Veja para alguns petistas é como Coca Cola: sabem que faz mal, mas não conseguem resistir. A mais recente vítima foi o governador Wellington Dias, cuja entrevista à revista Veja eu reproduzo ao final.
Na entrevista, Wellington lembra que “o Brasil tem 2,7% da população mundial e já alcançou mais de 13% do número de óbitos do mundo”.
Mas diz ter dúvida “se o objetivo era causar as mortes ou se tinha mesmo alguém que acreditava que a propagação do vírus era uma forma de se livrar rápido do problema”.
Wellington reconhece que “se houve mesmo incentivo à propagação do vírus para se livrar da pandemia, foi uma política genocida”. Mas defende “esperar o resultado da CPI”.
Se entendi direito o raciocínio, a dúvida estaria em saber se o genocídio é culposo ou doloso.
Talvez no fundo desta dúvida esteja o coração bondoso de Wellington, que consegue lembrar que teve uma “relação sempre respeitosa” com Bolsonaro quando conviveu com ele no Congresso.
Infelizmente, vai além: diz que Bolsonaro precisa “colocar o interesse do país acima das disputas políticas. Infelizmente, ele procura manter um tensionamento permanente. A disputa política fica sempre em primeiro plano e a pauta de interesse público em segundo”.
Que certa direita raciocine deste jeito, eu entendo: para eles, interessa estigmatizar a “disputa política”, a “luta de classes” e as “ideologias”, porque para eles interessa manter o status quo, que eles apresentam como se fosse o “interesse do país”.
Mas para nós de esquerda, raciocinar assim é um desastre, pois do que precisamos é exatamente convencer o povo a fazer disputa política, a diferenciar nossos interesses dos interesses da elite, a perceber que cada classe vê de maneira diferente o que é o “interesse público”.
No fundo do raciocínio de Wellington, está a crença de que vamos derrotar a política de “tensionamento permanente” adotada por Bolsonaro através do “diálogo”.
Textualmente ele diz que “temos uma situação tão grave no Brasil que devemos priorizar o diálogo. Lula se coloca como alternativa pela sua reconhecida capacidade de dialogar, ouvir e tolerar. Há a necessidade de alguém com experiência democrática, alguém empenhado em fortalecer as instituições que foram atingidas nesse período. Há a necessidade de criar uma política de pacificação dentro do país, aliada a um plano que possa fortalecer a economia, gerar emprego e renda”.
Pergunto: diálogo é bom, mas será suficiente? Não haverá resistências, interesses contrariados, setores irredutíveis?
Apesar da boa vontade de Wellington, a Veja não perdoa e lhe fez as perguntas de sempre sobre a corrupção.
O governador respondeu que “nós vamos defender o combate à corrupção, que ainda é grave no Brasil”; disse que “pagou e pagará qualquer um que cometer crime de corrupção em nossos governos. Quem cometeu, quem a Justiça comprovou que cometeu, foi expulso do PT”; disse também que não foi o PT, mas “pessoas do meu partido, em meio a 1,5 milhão de militantes, infelizmente, também foram para o descaminho”.
Sentindo o gosto de sangue, Veja pergunta quem foi para o descaminho, e Wellington cita o caso do “ex-ministro Palocci”, corrupto confesso apesar de ser “uma pessoa preparada, com capacidade técnica extraordinária”.
(ps. certamente Palocci era preparado e tinha capacidade técnica, mas usou essas qualidades em favor de uma política que interessava ao grande capital. A corrupção foi sua paga!)
Veja insiste e Wellington diz que “o ex-ministro José Dirceu foi julgado, condenado e cumpriu pena, mas ele sustenta que não participou de nenhuma ilegalidade”.
Ou seja: Veja adotou o mesmo script executado na entrevista com Gilberto Carvalho. E Wellington foi parar no mesmo lugar.
No tema da frente ampla, Wellington diz que não acredita na formação de uma frente ampla para as eleições de 2022. Mas faz uma análise positiva das alianças feitas entre 2003 e 2010. E alimenta a tese de que os problemas começaram quando Dilma foi à reeleição.
Textualmente: “Em 2014, havia a oportunidade de uma alternância, mas o Lula nunca sugeriu isso a ela. Foi aí que começaram os problemas”, pois “era um momento muito tenso e exigia uma capacidade de diálogo, de articulação, realmente muito elevada, e ela tinha essa dificuldade”.
E agrega: “Olhando para trás, acho que,
se Lula tivesse sido candidato em 2014, creio que não teríamos enfrentado os
problemas que enfrentamos”.
Ou seja: os “problemas” do
golpe, da extrema direita, da ingerência dos Estados Unidos, da intervenção
militar, do programa neoliberal da ponte para o futuro e tudo mais, teriam sido
superados com “diálogo”.
E coerente com isto, Wellington diz que “não podemos banalizar o instrumento do
impeachment. Ou existe uma prova muito concreta, robusta, ou temos de respeitar
a soberania da vontade popular. No caso de Bolsonaro, na minha opinião, ainda
não há uma comprovação que permita o impeachment. Não duvido que venha a
surgir. Se tiver desvios, especialmente nesse caso da Covaxin, aí muda tudo. Se
o remédio necessário for o impeachment, vamos usar. Mas não podemos levar o
país a aventuras”.
Ou seja, "muda tudo" apenas se houver corrupção comprovada envolvendo pessoalmente o
presidente. Todos os demais crimes cometidos pelo cavernícola não são suficientes para Wellington defender o impeachment de Bolsonaro.
Como se isto não bastasse, Wellington ainda fala positivamente de Aécio Neves. Sua declaração a respeito é tão insólita,
que prefiro apenas reproduzir a pergunta e a resposta, que encerram a
entrevista.
É verdade que o senhor chegou a cogitar a possibilidade de formar uma chapa com Aécio Neves em 2010? Na época teve aquela dobradinha em Minas Gerais, de Lula e Aécio, o Lulécio. Esse diálogo foi aberto pela boa relação dele com o Lula, pela possibilidade de ele se filiar a um partido da nossa base e como um líder destacado, citado para ser candidato a presidente pelo campo político apoiado pelo Lula. Eu estava no segundo mandato de governador e meu nome era lembrado como alternativa para vice. Hoje eu brinco que ele perdeu a chance de ser presidente e ainda tirou a minha de ser vice.
SEGUE A INTEGRA DA ENTREVISTA Publicado em VEJA de 21 de julho de 2021, edição nº 2747
Wellington
Dias: “É preciso dialogar”
JULY 15, 2021
WELLINGTON DIAS - Cristiano Mariz/VEJA
O governador do Piauí é um petista moderado, muito próximo a Lula e que
não esconde o entusiasmo diante da perspectiva de o PT voltar ao Palácio do
Planalto em 2023. Embora admita que há espaço para uma candidatura que
represente a chamada terceira via, Wellington Dias acredita
que a tendência, por enquanto, é mesmo a polarização entre Jair Bolsonaro e
Lula — estratégia, ressalte-se, que atende aos interesses de ambos. Ao ser
questionado sobre a possibilidade de impeachment, por exemplo, ele critica a
banalização do instrumento e ressalta que ainda não vê provas suficientes para
iniciar uma ação de destituição do presidente da República, embora seu partido
tenha sido um dos signatários do mais recente pedido de impedimento. À frente
do Consórcio Nordeste, grupo que reúne os estados da região, Dias afirma que a
pressão dos governadores acelerou a vacinação no país, uma bem-sucedida
contraposição à política do governo federal que ele avalia como “desastrosa”.
Em entrevista a VEJA, olhando também para o passado, o governador admite que a
candidatura à reeleição de Dilma Rousseff foi um erro, diz não ver problemas em
firmar aliança com o chamado Centrão e revela que chegou a participar de
conversas para a formação de uma insólita chapa com o tucano Aécio Neves (MG)
com vistas às eleições presidenciais de 2010. A seguir os principais trechos.
O senhor segue a mesma linha dos oposicionistas de que o governo adotou
uma política genocida no enfrentamento da pandemia? Ninguém pode negar que tivemos uma tragédia no Brasil. Cito um
dado apenas: o Brasil tem 2,7% da população mundial e já alcançou mais de 13%
do número de óbitos do mundo. O Brasil tem cerca de quatro vezes mais óbitos do
que a proporção de sua população. É uma tragédia. Não seguir a ciência levou a
essa tragédia. Não ter monitoramento, não ter a compra de insumos, não ter
plano para prevenção e tratamento, não fazer a compra de vacina quando teve
oportunidade, tudo isso junto levou a esse resultado desastroso.
O presidente teria deixado de fazer isso deliberadamente para matar as
pessoas? Precisa ser analisado se o objetivo era
causar as mortes ou se tinha mesmo alguém que acreditava que a propagação do
vírus era uma forma de se livrar rápido do problema. A ciência negou isso o
tempo inteiro. Se houve mesmo incentivo à propagação do vírus para se livrar da
pandemia, foi uma política genocida. Vamos esperar o resultado da CPI.
Qual a impressão que o senhor tem do presidente Bolsonaro? Eu convivi com o deputado Jair Bolsonaro no Congresso. Nesse
período atuamos em um mesmo bloco e mantivemos relação sempre respeitosa. O
presidente precisa colocar o interesse do país acima das disputas políticas.
Infelizmente, ele procura manter um tensionamento permanente. A disputa
política fica sempre em primeiro plano e a pauta de interesse público em
segundo.
E sobre o governo Bolsonaro? Além
dos problemas no combate à pandemia, o que precisamos hoje na política é de
diálogo. Na área econômica, não é possível acreditar apenas no livre mercado.
Há necessidade de ter um plano, uma presença forte do governo estimulando o
setor privado para que a gente tenha chance. O país está dependendo das
commodities muito mais do que antes. Commodities que, sob o ponto de vista
econômico, geram crescimento, mas não muito emprego e renda. Também estamos
estragando nossas relações internacionais, metendo-nos o tempo todo em assuntos
impróprios. A imagem do Brasil no exterior é péssima, especialmente por causa
da política ambiental, da questão indígena, da forma como tratamos a segurança.
O armamento vai na contramão da história. Em resumo: o governo é muito ruim.
Por que o eleitor deve acreditar que o PT é alternativa a todos esses
problemas? Temos uma situação tão grave no Brasil que
devemos priorizar o diálogo. Lula se coloca como alternativa pela sua
reconhecida capacidade de dialogar, ouvir e tolerar. Há a necessidade de alguém
com experiência democrática, alguém empenhado em fortalecer as instituições que
foram atingidas nesse período. Há a necessidade de criar uma política de
pacificação dentro do país, aliada a um plano que possa fortalecer a economia,
gerar emprego e renda.
A corrupção não será um empecilho a esse projeto eleitoral do
ex-presidente? Hoje é mais fácil responder sobre isso. Foram
dezessete processos que criaram para o Lula e para outros líderes uma imagem de
corrupção. Destes, catorze já foram arquivados. O que houve, na verdade, foi
uma estratégia política coordenada pelo juiz Sergio Moro, que depois se tornou
ministro do governo que ajudou a eleger com pretensões de ir ao Supremo. Eu
sempre disse que a Lava-Jato era uma ação contra os líderes políticos e
empresariais. Nós vamos defender o combate à corrupção, que ainda é grave no
Brasil. Mas não dessa maneira.
O senhor fala como se não tivesse havido casos gravíssimos de corrupção
durante os governos do PT. Pagou e pagará qualquer um
que cometer crime de corrupção em nossos governos. Quem cometeu, quem a Justiça
comprovou que cometeu, foi expulso do PT. O que precisa ser dito, em alto e bom
som, é que, enquanto partido, continuamos defendendo a ideia de que quem
cometer corrupção terá de pagar. O que não podemos é permitir o espetáculo
processual, expondo pessoas inocentes.
O PT se corrompeu? Digo que pessoas do meu
partido, em meio a 1,5 milhão de militantes, infelizmente, também foram para o
descaminho.
Quem? O ex-ministro Palocci confessou em
depoimentos, não sou eu quem o está julgando. Era uma pessoa preparada, com
capacidade técnica extraordinária.
Apenas ele? O ex-ministro José Dirceu foi julgado,
condenado e cumpriu pena, mas ele sustenta que não participou de nenhuma
ilegalidade. No caso do mensalão, foram apresentadas apenas provas
testemunhais.
O senhor acredita na formação de uma frente ampla para enfrentar o
presidente Bolsonaro em 2022? Sinceramente,
não. Um campo político com o apoio que tem o ex-presidente Lula dificilmente
abrirá mão de utilizar essa vantagem. O que estou dizendo: é possível que o
ex-ministro Ciro Gomes seja candidato? Sim. Que o campo do ex-presidente
Fernando Henrique, Doria, Eduardo Leite, lancem candidato? Sim. Defendo o
entendimento pensando no interesse maior.
Hoje o PT critica a aliança que o governo fez com o chamado Centrão, mas
o partido fez a mesma aliança quando estava no poder. Em todos os lugares do mundo você governa com os partidos que
ajudaram a construir a vitória. Qualquer presidente precisa confiar a
composição de um governo a um conjunto de líderes. Evidentemente, o ideal é que
as escolhas priorizem afinidade, conhecimento e experiência nas áreas de
atuação. Fui governador entre 2003 e 2010, período em que Lula foi presidente.
Vi de perto a capacidade dele de dialogar, construindo uma maioria no Congresso
que permitiu a aprovação de projetos importantes. O que não pode é submeter o
país a qualquer caminho que seja prejudicial ao interesse da população.
O senhor considera que as escolhas foram adequadas nos governos
petistas? Tanto foram adequadas que isso foi o que
gerou problemas, principalmente na gestão da presidenta Dilma. O conflito que
ela enfrentou tinha a ver com determinados anseios de aliados que queriam
indicação em determinadas áreas que não foram atendidas.
O senhor faz muitos elogios ao governo Lula, mas pouco fala sobre o governo
Dilma, que foi destituída por um processo de impeachment. Dilma foi uma presidenta honesta, uma presidenta com elevado
espírito público. Em 2009, eu avaliava que não seria uma tarefa fácil
substituir um dos maiores presidentes da história deste país. Havia a
necessidade de ter alguém que tivesse uma experiência maior em relação à
política. Dilma foi eleita para o primeiro mandato e seguiu o programa daquele
primeiro mandato. Em 2014, havia a oportunidade de uma alternância, mas o Lula
nunca sugeriu isso a ela. Foi aí que começaram os problemas.
Lula errou ao não impor sua candidatura em 2014? O que o presidente Lula diz é que, quando houve a alteração
constitucional prevendo a reeleição, Fernando Henrique exerceu esse direito.
Ele também teve o direito à reeleição. Por isso, não seria razoável a primeira
mulher presidente do Brasil não exercer esse direito. O problema é que era um
momento muito tenso e exigia uma capacidade de diálogo, de articulação,
realmente muito elevada, e ela tinha essa dificuldade.
Mas o que a ex-presidente poderia ter feito de diferente? Eu estava no Congresso Nacional, no Senado Federal, era líder do
bloco de apoio ao governo da presidenta Dilma. Repito: uma pessoa honesta, uma
pessoa de grande espírito público, mas tinha muitas dificuldades em relação aos
líderes. Você não é obrigado a dizer sim aos pleitos que são apresentados. Mas
é razoável que ouça, é razoável que receba e responda. E que responda com uma
justificativa adequada e uma política de respeito. Olhando para trás, acho que,
se Lula tivesse sido candidato em 2014, creio que não teríamos enfrentado os
problemas que enfrentamos.
Defender o impeachment do presidente Bolsonaro é uma estratégia correta? Compreendo que a democracia prevê a figura do afastamento de um
presidente da República, mas não podemos banalizar o instrumento do
impeachment. Ou existe uma prova muito concreta, robusta, ou temos de respeitar
a soberania da vontade popular. No caso de Bolsonaro, na minha opinião, ainda
não há uma comprovação que permita o impeachment. Não duvido que venha a
surgir. Se tiver desvios, especialmente nesse caso da Covaxin, aí muda tudo. Se
o remédio necessário for o impeachment, vamos usar. Mas não podemos levar o
país a aventuras.
É verdade que o senhor chegou a cogitar a possibilidade de formar uma
chapa com Aécio Neves em 2010? Na
época teve aquela dobradinha em Minas Gerais, de Lula e Aécio, o Lulécio. Esse
diálogo foi aberto pela boa relação dele com o Lula, pela possibilidade de ele
se filiar a um partido da nossa base e como um líder destacado, citado para ser
candidato a presidente pelo campo político apoiado pelo Lula. Eu estava no
segundo mandato de governador e meu nome era lembrado como alternativa para
vice. Hoje eu brinco que ele perdeu a chance de ser presidente e ainda tirou a
minha de ser vice.
Publicado em VEJA de 21 de julho de 2021, edição
nº 2747
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