quinta-feira, 27 de setembro de 2018

“Um problemão para Haddad”


Este é título de um texto que acabo de receber, enviado por um colega de trabalho.

O texto é assinado por Pierro Leirner, “antropólogo, Doutor pela USP, Professor da UFSCar.

Assustador.

Primeiro o autor compra como verdadeira a tese de que a “banca” estaria migrando “pro ex-dono da lojinha da 25 de março”.

Segundo, o autor acredita que “Haddad tem tudo para ganhar com um 60/40” (o que é possível, mas está longe de estar garantido) e que seu maior problema será “o que fazer com esse monte de militares que já estão fechados”.

Claro, como o autor acredita que a “banca” já está migrando, então o maior problema passa a ser o militar. Na prática, enquanto debatemos o que fazer com os militares, a “banca” opera livremente.

Terceiro, o autor afirma que “o comando deixou livre a campanha do Bolso correr entre os jovens oficiais”. A afirmação correta seria: o comando “migrou” para Bolsonaro e está trabalhando para que o conjunto da tropa faça o mesmo.

Portanto, ao contrário do que diz o autor, nosso maior problema não é a “ter a baixa oficialidade, lá, junta com os sargentos, pilhada”, nosso problema são os comandantes. Não apenas “vários oficiais intermediários e superiores”, não apenas “dois oficiais da reserva”, mas a maioria do alto comando das forças armadas.

Quarto, o autor diz que “1964 não teria ocorrido do jeito que ocorreu se Jango não tivesse se dirigido aos sargentos. Teria acontecido algo diferente, mas não aquilo. Conversei com pelo menos 3 ex-generais que se reformaram na década de 1980 que sabiam muito do que se passou, e todos me disseram isso”.

Com fontes assim, que obviamente querem por a culpa no Jango e achar uma justificativa bem “weberiana”, como é mesmo que seria possível chegar a outra conclusão???

Feita esta introdução, o autor passa a apresentar sugestões para Fernando Haddad.

A primeira sugestão é procurar “os comandos das 3 Forças desde já. Garanta que você vai OUVIR o que eles têm a dizer. Lembra aquela história de que a Dilma não ouvia os empresários? pois é, segundo soube, não eram só eles que se sentiam “não escutados”.”

Ou seja, empresários e comandantes (e sindicalistas, estudantes etc.) são tratados como se fossem a mesma coisa. Esquecendo algo óbvio: quem receber o direito de exercer o monopólio da violência em nome do Estado não pode chantagear este mesmo Estado, usando as armas recebidas com este fim. Aceitar a proposta feita por Leirner é desistir do princípio da submissão total do militar ao poder civil.

A segunda sugestão é garantir “a eles que essa história de Comissão da Verdade não vai para frente. Já eu te garanto que foi isso que produziu essa galvanização das FFAA em torno de Bolso. Deixe que o MP e o judiciário cuidem disso, é até bom, pois aí você reestabelece as FFAA como fator dissuasório para as barbaridades que os “fora da caixinha” vão querer continuar a fazer.”

Ou seja, o que nunca foi para a frente, vai continuar no mesmo lugar. Nada de justiça, nada de reparação (pois alguém acredita que o MP e o judiciário vão “cuidar disso”?). Ficando a pergunta: o que ganhamos com isso, senão forças armadas que não tem respeito pela democracia, pelo poder civil, pelos direitos humanos e que, portanto, vão agir ou se deixar usar por quem queira agredir as liberdades democráticas??

Junto desta sugestão vem um comentário típico de quem não conhece o PT: “isso vai desagradar gente de dentro? Claro que sim. Mas é isso aí, é melhor você rifar a turma do jurídico-PT que cercava a Dilma do que rifar mais ainda as FFAA. Você vai precisar delas se quiser botar Lula do seu lado e garantir apoio popular.”

No partido que eu conheço, na história que eu vivi, a turma do “jurídico-PT” nunca quis rifar as FFAA. Pelo contrário, no fundamental se submeteu do mesmíssimo jeito que Leirner propõe que façamos de novo.

Leirner fala também da entrevista de um general a Lo Prete. Sobre isso, recomendo ler o seguinte texto: https://operamundi.uol.com.br/analise/53474/a-blitzkrieg-golpista-do-general-rocha-paiva-na-tela-da-globonews

A terceira sugestão é aproveitar e dizer que “o “Documento de Conjuntura” do Rui Falcão é um equívoco, que eles podem ter certeza que você não vai nem mexer nas promoções, nem nos currículos. Imagine o Exército colocando uma cláusula de “patriotismo” para determinar as pontuações de concurso para docente em Universidades Federais. Você não gostaria disso, certo?”

O texto não é do Falcão, é uma resolução do Diretório Nacional do PT. E comparar o currículo das escolas militares com o currículo das universidades públicas é, novamente, confundir alhos com bugalhos. Leirner não entendeu, até agora, que ao receberem o direito de portar armas em nome do Estado, os militares devem estar subordinados estritamente ao poder civil.

A quarta sugestão é oferecer “ a pasta de defesa a um Almirante. Idem para o GSI, coloque alguém ou da Aeronáutica ou da Marinha. Nada de Aldo Rebelo, nem de congressista. Se botar político, aí já era.”

Ou seja, assume-se a tese – que não vale na maioria dos países que sabem fazer e vencer guerras—que a guerra é um assunto sério demais para ser tratado por civis. Que são os generais que entendem disso.

A quinta sugestão é aumentar “o número de Brigadas (e o equivalente nas outras Forças)”, não porque o país precise, mas porque isso vai aumentar o número de cargos, facilitar promoções etc.

O professor acha fazendo isso”fica bem mais difícil qualquer tentativa de sabotagem a um projeto de “reconquista da Petrobras”. Olha que bacana, as coisas voltam um pouco aos seus lugares.”

O cidadão não sabe, mas está arrombando porta aberta: achar que aumentar as verbas era a melhor maneira de conquistar corações e mentes dos militares foi um erro cometido pela esquerda em governos recentes.

A última sugestão é demonstrar “apreço” pela tradição e “decorar a hierarquia”.

O professor acha que “convencer a massa de militares que aderiu ao bolsonarismo a voltar para a caserna vai ser difícil, mas negociar isso com generais e daí a ordem ir para baixo é plausível. E, por mais que se tenha os militares no vértice oposto do espectro ideológico, é bem melhor ter eles ao lado, que afinal vivem sob uma cadeia de comando que tem que estar unida, do que ceder isso e ter que apostar em procuradores e juízes que atiram por conta própria”.

O que o professor não entende é exatamente que, depois de fazer todas estas concessões, os militares vão entender, muito corretamente, que são eles que mandam.

E se é assim, para que mesmo eleger um presidente civil? E de um partido de esquerda?

O medo e a covardia não são bons conselheiros.



A INTEGRA DO TEXTO COMENTADO
(IV). COMO EVITAR O GOLPE MILITAR JÁ DEPOIS DO CARNAVAL
Para não dizerem que o Duplo Expresso torce pelo fracasso de Haddad…
Um problemão para Haddad, por Piero Leirner
(antropólogo, Doutor pela USP, Professor da UFSCar)
A essas alturas tudo indica que aquilo que estávamos falando há duas ou três semanas (certo, Romulus?), está em curso: a banca desistiu do Bolso, e está migrando pro ex-dono da lojinha da 25 de março (bom sinal, sabe negociar). Não vamos nos iludir: a ordem veio de fora, como sempre, e precisou ser explicitada pela The Economist, NYT, etc. Claro que ainda se espera céu de brigadeiro, com Alckmin chegando lá. E, claro de novo, como sempre, esqueceram de combinar com os eleitores. Mas evidentemente os sinais estão aí, para quem quer ver. Como bem me mostrou a Renata Moreira, a Época já decretou o #elenão. Grupo Globo assumiu. Tive ontem que superar minhas resistências, e participei do que seria a sessão de tortura da Globonews pós-Ibope. Nada de surpresas, nenhuma conversa de que a eleição está polarizando nos “extremos”. O script do FHC bateu e voltou, não teve efeito. E, como bem lembrou o Romulus hoje, a PF acabou de jogar panos quentes na facada. A mesma PF que até anteontem fazia tiro ao alvo em foto da Dilma, de repente virou o arauto do legalismo?
Vamos dizer que a coisa continue como está, sem Alckmin decolar. Haddad tem tudo para ganhar com um 60/40. Ele só vai ter, entre outros, um problema. Mas será maior que os outros. O que fazer com esse monte de militares que já estão fechados? Deixe-me colocar alguns pontos, para a gente pensar.
O primeiro problema é que as ideias na corporação militar não correm na mesma velocidade que as mudanças de vento nas eleições. É certo que muita gente lá dentro (tô mais pensando em Exército, acho que Aeronáutica é mais tranquila e Marinha mais ainda) apoia Bolsonaro, e há alguns que não. Já se falou isso em várias entrevistas por aí com militares DA ATIVA. Fora isso, tem essa história que tô falando há tempos, de que o comando deixou livre a campanha do Bolso correr entre os jovens oficiais. Pelo menos desde 2014 ele é presença constante na AMAN, então não duvido que agora tenha um bando de tenentes bolsonaristas. É uma bomba-relógio, qualquer um sabe que a pior coisa para a tropa é ter a baixa oficialidade, lá, junta com os sargentos, pilhada. Então temos 3 problemas aqui:
1) Jovens tenentes com disposição para a quartelada;
2) Vários oficiais intermediários e superiores com disposição para engrossar esse caldo;
3) Dois oficiais da reserva com muita liderança e diretamente ligados ao perdedor, que são Heleno e Mourão.
Se há algo que apavora as FFAA mais do que qualquer outra coisa, é uma ruptura em suas fileiras. Podem escrever: 1964 não teria ocorrido do jeito que ocorreu se Jango não tivesse se dirigido aos sargentos. Teria acontecido algo diferente, mas não aquilo. Conversei com pelo menos 3 ex-generais que se reformaram na década de 1980 que sabiam muito do que se passou, e todos me disseram isso. Mas vamos lá. Vamos acreditar que esse “extended play” do Villas-Boas é um recurso hercúleo para manter a unidade desde já. Isso aguenta com Haddad? Sinceramente, acho que sem uma “defesa mínima não-provocativa” por parte do novo Presidente, ele não dura 1 ano. Então vai aí minha dica:
Prezado Haddad, algumas sugestões para você:
– Procure os comandos das 3 Forças desde já. Garanta que você vai OUVIR o que eles têm a dizer. Lembra aquela história de que a Dilma não ouvia os empresários? pois é, segundo soube, não eram só eles que se sentiam “não escutados”.
– Garanta a eles que essa história de Comissão da Verdade não vai para frente. Já eu te garanto que foi isso que produziu essa galvanização das FFAA em torno de Bolso. Deixe que o MP e o judiciário cuidem disso, é até bom, pois aí você reestabelece as FFAA como fator dissuasório para as barbaridades que os “fora da caixinha” vão querer continuar a fazer.
– isso vai desagradar gente de dentro? Claro que sim. Mas é isso aí, é melhor você rifar a turma do jurídico-PT que cercava a Dilma do que rifar mais ainda as FFAA. Você vai precisar delas se quiser botar Lula do seu lado e garantir apoio popular. Lembre-se do que aquele General falou lá na Lo Prete: “o problema não está em Lula e Haddad, que estão aqui em cima [fez o gesto com a mão]; o problema são os outros do PT…”. Ele falou uma bobagem lá de gramscianismo (isso é outra história), mas pode ter certeza que essa visão se formou com os anos de experiência que militares tiveram junto à Dilma no palácio do Planalto. Foi, para dizer o mínimo, desastrosa.
– Aproveite e diga que o “Documento de Conjuntura” do Rui Falcão é um equívoco, que eles podem ter certeza que você não vai nem mexer nas promoções, nem nos currículos. Imagine o Exército colocando uma cláusula de “patriotismo” para determinar as pontuações de concurso para docente em Universidades Federais. Você não gostaria disso, certo?
– É muito chato isso, mas você vai ter que dar um jeito de dizer: “Dilma lá, eu aqui”. Acho que até vale uma barganha, vantajosa para todo mundo: “Que tal Dilma lá, eu e Lula aqui?”. Acho que funciona hein…
– Como gesto de boa vontade, ofereça a pasta de defesa a um Almirante. Idem para o GSI, coloque alguém ou da Aeronáutica ou da Marinha. Nada de Aldo Rebelo, nem de congressista. Se botar político, aí já era.
– O grande problema da carreira dos oficiais é o posto de coronel. Quando o sujeito chega lá, entra automaticamente numa angústia absurda. Eles sabem que o funil para general é barra pesada, e é uma roleta. Ninguém tem certeza se vai ser promovido (muitos sabem que não vão, mas tem um monte que acha que vai e acaba não indo). Qual seria a melhor coisa a se fazer? Aumente o número de Brigadas (e o equivalente nas outras Forças). Tá precisando mesmo de umas em região de fronteira.
– É claro que isso aumenta o gasto. Que tal então falar que vai reaver um projeto de tributação do pré-sal, e que uma porcentagem disso vai para a defesa? Te garanto que aí fica bem mais difícil qualquer tentativa de sabotagem a um projeto de “reconquista da Petrobras”. Olha que bacana, as coisas voltam um pouco aos seus lugares.
– Finalmente, se tem uma coisa que eles detestam é que se mexa nas “tradições”. É uma coisa maluca, mas às vezes, quando ia visitar alguma unidade, eles preferiam muito mais falar do orgulho que tinham da galeria de ex-Comandantes, da biblioteca, dos quadros, do Refeitório (“rancho”), do que do tanque, da arma, etc. Talvez porque achavam que eu era professor e ia se interessar mais por isso, mas também vi esse protocolo ser aplicado para visitas de oficiais estrangeiros. Seja como for, demonstre algum apreço por isso, e decore a hierarquia batendo o olho no ombro do sujeito. Outra coisa que os caras detestam é ver capitão sendo chamado de “coronel”.
Enfim, vai ser uma dureza fazer esse monte de concessões, sabemos. No entanto, será melhor do que continuar a política de Dilma para os militares como forma de fazer concessão ao PT-jurídico achando que tá batendo no Bolso como se fosse cachorro morto. Isso não vai funcionar. Aliás acho bem melhor ter Lula e o pré-sal (ou o que restou dele) de volta do que continuar insistindo nos elementos que causaram essa alergia toda. Convencer a massa de militares que aderiu ao bolsonarismo a voltar para a caserna vai ser difícil, mas negociar isso com generais e daí a ordem ir para baixo é plausível. E, por mais que se tenha os militares no vértice oposto do espectro ideológico, é bem melhor ter eles ao lado, que afinal vivem sob uma cadeia de comando que tem que estar unida, do que ceder isso e ter que apostar em procuradores e juízes que atiram por conta própria.


2 comentários:

  1. O nome é "Piero", com um erre só ok?

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  2. Sinceramente não consigo levar a sério nada que sai do DE do WC. São literalmente patéticos, torcidos quase infantis olhe por onde se olhe. Para mim estão de corpo e alma empenhados no plano B, de BANIR O PT da vida política do país. Prenderam um Lula mítico em suas "pautas" bizarras, querem formar uma comunidade de seguidores. Fala sério, no meio desse tiroteio ainda ter que suportar os meninos brincando de biribinha. Faça-me o favor. São apenas idiotas funcionais, mas deveriam servir de alerta para as lideranças do PT de como deixam simpatizantes, eleitores e militantes desprotegidos e desgarrados. Acho que os conselhos de Bertold Brecht sobre o papel do partido devia voltar a ser entendido.

    ass. Policarpo

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