terça-feira, 30 de setembro de 2025

Sobre o fascismo

O texto abaixo foi encomendado pelo companheiro Leandro Eliel, para fazer parte de uma coletânea intitulada História do Fascismo, que deve ser publicada em parceria pelo CCEV, pela Elahp e pela editora Página 13. Autorizado pelo Leandro, divulgo abaixo.

O que é o neofascismo e como a esquerda deve agir frente a ele

A palavra “fascismo” voltou à moda. Mas não há uma definição unânime acerca do que foi o fascismo da década de 1920 na Itália, nem tampouco o que foram as “variantes” portuguesa (o salazarismo), espanhola (o franquismo) e alemã (o nazismo). Sem falar da “variante” japonesa, assim como dos “galinhas verdes” e integralistas brasileiros.

A palavra “fascismo” voltou à moda para designar a extrema-direita que possui grande força, hoje, especialmente nas Américas e na Europa. Mas como há diferenças entre o fascismo original e a extrema-direita atual, muitos preferem falar de “neofascismo”, enquanto outros preferem falar de extrema-direita.

E o que seria a extrema-direita? Quais as diferenças entre a direita e a extrema-direita? Todas as variantes da extrema-direita podem ser colocadas no saco do “neofascismo”?

Para responder a estas e outras perguntas, um bom ponto de partida é responder como domina a classe dominante, ou seja, os capitalistas.

O capitalismo é um modo de produção relativamente jovem, ao menos em comparação com o feudalismo e com o escravismo. Ao longo dos seus cerca de 300 anos de vida, o capitalismo passou por diferentes momentos e assumiu diferentes formas. Mas qualquer que fosse a situação, há algo que não muda: o capitalismo depende da exploração da força de trabalho. E essa exploração só tem êxito quando se combinam, em determinadas proporções, cooperação e opressão.

Sem algum nível de opressão, os trabalhadores podem, a qualquer momento, se insurgir com êxito. Sem algum nível de cooperação, a produção não flui. Portanto, a classe dominante precisa o tempo todo combinar estes dois elementos: cooperação e opressão. Sem algum pão e circo, não funciona. Mas sem um pouco de tiro, porrada e bomba, também não tem dominação.

Como esses dois componentes da dominação são necessários o tempo todo, coexistem dentro da classe dominante (e de seus “funcionários”, como é o caso de grande parte dos governantes, parlamentares, operadores do direito, burocratas muito bem remunerados, penas e línguas de aluguel etc.) pessoas e setores especializados em defender e praticar cada uma dessas posturas e suas inúmeras variantes.

Noutras palavras, sempre haverá, em cada país e em cada época, setores da classe dominante defendendo e praticando o método do porrete e outros defendendo e praticando o método da cenoura, em suas inúmeras variantes, “tudo junto e misturado”.

Por isso é que, quando buscamos no passado ou quando olhamos ao nosso redor, sempre vamos encontrar bem mais que 50 diferentes tonalidades da dominação, que vão do fascismo mais brutal até a democracia burguesa aparentemente tolerante.

Falando em tese, o melhor método para a classe dominante é o do pão e circo. Ou seja, aquele método em que uma parte importante da classe trabalhadora não se percebe dominada, acreditando ser colaboradora do processo: “Se eu trabalhar bastante e fizer minha parte, chegarei lá”. Ou, para falar in english, o american way of life hegemônico quando os EUA pareciam bem das pernas.

Evidentemente, o método do pão e circo só funciona perfeitamente em alguns momentos da história, quando o capitalismo está em expansão em determinado país ou região. Mas quando o capitalismo está ou parece estar num beco sem saída, cresce o descontentamento e com ele crescem os setores da classe trabalhadora que contestam o capitalismo e propõem alternativas. Nesse contexto, os métodos doces de dominação cedem lugar aos métodos amargos. É “la hora de los Hornos”! Então a extrema-direita, em todos os seus variados matizes, assume importante papel na manutenção da dominação de classe.

Acontece que a extrema-direita não nasce nesse momento, ela apenas adquire intenso protagonismo. Noutras palavras, a extrema-direita já estava lá, com seus hábitos, com seus valores, com suas manias e taras. E quando assume o primeiro plano, traz junto essa herança maldita. Por exemplo, no caso do Brasil, mas também de inúmeros outros países, o racismo, a misoginia, o fundamentalismo, o ódio atávico aos povos originários, tudo junto com o “homem cordial” e com o culto do privado frente ao público.

Daí se explica por qual motivo a extrema-direita não é apenas conservadora, ela é principalmente reacionária, está sempre cultuando e propondo voltar “aos bons tempos” do Brasil Colônia, da escravidão e do patriarcado sem limites.

Isto posto, como enfrentar o fascismo/neofascismo/extrema-direita? As formas concretas dependem do momento histórico. Na época da Segunda Guerra Mundial, por exemplo, o principal meio de enfrentar o fascismo era o combate militar. Noutros momentos, predominaram as medidas políticas e ideológicas. Mas como o “fascismo” (ou algo que é visto como “fascismo” por muita gente) voltou à moda, é preciso concluir algo óbvio: enquanto houver capitalismo, o espectro da extrema-direita seguirá rondando, qual um Freddy Krueger. A respeito, recomendamos ler um texto de 1935, escrito por Bertold Brecht, chamado “O fascismo é a verdadeira face do capitalismo”.[1]

Assim, se a esquerda quer mesmo derrotar o fascismo, deve começar enfrentando o capitalismo. O que exige um movimento duplo e simultâneo: por um lado, defender a superação do capitalismo; por outro lado, defender medidas imediatas em defesa da classe trabalhadora (mais empregos, mais salários, mais e melhores aposentadorias, redução da jornada, fim da escala 6x1, pagar menos impostos, mais políticas públicas) e também medidas contra a classe capitalista (redução dos juros, impostos progressivos, estatização de certas atividades econômicas, proteção da soberania nacional contra o imperialismo).

Este duplo movimento é importante, entre outros motivos, porque o “fascismo” também faz um movimento duplo. Por um lado, ele serve aos interesses da classe dominante. Mas, ao mesmo tempo, o “fascismo” precisa neutralizar a influência que a esquerda consegue alcançar na classe trabalhadora em momentos de crise do capitalismo. E, para conseguir êxito nessa neutralização, o “fascismo” precisa dialogar não apenas com os sentimentos profundos inculcados há séculos no povo (“família”, “Deus” e “pátria”), mas também precisa dialogar com a insatisfação material de grandes parcelas da população. Por isso, o fascismo original (na Itália e na Alemanha, na década de 1920) precisou aparecer como crítico das elites, dos oligarcas, do sistema. O mesmo movimento é feito, hoje, por parcelas do bolsonarismo brasileiro e dos seguidores de Milei na Argentina.

Por isso, o êxito da esquerda na luta contra o “fascismo” supõe fortalecer a dimensão antissistêmica da esquerda, não apenas no plano estratégico (a defesa do socialismo), mas também no plano imediato (a defesa de reivindicações imediatas em favor da classe trabalhadora).

As formas concretas da luta contra a extrema-direita dependem, como foi dito antes, de circunstâncias concretas: em que país, em que época, contra qual extrema-direita, a partir de qual esquerda. Mas há uma variável geral que merece ser destacada, a saber: o “fascismo” é chamado à cena quando não estão dando conta do recado aquelas instituições e procedimentos tradicionalmente utilizados pelos capitalistas para exercer sua dominação. Nesse contexto, para atingir o objetivo de derrotar a esquerda e aumentar a exploração das classes trabalhadoras, o fascismo tende a entrar em conflito, mais ou menos profundo, com o modus operandi várias daquelas instituições e procedimentos. Isso gera conflitos, maiores ou menores, com outros setores da classe dominante que se identificam com aquelas instituições e procedimentos.

Quando tudo isso acontece, parte da esquerda acredita ser possível fazer uma aliança com parte da classe dominante em defesa das “instituições” e da “democracia mesmo que burguesa”. Isso aconteceu inúmeras vezes na história e sobre tal linha política há balanços muito diferentes dentro da própria esquerda.

O que pode ser dito a respeito, em termos genéricos, é o seguinte: nos momentos históricos em que a extrema-direita está ascendendo, a maior parte da classe dominante tem simpatia pelas posições “fascistas”. Um exemplo disso é o apoio que Bolsonaro teve (e ainda tem) entre os ricos. Portanto, naqueles momentos históricos, são minoritários os setores da classe dominante dispostos a fazer uma aliança com a esquerda. E, além de minoritários, são inseguros, confusos, com muita gente preferindo o caminho da “pacificação”.

Sendo assim as coisas, é preciso saber que, fazendo ou não alianças - lembrando que alianças são uma questão tática, não de princípio -, o sucesso na luta contra a extrema-direita depende fundamentalmente das classes trabalhadoras e da esquerda. O maior exemplo disso foi a própria Segunda Guerra Mundial: houve uma aliança. Mas de cada cinco soldados alemães que tombaram durante o conflito, quatro foram mortos pelos soviéticos, que, por sua vez, respondem por quase 90% das baixas militares sofridas por URSS, EUA e Inglaterra.[2]

Do que foi dito anteriormente decorre outro ensinamento: como em certos momentos precisa entrar em choque com a institucionalidade vigente, a extrema-direita causa, em alguns desavisados, a impressão de ser “revolucionária(em algum lugar, andaram comparando a intentona de 8 de janeiro com a tomada do Palácio de Inverno). Essa impressão é falsa, por vários motivos.

Em primeiro lugar, a ação da extrema-direita contra uma parte da institucionalidade conta sempre com o apoio de outra parte. Aqui no Brasil, o ataque à Praça dos Três Poderes partiu de acampamentos em frente aos quartéis, teve inicialmente escolta policial e contou com participação direta e indireta de gente das Forças Armadas, assim como do Judiciário, do Executivo e do Legislativo. Golpes de Estado, vamos lembrar, são golpes praticados por uma parte do Estado contra outra parte do Estado.

Em segundo lugar e principalmente, o programa da extrema-direita não é revolucionário. A extrema-direita não se propõe a fazer uma revolução social, não se propõe a acabar com o capitalismo. Nem se propõe a fazer uma revolução política, não se propõe a colocar a classe trabalhadora no poder. O que a extrema-direita quer é fazer uma “contrarrevolução”, mesmo que esta contrarrevolução seja fake. Os governos Lula e Dilma não foram revolucionários, mas se dependesse do que acreditavam os cavernícolas, os presidentes petistas estariam implantando o socialismo no Brasil. Aliás, foi isso que Bolsonaro disse em seu discurso na ONU em setembro de 2019.

Mas embora tenha este componente fake, a extrema-direita causa danos reais, imediatos e de médio prazo. Morreram centenas de milhares de pessoas, durante a pandemia, por conta do que o governo cavernícola fez e deixou de fazer. A vida do povo piorou brutalmente. E as mortes violentas cresceram no país por um conjunto de razões que têm relação direta com a presença da extrema-direita no governo. Por isso e pelo conjunto da obra, mesmo que sejam caricatos, os movimentos de extrema-direita não devem ser tratados com doçura. Contra eles, é preciso aplicar a lei, mas principalmente e acima de tudo a mais implacável luta política e ideológica. Zero acordo, zero concessão, zera tolerância. Combater, derrotar e destruir: este deve ser o comportamento da esquerda no enfrentamento ao neofascismo.



[1] Disponível em O Fascismo é a Verdadeira Face do Capitalismo, consultado em 29/9/2025.

[2] Estas e outras informações estão na insuspeita biografia de Churchill escrita por Andrew Roberts.


domingo, 28 de setembro de 2025

Sobre a entrevista de Marilena Chauí

O jornal Folha de S. Paulo deste domingo 28 de setembro publicou uma entrevista com a professora Marilena Chauí.

A entrevista tem ótimos momentos, por exemplo quando ela afirma que a bem-vinda condenação de Bolsonaro não significa que a sociedade brasileira tenha se tornado menos autoritária; e quando lembra que Trump é um sintoma da crise profunda dos Estados Unidos.

Há questões que com mais espaço talvez fossem melhor desenvolvidas. É o caso da relação entre neoliberalismo e extrema-direita; e é, também, o caso da afinidade que ela mesma estabelece, em tom de gracejo, entre ser "muito conservadora" e ser "marxista". Embocadura que, na minha opinião, domina sua visão unilateral sobre o mundo digital.

Mas há, ainda, afirmações que na minha opinião são simplesmente erradas. Por exemplo, quando Marilena diz ter uma visão "muito pessimista da sociedade brasileira", tema que ela engata com a crítica ao identitarismo. 

Aliás, o identitarismo é uma espécie de fantasma que percorre toda a entrevista, concluída com uma defesa de Boaventura de Souza Santos, defesa cuja solidez pode ser resumida na confissão de que ela não faz ideia de quando um comportamento inapropriado vira assédio.

Mas o politicamente preocupante na entrevista é sua afirmação sobre a classe média, que me recorda o ódio que alguns antigos militantes do movimento comunista tinham dos "desvios pequeno-burgueses", ódio que era tanto maior, quanto mais pequeno-burguesa fosse a origem do respectivo militante.

Assim como a sociedade brasileira não é homogênea, a chamada "classe" média tampouco é. E como Marilena mesmo aponta, a tal "classe" média está em permanente disputa. Pode ser atraída pela classe trabalhadora, pode ser atraída pela classe capitalista. Ganhar o apoio dos setores médios não é algo desimportante. E é simplesmente impossível atrair essa gente, se formos movidos por um ódio existencial.

Aliás, cá entre nós, nada mais funcional para a dominação burguesa que uma "classe média" ocupada em odiar os trabalhadores e uma classe trabalhadora ocupada em odiar os setores médios

Um último comentário: Marilena diz que não sabe explicar porque "parcela das pessoas que tiveram seus direitos ampliados durante um governo de esquerda tenham se voltado contra ele". Para Marilena, isso seria um "mistério".

Na minha opinião, a explicação não tem nada de misteriosa e exige apenas a famosa análise concreta da situação concreta, especialmente da luta política e ideológica. 

Aliás, é a luta política e ideológica que explica por quais motivos a maioria dos trabalhadores, na maioria das vezes, vota nos candidatos apoiados pelos capitalistas. E são também motivos de ordem política e ideológica que recomendam que dediquemos nosso ódio contra a burguesia, contra os capitalistas, contra os imperialistas. 


ps. na entrevista, no trecho sobre a "classe" média, Marilena fala da presidenta Dilma. A respeito, sugiro ler a entrevista que Dilma deu à revista Esquerda Petista, em 2017. A versão integral da entrevista ainda não foi publicada. Mas a versão publicada está na edição 7 da revista, disponível nos endereços abaixo:

Revista Esquerda Petista #7 Maio 2017 final completa baixa2.pdf

terça-feira, 23 de setembro de 2025

Sobre a nota da executiva nacional do PT

A Comissão Executiva Nacional (CEN) do Partido dos Trabalhadores acaba de aprovar uma nota sobre a situação política.

Há vários aspectos nesta nota que merecem comentário, mas há dois pontos que merecem destaque:

1/o primeiro deles é que a nota adota a denominação "PEC das prerrogativas", ao invés de chamar pelo nome correto: PEC da blindagem, ou melhor, PEC da bandidagem. Desconhecemos os motivos dessa opção, mas aparentemente é uma tentativa de “passar o pano”, não apenas nos 14 parlamentares petistas que contribuíram com seu voto para aprovação da tal PEC. Além disso, chamar de PEC das prerrogativas parece ser mais uma tentativa, fadada ao fracasso, de conciliar com a maioria conservadora de direita da Câmara dos Deputados;

2/o segundo ponto que chama a atenção na nota da CEN é que ela não toma posição contrária à proposta articulada por Aécio Neves e Michel Temer com “Paulinho da Força” e Hugo Mota. A saber, a manobra de chamar de dosimetria o que na prática é uma forma anistia para os golpistas.

Sobre essas duas questões a companheira Natália Sena fez emendas que foram rejeitadas pela maioria da executiva. Além de se posicional, a companheira Natália Sena fez a seguinte declaração de voto por escrito:

“Mantida a redação original, voto contra. Declaração de voto: É um erro chamar a Pec da blindagem de "Pec que reestabelece as prerrogativas parlamentares". Isso é como a direita chama. Não podemos ficar na defensiva em dizer as coisas como elas são por causa de votos errados de um setor da bancada. Além disso, é preciso dizer que também somos contra a dosimetria de penas pros golpistas/assassinos”.

É importante dizer ainda o seguinte: na semana passada, quando havia tempo de fechar questão e impedir que 14 parlamentares petistas contribuíssem com seu voto para aprovar a PEC da bandidagem, a Comissão Executiva Nacional do PT, apesar de estar reunida presencialmente e apesar de haver proposta neste sentido de fechar questão, decidiu nada decidir. Comandada pelo presidente Edinho, a maioria da executiva não aprovou nota alguma.

Depois do desastre consumado, nova reunião (ampliada) da CEN com presidentes estaduais do Partido constatou o óbvio: o desastre causado pelo voto dos 14 se tornou uma fonte de desgaste imensa para o PT, inclusive porque foi o voto de oito petistas que consagrou a vitória de um dos piores trechos da PEC da bandidagem: o voto secreto.

Mesmo assim, mais uma vez a Comissão Executiva Nacional do PT não aprovou nota alguma, apesar de existir proposta de nota redigida e em debate.

Agora, contrariando as promessas de evitar votações no grupo de zap, a Comissão Executiva Nacional do PT aprova uma resolução contendo os dois gravíssimos problemas apontados anteriormente. 

É importante que o partido cobre da sua direção nacional uma posição firme e explícita contra a PEC da bandidagem, que deve ser chamada pelo que realmente é, e também feche questão contra qualquer tentativa de reduzir a pena dos golpistas.

Essa foi a posição defendida pela companheira Natália Sena, representante da tendência petista Articulação de Esquerda na Comissão Executiva Nacional do PT e também a posição defendida por outros integrantes da CEN, a quem cabe dar publicidade ao seu ponto de vista.

Segue a nota citada 

RESOLUÇÃO APROVADA PELA COMISSÃO EXECUTIVA NACIONAL DO PARTIDO DOS TRABALHADORES.

Projetos de grande impacto para o Brasil estão em tramitação no Congresso Nacional nesta semana.

De um lado, tentam avançar na agenda de anistiar e reduzir a pena dos golpistas de 8 de janeiro, e assassinos - já condenados pelo Supremo Tribunal Federal; e, ao mesmo tempo, tramita no Senado Federal a PEC 03/2021, aprovada pela Câmara dos Deputados, rechaçada pelo povo brasileiro, que restabelece prerrogativas parlamentares, interpretada nas ruas, nas mobilizações do último domingo, como instrumento de blindagem de parlamentares investigados.

De outro, o Governo do Presidente Lula tenta avançar com uma agenda em defesa de mais direitos e justiça social, pautando a Reforma do Imposto de Renda, que irá isentar quem ganha até R$ 5 mil reais e desonerar quem ganha até R$ 7 mil por mês, beneficiando 90% da população, e cobrando mais impostos do 0,1% da população mais rica do país. Também é urgente a tramitação da PEC da segurança pública, a regulamentação de direitos das novas profissões, como os motoristas de aplicativos, importante que o Congresso Nacional priorize o debate sobre novos recursos para o SUS, para a universalização da educação integral, dos direitos da primeira infância, do fim da jornada 6x1, da tarifa zero para o transporte público. O povo brasileiro precisa ser priorizado na agenda do Congresso Nacional.

Considerando a importância para o país, para os trabalhadores e trabalhadoras do Brasil, destes temas, a Comissão Executiva Nacional do Partido dos Trabalhadores, por meio desta resolução, posiciona-se:

1. Pela NÃO aprovação à anistia para os golpistas e assassinos do 8 de janeiro.

2. Pela NÃO aprovação de qualquer redução de pena para quem planejou golpe de Estado e tentativa de assassinato do presidente da República, vice-presidente e presidente do Tribunal Superior Eleitoral. Esse debate torna-se totalmente fora de lugar nesse momento, e não está entre as prioridades do povo brasileiro.

3. Pela REJEIÇÃO no Senado Federal da PEC 03/2021, aprovada pela Câmara dos Deputados, que restabelece as prerrogativas parlamentares.

4. Pela APROVAÇÃO da Reforma do Imposto de Renda, com a tributação dos super ricos.

5. ⁠Pela APROVAÇÃO da MP 1303/25, da Taxação BBB - bancos, bets e bilionários.

6. Pela construção urgente de uma agenda para a tramitação de matérias, e debates dos temas, acima elencados, que significam melhoria da vida do povo brasileiro. Essa é a urgência demonstrada pela força das mobilizações de rua.

Assim deliberou a Comissão Executiva Nacional do Partido dos Trabalhadores.

 Brasília, 23 de setembro de 2025.

segunda-feira, 22 de setembro de 2025

"Golpista bom é golpista preso!"

O texto abaixo foi referendado pela direção nacional da tendência petista Articulação de Esquerda, como editorial da próxima edição do jornal Página 13. A foto abaixo foi divulgada no blog O Cafezinho.


EDITORIAL

“Golpista bom é golpista preso!”

As manifestações realizadas em todo o Brasil contra a “PEC da bandidagem” e contra a “anistia para golpistas” confirmaram que o povo brasileiro está disposto a ir às ruas lutar pelas liberdades democráticas. Demonstrando, portanto, que não precisamos ficar eternamente reféns da correlação de forças existente no Congresso Nacional. Pelo contrário: se queremos mudar o resultado das votações e se queremos mudar a composição do Congresso, é essencial travar a disputa na sociedade.

As manifestações mostraram, também, que a militância de esquerda acredita no ditado popular: “Quem com porcos se mistura, farelo come”. Os petistas que compareceram às manifestações criticaram duramente a postura dos petistas que votaram a favor da PEC da bandidagem. Lembrando que foram ao todo 14 parlamentares do PT (13 homens e uma mulher) que colocaram suas digitais em algum trecho da PEC da bandidagem.

As manifestações foram poderosas em todo o país, entre outros motivos porque a militância petista e as direções locais se engajaram na mobilização. Mas é preciso dizer explicitamente: nem todo mundo cumpriu seu dever. Destacamos o bom exemplo da governadora Fátima Bezerra, do Rio Grande do Norte, que esteve pessoalmente nas manifestações. E destacamos, em sentido oposto, a postura da Comissão Executiva Nacional do PT, que conseguiu o prodígio de fazer duas reuniões (uma delas presencial) sem conseguir aprovar e divulgar uma resolução a respeito do tema.

A postura da Executiva Nacional tem uma óbvia explicação: setores da direção apoiaram ou pelo menos foram cúmplices passivos da atitude dos parlamentares que votaram favoravelmente à PEC da bandidagem. Não são maioria na Executiva Nacional do PT, mas ocupam cargos estratégicos e têm força suficiente para bloquear a aprovação de uma resolução. Isto preocupa não pelo ocorreu no passado, mas pelo que precisa ser feito para vencermos no presente e no futuro.

A batalha contra a anistia para os golpistas, a luta pela pauta do povo, a vitória nas eleições de 2026 exigem uma tática de polarização. A tática do mal menor e dos acordos com a direita vai nos levar à derrota. Portanto, é imprescindível debater abertamente o ocorrido na votação da PEC da bandidagem para tentar evitar que o mesmo erro se repita.

A luta pelas liberdades democráticas — que inclui punição para os golpistas, mas também inclui impedir que o parlamento se transforme em refúgio de criminosos — não esgota a pauta do povo. Para a imensa maioria da população, a democracia só ganha sentido se estiver a serviço da defesa do fim da escala 6x1, da redução da jornada, de que os ricos paguem impostos, da redução dos juros, da ampliação dos recursos para as políticas públicas. Por isso, ao mesmo tempo que devemos comemorar o êxito das manifestações de 21 de setembro, devemos pressionar o governo para que mude o rumo da política econômica.

A Polícia Federal demonstrou os vínculos entre o PCC e a Faria Lima. Mas a verdade é bem pior: o conjunto do capital financeiro assalta cotidianamente o povo brasileiro. O Banco Central comandado por Galípolo, ao manter uma taxa de juros de 15%, está a serviço de estrangular a economia, prejudicar o povo e nos derrotar nas eleições de 2026.

A tática da polarização está contribuindo para que Lula melhore nas pesquisas. Mas não devemos nos iludir. A eleição do próximo ano não será um passeio. Estão e estarão contra nós o governo Trump, a aliança entre o agro e o capital financeiro, as duas direitas, tudo junto e misturado. Venceremos se, entre inúmeras outras coisas, lembrarmos que colheremos nas urnas o que tivermos plantado nas ruas. Até porque não é com flores e negociatas que se combate o fascismo!

Os editores






O porco do dia (de ontem)

Ontem a esquerda foi às ruas, manifestar-se contra a PEC da bandidagem e contra a anistia para os golpistas.

As redes sociais da militância estão cheias de imagens a respeito.

Tem um caso genial, de um deputado petista que votou a favor da PEC da bandidagem. Na segunda-feira, dia 22 de setembro, o referido postou uma foto sua, de punho erguido, saudando as manifestações. Onde foi tirada a foto? Não sei, mas suspeito que não tenha sido nas manifestações...

Mas nada se compara a postagem feita, no dia de ontem, domingo 21 de setembro, por um dos vice-presidentes nacionais do Partido, o senhor Quaquá.

Vale dizer que Quaquá era contra as manifestações. 

No dia 19 de setembro, sexta-feira, Quaquá escreveu que “essa mobilização de domingo é um erro. Sobretudo porque não temos capacidade suficiente de mobilização”. 

Cerca de 48 horas depois, no domingo 21 de setembro de noite, Quaquá escreveu que “os atos foram fracos” e “fora da realidade do povo” e citando os “shows gratuitos”.

Uma avaliação que não deixa nada a dever, seja aos delírios de certa ultraesquerda, seja aos delírios de certa ultradireita.

E onde estava Quaquá no domingo 21 de setembro? 

Segundo entendi - mas espero estar errado - ele estava degustando, conforme se pode ver abaixo.

https://www.instagram.com/reel/DO3hSFcDVIR/?igsh=MXE1MDkwMmhnMnIzbg==

A cena toda me fez lembrar o poema que Bocage dedicou à variante bípede (a quadrúpede é bem mais legal) do sus scrofa domesticus (ver aqui: Poema: O Leão e o Porco - Manuel Bocage - Poesia / Poemas no Citador): 

Não há poder algum que mude a natureza

Um porco há-de ser porco, inda que o rei dos bichos, 

O faça cortesão pelos seus vãos caprichos.


domingo, 21 de setembro de 2025

Respondendo ao companheiro Josias: não dá para defender os 14

Acabo de receber um texto assinado pelo companheiro Josias Gomes, intitulado "A defesa dos 12: a PEC, a correlação de forças e a fragilidade do Congresso".

Para começo de conversa, lembro que não são 12, são 14. Afinal, o Valmir Assunção e o João Daniel ajudaram a garantir o voto secreto. 

Isto posto, quero começar concordando totalmente com Josias, no seguinte: "a esquerda deve continuar firme na luta contra a PEC da Anistia, contra a PEC da Blindagem e contra todas as iniciativas que representam retrocessos democráticos. Mas não pode desperdiçar energia em autofagia. O alvo precisa ser a extrema-direita — e não os próprios companheiros de luta".

Mas para que seja possível seguir adiante, há uma pergunta singela que deve ser respondida: os catorze (e quem mais pensa como eles) aprenderam a lição? Ou o ocorrido pode voltar a ocorrer, a qualquer momento?

Lendo o texto do companheiro Josias e a declaração por ele citada, atribuída à companheira Gleide, minha conclusão é que o ocorrido pode voltar a ocorrer. Motivo pelo qual se faz necessário, infelizmente, gastar tempo debatendo o que aconteceu.

Para dar um exemplo de que o ocorrido pode voltar a ocorrer, cito uma passagem do texto do Josias. 

Segundo Josias, o voto dos 12 (14) deputados estaria em "aparente contradição com a linha majoritária do partido e com a orientação clara da esquerda, liderada por Lula". Ou seja: o voto dos 12 parece contraditório, mas isso seria apenas uma aparência.

Josias nos convida a "olhar para além da superfície". 

Ou seja, quem critica a contradição entre a linha do Partido e o voto dos 12 (14) estaria incorrendo em superficialidade.

Segundo Josias, "o voto não foi motivado por conveniência pessoal ou por adesão às teses conservadoras. Ele nasceu de um ambiente de negociações tensas, em um cenário político no qual a correlação de forças no Congresso é profundamente desfavorável ao campo popular".

Sinceramente, por tudo que sei, não tenho a mesma certeza de que não exista absolutamente nenhuma conveniência pessoal ou adesão às teses conservadoras. 

Acho que alguns dos nossos se adaptaram demais ao modus vivendi do parlamento. 

Mas concordo com Josias que - havendo ou não outros motivos - a discussão de fundo é sobre qual deve ser nossa tática num ambiente hostil.

Sobre isto, Josias explica quem controla o Congresso e afirma que, nesse tabuleiro, "cada votação envolve táticas de sobrevivência". 

Exatamente neste ponto reside a divergência: nossa tática não pode ter como único parâmetro o que ocorre no Congresso, pois se fizermos isso, a batalha estará perdida de antemão. 

Nossa tática deve ter um olho no gato e outro no peixe, ou seja, deve levar em conta a necessidade de ter o melhor resultado positivo possível dentro do Congresso e, ao mesmo tempo, deve levar em conta a necessidade de contribuir para alterar a correlação de forças na sociedade e, assim, futuramente, alterar a correlação de forças no próprio Congresso.

Ademais, nossa tática deve levar em conta que a direita não é confiável e que, portanto, certos acordos são inócuos, prejudiciais, inúteis, desacumulam, pois em troca dos 12 (14) votos não ganhamos absolutamente nada em troca. E, como sabemos, o pior tipo de pragmatismo é aquele que não tem resultados.

Em boa medida foi isso o que ocorreu no caso das prerrogativas/anistia. 

Os 12 (14) parecem ter acreditado que votando na PEC das Prerrogativas, conteríamos ainda que parcialmente a tramitação da PEC da Anistia para golpistas. 

O resultado foi outro, diferente do supostamente pretendido: i/o Centrão não cumpriu sua parte do acordo e ii/comprometemos a imagem do Partido.

Resumindo: frente ao fato (a correlação de forças é ruim) não existe uma única tática (a que Josias chama de "sobrevivência"). 

E a tática que os 12 (14) adotaram foi, como a vida demonstrou, errada. Errada, entre outros motivos por ser diferente da tática que vínhamos adotando desde o episódio do IOF, tática que leva em crescente conta a necessidade de mobilizar a população. 

Não se trata, portanto, de uma "aparente" contradição. Se trata de uma contradição. A maioria (da bancada e do Partido) escolheu um caminho e os 12 (14) escolheram outro. Os 12 (14) poderiam estar certos? Em tese, poderiam. Mas a vida demonstrou muito rapidamente que estavam errados.

Josias dedica parte de seu texto a falar da fragilidade de Hugo Motta. Chega a dizer que ele é "um deputado sem densidade política, fraco como suco de raspa de gelo, tutelado pelos interesses mais atrasados do Parlamento", que falta “adulto na sala”, falta "liderança capaz de arbitrar, construir consensos e dar equilíbrio institucional".

Depois de ler tudo isso, me pergunto qual foi mesmo o motivo que levou a bancada do PT a votar neste cidadão para presidente da Câmara. Mas aí eu lembro não ser propriamente verdade que "falte liderança capaz de arbitrar". Essa liderança existe: Arthur Lira. E tem arbitrado contra nós, detalhe que os 12 (14) esqueceram ao acreditar num péssimo acordo.

Com base na tese de que existe um "vazio de comando", Josias afirma que "cada voto se transforma em um dilema: ou ceder parcialmente para impedir retrocessos ainda piores, ou assumir o risco de ser atropelado por uma maioria hostil". 

Pois bem: neste caso concreto, a vida demonstrou que teria sido melhor ser "atropelado" e travar a disputa na sociedade, do que "ceder parcialmente" em troca de absolutamente nada, atrapalhando nossa disputa na sociedade.

Mas esta escolha pressupõe acreditar mais na tática da mobilização social. Nem sempre é possível adotar esta tática; nem sempre ela tem êxito imediato, capaz de alterar a votação; mas existem situações (como esta das prerrogativas e da anistia) onde existe condição de mobilizar e onde a pressão popular pode ter êxito. 

Ademais, há questões onde é preferível perder a ceder. Este é o caso, precisamente, da PEC da bandidagem. Josias afirma que este nome é um apelido dado pela mídia. Não sei se o apelido veio daí. Mas considero que ele é adequado ao conteúdo, especialmente no item do voto secreto, que foi aprovado graças aos 8 votos de petistas. 

Não acho que caiba usar meias palavras nesse caso: nossos oito deputados foram decisivos para aprovar uma medida que, na atual situação, ajuda a proteger bandidos.

Por tudo isso, acho inadequado apresentar o voto dos 12 (14) como "gesto amargo". Claro, deve ser "amargo" ver as redes sociais inundadas de críticas, como aconteceu com todos os que votaram. E tenho certeza de que também é "amargo" ter que responder por qual motivo os deputados do nosso partido fizeram o que fizeram. 

Mas chamar de "gesto amargo" passa a impressão de que os 12 (14) se sacrificaram pelo bem comum. E não foi isso o que aconteceu.

O governo liberou. O Partido não recomendou o voto. A bancada mandou votar contra. Os 12 (14) fizeram o que fizeram porque quiseram. E de boas intenções o inferno está cheio. 

O importante mesmo é o seguinte: se a situação no Congresso é mesmo a descrita por Josias, se a intenção dos 12 (14) era mesmo "salvar pautas sociais prioritárias" e "manter canais de negociação abertos", se estes parlamentares acham que cabe a eles decidir seu próprio voto numa questão tão central, então qual a garantia de que não vão fazer de novo?

Na minha opinião, a preços de hoje, ao menos no caso dos que não reconheceram de público o erro, a garantia é nenhuma.

Josias reconhece que a "indignação da militância é legítima e necessária", mas a forma como ele defende o gesto dos 12 (14) contribui para que o problema não seja resolvido e que possa voltar a ocorrer.

Na minha opinião, passar o pano no gesto dos 12 (14) contribuiu para que, ao menos até agora, não tenha saído nenhuma nota da executiva nacional do PT convocando os atos de 21 de setembro e fechando questão no Senado.

Por fim, registro positivamente que Josias em nenhum momento atribui a postura dos 12 (14) a algum tipo de "orientação" que eles teriam recebido sabe-se lá de onde. Cá entre nós, todos estamos sujeitos a cometer erros. Mas nenhum de nós pode agir como o Homer Simpson, segundo o qual "a culpa é minha e eu coloco ela em quem eu quiser". 

No caso, a culpa é todinha dos 12 (14). Não do Partido, nem da bancada.


Segue abaixo o texto comentado

A defesa dos 12: a PEC, a correlação de forças e a fragilidade do Congresso

O episódio recente da votação da chamada PEC das Prerrogativas — apelidada pela mídia de PEC da Impunidade — gerou forte indignação popular, inclusive entre setores progressistas. Doze deputados do PT votaram favoravelmente, em aparente contradição com a linha majoritária do partido e com a orientação clara da esquerda, liderada por Lula.

Mas para compreender esse gesto, é preciso olhar para além da superfície. O voto não foi motivado por conveniência pessoal ou por adesão às teses conservadoras. Ele nasceu de um ambiente de negociações tensas, em um cenário político no qual a correlação de forças no Congresso é profundamente desfavorável ao campo popular.

O peso da correlação de forças

O Congresso atual é controlado por uma maioria sólida formada por PL, PP, União Brasil e Republicanos, partidos da extrema direita e da direita fisiológica. Essa maioria tem imposto sua pauta e, sobretudo, bloqueado avanços sociais. Projetos fundamentais como a isenção do Imposto de Renda até R$ 5 mil, a redução na conta de luz, a taxação das apostas e dos super-ricos e o novo Plano Nacional de Educação estão sendo sistematicamente travados.

Nesse tabuleiro, cada votação envolve táticas de sobrevivência. A aprovação da PEC das Prerrogativas foi apresentada como um mal menor diante da possibilidade ainda mais grave da tramitação da PEC da Anistia, que significaria blindar golpistas e legalizar retrocessos democráticos profundos.

A fragilidade da presidência da Câmara

O problema se agrava pela fragilidade da presidência da Câmara. Hoje, a cadeira é ocupada por Hugo Motta, um deputado sem densidade política, fraco como suco de raspa de gelo, tutelado pelos interesses mais atrasados do Parlamento. Falta “adulto na sala”. Falta liderança capaz de arbitrar, construir consensos e dar equilíbrio institucional.

Essa fraqueza permite que a agenda seja sequestrada pela extrema-direita, que pauta o que deseja e sufoca os projetos de interesse do povo. Nesse vazio de comando, cada voto se transforma em um dilema: ou ceder parcialmente para impedir retrocessos ainda piores, ou assumir o risco de ser atropelado por uma maioria hostil.

O gesto amargo dos 12

Foi nesse contexto que se deu o voto dos 12 deputados do PT. Um gesto amargo, como definiu Gleide Andrade, tesoureira nacional do partido. Deputados como Odair Cunha e Jilmar Tatto reconheceram que a escolha foi dolorosa, mas orientada pela tentativa de salvar pautas sociais prioritárias. Merlong Solano, do Piauí, foi além: pediu desculpas públicas e admitiu o erro, mas explicou que sua intenção era manter canais de negociação abertos — ainda que em terreno minado pela extrema-direita.

Não se trata de romper com os princípios históricos do PT, mas de enfrentar o dilema entre dois retrocessos possíveis. Foi uma tática que não deu certo, mas que deve ser analisada dentro do quadro de forças desproporcional que caracteriza o Congresso de hoje.

Quem é o verdadeiro inimigo?

A indignação da militância é legítima e necessária. Mas é preciso cuidado: transformar essa indignação em ataques internos apenas fragiliza o campo progressista. A direita e a extrema-direita já se aproveitam desse episódio para posar de guardiãs da moralidade — justo elas, com históricos marcados por corrupção, conluio com o crime organizado e vínculos escusos com a Faria Lima e esquemas criminosos.

Os verdadeiros inimigos não são os 12 deputados do PT. São os que querem anistiar golpistas, blindar corruptos e desmontar a democracia brasileira.

Conclusão: unidade e maturidade política

O episódio mostra o tamanho do desafio: governar com uma maioria hostil, uma presidência da Câmara frágil e uma oposição radicalizada. Isso exige maturidade política e clareza estratégica.

A esquerda deve continuar firme na luta contra a PEC da Anistia, contra a PEC da Blindagem e contra todas as iniciativas que representam retrocessos democráticos. Mas não pode desperdiçar energia em autofagia. O alvo precisa ser a extrema-direita — e não os próprios companheiros de luta.

O gesto dos 12 deve ser visto pelo que foi: uma tática, amarga e frustrada, mas que nasceu do esforço de evitar um mal maior. O momento exige unidade, porque a disputa real não é entre nós. É contra uma direita que quer transformar o Congresso em bunker de impunidade e bloquear qualquer avanço popular.

Josias Gomes, militante do PT e Deputado Federal.

Tentando explicar o inaceitável



Domingo, 21 de setembro de 2026, no Brasil inteiro haverá grandes manifestações condenando duas decisões recentes da maioria da Câmara dos Deputados: a PEC da bandidagem (oficialmente conhecida como "das prerrogativas") e a urgência para a tramitação da anistia para golpistas (que três golpistas célebres querem denominar como "dosimetria").

Os petistas vão participar destas manifestações, mas carregando um visível incômodo: doze parlamentares petistas votaram a favor da PEC da bandidagem e oito parlamentares petistas viabilizaram a aprovação do voto secreto.

Destaco este "detalhe": sem o voto deste oito parlamentares petistas, não teria sido aprovado o voto secreto. E neste caso o voto secreto serve para proteger interesses escusos. Os oito são: Alfredinho (PT-SP), Dilvanda Fato (PT-PA), Jilmar Tatto (PT-SP), João Daniel (PT-SE), Kiko Celeguim (PT-SP), Odair Cunha (PT-MG), Paulo Guedes (PT-MG) e Valmir Assunção (PT-BA).

Se o Partido tivesse uma corregedoria (proposta apresentada mas derrotada quando da discussão do atual código de ética do Partido), todos doze mas particularmente estes oito deveriam dar explicações. 

Aliás, grande número de petistas têm se manifestado publicamente, especialmente nas redes sociais dos doze, pedindo comissão de ética, renúncia e expulsão dos parlamentares que disseram sim à PEC da bandidagem.

Mas afinal, o que ocorreu?

Há três versões correndo o trecho, tentando explicar o inaceitável.

Uma delas menciona causas impublicáveis. Aliás, foi como vacina contra isto que Kiko Celeguim se apressou a explicar que não tem nenhum processo contra ele e por isso não tinha nenhum interesse particular na tal PEC.

Outra versão refere-se a uma tentativa de acordo: em troca do voto dos petistas, o Centrão voltaria atrás na anistia para golpistas (e, de quebra, quem sabe, votaria na pauta do povo). Um dos que utilizou este argumento foi Jilmar Tatto, como se pode ver aqui: 


Esse argumento é da ordem dos efemerópteros, pois como se viu logo depois o Centrão contribuiu para aprovar a urgência para a Anistia. A coisa foi tão constrangedora que Kiko Celeguim publicou em suas redes um mea culpa, que pode ser lida aqui:  


A terceira tentativa de explicar o voto dos doze foi a de que eles teriam recebido uma "orientação". Chega-se a insinuar que os doze é que teriam agido de forma partidária, enquanto os demais teriam se acovardado e faltado com seu dever.

Essa explicação, como é óbvio, cai como uma luva para quem deseja desgastar o Partido, assim como para os petistas que estão cansados de dar murro em ponta de faca. Mas essa explicação é, falemos com todas as letras, mentirosa.

A direção do Partido não orientou os parlamentares a votar na PEC da bandidagem.

A bancada orientou os parlamentares a votar contra a PEC da bandidagem.

O governo liberou sua base. Liberar é: votem como suas bancadas e seus partidos quiserem.

E Lula disse publicamente que se fosse parlamentar teria votado contra, que teria orientado fechar questão e que se tivesse a possibilidade, vetaria a tal PEC.

Portanto, de quem os doze teriam recebido tal "orientação" para votar a favor??

Meu palpite é o seguinte: um setor do partido e da bancada (não sei dizer se também do governo) vinha atuando a favor do tal acordo com o Centrão. Não propuseram que o Partido avalizasse, talvez por saber que perderiam a votação na executiva nacional do Partido. O máximo que conseguiram foi obstruir que a executiva nacional do PT soltasse uma resolução (aliás, a executiva nacional do Partido fez duas reuniões durante a semana, debateu duas notas e nenhuma delas foi votada e divulgada). Mas o fato de não ter uma resolução não permite a ninguém dizer que teria votado segundo a orientação do Partido.

Em seguida os defensores do tal acordo com o Centrão perderam o debate na bancada. A bancada orientou voto contrário à PEC. Mesmo assim os doze deram prosseguimento ao tal acordo. Oito fizeram ainda pior: entregaram os votos necessários para aprovar o voto secreto. 

Mas, como era previsível, o Centrão votou na urgência para a anistia aos golpistas. Frente à reação ampla, geral e irrestrita contra o que fizeram, os doze tentam reduzir dano. Alguns votaram a primeira vez, pediram desculpas e não votaram a segunda; outros votaram duas e até três vezes, depois fizeram autocrítica; e outros atribuem o voto à "orientação" recebida, quem sabe, das vozes do nevoeiro de Saramago*.

Que eles tentem se defender, previsível. Mas a versão da "orientação" vale tanto quanto as promessas do Centrão.

Ademais, convenhamos: mesmo que existisse uma "orientação", mesmo que essa orientação tivesse sido dada por uma instância com autoridade para tal, ainda sim quem votou de forma tão inaceitável deve assumir a responsabilidade pelo que fez e não ficar terceirizando.

Último comentário: no fundo do voto dos doze, está a teoria de que é melhor um péssimo acordo do que uma boa disputa. Este teoria produziu muitos efeitos deletérios. Um deles não pode passar desapercebido: a taxa de juros e seus efeitos sobre a economia. Ou enfrentamos isso ou a coisa vai se complicar rapidamente.



*para quem não lembra, está aqui:  Parece-me claro e óbvio que não tens culpa, e, quanto ao temor de que te atirem com as responsabilidades, responderás que o Diabo, sendo mentira, nunca poderia criar a verdade que Deus é, Mas então, perguntou Pastor, QUEM VAI CRIAR O DEUS INIMIGO. JESUS NÃO SABIA RESPONDER, Deus, se calado estava, calado ficou, porém do nevoeiro desceu uma voz que disse,Talvez este Deus e o que há-de vir não sejam mais do que heterónimos, De quem, de quê, perguntou, curiosa, outra voz, De Pessoa, foi o que se percebeu, mas também podia ter sido, Da Pessoa. JESUS, DEUS E O DIABO começaram por fazer de conta que não tinham ouvido, mas logo a seguir entreolharam -se com susto, o medo comum é assim, une facilmente as diferenças. E o trecho inteiro pode ser lido aqui:









 

sexta-feira, 19 de setembro de 2025

Duas táticas a favor e contra a Anistia

Convivem e conflitam na direita duas táticas.

Uma parte da direita quer uma anistia ampla, geral e irrestrita

Outra parte da direita quer uma anistia light, apelidada de dosimetria.

Se prevalecer a anistia ampla, o cavernícola participará hiperativamente das eleições presidenciais de 2026 e uma parte da direita poderá se ver obrigada a (novamente) apoiar Lula.

Se prevalecer a anistia light, no pleito de 2026 o cavernícola, assim como grande parte da direita, tenderá a se unir em torno de Tarcísio, que já prometeu - se vitorioso -indultar Bolsonaro.

Os dois cenários são perigosos e, por caminhos e em prazos diferentes, podem dar nos mesmos resultados.

Frente a esta situaçãoconvivem e conflitam na esquerda duas táticas.

Uma parte da esquerda se opõe a fazer acordos que signifiquem alívio para os golpistas.

Outra parte da esquerda admite acordoscom o objetivo de evitar o que considera o mal maior.

Qual destas táticas é a mais adequada

Essa pergunta só poderá ser respondida com absoluta certeza depois que a batalha tiver terminado. 

Mas com base no que vivemos nos últimos anos e com base no que sabemos hojeconsideramos que a tática do acordo é desastrosa para quem pretende vencer as eleições presidenciais de 2026 e, além disso, deseja ampliar a presença da esquerda no próximo congresso nacional.

Em primeiro lugar, a votação da urgência para a anistia aos golpistas demonstrou que a direita tem maioria para aprovar o que quiser. Mas a direita só tem maioria caso esteja unificada. Caso a direita esteja dividida, pode não aprovar nada. Sendo assim, não há motivo para que a esquerda seja fiel da balança.

Em segundo lugar, tudo indica que prevalece na direita a tese da “anistia light como parte da operação Tarcísio. Portanto, quem defende a tática do acordo está se propondo a ser a quinta roda do carro.

Em terceiro lugar, a tática do acordo desperdiça uma grande oportunidade. Nos últimos meses, a posição da maioria de direita do Congresso nacional ajudou a explicitar por quais motivos é necessário eleger mais parlamentares de esquerda. Mas se nossos parlamentares votarem na mesma posição da direita, teremos dificuldade para denunciar resultado e ainda confundiremos nossa base (vide o ocorrido no caso da PEC das prerrogativas).

Por último, mas mais importanteem questões de princípio não é recomendável adotar a tática do acordoJá sabemos no que deu anistiar os crimes da ditadura. Anistiar os crimes dos golpistas, mesmo que sob o disfarce da dosimetriavai estimular novos golpes. Que a direita faça isso, é compreensível. Que nós façamos isso, seria uma demonstração de que não aprendemos nada.

Como parece óbvio, a tática do acordo não é muito compatível com a mobilizaçãoJá a outra tática pressupõe e depende da mobilização, seja para tentar derrotar a direita no Congresso, seja para acumular forças na sociedade para derrotar a direita fora do Congresso e nas próximas eleições.

Não há novidade no fato de existirem divergências dentro do PT, mesmo que tenha acabado de ocorrer a eleição da nova direção partidária. O curioso é que a atual divergência seja particularmente aguda dentro do grupo que venceu as eleições internas. O que demonstra mais um defeito da “tática do acordo”. Mas isso já é outro assunto.

quinta-feira, 18 de setembro de 2025

Os 8 integrantes do "Centrãozinho" infiltrado no PT

Mais escandaloso do que doze petistas votarem na PEC das prerrogativas é o fato de oito petistas terem ajudado a aprovar o voto secreto.

Para quem não sabe, o voto secreto foi inicialmente derrubado, mas depois foi restaurado numa manobra dirigida diretamente por Hugo Motta (aquele que era tido como confiável por alguns).

Os doze petistas que votaram na PEC agiram de forma inaceitável, mas seu voto não decidiu o resulado final.

Já os oito votos de petistas foram decisivos para aprovar "o voto secreto nas votações para abertura de processos criminais".

Para que o voto secreto fosse aprovado, eram necessários 308 votos.

A proposta passou por 314 votos contra 168.

Se os oito petistas não tivessem votado a favor, a proposta teria recebido 314 menos 8 igual a 306 votos e não teria sido aprovada.

Detalhe curioso: dos 8 petistas, 6 eram parte dos 12 que haviam votado originalmente na PEC.

Aqui está a lista dos 12.


Mas destes 12, metade se arrependeu. Outros seis persistiram. E dois outros se juntaram à empreitada. Aqui está a lista dos 8.



Repito um detalhe importante: para ser aprovado o voto secreto, eram necessários 308 votos. Se os 8 petistas não tivessem votado a favor, a proposta teria recebido 306 votos e teria sido rejeitada. 

E se ao invés de 8, tivessem sido apenas 6 votos, a proposta teria recebido 308 votos e portanto ficaria no limite. Os dois votos a mais foram, portanto, cirurgicamente calculados.

Cabe a Valmir Assunção e João Daniel explicar por quais motivos vieram em socorro do voto secreto, que é um aspecto especialmente absurdo da PEC das prerrogativas. 

Mas olhando a operação de conjunto, a precisão cirúrgica não dá margem à dúvida: existe dentro do PT um "Centrãozinho".