Retomo aqui
meus comentários acerca das Memórias de José Dirceu.
Sobre o livro
de conjunto, escrevi uma resenha para a revista Teoria e Debate, disponível no endereço https://teoriaedebate.org.br/estante/as-lembrancas-de-dirceu/.
Depois
escrevi um comentário acerca das referências que Dirceu faz acerca da atuação
da Articulação de Esquerda no período 1993-1995. Este comentário está aqui:
Nesta PARTE II,
abordarei a versão de Dirceu acerca de alguns episódios que antecederam o curto
período de dois anos (meados de 1993 a meados de 1995) em que a Articulação de
Esquerda fez parte da maioria do Diretório Nacional do PT.
No capítulo
14, Dirceu trata de vários assuntos, entre os quais a constituição da
Articulação dos 113, da vitória da Articulação dos 113 no Encontro Estadual do
PT SP no ano de 1983, de sua atuação como secretário de formação política e
depois como secretário-geral do PT paulista.
Neste capítulo
Dirceu também fala da Campanha das Diretas Já e apresenta a crítica programática,
estratégica e organizativa que a Articulação dos 113 fazia contra as chamadas “tendências
organizadas” do PT.
Parte desta
crítica seria sistematizada em um texto assinado por Wladimir Pomar e José
Dirceu, texto que pode ser lido no seguinte endereço:
No capítulo
14 das Memórias Dirceu aborda a postura do PT frente ao Colégio
Eleitoral, a campanha de Suplicy para a prefeitura de São Paulo capital em 1998
e a campanha de Dirceu para deputado estadual em 1986
Nas páginas
206 e 207, duas preciosidades:
a) a primeira é a relação que Dirceu estabelece entre as pressões contra a candidatura de Suplicy em 1985, com a posterior “ladainha para apoiar o PSDB contra a direita”;
b) a segunda é a crítica que Dirceu faz ao “ovo da serpente que envenenaria o PT nos próximos trinta anos: o marketing político”.
a) a primeira é a relação que Dirceu estabelece entre as pressões contra a candidatura de Suplicy em 1985, com a posterior “ladainha para apoiar o PSDB contra a direita”;
b) a segunda é a crítica que Dirceu faz ao “ovo da serpente que envenenaria o PT nos próximos trinta anos: o marketing político”.
Também neste
capítulo, na página 211, se afirma que “algo de muito errado acontecia em
nossos governos (...) o PT se recusara a associar-se com o governo e a
governar. Era aí, síndrome do voluntarismo e do vanguardismo. Impunha-se não só
chegar ao poder como aprender a governar”.
A afirmação
pode ou não ser correta. Mas as experiências do PT em governos, até este
momento, podiam ser contadas nos dedos de uma mão.
Em seguida,
Dirceu resume suas lembranças do 5º encontro nacional do PT:
“Realizado no começo de 1987, o 5º Encontro ‘centralizou’,
como se dizia, as tendências. Algumas estavam no PT de passagem. O partido era
transitório, o ‘tático’, na linguagem cifrada da esquerda. Não passaria de uma
frente parlamentar. Essa definição política e estratégica seria depois consolidada
pelo 7º Encontro em 1990, mas o 5º Encontro avançou na definição, decisiva, da
estratégia para construir e não assaltar o poder. Afirmou o socialismo como
objetivo dessa luta por hegemonia contra as classes dominantes. A conquista do
poder pelo voto, pacífica, era o caminho da luta pelo socialismo.”
Virei e revirei a resolução do 5º e mesmo do 7º encontro do PT, e não encontrei esta definição segundo a qual “a conquista do poder pelo voto, pacífica,
era o caminho da luta pelo socialismo”.
Arrisco dizer que em 1987 o
próprio Dirceu não acreditava nisto, se é que acredita nisto hoje.
Dirceu nos
conta, na página 213, que Lula o convidou para assumir a secretaria-geral
nacional do PT:
“com a expectativa de que eu reproduzisse nacionalmente o
trabalho de articulação, organização partidária, direção e orientação política
que havíamos realizado em São Paulo. O problema é que, em São Paulo, existia um
núcleo dirigente coeso e plural, disciplinado e formado na direção colegiada,
coletiva, no movimento sindical e na esquerda. No país, não obstante todos os
esforços nesse sentido, somente em 1995 conseguiríamos eleger uma direção sob
uma orientação política comum e com metas políticas definidas.”
Confesso que
a afirmação me causa espanto.
Faziam parte da executiva nacional do PT, naquela
ocasião, além do próprio Dirceu, as seguintes pessoas: Olívio Dutra, Djalma Bom,
Jacó Bittar, Hélio Bicudo, Paulo Delgado, Perseu Abramo, Geraldo Magela,
Marcelo Deda, Luis Dulci, Wladimir Pomar, Luis Eduardo Greenhalgh, Luiz
Gushiken, Hamilton Pereira, Eurides Mescoloto, César Alvarez, José Genoíno,
João Machado e Gilberto Carvalho.
No capítulo
16, Dirceu trata do tema da Constituição de 1988, explicando a posição do PT:
não votar, mas assinar. E reclama da tentativa de revisão constitucional, feita
pela direita em 1993, omitindo que setores do Partido também defendiam esta
revisão.
Outro tema
abordado neste capítulo são as eleições de 1988, introduzidas assim:
“Ascendia um poderoso ciclo de embates sociais e o PT crescia
como produto e motor dessas lutas. Não era impossível chegar ao governo
provocando uma ruptura, risco de difícil avaliação, que não podíamos correr.
Havíamos optado pelo caminho da luta social e institucional e nos preparamos
para disputar as eleições municipais de 1988.”
O parágrafo
acima, localizado na página 219, é bem típico de um modo de pensar que, por
suas limitações, contribuiu para nosso impasse atual: a incapacidade de
enquadrar num mesmo pensamento estratégico luta social, luta institucional e
ruptura.
O curioso é que as resoluções do 5º e depois do 6º encontro nacional
do PT tratam disto.
Acerca das
eleições de 1988, Dirceu cita as prévias entre Plínio e Erundina, vencidas por
esta última. Reconhece que a cúpula da Articulação estava errada ao considerar
Erundina uma “opção inviável eleitoralmente. Estávamos redondamente enganados e
o eleitorado popular nos mostraria o equívoco”.
O episódio,
infelizmente, não ocupa mais que um parágrafo das Memórias. Como no caso do
plebiscito sobre sistema de governo, Dirceu reconhece o erro, mas não se
aprofunda nas razões pelas quais o erro foi cometido.
Aliás, o
governo de Erundina não foi esquerdista, muito pelo contrário.
Caberia ao
Diretório Municipal do PT de São Paulo, sob a gestão de Rui Falcão, o papel de
combater o “administrativismo” da gestão, termo que equivale ao atual “republicanismo”.
E foi exatamente aí que começaram muitas das divergências que resultariam na
cisão da Articulação, em 1993.
Dirceu faz uma
avaliação positiva do governo de Erundina. Sua crítica mais dura é a seguinte: “Pecou
por isolar-se com sua corrente, o PT Vivo, e por tender às decisões pessoais e
de grupo”. E o na época dramático rompimento com Luiz Eduardo Greenhalgh é
resumido assim: “sem sucessor, rompido com seu vice”.
Acontece que
Dirceu, na análise dos governos, está mais preocupado com os desvios de esquerda
do que com os desvios de direita. Nas suas palavras, na página 229:
“Ficaram a experiência e a necessidade de superar a tendência
de setores importantes do PT que se recusaram a governar e viam o acesso aos
cargos eletivos mais como instrumentos apenas para fomentar e organizar a luta
política. Nesse processo enfrentamos, embora em menor escala, mas ainda danosa,
a atitude de alguns setores ao recusarem o ônus de ser governo. Inúmeras vezes,
o próprio PT era o principal opositor aos nossos governos, produzindo crises gravíssimas
com os governadores Vitor Buaiz, Zeca do PT e Cristovam Buarque.”
Podemos
concordar ou discordar pontualmente acerca do balanço deste ou daquele governo.
Mas depois de 36 anos de experiências de governo, alguém acha que é possível insistir
que nosso problema principal sejam os desvios de esquerda?
Escrevendo a
respeito no ano de 2017, Dirceu chega a dizer o seguinte, na página 229:
“Era, e é natural, a tensão no debate das políticas
relacionadas ao funcionalismo público, importante base do partido e de
parlamentares de esquerda. Mas era preciso distinguir. Governo e partido são
ambas instâncias do Estado, mas partem de universos diferentes. O governo
representa o interesse da sociedade, de classes, é verdade, enquanto o PT
exprime interesse do coletivo, da maioria partidária e de nossa base social, os
trabalhadores e excluídos.”
A definição
segundo a qual partidos e os governos são instâncias
do Estado é uma definição tipicamente socialdemocrata.
Esta
definição está na base do republicanismo, que tanto contribuiu para a criminalização
de Dirceu, Lula e do PT.
Aceita esta
definição que transforma o partido em instância estatal, é praticamente
impossível dar uma solução positiva para aquilo que Dirceu defende no parágrafo
seguinte da mesma página 229:
“Saber defender dentro do governo os interesses que representamos
sem confundir o governo com o partido e vice-versa, é o x da questão. A questão
envolve a forma de ampliar e consolidar, centro da gestão, o interesse do
partido e de sua representação social. Mas se opor ao governo para não assumir
ônus, só bônus, é a pior solução. Uma coisa é contestar decisões abertamente
contrárias ao nosso programa. Outra é refugar a solidariedade com o governo na
crise e na disputa com os adversários que, como sabemos, se comportam como
inimigos.”
A
impossibilidade é simples: se ambos, partido e governo, são instâncias
estatais, o governo é mais amplo e, portanto, seus interesses supostamente maiores
subordinarão os interesses supostamente menores do partido.
Noutras
palavras, a correta e acaciana ideia segundo a qual o Partido deve defender o
governo que elegeu, cede na prática seu lugar para a noção segundo a qual o
partido deve ser uma correia de transmissão do governo.
O capítulo
17 termina falando introduzindo o tema das eleições de 1989. Aqui comete-se um
dos muitos pequenos erros que uma revisão mais atenta evitaria:
“o cenário [das eleições de 1989] não era dos melhores para o
PT, pela pressão e exploração da mídia. Viviam-se os momentos finais da União
Soviética e havia a queda do Muro de Berlim. Ocorrera o massacre da Praça da
Paz Celestial, em Pequim. Os sandinistas haviam sido derrotados eleitoralmente
na Nicarágua e agravara-se a crise em Cuba. Uma época se encerrava, a das
revoluções proletárias.”
Os
sandinistas, como sabemos, foram derrotados em fevereiro de 1990, portanto
depois das eleições de 1989.
Mas o que chama
atenção na passagem acima é a maneira como se despacha o chamado socialismo
real. Segundo Dirceu:
“a legenda não tinha compromisso com o chamado socialismo
real e tampouco se portava como sua herdeira. Ao contrário, formara-se na
solidariedade internacional aos trabalhadores e depositária dos ideiais
socialistas, mas avessa ao autoritarismo dentro e fora do Brasil. Apoiara as
lideranças do sindicato polonês Solidariedade e opusera-se à repressão na
China, embora com retórica diversa da política agressiva dos EUA.”
Certamente
este é mais ou menos o discurso oficial que o Partido adotou na época, especialmente
nas resoluções do 7º encontro nacional.
Mas depois de
que tanta água passou por debaixo da ponte, e vindo de alguém como Dirceu, que
faz uma defesa firme de Cuba, a impressão que fica é que falta mais reflexão.
Especialmente
porque, como Dirceu mesmo alerta, “por trás do discurso adversário, tentava-se
influir no partido e na avaliação que fazia daquela catástrofe política e
ideológica. Outros interesses trabalhavam para domesticar o PT”.
A expressão “domesticação”,
aliás, é central no manifesto Hora da Verdade.
O capítulo
18 trata das eleições de 1989.
Já
observamos, na resenha publicada na revista Teoria e Debate, a curiosa ausência
de qualquer menção a Wladimir Pomar, que foi coordenador geral da campanha Lula
e secretário nacional de formação política do PT entre 1986 e 1989.
Os
interessados na análise de Wladimir acerca da eleição de 1989 podem ler o livro
Quase lá, disponível no seguinte
endereço:
Neste livro,
Wladimir Pomar apresenta uma versão diferente acerca de pelo menos dois
episódios citados nas Memórias de Dirceu: a escolha do vice (Gabeira ou Bisol?)
e a postura da maioria do Diretório Nacional frente às chances de vitória de
Lula.
Na página 239,
Dirceu diz o seguinte:
“Mas fica a pergunta: será que não foi melhor perdermos e só
ganharmos em 2002, treze anos depois. Digo que não. Nunca se chega ao governo
ou poder porque se quer. Nunca todas as condições estão ou estarão criadas. O
triunfo de Lula em 1989 desencadearia uma sucessão de fatos, acontecimentos
imprevisíveis e de mudanças em todos os sentidos. Teríamos evitado a tragédia
dos anos Collor e o Brasil não seria o mesmo.”
Folgo em ler
isto, pois contradiz a lembrança que tenho de uma rápida conversa com Dirceu no
comitê da campanha, em 1989.
Claro, é só
uma lembrança, e como acontece com algumas do próprio Dirceu, pode estar
totalmente errada.
Encerrado
seu relato sobre a campanha de 1989, Dirceu fala da reciclagem ocorrida em
algumas tendências petistas (o PRC em Nova Esquerda, o Poposo em Vertente
Socialista, o PT Vivo, “era a direita do PT se consolidando, com uma crítica
radical a eles próprios, ao esquerdismo do passado recente, à ditadura do
proletariado, ao socialismo real, à revolução armada”); cita de passagem o 7º Encontro
Nacional, trata do Primeiro Congresso do Partido e dos primeiros passos do governo
Collor de Melo.
O capítulo seguinte,
de número 19, começa falando da campanha de Dirceu a deputado federal, em 1990.
Esta campanha, segundo ele, é afetada por “uma luta subterrânea” que eclodira
na Articulação:
“Não havia mais unidade no núcleo duro da Articulação.
Gushiken e Mercadante se aproximaram das teses e posições de Genoíno e Eduardo
Jorge. Florescia a posição de ‘dissolução das tendências’, de partido de
interlocução, de refundação e de aproximação com o PSDB. Teses às quais eu me
opunha e com as quais não concordava em hipótese alguma.”
O curioso é
que os adversários de Dirceu, neste momento, serão seus aliados contra a
esquerda petista entre 1993 e 1995 e nos anos seguintes. E, ao contrário, seus
aliados em 1990 serão mais adiante tratados por Dirceu como inimigos.
Para além da
curiosidade, há uma questão de fundo: quem prevaleceu? Dirceu escapa de
responder esta questão, que está no fundo da cisão da Articulação dos 113.
As posições
que o PT e o próprio Dirceu passaram a defender depois de 1995 são diferentes
das que prevaleciam até 1990; e são posições mais parecidas com essas que
Dirceu combateu no Primeiro Congresso do PT.
Uma das
provas disso apareceria, uma década depois, quando Dirceu perde a batalha para Palocci
acerca de quem, e de qual política, hegemonizará o primeiro mandato do governo
Lula.
Entre 1990 e
1993, a direita da Articulação dos 113 considerava Dirceu um de seus principais
inimigos. Ao contrário, boa parte da esquerda da Articulação dos 113 via em Dirceu um
aliado.
Para surpresa nossa, e talvez também para surpresa do outro lado,
Dirceu escolheu não marchar com a esquerda. Se isto tivesse ocorrido, o que
teria mudado na história do PT nos anos 1990? Nunca saberemos. Mas o esforço
que Dirceu faz para desqualificar a Articulação de Esquerda é, num plano
estritamente psicológico, muito revelador.
Também é
revelador o fato das Memórias não falarem praticamente nada acerca do 7º encontro
nacional do Partido, em 1990. Nem das polêmicas acerca da aprovação do Fora
Collor. Nem do seu papel e de suas opiniões acerca da expulsão da Convergência
Socialista, em 1992.
Toda memória
é seletiva e uma autobiografia escrita na cadeia tem limitações que devemos
compreender. Mas uma vez que estamos diante de uma obra pública, ela passa a
fazer parte da luta de ideias e merece ser criticada pelo que diz e pelo que
não diz.
Por exemplo:
no capítulo 20, o mesmo em que reconhece (embora não analise as causas) o erro
cometido em defender o parlamentarismo no plebiscito sobre sistema de governo, Dirceu
reclama da decisão aprovada por 26 a 25, no Diretório Nacional do PT, acerca do
governo Itamar.
Dirceu
afirma que teria dito a Lula, nesta ocasião:
“perdemos aqui, hoje,
a eleição de 1994. Como era admissível o PT, responsável pelo impeachment,
lavar as mãos? Pior, colocar-se na ‘ilegalidade’. Era um risco se nossos
adversários quisessem explorar aquilo. Ademais, a proposta estava absolutamente
fora da realidade, como os fatos de 1993 e 1994 cabalmente provariam.”
O Diretório
Nacional de 1992, é bom lembrar, foi aquele eleito pelo 7º Encontro Nacional do
PT.
A chapa da Articulação tinha 56% dos votos, portanto 46 membros. A chapa da
“direita” partidária tinha 17% dos votos, portanto 14 membros. As duas chapas
da esquerda tinham, somadas, 27% ou 22 integrantes do DN. Segundo Dirceu,
votaram 51 pessoas, de um total de 82. Quem exatamente votou nesta resolução? Não
sabemos, Dirceu não diz.
Mas sabemos
qual era o pano de fundo da discussão. Havia um setor do Partido que acreditava
que o governo Itamar seria uma espécie de “transição” entre Collor e Lula.
Outro setor percebia, embora nem de longe vislumbrasse o tamanho da encrenca,
que nossa chance de vitória dependia do governo Itamar não se estabilizar.
Os fatos de
1993 e 1994 mostraram que o governo Itamar foi a incubadora do governo FHC.
Podemos divergir acerca de qual tática poderia/deveria ter sido adotada frente
a isto, mas considerar que Lula teria perdido as eleições de 1994 quando o PT
aprovou uma resolução dura contra o governo Itamar é uma visão que vai na exata
contramão dos fatos.
]
Aliás,
Dirceu mesmo reconhece que “as relações de Lula com o governo Itamar Franco não
tinham nada a ver com a posição ‘oficial’ do PT e do Diretório Nacional”. Mas Dirceu
não liga lé com cré, não percebe que a atitude complacente frente ao governo
Itamar contribuiu para que, dentro dele, os neoliberais articulassem o plano
Real e a candidatura FHC.
Sobre o
plano real, Dirceu afirma que “não sabíamos o que fazer, Nosso discurso oscilou
da condenação ao desconhecimento e, depois, ao apoio envergonhado”.
Dirceu chega
a dizer o seguinte:
“Mercadante, deputado federal, vice presidente do PT,
economista, líder sindical na PUC, assessor da CUT e de Lula, ocupou um espaço
especial na campanha, como vice e porta-voz de Lula diante do Real. Sem
entrarmos, por enquanto, no mérito, foi um desastre político e de comunicação.
Não se sustentou e confundiu ainda mais o partido com relação à nova moeda,
levando mais balbúrdia do que esclarecimento às campanhas estaduais.”
Pena que
Dirceu não entre no mérito, algo que ele fará nas páginas 266 a 268. Pois a
verdade curiosa é que no debate sobre o plano Real, as posições que previam
desastre imediato vieram exatamente de quadros da Unidade na Luta, enquanto economistas
da esquerda foram mais cautelosos na análise e alertaram para a possibilidade do
plano “dar certo” no curto prazo.
Claro,
reconhecer isto hoje, assim como reconhecer isto na época, não contribui para a
narrativa segundo a qual a derrota nas eleições de 1994 deveu-se aos erros da
esquerda petista, então majoritária no Diretório Nacional.
Do ponto de
vista político, quem é maioria na direção paga pelos erros cometidos. Mas 24
anos depois, é plenamente possível fazer um balanço mais equilibrado do que
ocorreu. Dirceu prefere, entretanto, repetir a mesma (pego empregado dele o
termo) ladainha.
Mesmo que a
ladainha não se sustente na descrição que ele mesmo faz de sua campanha para
governador, onde o problema principal vinha do seguinte:
“Lula e seu entorno – Gushiken, Clara Ant, Vannuchi,
Mercadante – viviam de ilusões sobre o PSDB e Covas e, na prática, “apoiaram”
Covas, deixando claro que minha candidatura era um estorvo e prejudicava Lula.
Na imprensa e dentro do PT, Genoíno, Eduardo Jorge, Tarso
Genro, Plínio (então covista) e com apoio de Roberto Freire, do PPS, defenderam
o apoio a Covas e a retirada de minha candidatura.
(...) A campanha para o governo estadual estava ferida de
orte e eu abandonado à própria sorte, com manifesta e pública oposição da ala
do bunker de Lula e dele próprio, apesar das aparências. Não seria a primeira
vez que Lula, por razões políticas – não se trata de um juízo moral – me deixaria
‘falando sozinho’.”
Como se vê, alguns dos muitos problemas reais enfrentados por Dirceu em 1994 não vinham da esquerda petista que ele
tanto ataca. Vieram dos setores com os quais ele se aliaria para derrotar a
esquerda petista.
Concluo esta
terceira parte da análise das Memórias, citando o parágrafo da página 266 em
que Dirceu faz um balanço das eleições de 1994:
“Era possível vencer em 1994? Não. Perdemos por causa do
Real? Não. Perdemos antes da eleição, na decisão “Fora Itamar”, na divisão
interna, na eleição da Nova Maioria, na coordenação tripartite da campanha na
TV e no Rádio, nas ilusões sobre Covas e o PSDB. Tratava-se da pior derrota e
merecia uma resposta à altura da nossa parte.”
É a primeira
vez que eu leio, em algum lugar, esta subestimação acerca do Real. Trata-se de
uma posição insustentável no plano dos argumentos. Todo mundo sabe que o
impacto eleitoral do Real foi colossal. Os demais fatores podem ter contribuído
mais ou menos. Mas subestimar o peso do Real faz sentido, para quem precisava
imputar à esquerda petista, majoritária no DN, a responsabilidade pela derrota.
(E por falar em ilusões sobre o PSDB, vale lembrar que um encontro extraordinário do PT em SP decidiu, por maioria, apoiar Covas no segundo turno das eleições estaduais. A posição majoritária foi apoiada por Dirceu. E por David Capistrano, entre muitos outros dirigentes do Hora da Verdade/Articulação de Esquerda. Prevaleceu a "ladainha" de que devíamos apoiar o PSDB contra a direita.)
A partir
daqui começou, para Dirceu e para o PT, uma nova fase: a de preparar a derrota da esquerda petista no Encontro de Guarapari, em 1995.
As opções feitas naquele ano contribuíram para a vitória de 2002, mas também contribuíram para o que ocorreria
em 2005.
Mas isto
fica para a próxima parte deste texto.
(Sem revisão. Aliás, agradeço a quem se disponha a indicar eventuais erros de digitação ou mesmo informações equivocadas.)
(Sem revisão. Aliás, agradeço a quem se disponha a indicar eventuais erros de digitação ou mesmo informações equivocadas.)
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