(projeto de resolução sobre programa e estratégia para o 3º Congresso da tendência petista Articulação de Esquerda)
1.O impeachment de 31 de agosto e a derrota nas eleições municipais de 2 e 30 de outubro confirmam: o Partido dos Trabalhadores está sendo alvo de uma exitosa campanha de cerco e aniquilamento.
2.Tanto na esquerda quanto na direita há quem acredite que o Partido dos Trabalhadores foi ferido de morte. Ou, na melhor das hipóteses, pode até sobreviver, mas sem o protagonismo obtido no período 2003-2014.
3.Para as forças de direita, faz todo o sentido desejar, prever e trabalhar pelo apequenamento e pela morte do Partido dos Trabalhadores. A razão é simples: como se viu no período 2003-2016, o capitalismo realmente existente no Brasil não consegue conviver por muito tempo com a presença de uma esquerda forte, mesmo que esta esquerda adote uma estratégia moderada e conciliatória.
4.Para as forças de esquerda, o problema assume outra forma. Basta dizer que todos os partidos de esquerda e todos os movimentos sociais existentes hoje no Brasil são compostos em grande medida por petistas, por ex-petistas, por aliados ou por ex-aliados do PT. Noutras palavras: a discussão sobre a trajetória do PT é, em maior ou menor medida, a discussão sobre a trajetória do conjunto da esquerda brasileira desde 1980 até hoje. Pelo mesmo motivo, o destino do PT impactará fortemente o destino de toda a esquerda brasileira.
5.Esta é uma das razões pelas quais é preciso que nós petistas paremos de gastar tanto tempo e energia com os “entretanto” e passemos a priorizar os “finalmente”.
6.Por “entretanto” nos referimos a questões tais como: faremos ou não um congresso plenipotenciário? Faremos ou não um novo processo de eleição direta das direções? A direção atual renunciará ou não?
7.Por “finalmente” entendemos a discussão sobre programa, estratégia, alianças, tática e funcionamento organizativo.
8.Quanto aos “finalmente”, há duas preliminares que devem ser respondidas pelo Partido dos Trabalhadores: qual seu “objetivo final” e qual o “caminho” que pretende seguir para atingir este objetivo final.
9.Noutras palavras, qual o programa e qual a estratégia do PT. Só definidas estas questões, é que poderemos formular de maneira adequada nossa tática, nossa política de alianças e nossas diretrizes organizativas.
O programa
10.Acerca do programa, há um fio condutor: queremos transformar as condições de vida da classe trabalhadora, que constitui a maioria do povo brasileiro.
11.Por transformar as condições de vida, compreende-se ampliar o bem-estar material e espiritual, ampliar as liberdades democráticas e a influência política, ampliar a soberania popular sobre os destinos da nação e sua presença no mundo.
12.A questão fundamental a ser respondida é: queremos transformar as condições de vida da classe trabalhadora, nos marcos do capitalismo? Ou queremos transformar tanto as condições de vida da classe trabalhadora, que consideramos necessário superar o capitalismo e construir uma sociedade socialista?
13.Todas as resoluções do Partido dos Trabalhadores, desde 1980 até hoje, dizem que nosso partido é socialista. Mas esta palavra tem significados distintos, para as distintas tendências partidárias.
14.Alguns a entendem como sinônimo de social-democracia, ou seja, entendem socialismo como igual a melhorar as condições de vida do povo nos marcos do capitalismo, sem superar o capitalismo.
15.Outros setores do partido compreendem socialismo como um tipo de sociedade em que as decisões sobre o que produzir, como produzir e como distribuir passam a ser tomadas pela classe trabalhadora.
16.O Partido dos Trabalhadores precisa reafirmar, de maneira enfática e didática, que somos socialistas neste segundo sentido. Ou seja: queremos transformar tanto as condições de vida da classe trabalhadora, da maioria do povo brasileiro, que consideramos necessário superar o capitalismo e construir o socialismo.
17.Alguns setores da esquerda aceitam esta definição de socialismo como uma espécie de “promessa de ano novo”. Ou seja: como uma afirmação ritual, cheia de boas intenções, mas que não terá a menor influência na prática cotidiana, no que fazem e defendem quanto estão no governo, no parlamento, nos movimentos sociais, no debate de ideias, no dia a dia de suas organizações.
18.Existe quem justifique esta atitude, argumentando que só poderemos adotar medidas socialistas depois que tomarmos o poder. Até lá, temos que considerar as coisas como elas são, ou seja, “administrar o capitalismo”.
19.De fato, grande parte do que entendemos por construção do socialismo supõe que a classe trabalhadora “conquiste o poder”, ou seja, que tenha tanto poder político que seja capaz de fazer valer sua vontade. E até que consiga tamanho poder político, por tempo mais ou menos longo a classe trabalhadora terá que atuar “nos marcos do capitalismo”.
20.Entretanto, se atuarmos nos marcos do capitalismo respeitando de forma estrita os limites do capitalismo, sem apresentar alternativas de tipo socialista para os problemas do cotidiano, então o “poder político” que conquistarmos servirá no máximo para gerir o capitalismo, nunca para tentar ir além dele.
21.Se a esquerda pretende de fato construir o socialismo, ela precisa convencer a maioria da classe trabalhadora e do povo. E só conseguiremos isto se as soluções que apresentarmos para os problemas do cotidiano forem orientadas por uma lógica distinta da capitalista.
22.Aliás, se fosse possível resolver os problemas da maioria do povo nos marcos do capitalismo e a partir de soluções de tipo capitalista, para que mesmo gastar tanta energia lutando pelo socialismo?
23.O programa do Partido dos Trabalhadores deve ser uma síntese das mudanças que queremos fazer no Brasil, em benefício da classe trabalhadora, em favor da maioria do povo brasileiro.
24.Mudanças que devem ser orientadas desde já pelo socialismo, ou seja, vertebradas pelos interesses da maioria e não da minoria; pelo bem-estar e não pelo lucro; pelo público e não pelo privado; pelo Estado e não pelo mercado; pelo social e não pelo individualismo.
25.Portanto, nosso programa deve abordar os temas da democracia e da soberania nacional, a partir do ponto de vista do socialismo. Os interesses da classe trabalhadora brasileira exigem a ampliação das liberdades democráticas e da soberania nacional, objetivos que serão buscados através de respostas socialistas aos problemas objetivos postos pelo capitalismo realmente existente no Brasil.
26.O Partido dos Trabalhadores deve emancipar-se de dois pontos de vista, aparentemente distintos, mas que na prática se reforçam mutuamente.
27.Um é o ponto de vista dos “revolucionários” que consideram que só se pode falar de “socialismo” depois que “tomarmos o poder”. O outro é o ponto de vista dos “reformistas” que propõem medidas tão “factíveis” e “realistas” que, no final das contas, não reformam absolutamente nada.
28.No lugar de ambos os pontos de vista, defendemos que o programa do Partido deve apontar um conjunto de transformações que, partindo da realidade atual, levando em conta a correlação de forças e o nível de consciência do povo, acumule forças desde já num sentido socialista.
Linhas de ação
29.Nosso programa deve incluir, entre outras, as seguintes linhas de ação:
30.Um conjunto de metas, no terreno do emprego, das condições de trabalho, das condições ambientais, de alimentação, de moradia, de transporte, de educação e cultura. Queremos, ao longo dos próximos anos e décadas, elevar de maneira acelerada e sustentável todos os indicadores sociais, naturais e individuais;
31.`Para financiar este programa de metas, é preciso em primeiro lugar assumir o controle sobre a economia nacional, a começar por nossa moeda. Hoje quem controla nossa economia é o setor financeiro privado e oligopolizado. No lugar dele, devemos constituir um setor financeiro 100% público;
32.Priorizar a ampliação da produção e do consumo de bens públicos. Noutras palavras: segurança alimentar via reforma agrária e outra política agrícola; programas de moradia e transporte coletivo; universalização dos serviços públicos, com destaque para as áreas de saúde, educação, cultura e esportes. Priorizando a produção e o consumo de bens públicos, será possível combinar crescimento econômico acelerado com elevação do bem-estar social da maioria da população;
33.A ampliação do consumo de bens públicos (especialmente na área da construção civil) exigirá e estimulará a reconstrução de uma indústria forte e tecnologicamente avançada. Diferente do setor financeiro, o conjunto da indústria deve continuar sendo um setor fundamentalmente privado. Mas não pode continuar controlada por monopólios e oligopólios, que controlam os preços e determinam prioridades. Tampouco haverá recomposição de nossa indústria, sem forte participação estatal não apenas no financiamento, mas também na produção, na pesquisa e na formação de quadros, especialmente de cientistas e engenheiros. A presença estatal direta e indireta servirá, também, para regular a iniciativa privada, em favor de um plano de desenvolvimento que beneficie a maioria do povo;
34.Um planejamento que incorpore o desenvolvimento científico e tecnológico aos diferentes setores da economia, especialmente aos estratégicos, e integre o local, o estadual, o nacional, o continental e o mundial. A integração entre esses aspectos possibilitará economia de escala, completará cadeias produtivas e garantirá retaguarda estratégica;
35.A ampliação da auto-organização da classe trabalhadora e ampliação das liberdades democráticas do conjunto do povo, com destaque para quebra do oligopólio da comunicação, reforma política e do Estado, outra política de segurança pública e de Defesa, outra política de educação e cultura, e uma luta sem tréguas contra a corrupção. Sem tais medidas, a classe dominante e seus aliados terão êxito em sabotar e reverter o processo de mudanças.
36.As linhas de ação acima resumidas, sem prejuízo de melhor precisão e detalhamento, constituem o núcleo do programa que o Partido dos Trabalhadores deve defender.
37.O pressuposto básico deste programa é: melhorar as condições de vida do povo brasileiro, de maneira profunda, acelerada e sustentável, exige superar o controle que os capitalistas mantém, hoje, sobre nossa sociedade, a começar por nossa economia.
A estratégia
38.A causa de fundo de nossa derrota em 31 de agosto de 2016 foi não ter compreendido a incompatibilidade estrutural entre nossa tentativa de melhorar a vida do povo e o capitalismo realmente existente no Brasil. E, portanto, não ter tomado as medidas preventivas e ofensivas que tornariam possível derrotar a inevitável oposição, sabotagem e reação.
39.Entretanto, perceber aquela incompatibilidade não gera a força necessária para implementar nosso programa de transformações. É necessário construir uma estratégia que torne isto possível, numa situação em que estamos mais fracos que antes.
40.O Partido dos Trabalhadores está, portanto, diante do desafio de construir outra estratégia, que seja capaz de enfrentar a nova situação criada a partir de 31 de março de 2016. Esta nova estratégia terá que ser formulada sob fogo inimigo. E não pode ser a velha estratégia, apenas corrigida, depurada e customizada. A nova situação exige uma nova estratégia.
41.Ao mesmo tempo em que enfrenta o governo golpista, defendendo Fora Temer e Diretas Já, ao mesmo tempo que apoia as mobilizações e a greve geral, ao mesmo tempo em que implementa uma dura oposição parlamentar, ao mesmo tempo em que mobiliza a sociedade em defesa da democracia e dos direitos, ao mesmo tempo em que disputa eleições e exerce seus mandatos, o Partido dos Trabalhadores tem que se dispor a estimular, no seu interior e na sociedade, um forte debate de ideias, com ênfase no balanço (1995-2016, 2003-2016, 2015-2016), na análise do capitalismo brasileiro e internacional, na análise das classes e da luta de classes, na formulação da estratégia e do programa.
42.Este debate de ideias é parte importante da reconstrução dos laços com a maioria da classe trabalhadora urbana, com os camponeses, com a juventude trabalhadora, os negros e negras, as mulheres, o movimento LGBT, os indígenas, a intelectualidade, o mundo da cultura, os diferentes setores sociais que fizeram parte das vitórias de 2002 a 2014, que inclusive se jogaram na luta contra o golpe, mas que com o passar do tempo foram divergindo em maior ou menor medida com as opções feitas por nosso Partido (ou atribuídas a ele), especialmente durante o ano de 2015.
43.O petismo tem enormes energias. Isto pode ser constado nas ruas, mas também na quantidade de militantes que estão voltando à ativa. Amplos setores da militância e de nossos simpatizantes querem debater os rumos do Partido e consideram que a atual direção precisa ser profundamente renovada, se quiser enfrentar os desafios presentes e futuros.
Diferentes "vocabulários"
44. Entre os que valorizam as experiências dos governos Lula e Dilma, existem diferentes pontos de vista, que dizem respeito não apenas à estratégia adotada no passado recente, mas também à qual deva ser a estratégia no período em que estamos e futuramente.
45.Estas diferentes visões às vezes são expressas num mesmo vocabulário (as pessoas concordam quanto ao significado das categorias, conceitos e termos, mas discordam no mérito), outras vezes são expressas através de vocabulários distintos, em que uma mesma palavra ganha significados distintos ou simplesmente não é adotada.
46.Neste texto entendemos “estratégia” como o conjunto de ações que a classe trabalhadora deve desenvolver para ter o poder de Estado e assim poder iniciar a construção do socialismo.
47. Ao longo dos últimos duzentos anos, em diferentes países do mundo a classe trabalhadora trilhou diversos caminhos para tentar resolver o problema do poder e para tentar construir o socialismo.
48. Uma destas modalidades foi a combinação entre a organização da classe (sindicatos, partidos, organizações populares diversas, e suas respectivas alianças) e a conquista de espaços institucionais (executivos, legislativos, democratização de outros aparatos de Estado). Outras modalidades foram a tomada do poder através da insurreição urbana, da guerra (guerra de guerrilhas, guerra popular prolongada, guerra de libertação nacional, guerra de ocupação) e também a “via chilena para o socialismo”.
49. A “via chilena”, como o nome sugere, foi elaborada e experimentada no Chile, especialmente no período de governo da Unidade Popular (1970-1973). A ideia central era fazer da disputa e da conquista eleitoral de governos uma parte fundamental da disputa e da conquista do poder.
50. Os defensores da “via chilena” pretendiam, desta forma, resolver um problema que provavelmente angustiou e segue angustiando muitos dos que se pretendem socialistas & revolucionários: como agir, do ponto de vista estratégico, em sociedades ou em momentos históricos em que não estão ocorrendo, nem estão no horizonte visível, processos revolucionários, crises revolucionárias, revoluções.
51. A “via chilena” oferecia, em tese, a seguinte resposta: utilizar a maioria eleitoral para viabilizar uma presença nos governos, governos que protagonizariam mudanças tanto de ordem econômico-social quanto de ordem política, mudanças que ao fim e ao cabo alterariam a natureza capitalista do Estado e da sociedade.
52. Obviamente, os defensores da “via chilena” tinham consciência de que a implementação desta estratégia provocaria uma reação por parte dos capitalistas: a oposição, a sabotagem e no limite o golpe de Estado. Portanto, uma questão implícita era como criar as condições para que esta reação não tivesse êxito.
53. Uma primeira resposta era obter maiorias eleitorais, que permitisse controlar os órgãos executivos e legislativos, a partir dos quais se promoveria a democratização dos demais órgãos de Estado e/ou a convocação de processos constituintes, que no limite permitiriam substituir, a partir de processos eleitorais, o “Estado capitalista” por um “Estado popular”.
54. Uma segunda resposta era neutralizar os instrumentos que a classe capitalista utiliza para fazer oposição, sabotar e dar golpes: o controle da economia, o controle dos meios de comunicação e o controle das forças armadas. Isto se traduziria na ampliação da presença do Estado na economia, na quebra do controle capitalista sobre os meios de comunicação e na submissão das forças armadas ao controle democrático.
55. Este aspecto teve grande importância no caso chileno, onde uma parcela da esquerda acreditou que as forças armadas chilenas seriam fieis a uma suposta tradição legalista e não apoiariam um golpe. Ilusões semelhantes sobre as forças armadas também estiveram presentes noutros países, inclusive no Brasil. O tema das forças armadas também teve e segue tendo particular importância no caso venezuelano.
56. Tanto no caso venezuelano quanto no chileno, entretanto, a sabotagem econômica foi o fator fundamental para o êxito (parcial ou total) da reação capitalista. O que remete para uma complexa discussão sobre a relação entre economia nacional e internacional, Estado e mercado, discussão que também se faz necessária quando analisamos as experiências de construção do socialismo no século 20.
57. Uma terceira resposta, elaborada no contexto da chamava “via chilena”, para a questão de como criar as condições para que a reação capitalista não tenha êxito consiste em defender a construção de um “poder popular” paralelo ao poder de Estado e/ou complementar ao governo popular.
58. É importante perceber que todas as respostas citadas têm, entre seus efeitos colaterais, o de acelerar a reação capitalista. Fato que nos remete para uma das principais dificuldades "práticas" da “via chilena”: o tempo.
59. Numa guerra ou numa insurreição vitoriosas, a classe capitalista tende a perder completamente, ou quase, seus instrumentos de poder. Já na “via chilena”, a ampliação da força popular não tira da classe capitalista parte importante, maior ou menor, de seus instrumentos de poder. E a classe dominante utiliza estes instrumentos para fazer oposição, sabotagem e no limite promover golpes.
60. Uma questão importante, portanto, é saber se os instrumentos que a classe trabalhadora vai conquistando, adquirindo e construindo através da combinação entre eleições e auto-organização serão capazes de deter a oposição, a sabotagem e o golpe.
61. Trata-se de uma “corrida contra o tempo”, que assume a forma de uma disputa política e ideológica – geralmente denominada de “disputa de hegemonia” e/ou de "guerra de posições"—sob vários aspectos mais complexa do que a existente nos processos de guerra e de insurreição.
A contraofensiva reacionária
62. Tanto no Brasil, quanto nos demais países da América Latina e Caribe, a maior parte das forças de esquerda tentaram implementar uma estratégia aparentada com a “via chilena”. Hoje todos os governos progressistas e de maneira geral o conjunto da esquerda estão enfrentando uma contraofensiva reacionária (muitas vezes contra a simples existência de um governo considerado progressista).
63.No caso brasileiro, a contraofensiva envolveu e envolve ações simultâneas da direita partidária, da direita social, da alta burocracia de Estado, do grande capital e do oligopólio da mídia. Apesar de diferenças táticas, há um amplo consenso estratégico entre as forças reacionárias, em torno dos seguintes objetivos:
a) realinhar o Brasil ao bloco internacional comandado pelos Estados Unidos (afastando-o tanto dos BRICS quanto da integração latino-americana);
b) reduzir os níveis de remuneração, direta e indireta, da classe trabalhadora brasileira (o que inclui desde alterações na legislação trabalhista até cobrança de serviços públicos, passando por revisão nas políticas de reajuste do salário mínimo e repressão aos movimentos sociais reivindicatórios);
c) reduzir o acesso dos setores populares às liberdades democráticas em particular e aos direitos humanos e sociais.
64. Caso esta ofensiva reacionária tenha pleno êxito, não estaríamos apenas de volta aos governos 100% neoliberais de 1994-2002. Nem estaríamos apenas diante do desmanche dos direitos inscritos na (em geral conservadora) Constituição “Cidadã”. Mais do que isto, sob pelo menos dois aspectos importantes estaríamos “rumando” em direção a características do Brasil pré-revolução de 1930: no que diz respeito aos direitos trabalhistas (vide as ameaças contra a CLT) e no que diz respeito ao lugar do Brasil na “divisão internacional do trabalho”.
A defensiva estratégica
65.A medida
que a direita avança na Venezuela, Argentina e Brasil, podemos dizer que
estamos diante de uma contraofensiva reacionária, conformando-se assim um novo
ambiente estratégico na região e dentro de cada um dos países.
66. Quais as
implicações estratégicas que podem ser extraídas desta constatação? Entre as
várias implicações possíveis, destacaremos a seguir a "defensiva
estratégica".
67. Entramos
num período de defensiva estratégia, que pode ser mais longo ou mais curto, com
uma duração que depende de um conjunto de variáveis, inclusive internacionais.
68. Um
período de defensiva não significa um período de passividade. Num período de
defensiva travam-se grandes lutas, se obtém vitórias e até avanços. O que
caracteriza um período como sendo de defensiva é o que está em jogo nele.
69.Num
período de defensiva, o objetivo principal é defender as conquistas antigas e
recuperar o terreno perdido. Ou seja: os avanços parciais visam recuperar o
status quo ante, o que já tínhamos e agora perdemos.
70. A
defensiva não dura para sempre. Uma situação de defensiva pode se converter em
uma situação de equilíbrio (relativo, como qualquer equilíbrio) e esta pode se
converter numa situação de ofensiva estratégica.
71. O que
permite a defensiva se converter em ofensiva é a mudança no estado de ânimo da
classe trabalhadora. E esta mudança ocorre em parte como reação à ação dos
inimigos e em parte por ação das diferentes vanguardas da classe, numa
combinação de elementos.
72.
Evidente, se existe o propósito de criar as condições para sair de uma situação
de defensiva, então a ação das vanguardas deve ajudar a classe trabalhadora a
mudar seu estado de ânimo.
73.
Portanto, além de debater a necessidade e o conteúdo de uma nova estratégia,
estamos chamados a debater quais as táticas adequadas para reagrupar forças e
retomar a ofensiva.
Linhas de ação estratégica
74. A conquista de maiorias eleitorais faz parte da disputa pelo poder, mas não “resolve” a maior parte do “problema” do poder. Em primeiro lugar, porque a classe dominante -- e seus partidos -- mantêm seus direitos eleitorais e, portanto, minorias eleitorais mais ou menos expressivas. Além disso, há elementos de poder que não sofrem influência direta da disputa eleitoral, tais como a ingerência externa, o poder econômico, o oligopólio da mídia, o judiciário, as forças de segurança.
75. Embora não resolvam o problema do poder, as vitórias eleitorais da esquerda aguçam a disputa pelo poder, tornando mais violenta a disputa de hegemonia cultural, comunicacional, ideológica, política e econômica. Quando as forças reacionárias conseguem afastar a esquerda do governo (seja pela via eleitoral ou do golpe, seja este clássico ou jurídico-parlamentar), elas voltam dispostas a reduzir ao mínimo as possibilidades de que a história se repita.
76. As forças reacionárias aprenderam com as derrotas que sofreram a partir de 1998. Além disso, a situação do capitalismo as empurra a adotar medidas que visam recompor rapidamente sua rentabilidade e controle, medidas que só serão politicamente viáveis se forem acompanhadas de alterações profundas na correlação de forças entre as classes; o que por sua vez as levará a tentar fechar e colocar ferrolhos nas “portas” que permitiram à esquerda acessar espaços executivos e legislativos, para implementar políticas públicas que melhorassem a vida do povo.
77. Por tudo isso, a ofensiva reacionária não é apenas eleitoral: ela abre um novo período estratégico, no qual a classe dominante aceitará cada vez menos a possibilidade de sofrer derrotas eleitorais e no qual a classe trabalhadora vive e viverá situações táticas mais difíceis do que as experimentadas entre 1989 e 2014. É também por conta destas mudanças que afirmamos que, para atuar neste novo período, será necessário adotar outra estratégia.
78. Os “marcos estratégicos” nos quais atuamos podem ser assim resumidos:
a) defensiva estratégica da classe trabalhadora;
b) hegemonia do capitalismo;
c) crise do capitalismo;
d) declínio da potência hegemônica;
e) ascensão de outros polos de poder (vide os BRICS);
f) disputa entre diferentes vias de desenvolvimento capitalista;
g) formação de blocos regionais;
g) hegemonia do neoliberalismo em âmbito regional;
h) disputa entre diferentes modelos de desenvolvimento nacional e regional;
i) vitórias eleitorais e forte protagonismo dos governos progressistas até 2006;
j) desde então, crescente contraofensiva das forças conservadoras.
79. Reconhecer uma derrota estratégica implica, no caso, em reconhecer que uma estratégia foi derrotada. Mas reconhecer a necessidade de uma nova estratégia por si não reverte a derrota estratégica, não altera a correlação de forças.
80. Noutras palavras, a correlação de forças atual impede o êxito parcial da antiga estratégia; mas também dificulta a implementação êxitosa de outra estratégia, baseada em transformar a vida do povo através da combinação entre políticas públicas & reformas estruturais, implementadas a partir da combinação entre a conquista de espaços legislativos e executivos & a construção de uma hegemonia popular.
81. Neste emaranhado de variáveis, o aspecto ao qual devemos dar atenção principal é o estado de ânimo, consciência, organização e mobilização das camadas populares, especialmente da classe dos trabalhadores assalariados.
82. De maneira geral, faz-se necessário retomar a análise das classes sociais, de seus interesses de médio e longo prazo, de como eles se articulam e conflitam entre si, conformando diferentes padrões de desenvolvimento em âmbito nacional, regional e mundial, diferentes níveis da realidade que mantém inter-relação. Além disso, faz-se necessário debater:
a) como travar a disputa pelo "poder econômico"?
b) como disputar a hegemonia ideológica sobre a sociedade?
c) qual a dimensão estratégica da luta contra a corrupção?
d) quais são as indispensáveis reformas democráticas no âmbito econômico, social, cultural e político?
83. Quando saímos do plano nacional e passamos a análise do plano regional, a questão pode ser posta da seguinte forma: sem integração regional, não é possível melhorar a vida do povo de maneira profunda, veloz e permanente. Entretanto, qual padrão de integração regional é necessário, se falamos em processos de mudança mais profundos, mais velozes e mais duradouros? Por exemplo: como articular a integração entre Estados e a integração entre os setores sociais comprometidos com os projetos de transformação?
84. Quando saímos do plano regional e passamos à análise do plano mundial, a questão pode ser posta assim: como o processo de transformações nacionais e de integração regional se articula com a “guerra” (com cada vez menos aspas) mundial entre diferentes projetos de desenvolvimento?
85. Finalmente, é preciso investigar quais as decorrências da defensiva estratégica sobre as organizações da classe, especialmente sobre aquelas que foram hegemônicas no período estratégico que ora se encerra. Setores da esquerda consideram que organizações como o próprio PT, a CUT e o MST estariam superados ou em vias de. Setores da direita, por sua vez, trabalham ativamente neste sentido.
86.Em síntese, construir outra estratégia exigirá enfrentar a análise do capitalismo do século XXI, a retomada do balanço da luta pelo socialismo no século XX, assim como um balanço dos governos “progressistas e de esquerda” no Brasil e na América Latina.
87. A esquerda brasileira necessita produzir uma análise consistente das tendências do capitalismo no século XXI, no mundo e no Brasil. E uma análise acerca das classes e da luta de classes existente atualmente no Brasil.
88. Do ponto de vista prático, necessitaremos recuperar nosso apoio junto à classe trabalhadora, criando as condições sociais indispensáveis para derrotar o grande capital, a oposição de direita e o oligopólio da mídia, em favor de um desenvolvimentismo democrático-popular e articulado com o socialismo.
89. Quando falamos em recuperar o apoio junto à classe, em reatar laços com nossa base social, não falamos apenas das dezenas de milhares que vão às marchas, manifestações e congressos. Falamos em primeiro lugar das dezenas de milhões que apoiaram as esquerdas nas eleições de 1989, 1994, 1998, 2002, 2006, 2010 e 2014, mas que agora estão decepcionados e em muitos casos sob a hegemonia da direita.
90. Do ponto de vista organizativo, a principal batalha num período defensivo é defender nossas organizações. E afirmar o princípio da unidade da classe, da unidade das forças populares, da unidade do nosso campo político e social.
91.Nesta perspectiva, os sindicatos e a central sindical cumprem papel decisivo, porque são organizações que estão (ou que deveriam estar, ou que podem estar) em contato direto e cotidiano com a maior parte da classe trabalhadora.
92.Também nesta perspectiva, a existência de uma frente de organizações (movimentos, sindicatos, partidos) como a Frente Brasil Popular é algo muito importante, porque permite ao mesmo tempo: a) unir esforços para resistir; b) criar um ambiente de debate comum; c) construir um instrumento essencial para criar as condições para sair da defensiva.
93. Em 31 de agosto de 2016 teve fim uma etapa da história recente do Brasil. Teve início um novo período, em que a relação entre as forças políticas, as instituições e as classes sociais, bem como a relação do Brasil com o mundo serão substancialmente distintas daquilo que prevaleceu durante a maior parte dos governos Lula e Dilma. Neste sentido, a batalha do impeachment não foi a última batalha de uma guerra antiga, mas sim a primeira batalha de uma guerra nova.
94. Teremos êxito se construirmos, tanto na teoria quanto na prática, outra estratégia: não uma estratégia de conciliação com setores das classes dominantes, mas uma estratégia da classe trabalhadora; não uma estratégia de luta pelo governo, mas uma estratégia de luta pelo poder; não uma estratégia de luta por um capitalismo não-neoliberal, mas estratégia de luta pelo socialismo.
VERSÃO AINDA EM REVISÃO E DEBATE
Pois é...aprendendo com o velho, sábio, preparado georgiano - denegado por muitos - o que é uma lástima..
ResponderExcluirA Conjuntura tá rápida e se tivermos competência, coragem e determinação podemos virar a nosso favor na mesma velocidade em que a direita nos fulminou!...Dois anos!...Avante!...
A questão é que nossos camaradas de Partido têm estado totalmente absorvidos no trabalho econômico nos anos recentes, têm estado envolvidos até o limite com os sucessos econômicos e, estando embrenhados em todas essas coisas, têm esquecido todas as outras, verdadeiramente todas as outras.
A questão é que, levados pelos sucessos econômicos, eles começaram a considerar isto como o começo e o fim de tudo e simplesmente prestam pouca atenção a coisas como a posição internacional da União Soviética, o cerco capitalista, o fortalecimento do trabalho político do Partido, a luta contra a destruição, etc., supondo que todas essas questões são assuntos secundários e terciários.
Contudo, os sucessos, como todas as outras coisas sob o sol, têm seu lado ruim. Entre as pessoas que não estão acostumadas aos grandes sucessos políticos e às grandes realizações, não é pouco frequente surgirem descuido, complacência, auto-satisfação, excessiva autoconfiança, exibicionismo e fanfarronice. Vocês não podem negar que as bravatas ultimamente têm crescido tremendamente entre nós. Não é surpreendente, nessas circunstâncias de grandes e sérios sucessos na esfera da construção socialista, que sentimentos de jactância sejam criadas, sentimentos de demonstração exibicionista de nossos sucessos e sentimentos sejam criados de subestimação da força de nossos inimigos, sentimentos de superestimação de nossa própria força e, como resultado de tudo isso, aparece a cegueira política.
Sabemos pela experiência dos perigos relacionados com as dificuldades. Durante anos estivemos lutando contra tais tipos de perigos e, devo dizer, não sem sucesso. Entre as pessoas que não são firmes, os perigos ligados às dificuldades não pouco frequentemente dão surgimento a sentimentos de desolação, ao debilitamento de suas forças, aos sentimentos de pessimismo. E, ao contrário, quando é uma questão de lutar contra os perigos que surgem das dificuldades, as pessoas temperadas nesta luta emergem da luta realmente como bolcheviques de granito.
Tal é a natureza dos perigos ligado as dificuldades. Tais são os r
Porém, há outro tipo de perigo, o perigo ligado aos sucessos, o perigo ligado as realizações. Sim, sim camaradas, perigos ligados as realizações, aos sucessos. Este perigo consiste no fato de que entre pessoas pouco tarimbadas na política e de pouca visão, as condições criadas pelos sucessos - sucesso após sucesso, realização após realização, cumprimento de planos após cumprimento de planos - dão surgimento a sentimentos de negligência e de auto-satisfação, cria-se uma atmosfera de ostentação de triunfos e congratulações mútuas que embotam o sentimento de proporção e obscurecem o instinto político, tiram o ímpeto do povo e o levam a descansar sobre os seu lauréis.
Não é surpreendente que, nesta atmosfera narcótica de arrogância e auto-satisfação, esta atmosfera de ostentação e autoconfiança espalhafatosa, as pessoas esqueçam alguns fatos essenciais que são do maior significado neste nosso país: as pessoas começam a perder de vista fatos desagradáveis como o cerco capitalista, as novas formas de destruição, os perigos ligados aos nossos sucessos, etc.
O cerco capitalista? Uma mera bagatela! Que significado pode um ou outro cerco capitalista ter, se cumprimos e superamos nossos planos? Os estatutos do Partido, a eleição dos órgão do Partido, o relatório dos dirigentes do Partido para as massas dos membros do Partido - é realmente necessário tudo isso? Vale a pena dar importância a todas essas ninharias, se nossa economia cresce e a situação material dos operários e camponeses se torna cada vez melhor? Meros detalhes! Nós superamos os Planos, nosso Partido não está mal, o Comitê Central do Partido também não está mal - de que nós precisamos? ...
J. Stálin - 3/5 de Março de 1937.