quinta-feira, 27 de setembro de 2018

“Um problemão para Haddad”


Este é título de um texto que acabo de receber, enviado por um colega de trabalho.

O texto é assinado por Pierro Leirner, “antropólogo, Doutor pela USP, Professor da UFSCar.

Assustador.

Primeiro o autor compra como verdadeira a tese de que a “banca” estaria migrando “pro ex-dono da lojinha da 25 de março”.

Segundo, o autor acredita que “Haddad tem tudo para ganhar com um 60/40” (o que é possível, mas está longe de estar garantido) e que seu maior problema será “o que fazer com esse monte de militares que já estão fechados”.

Claro, como o autor acredita que a “banca” já está migrando, então o maior problema passa a ser o militar. Na prática, enquanto debatemos o que fazer com os militares, a “banca” opera livremente.

Terceiro, o autor afirma que “o comando deixou livre a campanha do Bolso correr entre os jovens oficiais”. A afirmação correta seria: o comando “migrou” para Bolsonaro e está trabalhando para que o conjunto da tropa faça o mesmo.

Portanto, ao contrário do que diz o autor, nosso maior problema não é a “ter a baixa oficialidade, lá, junta com os sargentos, pilhada”, nosso problema são os comandantes. Não apenas “vários oficiais intermediários e superiores”, não apenas “dois oficiais da reserva”, mas a maioria do alto comando das forças armadas.

Quarto, o autor diz que “1964 não teria ocorrido do jeito que ocorreu se Jango não tivesse se dirigido aos sargentos. Teria acontecido algo diferente, mas não aquilo. Conversei com pelo menos 3 ex-generais que se reformaram na década de 1980 que sabiam muito do que se passou, e todos me disseram isso”.

Com fontes assim, que obviamente querem por a culpa no Jango e achar uma justificativa bem “weberiana”, como é mesmo que seria possível chegar a outra conclusão???

Feita esta introdução, o autor passa a apresentar sugestões para Fernando Haddad.

A primeira sugestão é procurar “os comandos das 3 Forças desde já. Garanta que você vai OUVIR o que eles têm a dizer. Lembra aquela história de que a Dilma não ouvia os empresários? pois é, segundo soube, não eram só eles que se sentiam “não escutados”.”

Ou seja, empresários e comandantes (e sindicalistas, estudantes etc.) são tratados como se fossem a mesma coisa. Esquecendo algo óbvio: quem receber o direito de exercer o monopólio da violência em nome do Estado não pode chantagear este mesmo Estado, usando as armas recebidas com este fim. Aceitar a proposta feita por Leirner é desistir do princípio da submissão total do militar ao poder civil.

A segunda sugestão é garantir “a eles que essa história de Comissão da Verdade não vai para frente. Já eu te garanto que foi isso que produziu essa galvanização das FFAA em torno de Bolso. Deixe que o MP e o judiciário cuidem disso, é até bom, pois aí você reestabelece as FFAA como fator dissuasório para as barbaridades que os “fora da caixinha” vão querer continuar a fazer.”

Ou seja, o que nunca foi para a frente, vai continuar no mesmo lugar. Nada de justiça, nada de reparação (pois alguém acredita que o MP e o judiciário vão “cuidar disso”?). Ficando a pergunta: o que ganhamos com isso, senão forças armadas que não tem respeito pela democracia, pelo poder civil, pelos direitos humanos e que, portanto, vão agir ou se deixar usar por quem queira agredir as liberdades democráticas??

Junto desta sugestão vem um comentário típico de quem não conhece o PT: “isso vai desagradar gente de dentro? Claro que sim. Mas é isso aí, é melhor você rifar a turma do jurídico-PT que cercava a Dilma do que rifar mais ainda as FFAA. Você vai precisar delas se quiser botar Lula do seu lado e garantir apoio popular.”

No partido que eu conheço, na história que eu vivi, a turma do “jurídico-PT” nunca quis rifar as FFAA. Pelo contrário, no fundamental se submeteu do mesmíssimo jeito que Leirner propõe que façamos de novo.

Leirner fala também da entrevista de um general a Lo Prete. Sobre isso, recomendo ler o seguinte texto: https://operamundi.uol.com.br/analise/53474/a-blitzkrieg-golpista-do-general-rocha-paiva-na-tela-da-globonews

A terceira sugestão é aproveitar e dizer que “o “Documento de Conjuntura” do Rui Falcão é um equívoco, que eles podem ter certeza que você não vai nem mexer nas promoções, nem nos currículos. Imagine o Exército colocando uma cláusula de “patriotismo” para determinar as pontuações de concurso para docente em Universidades Federais. Você não gostaria disso, certo?”

O texto não é do Falcão, é uma resolução do Diretório Nacional do PT. E comparar o currículo das escolas militares com o currículo das universidades públicas é, novamente, confundir alhos com bugalhos. Leirner não entendeu, até agora, que ao receberem o direito de portar armas em nome do Estado, os militares devem estar subordinados estritamente ao poder civil.

A quarta sugestão é oferecer “ a pasta de defesa a um Almirante. Idem para o GSI, coloque alguém ou da Aeronáutica ou da Marinha. Nada de Aldo Rebelo, nem de congressista. Se botar político, aí já era.”

Ou seja, assume-se a tese – que não vale na maioria dos países que sabem fazer e vencer guerras—que a guerra é um assunto sério demais para ser tratado por civis. Que são os generais que entendem disso.

A quinta sugestão é aumentar “o número de Brigadas (e o equivalente nas outras Forças)”, não porque o país precise, mas porque isso vai aumentar o número de cargos, facilitar promoções etc.

O professor acha fazendo isso”fica bem mais difícil qualquer tentativa de sabotagem a um projeto de “reconquista da Petrobras”. Olha que bacana, as coisas voltam um pouco aos seus lugares.”

O cidadão não sabe, mas está arrombando porta aberta: achar que aumentar as verbas era a melhor maneira de conquistar corações e mentes dos militares foi um erro cometido pela esquerda em governos recentes.

A última sugestão é demonstrar “apreço” pela tradição e “decorar a hierarquia”.

O professor acha que “convencer a massa de militares que aderiu ao bolsonarismo a voltar para a caserna vai ser difícil, mas negociar isso com generais e daí a ordem ir para baixo é plausível. E, por mais que se tenha os militares no vértice oposto do espectro ideológico, é bem melhor ter eles ao lado, que afinal vivem sob uma cadeia de comando que tem que estar unida, do que ceder isso e ter que apostar em procuradores e juízes que atiram por conta própria”.

O que o professor não entende é exatamente que, depois de fazer todas estas concessões, os militares vão entender, muito corretamente, que são eles que mandam.

E se é assim, para que mesmo eleger um presidente civil? E de um partido de esquerda?

O medo e a covardia não são bons conselheiros.



A INTEGRA DO TEXTO COMENTADO
(IV). COMO EVITAR O GOLPE MILITAR JÁ DEPOIS DO CARNAVAL
Para não dizerem que o Duplo Expresso torce pelo fracasso de Haddad…
Um problemão para Haddad, por Piero Leirner
(antropólogo, Doutor pela USP, Professor da UFSCar)
A essas alturas tudo indica que aquilo que estávamos falando há duas ou três semanas (certo, Romulus?), está em curso: a banca desistiu do Bolso, e está migrando pro ex-dono da lojinha da 25 de março (bom sinal, sabe negociar). Não vamos nos iludir: a ordem veio de fora, como sempre, e precisou ser explicitada pela The Economist, NYT, etc. Claro que ainda se espera céu de brigadeiro, com Alckmin chegando lá. E, claro de novo, como sempre, esqueceram de combinar com os eleitores. Mas evidentemente os sinais estão aí, para quem quer ver. Como bem me mostrou a Renata Moreira, a Época já decretou o #elenão. Grupo Globo assumiu. Tive ontem que superar minhas resistências, e participei do que seria a sessão de tortura da Globonews pós-Ibope. Nada de surpresas, nenhuma conversa de que a eleição está polarizando nos “extremos”. O script do FHC bateu e voltou, não teve efeito. E, como bem lembrou o Romulus hoje, a PF acabou de jogar panos quentes na facada. A mesma PF que até anteontem fazia tiro ao alvo em foto da Dilma, de repente virou o arauto do legalismo?
Vamos dizer que a coisa continue como está, sem Alckmin decolar. Haddad tem tudo para ganhar com um 60/40. Ele só vai ter, entre outros, um problema. Mas será maior que os outros. O que fazer com esse monte de militares que já estão fechados? Deixe-me colocar alguns pontos, para a gente pensar.
O primeiro problema é que as ideias na corporação militar não correm na mesma velocidade que as mudanças de vento nas eleições. É certo que muita gente lá dentro (tô mais pensando em Exército, acho que Aeronáutica é mais tranquila e Marinha mais ainda) apoia Bolsonaro, e há alguns que não. Já se falou isso em várias entrevistas por aí com militares DA ATIVA. Fora isso, tem essa história que tô falando há tempos, de que o comando deixou livre a campanha do Bolso correr entre os jovens oficiais. Pelo menos desde 2014 ele é presença constante na AMAN, então não duvido que agora tenha um bando de tenentes bolsonaristas. É uma bomba-relógio, qualquer um sabe que a pior coisa para a tropa é ter a baixa oficialidade, lá, junta com os sargentos, pilhada. Então temos 3 problemas aqui:
1) Jovens tenentes com disposição para a quartelada;
2) Vários oficiais intermediários e superiores com disposição para engrossar esse caldo;
3) Dois oficiais da reserva com muita liderança e diretamente ligados ao perdedor, que são Heleno e Mourão.
Se há algo que apavora as FFAA mais do que qualquer outra coisa, é uma ruptura em suas fileiras. Podem escrever: 1964 não teria ocorrido do jeito que ocorreu se Jango não tivesse se dirigido aos sargentos. Teria acontecido algo diferente, mas não aquilo. Conversei com pelo menos 3 ex-generais que se reformaram na década de 1980 que sabiam muito do que se passou, e todos me disseram isso. Mas vamos lá. Vamos acreditar que esse “extended play” do Villas-Boas é um recurso hercúleo para manter a unidade desde já. Isso aguenta com Haddad? Sinceramente, acho que sem uma “defesa mínima não-provocativa” por parte do novo Presidente, ele não dura 1 ano. Então vai aí minha dica:
Prezado Haddad, algumas sugestões para você:
– Procure os comandos das 3 Forças desde já. Garanta que você vai OUVIR o que eles têm a dizer. Lembra aquela história de que a Dilma não ouvia os empresários? pois é, segundo soube, não eram só eles que se sentiam “não escutados”.
– Garanta a eles que essa história de Comissão da Verdade não vai para frente. Já eu te garanto que foi isso que produziu essa galvanização das FFAA em torno de Bolso. Deixe que o MP e o judiciário cuidem disso, é até bom, pois aí você reestabelece as FFAA como fator dissuasório para as barbaridades que os “fora da caixinha” vão querer continuar a fazer.
– isso vai desagradar gente de dentro? Claro que sim. Mas é isso aí, é melhor você rifar a turma do jurídico-PT que cercava a Dilma do que rifar mais ainda as FFAA. Você vai precisar delas se quiser botar Lula do seu lado e garantir apoio popular. Lembre-se do que aquele General falou lá na Lo Prete: “o problema não está em Lula e Haddad, que estão aqui em cima [fez o gesto com a mão]; o problema são os outros do PT…”. Ele falou uma bobagem lá de gramscianismo (isso é outra história), mas pode ter certeza que essa visão se formou com os anos de experiência que militares tiveram junto à Dilma no palácio do Planalto. Foi, para dizer o mínimo, desastrosa.
– Aproveite e diga que o “Documento de Conjuntura” do Rui Falcão é um equívoco, que eles podem ter certeza que você não vai nem mexer nas promoções, nem nos currículos. Imagine o Exército colocando uma cláusula de “patriotismo” para determinar as pontuações de concurso para docente em Universidades Federais. Você não gostaria disso, certo?
– É muito chato isso, mas você vai ter que dar um jeito de dizer: “Dilma lá, eu aqui”. Acho que até vale uma barganha, vantajosa para todo mundo: “Que tal Dilma lá, eu e Lula aqui?”. Acho que funciona hein…
– Como gesto de boa vontade, ofereça a pasta de defesa a um Almirante. Idem para o GSI, coloque alguém ou da Aeronáutica ou da Marinha. Nada de Aldo Rebelo, nem de congressista. Se botar político, aí já era.
– O grande problema da carreira dos oficiais é o posto de coronel. Quando o sujeito chega lá, entra automaticamente numa angústia absurda. Eles sabem que o funil para general é barra pesada, e é uma roleta. Ninguém tem certeza se vai ser promovido (muitos sabem que não vão, mas tem um monte que acha que vai e acaba não indo). Qual seria a melhor coisa a se fazer? Aumente o número de Brigadas (e o equivalente nas outras Forças). Tá precisando mesmo de umas em região de fronteira.
– É claro que isso aumenta o gasto. Que tal então falar que vai reaver um projeto de tributação do pré-sal, e que uma porcentagem disso vai para a defesa? Te garanto que aí fica bem mais difícil qualquer tentativa de sabotagem a um projeto de “reconquista da Petrobras”. Olha que bacana, as coisas voltam um pouco aos seus lugares.
– Finalmente, se tem uma coisa que eles detestam é que se mexa nas “tradições”. É uma coisa maluca, mas às vezes, quando ia visitar alguma unidade, eles preferiam muito mais falar do orgulho que tinham da galeria de ex-Comandantes, da biblioteca, dos quadros, do Refeitório (“rancho”), do que do tanque, da arma, etc. Talvez porque achavam que eu era professor e ia se interessar mais por isso, mas também vi esse protocolo ser aplicado para visitas de oficiais estrangeiros. Seja como for, demonstre algum apreço por isso, e decore a hierarquia batendo o olho no ombro do sujeito. Outra coisa que os caras detestam é ver capitão sendo chamado de “coronel”.
Enfim, vai ser uma dureza fazer esse monte de concessões, sabemos. No entanto, será melhor do que continuar a política de Dilma para os militares como forma de fazer concessão ao PT-jurídico achando que tá batendo no Bolso como se fosse cachorro morto. Isso não vai funcionar. Aliás acho bem melhor ter Lula e o pré-sal (ou o que restou dele) de volta do que continuar insistindo nos elementos que causaram essa alergia toda. Convencer a massa de militares que aderiu ao bolsonarismo a voltar para a caserna vai ser difícil, mas negociar isso com generais e daí a ordem ir para baixo é plausível. E, por mais que se tenha os militares no vértice oposto do espectro ideológico, é bem melhor ter eles ao lado, que afinal vivem sob uma cadeia de comando que tem que estar unida, do que ceder isso e ter que apostar em procuradores e juízes que atiram por conta própria.


terça-feira, 18 de setembro de 2018

Duas táticas contra o fascismo

Até o dia 11 de setembro, as pesquisas de opinião mostravam uma disputa entre Lula e Bolsonaro.

De 12 até 17 de setembro, ocorrem dois fatos marcantes.

O primeiro deles é a transferência de votos, de Lula em favor de Haddad.

Em todas as pesquisas Haddad aparece em segundo lugar.

Se não ocorrer nenhum fato novo, se a transferência de votos de Lula para Haddad continuar no mesmo ritmo, se não cometermos nenhum erro grave, é possível que no dia 6 de outubro Haddad chegue emparelhado ou até em primeiro lugar.

O segundo fato marcante é a consolidação do eleitorado de Bolsonaro.

Se não ocorrer nenhum fato novo, se a decadência das demais candidaturas golpistas continuar no mesmo ritmo, se Bolsonaro não cometer nenhum erro grave, o mais provável é que no dia 6 de outubro ele esteja no segundo turno.

Portanto, a tendência  atual é que o segundo turno seja Bolsonaro versus Haddad.

E num segundo turno entre Bolsonaro e Haddad, a tendência é que o petista seja vitorioso.

O que seria uma catástrofe para o conjunto dos golpistas. Pois seu problema não é com Lula, seu problema é com o PT e com a esquerda.

O que os golpistas podem fazer para evitar isto?

No que diz respeito às alternativas eleitorais (pois um setor do golpismo considera alternativas não eleitorais), há três possibilidades fundamentais:

a) tirar Bolsonaro do segundo turno e colocar um golpista mais palatável, o que a esta altura do campeonato suporia algum tipo de "conspiração";

a) apoiar Bolsonaro com tudo, negociando salvaguardas como a autonomia do Banco Central e o parlamentarismo;

b) fazer operações extraordinárias para tentar impedir que Haddad e o PT cheguem ao segundo turno.

Há sinais de que diferentes setores do golpismo estão engajados em cada uma destas alternativas.

A terceira alternativa (tirar Haddad do segundo turno) passa, na prática, por ajudar Ciro Gomes.

Isto não é o sonho dourado dos golpistas. Mas, lembremos: o problema principal deles é com aquilo que o petismo representa.

Até o momento Haddad vem crescendo e abrindo distância em relação a Ciro. Mas para que isto continue assim, não podemos pensar nem agir como se Haddad já estivesse no segundo turno e, portanto, como se já tivéssemos cumprido a tarefa de ganhar e consolidar o eleitorado popular lulista.

Tampouco podemos aceitar a linha de ir ao centro, para conquistar o eleitorado de centro, para assim derrotar o fascismo.

Embalados pelo raciocínio acima descrito, alguns setores defendem que a "defesa da democracia" é o aspecto central da campanha, nos cabendo a) estender a mão para os "setores-golpistas-porém-democráticos" e b) mandar sinais para os "mercados" de que é o bicho não é tão feio assim.

O principal problema do raciocínio e das ações acima descritas, é que elas nos colocam numa "camisa de sete varas".

Afinal, ao admitir que é preciso ir ao centro para derrotar a extrema direita, aqueles setores facilitam a vida de quem está tentando convencer o eleitorado de que o PT não é a melhor alternativa para quem deseja derrotar o fascismo.

A tentativa de convencimento envolve o seguinte discurso: "se o PT for ao segundo turno, o antipetismo pode dar a vitória para Bolsonaro. E se o PT ganhar o segundo turno, os bolsonaristas vão dizer que é fraude e os militares podem dar um golpe. Logo, para evitar que as coisas fiquem piores do que estão, seria melhor colocar no segundo turno um antigolpista que não seja do PT".

Lembremos que, em 1989, algo parecido foi proposto por Brizola a Lula: que ambos renunciassem, apoiando o quarto colocado, que teria supostamente mais chances contra Collor. O quarto colocado era Mário Covas, do PSDB.

Claro, para que o discurso acima tenha alguma credibilidade, é preciso que Haddad pare de crescer e é preciso que Ciro comece a crescer.

Acontece que as ações destinadas a ir ao centro para derrotar a extrema direita, podem efetivamente atrapalhar a transferência de votos de Lula para Haddad e podem, também, contribuir para o crescimento de Ciro.

O problema não está, evidentemente, em enfatizar a democracia. O problema está em nos associarmos aos políticos tradicionais, permitindo que outros capitalizem o repúdio à política tradicional. O problema está em falar para os setores médios e deixar de falar para os setores populares. O problema está em achar que é preciso acenar para os mercados e, em nome disso, não garantir para o povo que vamos dar um "cavalo de pau" naquilo que os golpistas fizeram. O problema está em dissociar a democracia da luta contra o neoliberalismo.

Por exemplo: é certo atacar Bolsonaro por ser de extrema-direita, mas não devemos esquecer de falar do programa econômico-social de Bolsonaro.

Que fala que votaria em Alckmin, se Alckmin estivesse no segundo turno, apenas para derrotar Bolsonaro, não está contribuindo para derrotar Bolsonaro.

Pois se a disputa deixar de ser “golpistas versus não golpistas”, se cair no esquecimento a disputa “neoliberais versus antineoliberais”, se a disputa passar a ser “Bolsonaro contra o resto do mundo da política”, isto ajudaria Bolsonaro. E ajudaria a limpar a barra do resto do golpismo.

Os golpistas estão fazendo outras operações para reduzir a transferência de votos de Lula em direção a Haddad.

Por exemplo, impedir que se associe positivamente Lula com Haddad, especialmente junto aos setores populares, que serão os que vão decidir a parada.

As únicas associações permitidas/divulgadas serão aquelas que possam ser exploradas negativamente.

Nossa resposta deve ser: nunca esquecer nem minimizar o fator Lula.

Os golpistas também buscam impedir ou dificultar que falemos de nosso programa, tentando nos obrigar a debater a trilogia poste/prefeitura/corrupção.

Nossa resposta deve ser: 2018 não é o terceiro turno das eleições para prefeito, nem é uma batalha entre supostos corruptos e supostos não corruptos. 2018 é o momento de fazer vitoriosa a pauta do povo, nosso programa, nossas propostas de emergência.

O eleitorado petista e uma parte do eleitorado lulista já estão transferindo o voto e fariam isto para qualquer um que fosse indicado.

Mas outra parte do eleitorado lulista ainda está analisando/decidindo o que vai fazer e para conquistar esta parte precisamos, entre outras coisas, lembrar que não estamos no segundo turno.

E lembrar também, especialmente diante das recentes declarações de Bolsonaro e de generais, que se para nós “eleição sem Lula é fraude”, para eles "eleição com PT" é fraude.

O único jeito de derrotar isto é reconquistando o máximo de apoio popular. É radicalizando pela esquerda, colocando em pauta os temas de interesse do povo, que conseguiremos derrotar a extrema direita.


segunda-feira, 17 de setembro de 2018

Vinte (e cinco) anos não são nada


Nos dias 18 e 19 de setembro, em 1993, ocorreu no Instituto Cajamar (SP) uma reunião de militantes petistas. Ao final, foi aprovado um manifesto, cuja versão final ficou a cargo de Rogério Sottili, Waldemir Garreta e do autor destas linhas. Intitulado À militância do Partido dos Trabalhadores, era assinado da seguinte forma: “Seminário Nacional da Articulação de Esquerda”.

A seguir, os onze parágrafos do citado Manifesto.
O 8º Encontro Nacional do PT foi um marco fundamental para a esquerda brasileira, reafirmando as bases programáticas de um movimento democrático e popular que deverá levar Lula à Presidência da República.
Resgatando os valores mais caros da democracia petista, reafirmando nossos vínculos com o povo, ratificando que o PT não teme governar e implementar as mudanças necessárias para a construção de uma nova sociedade, o 8º encontro representou uma vitória da militância partidária, de todos aqueles que combateram pela afirmação dos princípios petistas, de  nossa estratégia democrática e popular e de nossos objetivos socialistas.
Como expressão da vitória da militância, elegeu-se uma direção e aprovaram-se resoluções comprometidas com um programa de transformações radicais na sociedade brasileira, com uma tática de campanha baseada na mobilização social e nas alianças programáticas. As mudanças no partido já fizeram sentir seus resultados na oposição a Itamar e, de uma maneira geral, na reanimação da militância partidária.
Agora, o maior desafio da nova direção nacional, das direções estaduais e do conjunto dos petistas é materializar, em todos os terrenos da ação partidária -- nas prefeituras, no parlamento, na comunicação, na vida orgânica, nos movimentos sociais --, as resoluções do 8º Encontro. Desafios que nós, que fomos signatários do manifesto “A hora da verdade” e que integramos a chapa Opção de Esquerda, assumimos como nosso compromisso.
É preciso superar as dificuldades do Partido em mobilizar-se mais amplamente, fora dos períodos eleitorais. É necessária uma ação mais ousada da direção nacional junto aos movimentos sociais, especialmente o sindical, sem o que as novas orientações partidárias não obterão a necessária repercussão.
É preciso responsabilizar o conjunto das personalidades partidárias no cumprimento das orientações coletivas, desestimulando a utilização da grande imprensa como plataforma de combate às resoluções democraticamente construídas.
É preciso envolver a base do partido na discussão do programa de governo, que deverá orientar-se pela lógica das transformações estruturais, e não pela lógica das chamadas políticas de estabilização.
É preciso garantir que -- em temas como a escolha de candidatos, a elaboração do programa de governo e a política de alianças para o primeiro turno – não prevaleça a lógica da chamada unidade da centro-esquerda, cuja fragilidade é evidenciada pela política cada vez mais conservadora adotada pelo PSDB.
Para enfrentar esta situação, inclusive para superar a atual crise financeira do Diretório Nacional, serão necessárias ações ousadas por parte da direção partidária. Ousadia que será tão mais eficaz quanto maior for a articulação mantida com as direções estaduais e municipais comprometidas com as resoluções do 8º Encontro.
Não cabem vacilações: ou o Partido defende suas resoluções, nos movimentos sociais e na luta institucional, nos debates programáticos do 9º Encontro, estimulando um movimento por reformas estruturais, garantindo a eleição de Lula presidente e o início das mudanças radicais na sociedade brasileira, ou voltarão a predominar na prática, as concepções derrotadas no último encontro nacional.
É com estes objetivos que nós -- dando continuidade ao legado de quem sempre defendeu o caráter estratégico do PT; de quem contribuiu na elaboração das resoluções democráticas e populares do 5º Encontro Nacional; de quem colaborou para a vitória do Partido, nas lutas políticas e sociais dos últimos 13 anos; de quem combateu contra a domesticação e o cupulismo que ameaçavam tomar conta do PT -- é com estes objetivos que nós atuaremos no Partido no próximo período.

Antes de aprovar esta certidão de nascimento, os futuros integrantes da Articulação de Esquerda tinham se agrupado ao redor de um texto intitulado oficialmente Manifesto aos petistas, mas que era mais conhecido como “manifesto A hora da Verdade” ou simplesmente “HV” (apelido inventado não se sabe exatamente por quem).

A seguir, a íntegra do Manifesto, cuja versão inicial foi redigida por Rui Falcão:
O PT, que vinha desenvolvendo, na teoria e na prática, um projeto de sociedade socialista democrática ajustada às condições concretas do Brasil, encontra-se hoje num impasse político e teórico: praticamente interrompeu seu processo de elaboração, rendendo-se, momentaneamente, às discussões ditadas pela chamada agenda da modernidade importada pelos neoliberais tupiniquins.
É inegável que convivemos com o risco, diante do qual sucumbiram inúmeros partidos de origem operária e popular, de nos convertermos num partido da ordem. Em alguns momentos parecem estar esmaecendo os traços que nos distinguiram dos partidos do sistema, como na campanha das diretas, no episódio do Colégio Eleitoral, na recusa aos sucessivos pactos das elites: a contingência de estabelecer alianças, em torno de programas ou de propostas pontuais, transforma-se em objetivo a qualquer custo; a interlocução necessária com a sociedade cede frequentemente à tentação do senso comum, ao nadar-a-favor-da-corrente, num processo de hegemonia às avessas em que o discurso dominante nos iguala, tornando-nos, portanto, mais palatáveis.
O resultado das últimas eleições — em que fomos o partido mais votado nas capitais, no 1º e no 2º turnos— mostra o potencial de nossa política de acúmulo de forças, de disputa de hegemonia, de participação nas instituições do Estado burguês, de nossa estratégia de ser-governo-para-ser-poder.
Mas algumas das derrotas sofridas nas últimas eleições deixam evidente que o PT perde quando adota comportamento ambíguo — tal como agora diante do governo Itamar, tratado como aliado incômodo, a quem se presta colaboração disfarçada.
O amadurecimento político do PT não pode refrear nosso caráter rebelde nem amainar nossa radicalidade. Chega de bom-mocismo. Nada de domesticação.
Radicalmente democrático, construído de “baixo para cima”, o PT, desafortunadamente, revela sintomas perigosos de burocratização. Nota-se um emperramento dos mecanismos democráticos de tomada de decisão; há um visível distanciamento entre direções e bases; é notório o esvaziamento das instâncias — dos núcleos de base às direções municipais, regionais e nacional; o pragmatismo, a competição, o eleitoralismo correm soltos, esgarçando o companheirismo, a convivência fraterna e a solidariedade. A fragmentação enfraquece o partido, afugenta os filiados e desanima a militância — nosso principal patrimônio.
Cresce entre nós o inconformismo com aqueles que, transformados em “notáveis” por força da militância, fazem tudo para ser mais iguais que os outros. Tanto é verdade que certas “personalidades públicas” do partido tentam submeter o coletivo a seus desígnios particularistas, chantageando a militância e afrontando a democracia interna.
A democracia é a vida do PT. Sem esta seiva, nosso projeto se exaure, fenece. Ninguém, nenhum parlamentar, nenhum prefeito, nenhuma liderança, nem mesmo o Lula, pode se sobrepor às maiorias e às decisões democráticas, legitimamente firmadas no interior do PT.
Afrontando as elites, o PT alargou o conceito e a prática da democracia no Brasil, vinculando o social e o econômico do seu nascedouro à política, à disputa eleitoral e às instituições de Estado, onde as classes dominantes costumam confinar a democracia formal. Para nós, não há democracia sem direito de greve, sem democratização da informação, sem justiça social, sem distribuição de renda e riqueza, sem abolir a exploração.
Agora, porém, impactados pela velocidade dos acontecimentos no Leste europeu e pela desenvoltura das iniciativas do bloco capitalista, concentramo-nos na disputa institucional de forma quase exclusiva, como se a realização necessária de reformas político-eleitorais fosse uma espécie de antessala ou pré-condição para avançarmos na direção de transformações estruturais na sociedade brasileira. Sem luta social, sem participação popular, sem mobilização dos trabalhadores -- que educa, politiza e democratiza -- não extravasaremos os limites atuais, que coonestam a miséria, a fome, a concentração de rendas, de terras, de riquezas e poder, as injustiças, a desagregação social.
Historicamente violentas e excludentes, as classes dominantes brasileiras resistem secularmente a transformações estruturais. As mudanças que se impuseram foram conquistadas a ferro e fogo, frequentemente após as elites terem infligido derrotas aos “de baixo”. Veja-se o exemplo da Abolição da Escravatura e das leis trabalhistas de Getúlio, para ficar em apenas dois casos. Nada indica que este comportamento tenha mudado. Portanto, é ilusório sonhar com uma sociedade de consensos, sem disputas, um capitalismo sem conflitos sociais, bem gerenciado por governos de coalizão, em que acordos setoriais e ações parlamentares pluripartidárias ditem o ritmo, a forma e o conteúdo das reformas. Não é função do PT agradar as elites: nossa aspiração é estar ao lado das maiorias, dos trabalhadores, dos deserdados, contra os de cima, os poderosos, os exploradores.
Tal como vimos assinalando em nossos congressos, é forçoso reafirmar: a construção do socialismo no Brasil será obra de milhões de trabalhadores, num processo longo de acúmulo de forças, através de variadas formas de luta, num processo de ruptura com o atual modelo de desenvolvimento e com o sistema capitalista.
O PT só pode enfrentar a agenda política de curto prazo, que se desdobra no plebiscito sobre forma de Estado e sistema de governo, na revisão constitucional e na oposição ao governo Itamar, caso recupere sua tradição radical, popular, democrática, socialista. É inaceitável que, em nome de mal-feitos cálculos eleitorais, nosso partido deixe de apresentar uma alternativa global para a crise brasileira; é inaceitável que em nome de inexistentes “responsabilidades”, nosso partido não faça oposição firme contra um governo que, não obstante suas diferenças com Collor, é nitidamente conservador; é inaceitável que nosso partido, em nome da urgência de reformas políticas, aceite ficar sob a hegemonia conservadora na discussão sobre sistema de governo. O partido que nós queremos não pode ser aquele que cogita apoiar governos que o PFL também apoia. O partido que nós queremos não pode ser aquele em que dirigentes proclamam-se adeptos da monarquia. O partido que nós queremos não pode mais conviver com isso, sem deixar de ser PT.
Recuperar o espírito de partido, afirmar a democracia interna e superar a fragmentação -- que enfraquece o partido, afugenta os filiados e desanima a militância, nosso principal patrimônio --  implica, além de um basta às ambiguidades e distorções na política e no perfil partidários, um conjunto de medidas organizativas. Entre elas, derrotar aquelas concepções que não dão importância ao trabalho partidário junto aos movimentos sociais -- exatamente num momento em que é preciso superar o atual impasse no movimento sindical --, que defendem o afrouxamento das instâncias como virtude, impedindo seu funcionamento efetivo e ampliando, ao invés de reduzir, a centralização decisória.
Entre os vários desafios do PT, há um central: a elaboração de um Programa de Ação de Governo, que atualize, aperfeiçoe e amplie o PAG-89, mantendo-se as diretrizes de caráter democrático-popular. E que sintetize as grandes reformas estruturais em torno das quais devemos convergir os nossos dispersos esforços setoriais.
A confecção desse PAG, na qual se envolverão vários setores do partido, nossos simpatizantes, apoiadores e aliados, será um momento único para continuar a passar o país a limpo. Exigirá, de nós todos, um cuidadoso trabalho de diagnóstico do país, da realidade conjuntural, das características e particularidades regionais a serem contempladas nas propostas, mas também das diferenças gritantes a serem sanadas para conjurar as ameaças nada folclóricas de secessão na unidade nacional. Requererá, também, um paciente e criativo processo de apresentar propostas e soluções, sem o que nenhuma campanha eleitoral, por mais radical que se apresente, colherá sucessos.
Naturalmente, não ficaremos confinados aos gabinetes: é nesse processo que forjaremos as alianças possíveis para conquistar o governo, sustentá-lo e viabilizar o programa. A disputa de 94 é uma referência importante, um marco decisivo. Mas nosso projeto não se esgota aí, com a vitória ou a derrota. É preciso, desde já, no debate democrático, sem sectarismo, rotulações ou preconceitos, reabrir os caminhos para concretizar nosso sonho, mais vivo do que nunca, de uma sociedade justa, fraterna, solidária, sem repressão nem exploração: a utopia do socialismo democrático.
Comprometidos com estas ideias, nós, abaixo-assinados, conclamamos todos os petistas a se engajarem nos debates e nas disputas políticas que antecedem o 8º Encontro Nacional, quando se definirão os rumos do PT para os próximos anos.

Manifesto acima é datado de 4 de fevereiro de 1993. Cristalizou um processo de cisão que já vinha ocorrendo, desde 1990, no interior da Articulação dos 113, tendência criada em 1983 e que hegemonizou o Partido dos Trabalhadores por uma década.

Entre fevereiro e agosto de 1993, ocorreram encontros municipais, estaduais e o 8º encontro nacional do PT. 

No 9º encontro estadual do PT de São Paulo, foi distribuída uma Carta aos delegados(as) da Articulação. Em defesa da verdade. Redigida por Candido Vaccareza, David Capistrano e pelo autor destas linhas, a Carta afirmava o seguinte:
Pela primeira vez, a Articulação se apresenta dividida num encontro estadual: duas teses, duas chapas, dois candidatos a presidência.
De um lado estão os defensores da tese Por um governo democrático e popular, que lançaram no início do ano o Manifesto A hora da verdade e que defendem Arlindo Chinaglia para presidente estadual do PT. De outro lado, estão os signatários da tese Unidade na Luta.
Essa divisão criou a expectativa de que o 9º Encontro Estadual seria marcado pelo debate franco das divergências. Não é isso o que está acontecendo.
Os mesmos companheiros que há menos de 60 dias propunham que o PT namorasse o governo Itamar, agora fazem discursos de inflamada oposição.
Os mesmos que defendiam uma política de alianças baseada em negociações eleitoreiras, agora disputam para ver quem ataca mais o PSDB.
Os mesmos “notáveis” que ainda ontem tentavam dirigir o partido através da imprensa, agora se apresentam como os campeões da democracia interna.
Os mesmos que hoje dizem defender a unidade da Articulação, ontem propunham formar uma tendência reunindo a Articulação com o Projeto para o Brasil, dos deputados José Genoíno e Eduardo Jorge, na conhecida Operação Comodoro.
Os mesmos que criticam a Articulação Hora da Verdade por buscar a unidade da esquerda petista, já consumaram um acordo político e eleitoral com a direita petista. Acobertam aqueles que defendiam a ida do Partido para o governo Itamar. Absorvem os que propunham aproximar nosso partido do governo Fleury. Protegem aqueles que chamaram a militância de burra, por ter optado maciçamente pelo presidencialismo. Defendem aqueles que querem levar o PT para a socialdemocracia.
Esta atitude dos que dirigem a Unidade na Luta está impedindo a discussão política no Encontro. Este jogo de cena, este oportunismo de palanque, destina-se a confundir os delegados e a garantir o controle da direção partidária.
Nós, militantes da Articulação, signatários da tese Por um governo democrático e popular, entendemos que a apresentação leal das divergências faz parte da ética na política. Repudiamos os conchavos de que participa um pequeno número de dirigentes. Preferimos deixar claro o que pensamos.
Achamos que para dirigir a campanha Lula e a ação partidária, num momento em que a burguesia tenta desqualificar nosso partido e nosso candidato a presidente, é necessária uma direção firme, que recuse as ambiguidades e as vacilações.
Uma direção que busque atrair e dirigir nossos aliados, e não seguir a seu reboque. Uma direção que tenha a ousadia de proclamar a falência das elites dirigentes do país, a necessidade de reformas profundas, e que tenha a coragem de assumir os enfrentamentos que a mudança vai exigir de um governo democrático e popular.
Com base nesse programa e num partido democratizado, coerente e revitalizado, se tornará possível realizar uma campanha eleitoral de massas, um verdadeiro movimento por reformas estruturais, que ganhe milhões não apenas para votar mas principalmente para apoiar ativamente um governo comprometido com o fim do apartheid social e com a luta pelo socialismo.
Esses são os motivos pelos quais apresentamos nossa tese, nossa chapa, nossos candidatos. Evitando os acordos de cúpula, garantiremos que a decisão seja realmente dos delegados, das bases. Para que a unidade seja realmente construída na luta.

As chapas apoiadas pelos signatários do "Hora da Verdade" vencem os encontros de São Paulo e do Rio Grande do Sul. Arlindo Chinaglia em SP e Júlio Quadros no RS são eleitos presidentes estaduais.

No 8º Encontro Nacional do PT, os signatários do manifesto “A hora da verdade” integraram uma chapa intitulada "Opção de Esquerda". Esta chapa obteve 36,48% dos votos. Outra chapa, denominada "Na Luta PT", obteve 19,11%. Somadas, as duas chapas elegem 56% do novo Diretório Nacional do Partido.

A Articulação de Esquerda, que ainda não está oficialmente criada, indica salvo engano as seguintes pessoas para compor o Diretório Nacional:César Benjamim, David Capistrano, Djalma Bom, Gabriel Santos Rocha, Hamiltom Pereira, Iria Charão, Iriny Lopes, José Luis Fevereiro, Ivar Pavan, Luci Choinaki, Mucio Magalhães, Rui Falcão, Sonia Hypolito e Vilson Santin.

Uma curiosidade: houve uma votação para escolher quem dentre três nomes (Silvio Pereira, Djalma Bom e Valter Pomar) integraria o Diretório Nacional. O autor deste relato ganhou a votação e abriu mão em favor de Djalma Bom, segundo colocado.

Um balanço do 8º Encontro está num texto assinado pelo autor destas linhas, incorporando opiniões de Jorge Branco e Candido Vaccarezza.

Neste texto, intitulado O melhor ainda está por vir. A Hora da Verdade depois do 8º Encontro Nacional do PT, afirmava-se o seguinte:
A nova direção nacional do PT tem sob sua responsabilidade conduzir o partido nas disputas deste e do próximo ano, dirigir a campanha Lula 94 e enfrentar o quadro pós-eleitoral, que será, em qualquer caso, extremamente complexo.
O sucesso no cumprimento destas tarefas dependerá de uma série de fatores, entre os quais se destacam: a reorganização partidária e a reconstrução de nossa capacidade dirigente; um salto de qualidade nos movimentos sociais; a sincronia entre nossa tática política e a ação das prefeituras e bancadas; um programa de governo, uma política de alianças e uma linha de campanha à altura dos desafios nacionais; e uma postura mais ofensiva e socialista na luta político-ideológica.
Desse ponto de vista, o 8º Encontro Nacional foi extremamente positivo, à medida que aprovou resoluções e elegeu uma direção comprometida com o equacionamento, pela esquerda, de cada um destes elementos. Entretanto, o 8º Encontro deve ser considerado como primeiro passo de um processo de resgate dos princípios partidários, que está longe de se concluir.
Com base nas resoluções do Encontro, nas posições conquistadas nos diversos níveis de direção e na injeção de ânimo que o giro à esquerda proporcionou à militância, o maior desafio da “nova maioria” partidária será transformar-se em “nova hegemonia”.
Ou seja: Uma Opção de Esquerda deve ser capaz de exercer o papel que, especialmente a partir do 5º Encontro Nacional, foi cumprido pela antiga Articulação. Isso, em condições novas, substancialmente diferentes daquelas em que atuou a antiga Articulação: maioria nos estados, com menores diferenças políticas no interior do partido. Mais que isso: a velha Articulação foi dominante num período histórico marcado pelo surgimento e pela afirmação do PT, como partido de massas, acumulando forças na luta democrática e se credenciando como alternativa nacional.
A velha Articulação foi hegemônica porque soube responder a contento aqueles desafios; e deixou de sê-lo na exata medida em que não conseguiu responder aos desafios do novo período histórico, em que o PT já se constitui como alternativa real, obrigado a uma postura mais ofensiva, mais radical, mais socialista e claramente dedicada à conquista e ao exercício do poder.
Transformar a nova maioria em nova hegemonia exige a combinação de três qualidades: elaboração política consistente, capacidade de direção e de diálogo com o partido, os movimentos e a sociedade. Trata-se, portanto, de uma tarefa complexa.
Em primeiro lugar, a nova maioria surgida do Encontro é relativa (36,5%) e pouco orgânica. Mesmo seu núcleo central, constituído pela Articulação/Hora da Verdade, ainda tem que vencer uma etapa de consolidação de suas propostas e de seu perfil organizativo. Nesse sentido, é urgente reforçar o núcleo que está à frente da Executiva Nacional, consolidando um fórum permanente de consulta entre os integrantes da chapa.
Em segundo lugar, as resoluções do 8º Encontro são apenas as diretrizes de uma estratégia para o período. Ainda não constituem o sucedâneo, para o período atual, do que foram as resoluções do 5º Encontro Nacional, responsáveis em grande medida pelo crescimento e pelas vitórias políticas experimentadas pelo partido no período 87/89. Cumpre lembrar, entretanto, que esse caráter ainda preliminar das resoluções do Encontro Nacional deve-se não apenas às dificuldades do Partido (e nossas) em formular política de longo prazo. Pesou nisso, também, a postura dos setores majoritários da Unidade na Luta, que optaram por escamotear o debate de fundo.
O próximo Encontro Nacional, responsável por elaborar o Programa de Governo, a política de alianças e a tática da campanha Lula, é o espaço adequado para dar acabamento às nossas reflexões estratégicas. A formulação de uma estratégia para o período exigirá o resgate de uma das qualidades da velha Articulação: o método da elaboração coletiva, envolvendo o conjunto da militância e tomando, como ponto de partida, a difusão e o debate das resoluções do próprio Encontro Nacional. Exige ainda unificar os esforços do conjunto de setores que integram Uma Opção de Esquerda, um diálogo qualificado com o Na Luta PT e setores da Unidade na Luta. Iniciativas concretas devem ser tomadas nesse sentido, como a constituição de um coletivo permanente de debate e a aprovação de um calendário comum de discussões.
Em terceiro lugar, convém ressaltar que a nova direção recebe o partido em condições críticas, tanto do ponto de vista operacional (faltam recursos financeiros e humanos) quanto político (dois anos de predomínio de uma concepção que valorizava os centros autônomos de poder, em detrimento das instâncias). Herança que constitui um fator de desgaste para a nova direção, que deve reverter o quadro com iniciativa política, capacidade de direção e sensibilidade democrática.
Em quarto lugar, é preciso reconhecer que a visibilidade e a experiência dos setores derrotados no 8º Encontro suplantam a dos setores vitoriosos. No último encontro nacional, não foi derrotada apenas a direita do partido, mas também o núcleo que dirigiu o PT durante os últimos 10 anos. Não foi, portanto, uma derrota da “direita” do partido, ainda que seja plenamente verdadeiro afirmar que as posições do chamado Projeto para o Brasil foram colocadas no seu devido lugar.
A derrota do antigo núcleo dirigente do Partido ocorreu porque, especialmente a partir do 1º Congresso, suas principais lideranças realizaram um giro à direita, aproximando-se estratégica e doutrinariamente das concepções do chamado Projeto para o Brasil, posições estas que foram derrotadas ao longo do Congresso. Ao se afastar das posições da maioria da base partidária, aquelas lideranças perderam não apenas a capacidade de enfrentar a conjuntura política bastante complexa da era Collor. Perderam também, paulatinamente, a legitimidade de que dispunham, já bastante puída pelo inevitável desgaste de quem é maioria por longo tempo. Isso resultou, em 1993, numa impressionante sequência de derrotas: na discussão sobre o governo Itamar, na eleição do líder da bancada, no plebiscito sobre sistema de governo, nos encontros partidários.
Uma conjunção de outros fatores concorreu para a derrota do antigo núcleo dirigente do Partido: o surgimento da Articulação/Hora da Verdade; a evolução da conjuntura política, que dificultou sobremaneira a defesa de teses moderadas; e o profundo desgaste político e orgânico experimentado pelo setor da Articulação majoritário na antiga executiva nacional.         
Essa conjunção, por sua vez, inviabilizou dois desenlaces que teriam sido prejudiciais para o Partido: a vitória de uma aliança entre Unidade na Luta e Projeto para o Brasil, tentada já no 1º Congresso e, depois, com a conhecida Operação Comodoro; e uma chapa única da Articulação, escamoteando as divergências acumuladas ao longo de pelo menos dois anos, tal como era proposto pela setores da Unidade na Luta mais próximos a nós.
O surgimento da Articulação/Hora da Verdade teve papel destacado para impedir aqueles dois desenlaces. Nesse particular, faz-se necessário lembrar que, do surgimento de nosso manifesto, em fevereiro de 1993, até o 8º Encontro, fomos combatidos sem piedade, em nome da “unidade da Articulação”. Dessa ação participaram inclusive aqueles que, na Unidade na Luta, tinham maior proximidade política conosco.  
Com a legitimidade de quem, durante o 1º Congresso, defendeu posições de esquerda e combateu a aliança com o Projeto para o Brasil, aqueles companheiros propunham, na prática, uma “renovação conservadora”: vitoriosas suas posições, teríamos um repeteco melhorado do 1º Congresso: boas resoluções, mas uma direção que não expressaria isto, passando a impressão, para o Partido, de que as divergências não passavam de teatro. O que esses companheiros -- a “esquerda do Unidade na Luta”-- não perceberam é que a postura de seus companheiros de viagem era a de escamotear o debate para preservar espaço no aparelho.
Tudo indica que o bordão -- ”não há tantas diferenças entre nós que justifiquem a divisão -- voltará a ser usado. Afinal, a “nova maioria” partidária ainda não está consolidada. É evidente que o antigo núcleo dirigente tentará recuperar espaços perdidos, buscando menos disputar e mais colaborar conosco. O que poderá ser tanto um exercício de hegemonia nossa, quanto deles, a depender de quem dirija o processo.
Contando com importantes posições na malha partidária e fora dela, favorecidos por uma generosa cobertura da imprensa, dispondo de “máquinas eleitorais” preparadas para enfrentar as eleições de 94 e dispondo da experiência de quem dirigiu o Partido por uma década, a Unidade na Luta disputará conosco a condição de centro hegemônico do Partido.
Nosso sucesso nesta disputa está vinculado ao sucesso do próprio PT naquelas metas que foram estabelecidas pelo 8º Encontro. E isto, por sua vez, dependerá da capacidade da Articulação/Hora da Verdade em garantir o cumprimento das resoluções do Encontro, formular políticas, hegemonizar os demais setores do partido. Faz-se necessário dar maior organicidade a Uma Opção de Esquerda, estabelecer um diálogo constante com o Na Luta PT e atrair setores da Unidade na Luta, isolando sua ala xiita.
É evidente que a própria Articulação/Hora da Verdade possui diferenças políticas internas expressas, por exemplo, no timingcom que cada setor se integrou ao nosso movimento, na maior ou menor tolerância frente a Unidade na Luta e ao Na Luta PT. Até por isso, a nossa consolidação como tendência supõe um debate político sobre as propostas para o próximo Encontro Nacional etc. Será o grau de unidade política em relação às tarefas futuras do Partido que determinará o grau de organicidade que poderemos assumir.
De toda forma, devemos evitar a inorganicidade e a falta de solidariedade que marcaram a experiência da Articulação, especialmente em sua última fase. Importante também é entender que a nova fase da vida interna impõe a construção de campos políticos, mais do que tendências no sentido estrito da palavra. Até porque não há terceira via: ou bem a Opção de Esquerda materializa as aspirações que nos possibilitaram vencer o 8º Encontro, ou será total o nosso descrédito. Por isso, devemos ter abertura para estreitar laços, nos estados e nacionalmente, com setores da Opção de Esquerda ou não.
Na mesma linha, tanto como maioria da direção quanto como tendência, devemos acompanhar e interferir no processo que se desenvolve na Articulação Sindical, onde diversos setores têm plena consciência de que a CUT também necessita de uma nova direção. Sem pretender copiar processos que tiveram sucesso no Partido, devemos abrir o debate sobre a questão e colaborar no que for possível. O que, diga-se, é uma tarefa do conjunto do Partido. 
Finalmente, cabe lembrar que as forças que empurraram o PT para a direita continuam atuando: a crise do socialismo, a ofensiva neoliberal, as dificuldades dos movimentos sociais, a cooptação pela institucionalidade. Em particular, cumpre recordar que nosso caminho estratégico -- cujo aspecto central é a disputa e o exercício do governo -- é extremamente arriscado, sendo que a quase totalidade dos partidos de esquerda que o trilharam abandonaram seus laços com o socialismo e com a revolução. Por isso, como dizia o apóstolo, é preciso orar e vigiar. Porque o melhor (e o pior) ainda estão por vir.

Após a derrota do PT nas eleições presidenciais de 1994, importantes dirigentes da Articulação de Esquerda defenderam a reaproximação com o outro setor da Articulação, agora denominado Unidade na Luta. Esta posição não foi aceita pela maioria da tendência. Sendo assim, muitos destes dirigentes a abandonaram já no 10º Encontro Nacional do PT (Guarapari), não participando de nossa chapa, nem apoiando nosso candidato à presidência nacional do PT, o companheiro Hamilton Pereira (Pedro Tierra).

Muitos dos que participaram da criação ou foram militantes da Articulação de Esquerda neste biênio fundacional – setembro de 1993 a agosto de 1995 -- não estão mais entre nós e merecem ser lembrados e homenageados. Este é o caso, por exemplo, de Adão Preto (RS), David Capistrano (SP), Dorcelina Folador (MS), Francisca Trindade (PI), Geraldo Garcia (MS), João Pedro (ES), Jonas Araújo (AM), Rita Bastos (SP), Wagner Lino (SP) e Zecão (RS).

Há também quem siga militando no PT, mas noutros espaços, tendo se afastado em diferentes momentos e por diferentes razões: Arlindo Chinaglia, Djalma Bom, Gabriel Santos Rocha, Hamiltom Pereira, Iria Charão, Ivar Pavan, Jorge Branco, Luci Choinaki, Rogério Sottili, Rui Falcão e Vilson Santin.

Outros não militam mais no PT, como é o caso de Candido Vaccarezza, César Benjamim, Silvio Pereira, Jose Luis Fevereiro e Waldemir Garreta.

Dentre as pessoas citadas neste texto, seguem integrando a Articulação de Esquerda, desde a sua fundação há 25 anos, Iriny Lopes, Julio Quadros, Múcio Magalhães, Sonia Hypolito e Valter Pomar. 

A lista de signatários do Manifesto aos petistas “hora da verdade”, a lista de delegados e delegadas ao 8º encontro nacional do PT e a lista de presença da reunião de 18 e 19 de setembro no Instituto Cajamar incluem dezenas de outros nomes que seguem militando na AE, entre os quais Giucelia Figueiredo (PB), Fátima Dutra (RJ), Almir Barbio de Azevedo (RJ) e Paulo Denisar Fraga (RS). 

Aliás, agradecemos antecipadamente a quem disponha das listas ou pelo menos de informações precisas a respeito de quem as compunha, para que possamos fazer as devidas referências.

Um quarto de século depois da fundação, a Articulação de Esquerda continua existindo, disputando os rumos do Partido, atuando nos movimentos e lutas sociais, participando do debate de ideias na sociedade e na esquerda, realizando periodicamente cursos de formação política, seminários, encontros e congressos democráticos. 

O aniversário de 25 anos de fundação da tendência petista Articulação de Esquerda coincide com a reta final das eleições presidenciais de 2018. Que podem, para o bem ou para o mal, encerrar o ciclo político aberto no biênio 1988-1989. No novo período que está se abrindo, é bastante provável que tenham alguma utilidade muitas das questões e algumas das respostas apresentadas por nós em 1993 e nos anos seguintes. 

Quanto à história e ao balanço de nossa atuação, deixaremos para outro momento algo sistemático. 

Por enquanto, na correria desses dias, o que podemos sugerir aos interessados é a leitura do que é dito a respeito em várias resoluções e textos publicados no jornal Página 13 (publicado desde 1998), na revista Esquerda Petista (publicada desde 2014) e em livros como A hora da verdade e outros escritosSocialismo ou barbárie, Novos rumos para o governo Lula e Resoluções da X Conferência Nacional. 

De toda maneira, travamos o bom combate, não mudamos de lado, seguimos na peleia, enfrentamos as derrotas, contribuímos para as vitórias e não desistimos em nenhum momento de organizar a classe trabalhadora na luta pela revolução e pelo socialismo.

Mais do que isso, talvez só quando chegar a “vitória final”. Ou a qualquer momento, pois afinal a história já mostrou, por diversas vezes, odiar o tédio.

Haddad presidente, Lula Livre, viva o PT!!!