quarta-feira, 18 de setembro de 2024

Roteiro de debate sobre conjuntura

A seguir roteiro da exposição que será feita no debate sobre "Os desafios da esquerda nas eleições municipais", debate realizado em Natal, no dia 18 de setembro de 2024.

Momento em que fazemos este debate: 18 dias antes da eleição. Neste momento nosso desafio é vencer. 

O que significa vencer?

Primeiro, conquistar prefeituras. Especialmente de grandes cidades, mas também de médias e pequenas.

Segundo, eleger vereadores. Seja para serem base de apoio de nossos governos municipais, seja para fazerem oposição aos governos de direita, seja para serem porta-vozes de nosso  projeto político.

Terceiro, ampliar a votação de nosso Partido e da esquerda como um todo. Seja para vencermos, seja para acumularmos forças para futuras disputas.

Para vencer, em qualquer um dos sentidos acima, precisamos de candidaturas, dinheiro, linha política e militância. 

#

Infelizmente, não lançamos tantas candidaturas quanto deveríamos ter lançado.

Em 2024, foram inscritas 15.366 candidaturas a prefeito e 422.490 candidaturas a vereador. 

Destas, 78% foram inscritas por partidos do centro-direita, da direita gourmet e da direita cavernícola. 

E apenas 22% foram inscritas por partidos que compõem a centro-esquerda ou esquerda (PCB, UP, PSTU, Federação PSOL-Rede, Federação PT-PCdoB-PV, PDT e PSB).

Em números: 3.322 candidaturas a prefeito e 87.082 candidaturas a vereador foram inscritas por partidos que podem ser descritos como de centro-esquerda ou esquerda. 

Enquanto 12.044 candidaturas a prefeito e 335.408 candidaturas a vereador foram inscritas por partidos de centro-direita, direita e extrema-direita.

No caso do PT, lançamos 1380 candidaturas à prefeitura e 26.654 candidaturas à vereança.

Já o PL lançou 1474 e 32357, respectivamente.

Detalhe: o PL está lançando mais candidaturas agora do que em 2020. E nós estamos lançando um pouquinho a mais para prefeituras e menos para vereança.

Aqui no Rio Grande do Norte, por exemplo, segundo levantamento divulgado pela UOL, os partidos de esquerda não lançaram candidatos em 38,9% das cidades.  Isso apesar de Lula ter vencido aqui no segundo turno de 2022, com 65% dos votos.

#

Também não dispomos de tanto dinheiro quanto necessitaríamos. 

O Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) em 2024 é de R$ 4.961.519.777,00.

Este dinheiro é dividido entre 29 partidos. Se somarmos os recursos recebidos por todos os partidos de centro-esquerda e esquerda, eles vão receber mais ou menos 1 bilhão e 219 milhões. 

Os partidos de centro-direita, direita e extrema direita vão receber 3 bilhões e 742 milhões.

Ou seja: mesmo sem incluir doações de pessoas físicas muito ricas, sem incluir o dinheiro ilegal que continua chegando nas campanhas, sem incluir o uso da máquina, está evidente que o lado de lá tem muito mais dinheiro que o lado de cá.

#

Portanto, o que pode fazer a diferença é linha política e militância.

No quesito linha política, é preciso considerar que nem toda a esquerda se comporta como esquerda.

Nem todas as candidaturas do PCB, UP, PSTU, Federação PSOL-Rede, Federação PT-PCdoB-PV, PDT e PSB se comportam como deve se comportar a esquerda.

O que significa se comportar como esquerda? Adotar, em cada questão, o ponto de vista da classe trabalhadora, o ponto de vista que interessa aos que vivem do trabalho, o ponto de vista dos que são explorados e oprimidos.

Quem adota este ponto de vista, precisa dirigir suas propostas e sua campanha exatamente para esses setores.

E precisa compreender que não basta ter propostas de políticas públicas.

Tem que ter.

Mas também tem que travar o debate ideológico, de visão de mundo, sobre as grandes questões que nossas cidades, nossos estados, nosso Brasil, nosso continente e nosso mundo enfrentam.

A direita faz luta ideológica o tempo todo.

E muita gente de esquerda tem medo de aparecer com nossas cores, com nossa estrela, com nosso partido e com nossa posição socialista.

#

Finalmente, é preciso ter militância.

Esse foi sempre um de nossos pontos mais fortes.

E hoje não é mais assim.

Em parte porque temos tido menos lutas sociais, de onde nasce a maior parte da militância.

Em parte porque várias  de nossas organizações e direções - não todas - têm apostado menos na formação política e na mobilização.

Em parte porque alguns de nós - não todos - estamos nos burocratizando, o que inclui converter em emprego o que deveria ser voluntariado.

Em parte porque muitos de nós - não todos - estamos sendo dominados pela inércia, pela passividade, pela modorra, pela apatia, pela Matrix.

E, finalmente, porque há entre nós quem fique aguardando que a solução para o problema caia do céu, ao invés de cumprir o seu dever.

Não se deve esperar, nunca, que todo mundo seja revolucionário profissional. Mas se cada um de nós não ampliar o tempo dedicado para a militância, o resultado é que vamos ser derrotados.

Três histórias para ilustrar: atestado só de óbito, aposentadoria do traidor, festa do Avante.

Os tempos em que vivemos, na nossa região e no mundo.

Conflito EUA x China, OTAN x Rússia, Israel x Palestina.

Argentina, Equador, El Salvador.

Bolívia, Chile, Venezuela, Cuba.

Os tempos que viveremos, no Brasil, se não reagirmos.

Cumprir o seu dever, em cada lugar: componente indispensável da vitória.







Bilionário investe em campanha de vereador

A legislação brasileira impede que empresas doem dinheiro para campanhas eleitorais.

Ou seja, a pessoa jurídica não pode doar.

Mas os empresários podem.

Ou seja, a pessoa física pode doar.

Há limites para isso. Mas se o cara for bilionário, o céu é o limite.

É o caso do Rubens Ometto Silveira Mello.

Segundo o Wikipedia, Ometto "foi considerado pela revista Forbes como um dos dez maiores bilionários brasileiros, com um patrimônio estimado de 46 bilhões de reais".

Ometto é dono da Cosan, "a maior produtora de açúcar e etanol no Brasil (...) "Em 2008, comprou da ExxonMobil os ativos da varejista e distribuidora de combustível Esso (...) Em 2011, foi criada a Raízen, joint venture entre a Cosan e a Shell".

Como muitos grandes empresários, eles investem dinheiro em candidatos de todos os partidos, inclusive do PT.  Não apenas em eleições presidenciais e para o Congresso Nacional, mas também em eleições municipais.

Em 2020, por exemplo, Ometto contribuiu com a campanha do prefeito de Araraquara, Edinho Silva. E, nas eleições de 2024, segue investindo, como se pode ler aqui: Bilionário banca quase metade da campanha de ex-executivo a prefeito | Metrópoles (metropoles.com)

O investimento inclui, além de candidatos a prefeito, candidaturas a vereador. Em Campinas, por exemplo, Ometto doou 50 mil reais para a candidatura do companheiro Wagner Romão.

A doação é pública e pode ser conferida aqui: 

É legal? É.

Tem custo? Isso o tempo dirá.

Mas uma coisa é certa: em tempos de queimada & agronegócio, doações assim não cheiram bem.

Aliás, mesmo que Lula elogie publicamente Ometto (ver abaixo) e mesmo que outras candidaturas petistas recebam, o melhor é não receber dinheiro de bilionários. Já vimos como este filme termina.



 










terça-feira, 17 de setembro de 2024

Avante, ó esquerda radical, porém chic e festiva!!

Quem fizer uma busca nas redes supostamente sociais, já vai encontrar informações sobre próxima edição da Festa do Avante, que será nos dias 5, 6 e 7 de setembro de 2025. Vide aqui: Festa do Avante! 2024 - 6, 7 e 8 de Setembro - Atalaia | Amora | Seixal (pcp.pt)

Avante é o nome do jornal do Partido Comunista Português (PCP)Sua primeira edição veio à luz em 15 de fevereiro de 1931. Depois da Revolução dos Cravos, exatamente no dia Primeiro de Maio de 1974Avante passou a circular legalmente. Hoje o jornal segue saindo impresso e, também, dispõe de uma página eletrônica, que pode ser acessada aqui: Avante! Já o PCP foi fundado em 1921. 

A primeira edição da Festa do Avante aconteceu em 1976. Desde 1990, é realizada na Quinta da Atalaia, na freguesia da Amora, no concelho do Seixalnum terreno junto à baíana margem sul do Rio Tejo. Terreno de propriedade do PCP, comprado depois que, em 1987, um governo de direita tentou impedir a realização da Festanão cedendo o uso do terreno onde até então era realizada.

A Festa do Avante é importante no financiamento das atividades dos comunistas portugueses. O PCP também recebe recursos públicos, como os demais partidos, que entretanto não fazem festa.Aliás, no ambiente institucionalizado que tanto contribui para submeter os partidos de esquerda europeus ao famoso Estado burguêsjá houve até quem quisesse impedir o PCP de autofinanciar-se através da venda das entradas da Festa e do que se vende nela

Detalhe curioso: o PCP é um pequeno partidoDesde 1974 aconteceram 16 eleições legislativasO melhor desempenho do Partido foi em 1979, quando alcançou 19% dos votos. Nas eleições de 2024, obteve apenas 3%. Mas se o Partido agora é pequeno, as Festas do Avante seguem sendo um acontecimento nacionalfrequentado por mais de 100 mil pessoas, durante três dias (a primeira sexta, o primeiro sábado e o primeiro domingo de cada mês de setembro).

Reproduzo abaixo o que diz o site da Festa: Os visitantes podem assistir a inúmeros concertos de música de vários géneros musicais (incluindo música clássica), em diversos palcos de diferentes dimensões, a atuações de grupos corais, de ranchos folclóricos, a animação de rua, a dança, a peças de teatro, a cinema. Realizam-se dezenas de debates políticos, exposições políticas e de artes plásticas, de ciência (incluindo experiências). Há gastronomia, artesanato e jogos tradicionais. Há a festa do livro e do disco. Há um espaço com um parque infantil com atividades e programação dedicada às crianças. A Festa inclui também um importante programa desportivo com inúmeras modalidades. Um dos momentos altos é a realização do Comício.

O Partido dos Trabalhadores participa da Festa há muito tempo, inclusive com uma barraca organizada (de forma militante) pelo Núcleo do PT de Lisboa, onde se vende uma “caipirinha revolucionária. Aliásnosso Partido dos Trabalhadores tem tudo para fazer algo similar: um grande festival político-cultural, que pode ter edições estaduais e depois uma grande edição nacional. Vale dizer que nosso aliado PCdoB está buscando fazer o mesmo e já está indo para a terceira edição do seu festival vermelho.

Importante dizer que a maior parte da Festa do Avante é auto-organizada. Ou sejamilitantes dedicam seu tempo livre para organizar tudo, da segurança aos shows, passando pela fantástica culinária. Onde mais, ao pedir e pagar por uma sopa de pedra com vinho tinto, escutas um “aqui está o troco, camarada”?!

Um último comentário: ouvi de certo alguém um comentário depreciativo sobre a reduzida força eleitoral do PCP. De fato, como já disse, é assim mesmo. Mas eleição não é, nem pode virar tudo na nossa vida. Aliás, nos tempos em que vivemos, em que a extrema-direita cresce eleitoralmente e onde a direita tradicional pisoteia a democracia e atropela a esquerda, mesmo quando esta esquerda ganha (como fez Macron contra a Nova Frente Popular, na França), é cada vez mais necessário  além de força eleitoral, que sempre é bom ter  dispormos de uma esquerda militante, organizada, formada ideologicamente, capaz de seguir agindo quando o vento não está a favor. 

Isso o PCP tem e, ademais, sua Festa do Avante é uma demonstração de que disciplina, além de indispensável, pode rimar com alegria. Quem tem dúvida, vá lá e preste atenção o que acontece na Festaquando começa a tocar uma música chamada Carvalhesa.


https://fpabramo.org.br/focusbrasil/2024/09/17/avante-o-esquerda-festiva-por-valter-pomar/

Eleições 2024: quantas pessoas vamos eleger?

Quantas prefeitas e prefeitos vamos eleger?

Quantas vereadoras e vereadores vamos eleger?

Essas são as perguntas que mais ouvimos, nesta reta final da campanha eleitoral municipal de 2024.

E a verdade é que não temos certeza.

No caso das prefeituras, trabalhamos com as seguintes hipóteses: a partir de 2025, vamos governar mais cidades do que hoje; mas os partidos do centro para a direita vão seguir com ampla vantagem, especialmente nas pequenas e médias cidades. Já nas grandes cidades (mais de 100 mil eleitores), a esquerda pode conseguir vitórias políticas importantes, daquelas que definem o balanço geral da eleição.

No caso de vereadores, a situação é um pouco pior, uma vez que mesmo onde podemos vencer as eleições para prefeitura, a tendência é que nossas bancadas proporcionais não acompanhem a votação majoritária.

Há vários motivos para isto, entre os quais um bem simples: o sistema político eleitoral brasileiro é construído de tal forma que, na prática, torna muito difícil a composição de maiorias parlamentares de esquerda. Sem voto em lista, por exemplo, é muito difícil para o PT repetir - na Câmara - o desempenho que obtém nas eleições presidenciais.

É por isto que defendemos uma reforma político eleitoral. Foi por isso que defendemos o fim da coligação proporcional. 

Mas nunca houve, no Partido e noutras forças de esquerda, unanimidade sobre o que fazer. O que explica que, no debate sobre a Federação, tenhamos aceitado regras que trouxeram de volta os defeitos da coligação que combatemos.

Hoje, o fato de existir Federação amplia as dificuldades que o PT enfrenta, nas eleições proporcionais. Isso não é uma regra universal. Nem é o único fator. Mas dificulta.

Vamos dar um exemplo dessa dificuldade, tomando como exemplo a cidade fictícia de Curumim.

Sem coligação proporcional e sem federação, o número de vereadores que um Partido elege em Curumim depende de uma conta simples: quantos votos o Partido conseguiu colher nas urnas versus o coeficiente eleitoral.

O coeficiente eleitoral é o número total de votos válidos numa determinada cidade, dividido pelo número de vereadores que existem numa determinada cidade.

O número de votos válidos muda a cada eleição, mas é provável que na cidade de Curumim, neste ano de 2024, o coeficiente seja de 15 mil votos.

Logo, para eleger um vereador, um Partido precisa alcançar 15 mil votos.

Se o Partido tem 30 mil votos, elege 2 vereadoras/es.

E assim por diante.

Além disso, tem o que chamamos de “sobra”.

Imagine que a Câmara municipal de Curumim tem 33 vereadores, sendo o coeficiente de 15 mil.

Em 2020, em Curumim 2020, o PT teve 33 mil votos. Elegeu 2 vereadores e conseguiu, na sobra, eleger o terceiro.

O cálculo da sobra é feito primeiro preenchendo as cadeiras a que cada partido tem direito pleno; depois se vê quantas cadeiras não foram preenchidas; então se distribui estas cadeiras pelos partidos que têm maior sobra (ou seja, que estão mais perto de completar o coeficiente eleitoral).

Pois bem: a partir de 2022 passou a existir a Federação. 

O PT, PV e PCdoB juntos fazem parte de uma Federação. 

Imaginemos a seguinte situação, também de Curumim.

O PV tinha 1 vereador eleito em 2020. Mas este vereador saiu do PV antes do registro da chapa. O PCdoB tem 1 vereador, eleito em 2020, que agora é candidato a reeleição. E o PT têm 2 vereadoras e 1 vereador, sendo que este terceiro entrou na "sobra". 

Ao todo, a Federação (depois do PV perder seu vereador) tem 4 mandatos, 2 dos quais foram obtidos com sobras.

Quantos vereadores a Federação fará em 2024? E como estes vereadores vão se distribuir entre os Partidos que integram a Federação?

Isto depende da votação em geral, do coeficiente eleitoral, da votação obtida pelo conjunto da Federação e, ainda, da votação obtida por cada candidatura de cada Partido da Federação.

Vamos trabalhar com um cenário realista: em 2020 faltou pouco para o candidato a prefeito do PT de Curumim ir ao segundo turno. Imaginemos que agora vamos conseguir levar, ao segundo turno, nossa candidatura a prefeito.

Ainda num cenário realista, podemos ir ao segundo turno majoritário, sem que haja um salto em nossa votação para vereadores.

Neste caso, ou seja, caso em 2024 a Federação repita mais ou menos a mesma votação que PT e PCdoB conseguiram, separadamente, em 2020, isso significa que em Curumim a Federação vai eleger novamente 4 vereadores? E, neste caso, o PT vai eleger novamente 3 vereadores?

Não necessariamente, porque dois dos quatro atuais vereadores entraram "na sobra". 

Portanto, alguma outra federação ou algum outro partido sem federação pode ficar com as “sobras” para eles. Nesse caso, podemos cair de 4 para 3 e ou 4 para 2, mesmo se mantivermos a mesma votação. 

Detalhe: na cidade de Curumim, no ano de 2020, o PCdoB tinha muitas candidaturas com expressão eleitoral. Agora, em 2024, o PCdoB só tem 2 candidaturas, uma das quais é injustamente acusada de "laranja". Portanto, a tendência é que desta vez o vereador do PCdoB seja mais votado que antes, sem que necessariamente cresça a votação global do PCdoB. 

O que muda?

Muda que, segundo as regras eleitorais, na hora de definir a ordem dos que serão eleitos dentro da Federação, é muito provável que a primeira ou segunda vaga seja do PCdoB. Na prática, quem vai depender da sobra para eleger é o PT.

E quanto aos 2 vereadores do PT de Curumim, que em 2020 entraram pelo coeficiente, esses estão garantidos? 

Também não estão, porque isso depende da votação individual das candidaturas.

Aqui vale explicar o seguinte: todo ano tem mudança nas regras eleitorais. Na última destas mudanças, um pedaço da direita trabalhou a favor do "distritão", um sistema segundo o qual não importa a votação do Partido, importa o número de votos nominais que um parlamentar recebeu.

A direita não conseguiu passar esta regra em geral, mas ela vale dentro da federação. Na hora de decidir quem da Federação entra, se olha a votação nominal das candidaturas. Motivo pelo qual o voto na legenda perdeu parte da importância que tinha antes.

Um exemplo disso: em Curumim o PCdoB não tem voto sozinho para alcançar o coeficiente eleitoral. Aliás, em quase nenhuma cidade do país o PCdoB tem voto sozinho para eleger 1 vereador. Mas, se o PCdoB estiver dentro da Federação e se dentro da Federação a votação do vereador do PCdoB for superior a votação do vereador mais votado do PT, quem vai entrar primeiro é o vereador do PCdoB. Mesmo que a soma dos votos nas várias candidaturas do PT for muitas vezes maior do que a votação total do PCdoB. 

Vamos por alguns números, para visualizar. 

Imagine o seguinte caso mais ou menos ficcional:

-o PCdoB tem 11 mil votos, portanto se concorresse sozinho dependeria da sobra;

-já o PT (nominais mais legenda) tem 15 mil votos, portanto se concorresse sozinho elegeria 1;

-como PT e PCdoB fazem parte da Federação, para calcular o número de vagas da Federação, se soma 11 + 15 = 26;

-com 26 mil, se o coeficiente for 15, a Federação tem 1 garantido e um segundo que provavelmente entrará, a depender da sobra;

-quem entra? Alguém do PT, certo? Afinal, o PT teve 15 mil votos e o PCdoB 11 mil. Errado, pode entrar alguém do PCdoB;

-isto vai acontecer caso, na hora de montar a chapa da Federação, o PCdoB concentrar todos os seus 11 mil votos em um único candidato, enquanto o PT tiver lançado 5 candidaturas, cada uma obtendo 3 mil votos. Nesse caso, o PCdoB vai eleger o primeiro vereador e o PT vai depender da sobra, podendo inclusive ficar sem nenhum vereador;

-ou seja, na prática pode acontecer na Federação o que muitas vezes acontecia na coligação, em que o eleitor votava num Partido e ajudava a eleger alguém de outro Partido.

Na vida real, é muito comum que nossos partidos amigos da Federação lancem poucas candidaturas (algumas injustamente acusadas de laranjas). Já nós do PT vivemos o seguinte dilema: se lançamos poucas candidaturas, a votação global da Federação pode não alcançar o coeficiente; mas se lançarmos muitas candidaturas, a votação individual de nossas candidaturas pode ficar abaixo da votação do único vereador do partido que está federado conosco.

Resultado ao final: a gente vota no PT, o PT obtém uma grande votação, ajudamos a eleger alguém do PV ou do PCdoB, mas nem sempre conseguimos eleger os do próprio PT.

Agora vejamos a situação em Curumim, em 2024.

Para a Federação conseguir, em Curumim 2024, manter as atuais 4 vagas (3 do PT e 1 do PCdoB), a Federação vai precisar conseguir 60 mil votos. Mas como o PCdoB lançou apenas 2 candidaturas, quem vai ter que garantir esses 60 mil votos é basicamente o PT. 

Na prática, teremos que crescer de 33 para quase 60 mil votos, pois além de garantir os 45 mil necessários para eleger os 3 nossos, temos que completar os 15 mil votos que permitirão ao PCdoB se eleger sem tirar vaga nossa.

Se tivermos menos que 60 mil votos, vamos depender das sobras para eleger 4 da federação. 

Se adotarmos uma estimativa realista (vamos ao segundo turno, mas com uma votação proporcional similar a de 2020), a conclusão é que temos grandes chances de eleger 3 vereadores, sendo 1 do PCdoB e 2 do PT. 

Algo mais que isso depende de crescermos bastante e depende das sobras, sempre imponderáveis.

E se a votação não crescer? E se mantivermos os 33 mil votos do PT mais, digamos, 12 mil do PCdoB. Neste caso, quem serão as 2 pessoas do PT com mais chances de entrar na próxima legislatura da Câmara de Curumim? 

Serão aqueles que tiverem mais votos nominais. 

E não serão necessariamente os dois que lá estão.

Aqui entra mais duas variáveis: política pura e dinheiro. Política pura é a base social e eleitoral das candidaturas, a linha de campanha etc. Dinheiro é a quantidade de fundo eleitoral que cada candidatura obteve do Partido.

Para explicar, imaginemos a seguinte situação:

-as candidaturas dos atuais vereadores de Curumim sofreram “rachas” em sua base, com alguns apoiadores de 2020 indo fazer campanha, em 2024, para outras candidaturas. Isso é algo totalmente razoável e legítimo, acontece e faz parte da normalidade;

-uma ou duas candidaturas do PT, candidaturas de quem hoje não é vereador, recebem uma fortuna para fazer campanha. Isso não necessariamente é razoável e legítimo, pois há instâncias, regras e um certo bom senso, que nem sempre é respeitado;

-resultado: a votação de quem já é vereador diminui ou fica igual ou cresce muito pouco, enquanto a votação de quem recebeu mais dinheiro supera a de quem já estava na Câmara. Resultado: o PT elege dois. Mas não são os atuais dois vereadores. 

-outro resultado possível: o PT fragmenta sua votação em várias candidaturas e isso beneficia vereadores de outro Partido da Federação, que concentraram seus votos.

Por isso tudo que já foi explicado, não é possível ter certeza de quem vai se eleger. 

O que temos certeza é que, quem deseja manter a atual bancada, precisa fazer campanha para a atual bancada. 

E quem deseja, legitimamente, fazer campanha para outros vereadores, não deve ficar se consolando com a ideia de que a atual bancada estaria reeleita. Não está não.

Pois se os atuais vereadores não tiverem muitos votos, eles podem ficar fora.

O que também temos certeza é que a existência da Federação - que foi apoiada por grande parte das tendências que integram o PT - se tornou uma fator tão negativo para o desempenho proporcional do PT, quanto era a antiga coligação proporcional.

Mais um assunto para debater no Partido, quando terminar a eleição.

Até lá, esforço máximo para ampliar nossas votações e eleger o maior número possível de prefeituras e vereanças.


sexta-feira, 13 de setembro de 2024

PCO: Bibi ataca novamente

Um amigo me perguntou por qual motivo perco tempo respondendo aos textos do PCO. A resposta é: não acho perda de tempo. Entre outros motivos, porque o PCO expressa uma corrente de opinião presente no próprio PT e em outros partidos de esquerda, tanto no Brasil quanto no exterior.

Exemplo: o BSW alemão (Bündnis Sahra Wagenknecht Vernunft und Gerechtigkeit ou, em português, Aliança Sahra Wagenknecht Razão e Justiça).

Outro exemplo: certo deputado federal, que vem se notabilizando por “passar o pano” em bolsonaristas e quetais.

Esta corrente de opinião se caracteriza por fazer uma cruzada contra o que chamam de “identitarismo” e, também, por conciliar com o racismo, a misoginia e o nacionalismo de direita, tudo em nome de (supostamente) dialogar com setores da classe trabalhadora que estão sob a hegemonia da direita.

O objetivo pode ser nobre, mas o resultado é péssimo, pelo simples motivo de que não se combate a direita aliando-se a ela.

Claro que combater as posições desta corrente de opinião tem, como tudo na vida, certo custo.

O PCO, por exemplo, não tem limite: mente, agride, deturpa, faz tudo aquilo que uma seita de extrema-direita faz. 

O mais recente exemplo disto está aqui:  https://causaoperaria.org.br/2024/um-esquerdista-tao-progressista-quanto-um-rei-feudal/

A pessoa que escreveu o artigo acima não gostou muito do “método” que adotei no artigo citado abaixo: https://valterpomar.blogspot.com/2024/09/pco-mentiras-padrao-bibi.html

Bibi (apelido que dei para tal pessoa) diz que eu prefiro fazer de minha defesa “uma nova acusação”.

Elementar, meu caro Bibi. Artigos de boa fé merecem um tipo de resposta. Textos mentirosos merecem outro tipo de resposta.

Bibi sabe que está mentindo? Confesso que às vezes tenho dúvida disso. A tentativa de apresentar duas mentiras como se “analogia” fossem me leva a pensar que pode existir, também, um problema cognitivo.

Mas a dúvida passa rápido, quando leio frases do tipo: “Valter Pomar (...) comemorou a demissão de Silvio Almeida por ter sido acusado de assédio”.

Atenção Bibi: eu concordei com a decisão de Lula. Mas não comemorei. O ocorrido é trágico, o conjunto da situação é trágico, não há o que comemorar.

Outro exemplo de frase mentirosa: “O problema todo é se, de acordo com a Lei, alguém deve ser automaticamente condenado ou não quando sofre esse tipo de acusação. E Pomar já demonstrou que, em sua opinião, sim”.

Evidentemente, não se encontrará, em nenhum lugar, este que vos escreve afirmando que “alguém deve ser automaticamente condenado”.

Bibi acha que “o problema é penal, e não político”. 

A verdade é outra: existe um problema jurídico e existe um problema político. São esferas autônomas, ainda que não independentes.

Aceita a tese de que o problema é penal, então certas decisões políticas dependeriam de decisões penais. E como o direito realmente existente é o que é, chegaríamos a conclusões absurdas.

Mudando de assunto: Bibi acha que “o identitarismo é justamente a ideologia oficial do imperialismo. É a ideologia que serve de cobertura para os crimes cometidos pelo imperialismo contra os povos de todo o mundo. Não há como negar, por exemplo, que o identitarismo cumpre um papel importante na candidatura de Kamala Harris – mulher, negra, imigrante, etc. E Kamala Harris, por sua vez, é a candidata do imperialismo para suceder o genocida Joe Biden”.

Pergunto: Trump é identitário? Milei é identitário? O Vox espanhol é identitário? Bolsonaro é identitário?

Imagino que até Bibi vai reconhecer que não. 

Pergunto então: durante o mandato de Trump, que antecedeu o de Biden, o imperialismo tirou férias? Se Trump voltar à presidência, os EUA deixarão de ser imperialistas?

Bibi diz, ainda, que “o identitarismo também tem um papel de destaque no crescimento da extrema direita em todo o mundo. Na medida em que atua para confundir a esquerda e para promover a censura, essa política é como água no moinho da extrema direita, que utiliza o exemplo dos cavalos de Troia identitários infiltrados na esquerda para apresentar a esquerda como truculenta e impopular”.

A depender do que entendamos por “identitarismo”, Bibi estaria parcialmente correto. 

Mas raciocínio semelhante poderia ser adotado para criticar o papel do esquerdismo, do social-liberalismo, da socialdemocracia etc.

Acontece que, para Bibi, “identitarismo” é um conceito tão vasto, que até mesmo um branco, gordo, velho, cis e adepto da igreja dos marxistas leninistas dos últimos dias é acusado de ser “identitário”, alguém que teria “uma posição tão pró-imperialista que é incapaz de reconhecer que sua posição é a igual à do imperialismo”.

O delírio é tão grande que Bibi chega a afirmar que Arthur Lira estaria "utilizando o caminho trilhado pelos identitários para censurar as acusações contra ele”. Cá entre nós, muito antes que se ouvisse falar em identitários, os poderosos já encontravam proteção junto a juízes amigos.

No finalzinho de seu texto, Bibi assume as vestes de Tulius Detritus e faz afirmações mentirosas sobre minha posição acerca das denúncias de corrupção lançadas contra o PT. 

Quem quiser saber o que eu penso a respeito do tema, pode ler aqui: https://valterpomar.blogspot.com/2016/12/o-pt-e-luta-contra-corrupcao.html

Resumo: Bibi, seja lá quem for, não debate, mente. O que é mais uma das decorrências da escolha política de contemporizar com certas posições da extrema direita.

quarta-feira, 11 de setembro de 2024

PCO: mentiras padrão Bibi

Como disse uma vez o camarada Aparício Torelly, "de onde menos se espera, daí é que não sai nada".

Mas o PCO exagera, como se pode ler aqui: Valter Pomar: palavra da Febraban vale mais que provas - Diário Causa Operária (causaoperaria.org.br)

Sobre o mérito, o texto do PCO não acrescenta nada de novo aos argumentos que já foram apresentados, com muito mais honestidade, por outras pessoas.

Assim sendo, me limito apenas a comentar algumas passagens onde o PCO adota o método nazi-sionista: mentir descaradamente.

Primeira passagem: o PCO escreve que "segundo Pomar, a verdade estaria com Israel”.

Como sabe qualquer um que tenha lido ou ouvido eu falar a respeito, isto é pura e simplesmente falso.

Segunda passagem: o PCO escreve que "o fato de que nenhum dos supostos estupros cometido (sic) pelo Hamas foi provado e de que, por outro, estupros contra palestinos tenham sido comprovados não tem a menor importância, segundo o dirigente da Articulação de Esquerda".

Como sabe qualquer um que tenha lido ou ouvido eu falar a respeito, isto é pura e simplesmente uma mentira. 

Terceira passagem: o PCO diz que eu estaria "admitindo" que "não é necessário provar absolutamente nada nos casos de crimes envolvendo mulheres. Com um típico identitário, para fazer demagogia com as mulheres, Pomar quer estabelecer que basta a palavra de uma mulher para condenar automaticamente um homem".

Como sabe qualquer um que tenha lido ou ouvido eu falar a respeito, isto também é uma mentira. 

Repito aqui o que já escrevi noutro lugar: o número de crimes contra a mulher é muito maior do que o número de denúncias, entre outros motivos porque é muito difícil condenar e provar, o que não quer dizer que o crime não tenha sido cometido.

Portanto, peço ao Tico do PCO que explique ao Teco do PCO que, na maioria dos crimes, não há condenação, muito menos automática.

Quarta passagem: o PCO diz que eu não vejo "estrago nenhum casado (sic) pelo identitarismo". 

Basta ler a frase de minha autoria, que o PCO reproduz logo em seguida, para constatar que não é essa a minha opinião. 

O que eu escrevi é que “na longa lista daquilo que causa ‘estrago’ em nosso país – incluindo aí a violência contra as mulheres em geral e contra as mulheres negras em particular – o ‘identitarismo’ seguramente não ocupa os primeiros lugares”.

Tico, por favor explique ao Teco: se eu disse "não ocupa os primeiros lugares", então reconheço que causa algum estrago, o que é totalmente diferente de "estrago nenhum". 

Quinta passagem: o PCO diz que eu sou um "identitário".

Como o PCO se acha marxista, é compreensível que achem qualquer coisa dos outros. 

Mas confesso que acho terrível ler a seguinte afirmação, feita pelo PCO: "o identitarismo está destruindo o País". 

Esta frase poderia ter saído da boca de alguém da extrema-direita. 

Seja lá o que entendamos por "identitário", não dá para falar que ele estaria destruindo o país.

A verdade é um pouquinho diferente: quem está "destruindo o país" é o imperialismo, o agronegócio, o capital financeiro, a classe dominante. 

Sexta passagem: "Graças aos identitários, hoje os sionistas podem acusar pessoas como o jornalista Breno Altman de ser racista!"

O sionismo é racista. E faz tempo que uma das táticas do sionismo é acusar seus inimigos de antisemitismo, portanto de racismo. Os sionistas fazem isso, não "graças aos identitários", mas graças ao imperialismo e graças à sua força própria.

Sétima passagem: o PCO diz que eu "admito" que "o mesmo tipo de campanha histérica que foi feita com Silvio Almeida já foi feita, com muito mais intensidade, em outro período, para preparar um golpe de Estado". 

Obviamente, eu não admito isso. 

O que eu disse é que julgamento penal é uma coisa, julgamento político é outra. 

E que “a condenação política – tão fácil neste ambiente de denuncismo e de redes antisociais – pode criar um ambiente que dificulte, objetivamente, o direito à defesa”; mas que “também pode ocorrer da não condenação política obstaculizar o devido processo, em prejuízo das vítimas, como ocorre no caso do presidente da Câmara dos Deputados, sem falar de outros cidadãos ilustres”.

Aliás, falemos de Artur Lira. O cidadão é acusado. E usa seu poder para pressionar Deus e todo mundo. Vide o que está ocorrendo, hoje, com o deputado Glauber Braga. Denunciar o uso da máquina e do poder bruto, por parte do Artur Lira, para se proteger das acusações de violência contra a mulher, seria "identitarismo"? 

Por fim: eu não sou a favor da “condenação política” antes da "condenação no devido processo". O que sou "a favor" é de compreender que são duas esferas autônomas, a do processo penal e a do "processo político". 

É exatamente por isto que Lula, corretamente, demitiu Silvio Almeida. Isto foi uma necessidade política, não uma condenação penal. Outra medida seria possível? Claro que sim. Seria a melhor? É preciso provar. Dado os acontecimentos, penso que Lula fez certo. 

Textos como o do PCO só reforçam esta minha opinião. Afinal, uma posição correta não precisa ser defendida com mentiras.


terça-feira, 10 de setembro de 2024

Novamente sobre a demissão de Silvio Almeida

A tendência petista de que faço parte não tomou posição coletiva sobre o conjunto de aspectos envolvidos na demissão do ministro Silvio Almeida. Obviamente, votamos a favor da nota aprovada pela comissão executiva nacional. Mas, a respeito dos inúmeros "detalhes", as posições que cada militante manifesta a respeito são individuais. 

Minha posição, ou parte dela, foi expressa no texto disponível no seguinte endereço: Valter Pomar: Sobre a demissão de Silvio Almeida

Ontem foi publicada no Viomundo e na Fórum a posição da companheira Tania Mandarino, que como eu integra a tendência petista Articulação de Esquerda.

A íntegra da posição de Tânia Mandarino está aqui: Tânia Mandarino: Para punir o homem não basta a palavra da mulher. Para protegê-la, sim! | Revista Fórum (revistaforum.com.br)

Tânia afirma que não está “defendendo nem Silvio Almeida nem Anielle Franco, porque as investigações dirão o que de fato aconteceu. Eu não boto minha mão no fogo por nenhum dos dois”.

Não estou de acordo em colocar as coisas nesses termos. Em primeiro lugar, não estamos diante de um conflito de versões entre duas pessoas. Estamos diante de uma situação em que uma pessoa foi alvo de várias acusações, feitas por muitas pessoas.

Ademais, adoraria ter a convicção de que as “investigações dirão o que de fato aconteceu”. Como é de conhecimento público, o número de crimes contra a mulher é muito maior do que o número de denúncias, entre outros motivos porque é muito difícil condenar e provar, o que não quer dizer que o crime não tenha sido cometido.

Tânia diz, também, que tem “ouvido tanta besteira nos grupos, tanta besteira, que quis vir aqui contribuir, mesmo sob o risco de ser cancelada pelo identitarismo vigente que está causando esse estrago no país”.

Esta maneira de colocar o problema não me parece a mais adequada. Não pela parte acerca das “besteiras”, embora talvez haja divergência acerca do que é e do que não é besteira. O que considero inadequado é a parte que se refere ao “identitarismo vigente que está causando esse estrago no país”. 

Não tenho certeza sobre qual seria “esse” estrago a que Tânia se refere. Seja lá qual for, neste caso acho equivocado apontar o dedo acusador para o “identitarismo”. Entre outros motivos porque, na longa lista daquilo que causa “estrago” em nosso país – incluindo aí a violência contra as mulheres em geral e contra as mulheres negras em particular – o “identitarismo” seguramente não ocupa os primeiros lugares.

Tânia defende que “a palavra da mulher tem prevalência absoluta, mas nunca, jamais, para o efeito de condenação do suposto assediador, ou importunador”. Eu acrescentaria uma palavra na frase: “penal”. Afinal, para condenar alguém nos termos da lei, é necessário o devido processo legal, garantida a presunção de inocência, o direito à defesa e ao contraditório. Mas condenação penal e condenação política são coisas muito diferentes.

Não se trata, como é óbvio, de um tema trivial, como vimos no caso da Ação Penal 470 e no caso da Lava Jato. A condenação política - tão fácil neste ambiente de denuncismo e de redes antisociais - pode criar um ambiente que dificulte, objetivamente, o direito à defesa. Mas também pode ocorrer da não condenação política obstaculizar o devido processo, em prejuízo das vítimas, como ocorre no caso do presidente da Câmara dos Deputados, sem falar de outros cidadãos ilustres.

Para enfrentar este dilema, não encontramos resposta em “nenhuma regra do ordenamento jurídico brasileiro”. A questão é política, admitindo muitas mediações e soluções. Entretanto, por onde quer que eu observe os acontecimentos, não acho certo falar em “questão abjeta pela forma como vazou”. A questão é abjeta sim, mas por outros motivos, não devido a “forma como vazou”. Aliás, devemos nos perguntar se a “forma como vazou” não estaria vinculada a dificuldade de processar os que cometem crimes contra as mulheres.

Na mesma linha, acho um erro falar que estaríamos “penando aqui, em ano eleitoral, sabe, sofrendo por causa de uma questão tão idiota, que foi colocada de uma forma ridícula para uma ONG”. De fato, nessa eleição muitos de nós estamos “penando” e “sofrendo”, mas por outros motivos. Ademais, a “questão” pode ser muitas coisas, mas “idiota” não é. Como a própria Tânia afirma, estamos diante de um crime, seja de violência, seja de falsa denúncia. Finalmente, longe de mim qualquer entusiasmo por ongues; mas não acho razoável tratar como “ridícula” a atitude de quem busca denunciar um crime.

Meu ponto, em resumo, é o seguinte: tudo deveria e poderia ter ocorrido de forma diferente. Mas não me espanta que tenha ocorrido assim. Tampouco acho que já tenhamos todos os elementos para formar um juízo relativamente completo. Até porque podemos estar diante daquilo que alguns chamam de crise sinalizadora. Feitas todas estas ressalvas, opino que a executiva nacional do PT fez certo em solidarizar-se com Anielle e com as mulheres vítimas de violência, assim como Lula fez certo em demitir Sílvio Almeida. E acertou de novo ao escolher a nova ministra de Direitos Humanos.