresso Nacional lhe têm imposto e pela ampla e radical oposição da mídia monopolista a seu crescente autoritarismo e obscurantismo. Estou dizendo uma inverdade?
Esquerdas são alternativa
Assim, as forças políticas e sociais de esquerda ou de centro-esquerda que são alternativas reais de governo — basta ver o resultado da eleição de 2018, onde os três candidatos à esquerda Haddad, Ciro e Marina, tiveram quase 43% — deveriam ser as maiores interessadas em uma Frente Democrática. E deveriam ser em qualquer ponto de vista, particularmente dos direitos sociais e da urgente necessidade de deter o desmonte do Estado Nacional e de Bem Estar Social e a marcha insensata das chamadas reformas de Guedes e o risco real que Bolsonaro representa. As derrotas de Macri e Macron deviam nos servir de lição.
Não se trata de se submeter ou se atrelar aos interesses e objetivo eleitorais deste o daquele partido ou setor social que se opõe a Bolsonaro. Mas, sim, de construir uma Frente Democrática pelo impeachment e na luta e na unidade avançar para um programa mínimo mais amplo como foi o das Diretas que desaguou na Constituinte de 1988. Conforme a radicalidade e amplitude da luta contra Bolsonaro, teremos um ou outro resultado. As ruas, as mobilizações e a entrada das classes trabalhadoras na luta – as classes médias só aguardam o fim da pandemia para sair às ruas — ditarão o rumo e o conteúdo das mudanças pós Bolsonaro.
Nossa tarefa é mobilizar e organizar as classes trabalhadoras, até porque os mais pobres, explorados, discriminados já estão nas ruas. A greve geral dos trabalhadores de aplicativos marcada para 1o de julho é um exemplo. A experiência recente prova que as classes médias conservadoras ou progressistas têm grande poder de mobilização até porque recebem um tratamento especial dos meios de comunicação.
Se a direita liberal ou conservadora não quer fazer o impeachment de Bolsonaro, cabe a nós, das esquerdas, fazê-lo, disputando as classes trabalhadores e base social democrática dessas forças. Isso exige formar uma ampla frente democrática pelo impeachment e, dentro dela, construir uma saída à esquerda para a crise brasileira e para a reconstrução de nosso país


segunda-feira, 29 de junho de 2020

Que tipo de frente derrota o fascismo?

As reflexões a seguir são parte de uma resposta a questionamentos feitos, no debate de lançamento do texto Só a luta impedirá a catástrofe, realizado virtualmente neste domingo 28 de junho, em Natal (RN).

(...) Não acho que o governo Bolsonaro enquanto tal seja fascista, mas certamente estamos diante de um movimento neofacista que pode, sim, a depender do que ocorra, desembocar numa experiência fascista. Assim, mesmo sabendo que nenhuma situação história é idêntica a outras, é importante analisar outros processos de ascensão do fascismo.

As experiências históricas de fascismo são basicamente quatro: Portugal com Salazar, Itália com Mussolini, Espanha com Franco e Alemanha com Hitler. Naturalmente, houve outros governos de tipo fascistas ou aliados com o fascismo. Aqui mesmo na América Latina, há quem considere que os governos Perón, Vargas e Cárdenas tinham parentesco com o fascismo (eu não acho isso).

Nenhuma das quatro experiências principais teve início com vitórias eleitorais. Salazar começou como ministro de uma ditadura militar, Franco como líder de um insurreição militar de extrema-direita. Mussolini e Hitler foram convidados para assumir o governo, sem que seus respectivos partidos tivessem maioria eleitoral.

Nem o Partido Fascista, nem o Partido Nazista tiveram maioria absoluta de votos antes de chegar ao governo. Conseguiram maioria absoluta depois de chegarem ao governo, usando de todas as facilidades do controle da máquina do Estado. E a pergunta é: por qual motivo, mesmo sem terem maioria absoluta, foram convidados (pelo rei da Itália, no caso de Mussolini; pelo presidente da Alemanha, no caso de Hitler) para assumir o cargo de primeiro-ministro?

Simples: a direita “normal” queria esmagar a esquerda.

É por isso que não houve “frente ampla contra o fascismo”, nesses países, na fase de ascensão do fascismo. O que houve foi uma “frente ampla contra a esquerda”, uma aliança da direita com a extrema direita, mais ou menos, guardadas as devidas proporções, como ocorreu em 2018.

Como não é possível colocar a pasta de volta no tubo, não há mais como convencer a direita de que não deveria ter lavado as mãos. E, no Brasil, o neofascismo já está no governo, a questão é saber como derrubar o dito cujo. E atenção: não se trata apenas de tirar Bolsonaro, trata-se de derrotar um bloco de forças muito poderoso, que apesar de tudo ainda mantém cerca de 30% de apoio, segundo pesquisas recentes.

Pois bem: vejamos agora como os governos fascistas foram derrubados. Itália, na bala. Alemanha, na bala. Portugal, na bala, mais exatamente na Revolução dos Cravos. A exceção é a Espanha, onde houve uma negociação. Mas a negociação foi feita, ao menos em parte, para evitar que ocorresse, na Espanha, o que havia ocorrido pouco antes em Portugal. Ou seja, alguns buscaram fazer um acordo, antes que o povo derrubasse o franquismo.

Portanto, pelo menos com base nas experiências citadas, não se sustenta a tese de que uma "frente ampla" com a direita-supostamente-civilizada seria capaz de DETER o fascismo ANTES de sua chegada ao governo, pelo simples motivo de que o fascismo é um instrumento de que uma parte da direita (que supostamente seria nossa aliada contra o fascismo) lança mão para derrotar a esquerda.

Também com base nas experiências citadas, a “frente ampla” capaz de derrotar o fascismo não é de tipo eleitoral e, ao menos nos casos da Alemanha, Itália e Portugal, não foi hegemonizada pelo centro, mas pela esquerda.

Foram as tropas da URSS que derrotaram o nazismo, foram as guerrilhas hegemonizadas pelo comunismo que derrotaram o fascismo, foi a revolução liderada pela esquerda que deu o golpe de graça no salazarismo (Salazar mesmo já estava morto e seu sucesso estava tentando maquiar a ditadura, mas caiu assim mesmo). Mesmo na Espanha, o pacto só ocorreu para evitar uma “ultrapassagem pela esquerda”.

Deixemos de lado o comentário sobre a experiência histórica e falemos do caso do Brasil.

Somos totalmente a favor de fazer a mais ampla frente para derrotar o Bolsonaro. O problema é que as frentes-realmente-existentes-com-a-direita-até-agora não tem este objetivo.

Veja, não estou dizendo que o PSDB é a favor da política de Guedes; estou dizendo que o PSDB é contra fazer o impeachment do Bolsonaro. Vide as declarações recentíssimas do próprio FHC.

Assim, quando eles falam de “frente ampla”, de “frente pela democracia”, elas não estão se dispondo a compor uma frente para derrotar o fascismo; o que eles estão é articulando uma frente para 1/pressionar Bolsonaro e/ou 2/concorrer em 2020. Vejam o manifesto Juntos, veja as falas no Direitos Já, isto fica claríssimo.

Para ser mais preciso, existem duas posições na direita-centro-esquerda: 1/a posição do PSDB e seus aliados, que querem fazer uma frente para NÃO derrotar Bolsonaro, querem uma frente de contenção digamos assim. E 2/existe a posição do PSB/PDT-e aliados, que defendem o impeachment mas NÃO querem estar conosco (tanto é assim que inscreveram, eles próprios, sem o PT, um pedido de impeachment).

Mesmo a frente de esquerda é difícil de materializar. Uma parte da esquerda acha que para derrotar Bolsonaro, é preciso esconder o PT/superar o PT. Outra parte, nós, obviamente não pensamos assim. Como somos vítimas do sectarismo dos outros, o que nos resta é acumular forças pela esquerda, pelo campo democrático e popular. As outras alternativas: ou não existem (a direita não quer tirar o Bolsonaro), ou não são possíveis (Ciro Gomes & Cia. não nos quer ao lado dele).

Para complicar, não acho que seja suficiente derrotar a pessoa de Bolsonaro. Para outros poderia ser suficiente, mas para nós não é, até porque o governo de Bolsonaro e seus aliados são cúmplices, inclusive na política (ou na falta de política) de combate à pandemia. Portanto, tem certa razão quem diz que estamos na pior situação do mundo, pois precisaríamos fazer o máximo, tendo o mínimo.

Até porque as “instituições” (como o Supremo e  o Congresso) podem não ser aliadas da pessoa de Bolsonaro, mas são cúmplices de seu programa, no que ele tem de essencial (vide, por exemplo, a privatização do saneamento; para não falar, no passado, do impeachment e da condenação/interdição de Lula).

Assim são as coisas. Mas não acho que estejamos numa situação sem saída. Apenas acho que temos que abrir uma brecha de fora para dentro, de baixo para cima, através da mobilização popular. Outros caminhos, de alianças com quem não aceita nem mesmo nosso programa mínimo (impeachment), de alianças com quem não quer alianças conosco, de ilusões em que através de eleições vamos restaurar a democracia, não vão nos conduzir a bom termo.

A orientação política proposta no parágrafo anterior decorre, em parte de uma análise sobre os pontos de força do bolsonarismo. Não é apenas a votação em 2018, não é apenas o gabinete do ódio, não são apenas as forças armadas ou as polícias, não são apenas Trump e o empresariado, é também o apoio de um setor popular muito numeroso, importante e organizado, que enxerga no Bolsonaro um defensor de uma visão de mundo fundamentalista.

Esse núcleo duro de apoio, muito militante e parte dele armado, é exatamente a base de massas do fascismo à brasileira. Como nas experiências que citei no início, o único jeito de derrotar este núcleo duro é contrapondo outro núcleo duro, em torno de outra visão de mundo, uma visão de mundo humanista, socialista e revolucionária.

E isto precisa ser feito desde agora. Não é uma tarefa para depois da pandemia. Se for feito desde agora, inclusive utilizando as eleições como espaço de conscientização e politização, teremos chances de virar o jogo, não apenas contra Bolsonaro, mas contra o conjunto da ordem.

Por fim, derrotar Bolsonaro não é uma filigrana. E exatamente por não ser uma filigrana, não achamos que nos caiba ser cereja no bolo de movimentos “denorex”. Até porque, frente a esta imensa crise sistêmica em que estamos enfiados, o mundo e o Brasil,  se existe uma “utopia” no mal sentido da palavra, é a de achar que seja possível preservar a humanidade sem virar a mesa do jogo.

domingo, 28 de junho de 2020

“Direitos Já”, versão para quem for impaciente




Não pude assistir online a live do movimento “Direitos Já”, realizada nesta última sexta-feira, dia 26 de junho.

Mas no sábado, 27 de junho, dediquei mais de 5 horas para assistir a coisa toda, de ponta a ponta.

Quem quiser fazer o mesmo, seguem algumas alternativas:




Neste último endereço, a transmissão durou 4 horas, 45 minutos e 45 segundos.

Desconheço se este detalhe (45, 45) tem algum significado oculto.

O movimento “Direitos Já” foi lançado em setembro de 2019, em um ato público realizado na PUC-SP, do qual teriam participado, segundo os organizadores, 1500 convidados, vinculados a 300 organizações e a 16 partidos políticos.

O nome completo da iniciativa é "Direitos Já! Fórum Pela Democracia".

O coordenador é o sociólogo Fernando Guimarães, conhecido também como Fefo.
Fernando Guimarães foi filiado ao PSDB por três décadas, foi do Diretório Nacional do PSDB, mas parece ter sido expulso do partido em maio de 2019.

Em entrevista recente à Carta Capital, o próprio Fernando// Guimarães fala do assunto:
https://www.cartacapital.com.br/politica/expulso-do-psdb-lider-do-direitos-ja-diz-que-nao-foi-avisado-sobre-desfiliacao/

Para quem quiser saber mais, recomenda-se ler aqui:
 https://tucano.org.br/fernando-guimaraes-2/

O ato de 26 de junho foi denominado ato virtual “EM DEFESA DA DEMOCRACIA, DA VIDA E PROTEÇÃO SOCIAL”.

A atividade foi aberta com a leitura de um manifesto, que está disponível aqui, junto com a devida análise crítica:

Desta leitura, destaco a seguinte ideia: convocar todas as forças democráticas a se somarem conosco nesta tão necessária frente ampla, um movimento de caráter não eleitoral, em defesa da democracia, da vida e da proteção social.

Tomem nota disto, voltaremos ao tema no final.

Em seguida a leitura do manifesto, Fernando Rodrigues chamou os participantes a falar, por 1 minuto.

Isso, 1 minuto!

O que é bom, pois em 1 minuto as pessoas são obrigadas a adotar o papo reto de que Aécio Neves dizia gostar.

Aliás, Aécio não foi ao ato pelos “Direitos Já”.

Em seguida a leitura, Fernando Guimarães Rodrigues (que a partir de agora vou chamar de FGR) leu a lista de “professores” que redigiram o manifesto: Adriano Massuda, Alberto Almeida, Almir Surui, Felizardo Santos Junior, Gonzalo Vecina, Jose Alvaro, Lilian Vitorino, Jose Gregori, Maria Herminia Tavares, Pedro Serrano, Monica de Boe, Sergio Fausto, Eunice Prudente, Rogerio Studart, Silvia Pimentel, Ricardo Saens e Anderson Marques, este último o relator.

Alerto que posso ter anotado errado o nome de algum dos supracitados.

Vários deles são conhecidos por sua militância tucana.

Aliás, salvo melhor juízo, a maioria dos que falaram no ato era integrante dos setores médios, homens, brancos, tucanos, com doutorado.

Evidentemente, houve pontos fora da curva, mas esta era a curva.

Na sequência, FRG afirmou que a última vez que esse país assistiu a uma tão ampla união de forças, de campos políticos tão diversos, acima de tudo convergência no compromisso inalienável com a democracia, até para que nossas divergências estejam asseguradas, foi o movimento pela Diretas Já.
E então passou um vídeo de Osmar Santos, o célebre locutor dos comícios das diretas, hoje com 71 anos!

Uma respeitosa matéria sobre o locutor pode ser lida aqui:
https://esportes.r7.com/osmar-santos-celebra-70-anos-sem-perder-irreverencia-fiquei-velho-14082019

Vale lembrar que a emenda das Diretas foi derrotada e o movimento pelas Diretas Já rachou entre os que apoiaram o comparecimento ao Colégio Eleitoral, para votar em Tancredo Neves e José Sarney; e os que se recusaram a fazer isto, caso do Partido dos Trabalhadores.

Deixo aos leitores decidir se cada alguma reflexão sobre história, repetição, tragédia e farsa.

Em seguida houve um ato ecumênico, aberto pelo Rabino Michel, presidente da confederação israelita paulista, segundo o qual o Talmud afirma que onde houver 2 judeus, haverá 3 opiniões.

Depois falaram representantes de várias crenças, entre as quais um pastor batista, um pelas matrizes africanas, um padre, uma monja, um pastor, uma representante do Conic, um espírita, um clérigo islâmico.

Encerrada esta parte, foram chamadas “algumas das principais vozes do país” (sic), para usar da palavra por um minuto, ao final do qual seria dado “um sinal para que concluam”, senão o som seria silenciado.

A partir deste ponto, fui tomando nota dos nomes dos oradores e do que me chamou a atenção em suas falas. Alerto que posso ter entendido ou grafado algum nome incorretamente. Além disso, como é óbvio, destaquei o que me chamou a atenção.

O primeiro a falar foi o advogado Belisário dos Santos Jr: viva o SUS, a constituição cidadão, contra a tortura. Ao final, Belisário voltará a falar, num dos melhores momentos do ato.

O segundo a falar foi Rogério Studart, ex-diretor executivo do Banco Mundial.

Antes de abrir a a palavra, FGR disse que ele coordenou um grupo de economistas, que fez a elaboração de um documento que será apresentado a todos os parlamentares, com medidas de saída para a crise, grupo composto pelos economistas Monica de Bole, Rogerio Studart, Ricardo Saens, Nilson Araujo, Guilherme Melo, Baliseu Alves Margarido, Sérgio Buarque, Nelson Marconi, Vitor de Melo, Nelson Marconi, Vitor Pagani, Nilson Araújo, José Aurelio Oreiro.

Me chamou a atenção que FGR afirma que estes economistas teriam sido indicados pelos partidos. 

Pelo menos no caso do PT, isto deve ser algum mal-entendido.

Mal entendido ou não, o fato é que Rogerio Studart comemora a impressionante capacidade que tivemos, de distintos matrizes de pensamento, de convergirmos em função de uma macroeconomia e de uma visão de desenvolvimento para o país.

Só lendo o tal documento é que poderemos ter certeza se esta “convergência” deve ser comemorada ou lamentada.

Em seguida falou o Vereador Gilberto Natalini, sobre quem se destacou ter sido torturado pelo próprio Ulstra.

Depois falou Flavia Piovesan, procuradora e jursta, da comissão interamericana de direitos humanos.

A fala de Flávia Piovesan pode ser tomada como paradigma de grande parte dos discursos feitos no ato: falas curtas e genéricas, politicamente corretas no que diz respeito a justiça social, mas essencialmente preocupadas em “salvar o Estado democrático de direito”.

Na fala de Piovesan e também em outras, um recado contra “a dor da polarização extrema”.

Depois falou a deputada federal Jandyra Fegali, a primeira Comunista do Brasil a quem se deu a palavra. Outros comunistas falariam, assim como petistas e psolistas. A maioria dos oradores destes partidos foi muito cuidadosa no uso das palavras, algumas vezes evitando até mesmo falar em impeachment e fora Bolsonaro, preferindo outras construções verbais (do tipo “com Bozo não dá”).

Falou em seguida Mario Nicacio, vice-coordenador das organizações indígenas da Amazonia brasileira; e aí veio um das celebridades da noite, Luciano Huck.

Este começou dizendo que, por conta da pandemia e das lives, estamos mais eficientes, mas com menos tempo para pensar e elaborar, por isso ele falaria o que estou sentindo, mas as coisas se conectam, e toca falar de uma menina de Goiânia, jovem cientista, a primeira de sua família a alcançar o ensino superior, na Federal de Goiás, e esta moça tinha uma demanda com ele Huck, que era o apoio para uma iniciativa de jovens cientistas, e a boa notícia é que esta moça não é exceção, pois existem milhares de Patrícias espalhadas pelo Brasil inteira.

Patrícia, esqueci de dizer, é o nome da moça de Goiania, segundo Luciano Huck.

Pois bem: depois de nos informar que existem milhares de Patrícias espalhadas pelo Brasil inteiro, Huck falou da importância da educação, criticou as “papagaiadas” do último um ano e meio, disse que a educação deveria ser prioridade, nesses tempos em que a ciência está sendo negada, essa turma de jovens cientistas me inspirou na mensagem que ele deveria dar no ato pelos Direitos Já, eles são a exceção mas deveriam ser a regra, um país mais eficiente, onde os serviços funcionem de maneira potente, começando pela educação, um país mais afetivo, onde as soluções não irão despontar por geração espontânea, ou todos nós nos envolvemos, ou vamos seguir na mesma situação, dividios, disfuncionais, sem um sonho maior..

A essa altura, o FGR, visivelmente constrangido, lembrou de pedir que o Huck concluísse, mas o cidadão continuou falando da sociedade civil, dos novos atores de que ele se sente parte, do debate público, citou alguns colegas globais, falou que precisa de uma mudança de paradigma...

...ai o FGR lembrou de novo para ele concluir...

... mas o Huck continuou falando, disse que democracia é importante, que é uma obra aberta, novas emoções, imperfeita, a que deu mais certo até hoje, agradece muito e falou que “chega de iluminar o que nos separa e vamos buscar o que nos une”.

Enfim, diria que o cidadão ainda não ensaiou direito o seu papel. Mas a pauta está clara. E o vocabulário também.

Depois falou o ex-governador Márcio França: “a medida que estamos juntos é que nos reanimamos”.

Depois veio o Rapper Xis, que lembrou que democracia nunca existiu para os negros e para os indígenas, que estamos cansados, que precisamos democratizar cultura, política, moradia internet, saneamento básico.

Infelizmente, ninguém no ato lembrou da privatização recém-ocorrida do saneamento básico, com o voto e apoio de vários dos que ali estavam.

E aí o FGR chamou, com a pompa e circunstância possíveis, o “nosso presidente Fernando Henrique Cardoso”.

O “príncipe dos sociológos” não disse nada de memorável, falou de momento de união em torno da democracia e da Constituição, que as coisas mudam, que ele já está velho e viu de Getúlio as diretas já, que não é um momento igual, mas é importante começar e que está disposto a dar as mãos a todos os que queiram defender a democracia. E terminou dando vivas à liberdade e à democracia.

Fiquei tocado, especialmente sabendo que ele já lutou contra o golpe de 2016, contra a condenação e prisão de Lula, contra a eleição de Bolsonaro. Ops, não lutou não, esquece, sigamos adiante.


Depois falaram Eduardo Paes, ex-prefeito do Rio de Janeiro, em defesa da permanente vigilância, “acima de qualquer diferença”, para defender a democracia; o professor Kabengele Munanga, que lembrou que nenhum país do mundo respeita integralmente a declaração de direitos humanos; o deputado federal Marcelo Calero, que leu um discurso em que esqueceu de citar que foi ministro da Cultura de Michel Temer.

Aliás, infelizmente Michel Temer e José Sarney não compareceram ao ato. Aqui há mais detalhes: https://www.brasil247.com/brasil/com-pretensao-de-ser-frente-ampla-movimento-direitos-ja-realiza-ato-com-defeccoes-de-temer-e-sarney

Sobre Moro, se foi convidado ou não, só ouvi boatos.

Depois falou o Miguel Torres, presidente da Força Sindical, que lembrou dos direitos que a classe trabalhadora vem perdendo nos últimos anos, relevando o fato de que no comício estavam alguns dos algozes destes direitos.

Em seguida falou Arnaldo Jardim, conhecido como Chefão pelos nem tão íntimos, que falou de unidade em defesa da democracia, que democracia rima com o combate da desigualdade, que democracia significa desenvolvimento que combate as desigualdades e busca a justiça social, para depois citar o Calero e o Roberto Freire!!!

Definitivamente, a consciência culpada já produziu peças retóricas de melhor qualidade. Mas em 1 minuto é difícil escapar da máxima: a hipocrisia é a homenagem que o vício rende à virtude.

Depois falou o Alessandro Molon, ex-petista, hoje no PSB, que também fez um discurso paradigma de muitos outros: devemos combater o desequilíbrio com bom senso, até porque a fé não costuma falhar.

Esta embocadura, segundo a qual frente ao fascismo vamos reagir mostrando que fomos educados no sacre coeur de marie, esteve presente em vários discursos. Infelizmente, na luta de classes, gentileza não costuma gerar gentileza.

Depois falou Petra Costa, que como muitos lembrou que para enfrentar a extrema-direita, é correto se aliar com inimigos históricos para defender a democracia; mas logo em seguida cometeu a suprema indelicadeza de lembrar, de maneira muito suave, que isto poderia ter sido feito em 2018 e aí não estaríamos na situação em que estamos agora.

Em seguida falou Marcelo Coelho, que disse que eles são muito poucos, nós somos muitos, acho que nunca houve uma aliança tão ampla, mais que diretas e mais que Fora Collor, que o governo está perdendo, está caindo, vai durar pouco, que a democracia vai vencer e rapidamente.

Esta também foi uma fala paradigmática. Não apenas pelo tom de extrema satisfação consigo mesmos, bem classe-média-como-nós-somos-inteligentes-bonitos-e-cheirosos, mas pela subestimação da força de Bolsonaro e da extrema direita. Aliás, é um paradoxo que uma frente que se convoca contra o fascismo (por definição, algo aterrorizante), tenha sido lançda com tantos discursos que minimizam o perigo, a tal ponto de não propor fazer nada de prático para enfrentar o problema (foram poucos os oradores que falaram em impeachment, por exemplo).

Depois falaram o Marcelo Ramos, do Partido Liberal do Amazonas, que descobri ser um especialista em Churchill; o Leoni, cantor e compositor, que lembrou que sempre que chega uma crise, quem paga a conta são os mais vulneráveis, além de citar Gilberto Gil como nosso melhor ministro da cultura (aliás, ministro de um governo que recebeu duríssima oposição de grande parte dos que participaram do encontro dos direitos já).

Depois falou o Jose Luis Penna, do Partido Verde, que lembrou do saudoso Alberto Goldman (que, verdade seja dita, chamou o golpe em 2016, mas chamou publicamente o voto em Haddad em 2018, coragem que faltou a muitos dos ali presentes), atacou o regime presidencialista como uma insuportável fábrica de crises e defendeu que devemos aproveitar a crise para refazer o mundo.

Aqui vale o registro: a defesa do parlamentarismo está no ar.

Depois falou o governador Camilo Santana, do Ceará.

E em seguida valou o governador Flávio Dino, celebrando a nossa união, defendendo valores e princípios, a democracia em sua dimensão institucional, que os poderes possam funcionar livremente, contra as pressões venham de onde vierem, em segundo lugar a dimensão social de democracia, cuidado com a vida e a saúde, a defesa do sus, a renda básica emergencial como uma proteção da democracia para os mais pobres, a geração de empregos, assim a democracia chega na casa do cidadão, e condições institucionais para que as investigações possam ser feitas, inclusiva aquelas gravíssimas, atinentes ao atual presidente e os que o cercam, lei para todos.

Depois falou a Rosana Barros, presidenta da Ubes, que fez um discurso vintage.

Em seguida veio o Roberto Freire, dizendo que a época atual e a época das Diretas Já são coisas distintas, pois ali tratava-se de restaurar a democracia e hoje trata-se de defender a democracia. E, talvez numa menção ao seu passado, perguntou “que fazer”, dizendo que temos amplíssima maioria na sociedade, que precisamos ampliar ainda mais, sem vetos, nas diretas saudávamos todos aqueles que eram arrependidos.

Hehe. Nas diretas saudávamos os arrependidos que apoiavam as diretas. Hoje os supostamente arrependidos muitas vezes não defendem nem mesmo o impeachment.

Depois falaram o Paulo Câmara, governador de Pernambuco; o Lupi, presidente do PDT; e a Zelia Duncan. Antonio Neto, presidente da Central de Sindicatos Brasileiros, disse que nossas diferenças debateremos no momento certo, que o atacado que nos une é maior do que o varejo que nos separa, terminando com um unidos contra o fascismo.

Ironicamente, logo em seguida falou Bruno Araújo, presidente nacional do PSDB, que afirmou que “não há mais espaço para aventuras autoritárias” (talvez para os tucanos o fascismo seja um tigre de papel???) e que o Brasil pode contar sempre com o PSDB.

Depois veio mais uma fala paradigmática, da socióloga Neca Setubal, para quem é uma honra estar aqui no meio de tantas pessoas, super parabéns!!!

Como disse antes, muitos dos que ali estavam gastaram parte de sua fala para se afirmar satisfeitos com estarem ali, tudo tão lindo, tão legal, com um discurso tão politicamente correto.

Uma cabotinice G-E-N-I-A-L.

Depois veio o jornalista Juca Kfouri, cuja fala infelizmente teve problemas de conexão, pois foi um dos pouquíssimos que falou do Lula. Kfouri também falou das fake news, da perda dos direitos dos trabalhadores, da violência da PM, do Estado de Direito, Basta de Bolsonaro, direitos já.

Depois veio o prefeito de Manaus, Arthur Virgilio, uma das falas mais hilárias da sessão, com direito a se dizer mais bonito que um bonequinho que, pelo visto, alguém mostrou enquanto ele falava.

Depois veio o Fernando Haddad.

Em seguida falou o senador Randolfe Rodrigues, que lembrou Ulysses Guimarães ao promulgar a Constituição de 1988. Sem dúvida Ulysses parece um gigante, em comparação com os anões que transitam pelo atual Congresso, mas convenhamos: é sintomático ver um dos gestores da transição conservadora serem apresentados como exemplos de boa política.

Depois veio o Drauzio Varela. A respeito da fala dele, dois comentários. Um, é impressionante como todo mundo virou defensor do SUS. Dois, Drauzio afirmou que não será jogando um brasileiro contra o outro que vamos construir uma solução. Esta lógica, segundo a qual a democracia não rima com conflitos e lutas, esteve presente em muitos oradores. É uma visão autoritária e elitista de democracia, antagônica a ideia de que a luta faz a lei.

Por falar nisso, o orador seguinte foi o ex-governador Geraldo Alckmin, que pediu para deixarmos de lado os personalismos (de quem será que ele estaria falando?), da união em defesa das instituições, da paciência frente a impaciência, da tolerância frente a intolerância etc.

E por falar em tolerância, o seguinte orador foi o Ciro Gomes, que saudou a legião de brasileiros de boa fé, falou de um profundo e generoso sentimento de reconciliação, para logo em seguida dizer que haverá a hora de debater o que deu margem ao Bolsonaro (ele não disse, mas até as pedras ouviram que a culpa é do PT). Tirante isto, fez algo que muita gente boa esqueceu de fazer: falar dos desempregados, dos míseros 413 reais, num discurso que tem pegada popular.

Aí veio a Monica de Bole, apresentando a plataforma social-liberal, cujo centro é a renda básica universal; e cuidando de contrapor a democracia, de um lado, e a polarização e a divisão, de outro lado.

Em seguida tivemos o Eduardo Leite, governador do RS, que disse ser um democrata desde criancinha.

Depois veio a Marina Silva, com um discurso de sempre, mas também com o cuidado que outros não tiveram, de falar dos desempregados, dos jovens, das mulheres.

Iago Montalvão, presidente da UNE, nos ofereceu uma poesia do Honestino Guimarães.

Boulos, do PSOL, falou em seguida, dizendo que defender a democracia é derrotar Bolsonaro, por impeachment ou por cassação da chapa. Diferente de outros, lembrou de Dilma, ao falar que impeachment sem crime é golpe e crime sem impeachment é omissão. E falou a frase proibida: Fora Bolsonaro.

Gabeira, o próximo a falar, disse que essa ditadura, diferente da anterior, está comendo a democracia pela beirada.

A Priscila Cruz, diretora executiva do Todos Pela Educação, se disse honrada por estar participando, e arrematou que nenhuma visão é mais potente do que cuidar das crianças mais pobres, pretas, periféricas. Recomendo a quem puder que veja este discurso, com atenção aos detalhes da decoração.

Depois João Signorelli citou Gandhi, o amor cura, une, nutre, pulsa, educa, encoraja, faz nascer, entusiasma etc.

Depois falou o Tarso Genro, que elogiou a plenária democrática amplíssima, mencionando a presença de Marina, Haddad, Ciro, Alckmin e Boulos. Elogia nominalmente o Boulos, igualmente aos demais. 

Diz que ali se está aplicando uma tecnologia política testada na Europa, uma concertação por uma agenda de unidade, deixando de lado as questões que não estão incidentes diretamente na realidade, que seriam a democrática, a pandemia e os direitos fundamentais. Fala que o fascismo chegou ao poder através de uma ampla frente política, inclusive através de processos eleitorais, e que precisamos nos unir para bloquear o fascismo, que está agindo a partir do poder de Estado. Que devemos defender a Constituição de 1988 e guardar as nossas diferenças para compor uma agenda posterior. Que ninguém ali está a beira de chegar no governo, que estamos a beira de sermos derrotados pelo fascismo.

Noutro lugar, comentarei o que acho da posição do Tarso.

Em seguida veio o Reinaldo Azevedo, dizendo-se feliz em encontrar um momento de políticos, porque foi a demonização dos políticos que nos fez chegar a esse ponto. E defendeu um novo normal que inclua os pretos e os pobres.

Fiquei pensando comigo se, convidado para um evento de petistas, Reinaldo Azevedo também dir-se-ia feliz, porque foi a demonização dos petistas que nos fez chegar a esse ponto. Quem foi mesmo que inventou o termo “petralha”???

Depois falou o Carlos Siqueira, presidente nacional do PSB, falando não apenas de tirar o Bolsonaro do poder, mas também em unir a nação para reconstruir. Aliás, esta foi a pegada de muitos ali: não se trata apenas de tirar Bolsonaro, mas de unidade depois. O curioso é que a imensa maioria não falou de impeachment já. Para que mesmo seria esta frente??

Na mesma linha, de preocupar-se com o depois, foi Aldo Rebelo, para quem tão importante quanto a democracia é a retomada do crescimento, voltar a crescer, devemos nos unir em torno de uma agenda do crescimento.

Depois falaram Renata Abreu, do Podemos; Arlindo Filipe, coordenador da comissão étnico racial do Direitos Já; e a vice governadora de Pernambuco.

Curiosamente, foi só depois de Luciana Santos falar que FGC corrigiu a gafe e lembrou que Luciana é presidenta nacional do PCdoB.

Luciana defendeu que em momentos agudos, de virada, sempre se buscou frentes amplas, heterogêneas, e concluiu citando Pablo Milanes e Chico Buarque.

Em seguida falou Pedro Ivo, porta voz nacional da Rede Sustentabilidade. Disse que vivemos uma crise civilizatória, que a maior doença é a insustentabilidade, falou da normose, disse que o novo normal tem que ser sustentável, baixo carbono, democracia ampliada e direitos humanos e da natureza.

Sim, este Pedro Ivo é aquele Pedro Ivo da antiga Tendência Marxista, acho até que foi do PRC. Aliás, do comício participaram muitos ex-petistas (Molon, Cristovam, Pedro Ivo, Eduardo Jorge, Weffort e wefraco, Marta).

Depois José Carlos Dias defendeu o direito de dizer não a um governante truculento e despreparado.

E Marta Suplicy repetiu um discurso que eu já tinha ouvido ela fazer, acho eu, em 2016, sobre deixar de lado as diferenças de lado pelo que importa, em nome de algo muito maior, uma frente ampla que acabe com o risco, que dê esperanças para o povo brasileiro, lembrando que até em guerras ocorrem união de adversários. E que dos liberais aos mais progressistas (quem seriam os mais progressistas, ela não disse), trata-se da formação de um programa que permita tirar o país desta situação tão difícil.

Como se vê no discurso da Marta e de outros, não basta ajoelhar, vai ter que rezar: participar desta frente-supostamente-ampla-que-não-é-pelo-impeachment, implicará em assumir compromissos com um programa etc e tal.

Depois de Marta falou Fernanda Melchiona, do PSOL, defendendo a mais ampla unidade de ação contra o autoritarismo, alerta que é um erro sangrar Bolsonaro até 2022, ataca a agenda ultraliberal (que inclui privatizar o saneamento, algo feito por vários dos que ali estavam, mas a Melchiona não citou isso) e também disse as palavras proibidas: Fora Bolsonaro.

Depois falou o Diogens Lucca, fundador do GATE, da PM de SP. Ele nos informa ter aprendido na caserna os valores da democracia, bem como que é parte dos 70%.

Depois falaram a Joênia Wapichana (falou Fora Bolsonaro), o Ricardo Patah da UGT, o governador Wellington Dias, Flávia Cale (ANPG), Adilson de Araújo (CTB), Lidice da Mada (a democracia é a vacina contra o fascismo).

Aqui vale a pena refletir sobre um certo paradoxo. Alguns salientaram que a democracia seria uma vacina contra o fascismo. Outros chamaram a atenção para que a democracia tem que se traduzir em uma vida decente para o povo, sob pena do povo não ter apreço pela democracia. E alguns, como o Senador José Anibal, do PSDB de SP, orador que falou depois, fizeram questão de criticar o pacto pela desigualdade enraizado na sociedade brasileira. E ainda tem a desfaçatez de citar o saneamento, empurrado para a privatização total por uma frente com as digitais tucanas.

Depois de Anibal, falou Maite Schneider, fundadora da TransEmpregos, que disse que a destruição da democracia começa toda vez que a gente encontra brigas, brigas entre esquerda e direita, brigas entre homens e mulheres, pretos e brancos etc.

Maite defendeu, como outros e outras que falaram antes e depois, uma concepção de democracia sem conflito.

Falaram depois Eduardo Suplicy e Cristovam Buarque. Este último reclamou que muitos de nós ainda ficamos pensando em 2020 e não no próximo ano. E disse que precisamos de um plano que nos unifique, elogiando José Anibal e defendendo um pacto pela superação da pobreza.

Depois vieram Jamila Ribeiro e o deputado federal Eduardo Barbosa (PSDB MG), que confessou que não imaginávamos que a crise ia se agravar tanto, dizendo que projetos individuais (não disse de quem) não podem estar acima de projetos de nação e defendendo sobretudo combater as desigualdades (não explicou o que isso tem que ver com privatizar o saneamento).

Depois vieram José Nelton, do Podemos de Goiás; a atriz Lulu Pavarini, o líder indígena Almir Surui e a deputada federal Erica Kokay, que defendeu uma democracia de alta intensidade, criticou a necropolitica e propôs arrancar a faixa presidencial que está no peito do fascismo.

Em seguida falou o deputado federal Alexandre Padilha, filho de pais perseguidos pela ditadura, que lembrou ter sido ministro de Lula e de Dilma, defensor do SUS, afirmou ter ficado muito triste quando aprovaram o congelamento (EC95), portanto teria motivos para não estar aqui e para colocar as divergências em primeiro lugar, mas que os mortos e contaminados pelo Covid19 leva a que estejamos unidos para barrar o mais rápido possível o genocida. Defende o Fora Bolsonaro e da recuperação dos direitos políticos do Lula.

Registre-se, uma vez mais, que a maioria dos que ali estavam não falou do impeachment, mas enfim...

Depois veio o Eduardo Moreira, apresentado como criador do movimento somos 70%, diz que chegou a hora de compreendermos que durante todo este tempo fomos a maioria, criticou a estratégia do medo, que se especializou em destruir reputações, falou que quer a Amazonia preservada, um governo que ouça a medicina, que trate a desigualdade como principal assunto, com as regras democráticas prevalecendo, agregando que cansamos de viver num pais onde antes as pessoas eram torturadas pela ditadura e agora por esta politica de desigualdade, direitos já e não aguentamos mais este governo de Bolsonaro.

Divertido este Eduardo Moreira, ele tem um gêmeo que apoiou o impeachment da Dilma e que atacou Lula e Haddad em 2018.

Depois falou o Roberto Claudio, prefeito de Fortaleza, orgulhoso de fazer parte deste coletivo; a Carolina Kotscho, que disse ser muito emocionante estar aqui, que é muito importante estar aqui com a classe politica, que estamos juntos é um movimento da sociedade civil que acredita na politica, que é preciso deixar de lado projetos pessoais de poder por um projeto comum de país. E depois dessa quase citação da pior frase de Frei Beto, Carolina diz que é hora da elite entender que, se não for por solidariedade, por consciência, por compaixão, que seja por inteligência, egoísmo, que igualdade é fundamental. Carolina também diz que é preciso ir além de Bolsonaro, estar junto para o que vem depois, que este governo já acabou. Ecoa Ciro Gomes na pergunta sobre onde está/esteve nosso erro, buscar a responsabilidade de cada um de nós. E termina pedindo que esta não seja mais uma reunião de brancos clamando por igualdade.

Pois é.

Depois entrou na passarela aquele que ganharia o prêmio fantasia radical da noite: Raul Jungman, segundo o qual "as forças armadas tem tido um comportamento absolutamente democrático e impecável no seu compromisso constitucional"!!!

Depois veio o deputado federal David Miranda, defendendo o impeachment mais urgente, para que a população possa respirar, viver, seguir em frente, renda emergencial por mais período, pois a fome é a próxima pandemia.

Em seguida veio o jornalista Glenn Greenwald, apelando para que coloquemos em segundo lugar questões de ideologia, política, partido, porque quando a democracia está sendo ameaçada nada disto importa. Faz comentários sobre Trump e a força da democracia nos Estados Unidos que eu não saberia traduzir.

É assustador ouvir este tipo de coisa, pois não é por razões “técnicas”, a-ideológicas, a-políticas, a-partidárias, que as pessoas lutam contra o fascismo e pela democracia.

Depois falam Douglas Belchior, da UNIAFRO; a atriz Lulu, que lê um poema feito pelo filho dela; o Márcio Jerry, presidente do PCdoB do Maranhão, que fala da linda passarela, pela qual desfila nosso compromisso com a democracia; o Danilo Passaro, do Somos Democracia; a Eunice Prudente, que diz que o povo é titular do poder, que o povo precisa de mais esclarecimentos, que é pela via da educação em direitos que vamos construir o novo cidadão brasileiro, informação, crença, esperança em suas lideranças.

A Tabata Amaral é a próxima a falar e também diz estar muito feliz de participar deste movimento (Direitos Já é, definitivamente, um movimento de gente feliz em estar juntos).

Depois fala o Estevão André Silva, da Advocacia Negra; e o Eduardo Jorge, ex-candidato a presidente da República, que diz que em março de 2020 ele constatou a atitude sabotadora do PR quanto a pandemia, desde março ele vem defendendo que se use outra vez a constituição e que o PR seja impedido imediatamente, que cada dia dele, mais mortes para a sociedade brasileira, este é o motivo que une a maior parte da população, que une a maior parte contra ele, há outros motivos, mas é esse que possibilita o fora Bolsonaro, que deputados precisam acordar para isso, Fora Bolsonaro já.

Em seguida Mauricio Parrone lê um trechinho da natureza das coisas, do Lucrecio!! E em seguida FGR introduz na passarela da democracia aquele que FGR diz ter tido a alegria de ter como professor, o Jose Alvaro Moises, também conhecido pelo carinhoso apelido de wefraco. E que nos explica que devemos defender a democratização da democracia, que a democracia tem que “incorporar as pessoas mais simples”.

Os mais simples...

Depois Gonzalo Vecina nos informa que descobriram que, neste momento de loucura e desgoverno, estamos sonhando mais, é tempo de sonhar portanto, sonhar com utopias, igualdade e direitos já.

Depois Gustavo Fruet, ex-prefeito de Curitiba, nos fala da relação direta entre democracia e qualidade de vida, criticando em seguida o populismo (sic). Depois vem a poetisa Elisa Lucinda, o Adriano Massuda (que defende enfaticamente o SUS e ataca a austeridade fiscal) e o Ricardo Borgens Martins, que alerta para não cair na cilada que a defesa da democracia seja a defesa do status quo, defender a democracia é entender que só construiremos um país mais justo por meio da democracia.

Depois  a atriz Ana Petta fala que é uma honra estar aqui, que é um momento muito bonito que já é histórico, defende as gestões Gil e Juca (não cita a Marta...).

Logo vem o Daniel Cara, que defende uma frente ampla substantiva, com pão na mesa, educação publica de qualidade, 10% para a escola pública, o SUS e muitas coisas mais (não cita o saneamento).

Depois é a vez do jurista Pedro Serrano, que defende o impeachment de Bolsonaro e diz que esta frente só tem um sentido, a saber, desembocar no impeachment do Bolsonaro.

Ou seja, se Serrano tem razão, e considerando que a maior parte dos presentes não  se declarou a favor do impeachment...

Depois vem o dramaturgo Kiko Rieser, que lê um trecho de uma peça de Brecht. E depois Henrique Melo faz uma performance, com direito a bataclava, luvas, efeitos especiais e tudo o mais.

Depois tem um vídeo do Ubiraci Dantas, da CGTB;  outro vídeo da Maria Perpetua, do PCdoB do Acre; a fala do José Calixto Ramos, presidente da Nova Central Sindical, que dita a EC95; o deputado federal do PSOL Freixo, o Francisco Weffort, a Leci Brandão (um ato que renova as esperanças) e o José Gregori, para quem a peste está entrando pela frente e o autoritarismo pela porta dos fundos.

Por coincidência, o próximo a falar (contra o radicalismo de direita e de esquerda) foi o Tasso Jereissati. Defendeu o pragmatismo, o bom senso, o equilíbrio. Definitivamente um cara a favor do saneamento!!!!

Depois temos um vídeo, acho, do André Figueiredo, um depoimento do Walter Casagrande (orgulhoso do convite), uma performance da atriz Cleo (bolo, vela, parabéns para voce) e uma canção do Gilberto Gil.

E no final vem o melhor.

Depois de uns vídeos e de uns agradecimentos, FGR diz que “começamos com Belisário, vamos terminar com Belisário”.

Belisário diz que “foi sensacional”, que seguramente será possível montar esta frente, porque as pessoas que por aqui passaram mostraram generosidade, tolerância, quase todo mundo falando direitos já. E engatou explicando que esta é uma frente ampla, que de início não é eleitoral, mas...

FGR sentiu o perigo e rapidamente reassumiu o comando, explicando que a frente não é eleitoral, é uma frente pela democracia... e vamos encerrar.

Pano rápido!!!!

E assim terminou o comício virtual pelos “direitos já”.

TEXTO ACIMA NÃO FOI REVISADO.