domingo, 10 de março de 2013

Roteiro sobre política internacional latino-americana


Roteiro sobre política internacional latino-americana
(para grupo de conjuntura da Fundação Perseu Abramo)

Vamos organizar a análise dos acontecimentos na região em torno de duas variáveis principais: a dinâmica interna de cada país e a dinâmica da integração regional.
A dinâmica da integração regional vai considerar de um lado as forças favoráveis a uma integração subordinada, versus aquelas favoráveis a uma integração autônoma.
Consideramos que as forças pró-integração autônoma iniciaram uma rápida ofensiva a partir das eleições de Chavez (1998) e Lula (2002).
Esta ofensiva perdeu impulso nos últimos anos, em decorrência de fatores distintos, mas confluentes, entre os quais:
1) a crise internacional, que tem efeitos diferenciados em cada região, país, setor de atividade econômica e classe social. Os impactos diretos e indiretos da crise sobre a América Latina e Caribenha vão prosseguir por bastante tempo.
2) a contraofensiva dos Estados Unidos e aliados, o movimento mais recente foi anunciado por Barack Obama, no discurso sobre o Estado da União: um tratado entre Estados Unidos e União Européia, que em tese abrangeria metade da produção e um terço do comércio mundial. 

O anúncio reflete as necessidades da política interna tanto dos Estados Unidos, quanto da Europa, que precisam sinalizar medidas que supostamente resultem em crescimento com geração de empregos. Segundo, a disposição de reorganizar as bases da aliança atlântica. Terceiro, o desejo de evitar o deslocamento geopolítico em direção à Ásia e fazer pressão sobre os Brics. 

Um TLC deste tipo teria quais consequências práticas, tendo em vista o nível de comércio já existente entre ambas as regiões? O estado das economias dos EUA e da UE permite este tipo de sinergia virtuosa? Qual o impacto efetivo que isto terá sobre as demais economias mundiais e em que prazo? Quanto tempo será necessário para negociar um tratado deste tipo, supondo que as resistências em ambas regiões seja efetivamente superável? Quais os desdobramentos políticos? Há algo que possamos fazer a respeito?

Devemos minimizar os efeitos práticos, pelo menos os de curto prazo. Sobre a quarta questão, as dificuldades são imensas e o tempo longo. Mas devemos levar muito a sério a intenção dos EUA no sentido de recuperar a hegemonia e reverter o deslocamento geopolítico.
A única coisa virtuosa que podíamos e que podemos fazer a respeito é acelerar a velocidade da integração regional e das medidas de proteção das economias nacionais, pois a alternativa realmente existente era e continua sendo ao estilo da Alca. Portanto, inaceitáveis.
As negociações EUA-UE, em torno do TLC, devem ser colocadas lado a lado com duas outras iniciativas já conhecidas: o chamado Arco do Pacífico e o TLC Ásia-Pacífico. São medidas que pretendem superar a crise, reafirmar a hegemonia mundial e sobre as Américas por parte dos EUA, assim como impedir o deslocamento do centro mundial em direção à Ásia, sob hegemonia chinesa. Aliás, a presença da China na América Latina também é um tema que merecerá acompanhamento permanente.

A crise internacional, a contraofensiva dos Estados Unidos e aliados, somadas as dificuldades e debilidades dos setores progressistas e de esquerda, produziram uma situação, hoje, de equilíbrio relativo entre as forças pró-integração subordinada e as forças pró-integração autônoma.

3. sobre as contradições internas a cada país, o quadro geral ainda é positivo: desde 1998, nos países em que partidos de esquerda chegaram ao governo, não houve nenhum caso de derrota pela via eleitoral. A recente reeleição de Correa confirma isto.
Mas, por outro lado, são evidentes as limitações, especialmente dos governos gerados pelas três últimas vitórias eleitorais (ou seja, não reeleições): Paraguai, El Salvador e Peru.
No primeiro caso, o governo Lugo foi vítima de um golpe. E nos dois últimos casos, os governos estão sob forte pressão das políticas estado-unidenses.
De maneira geral, na América Central, México e Caribe, se mantém a hegemonia política e econômica da integração subordinada.
A resistência de Cuba, a força eleitoral da FSLN e a presença do governo Funes, entre outros, não deve nos confundir quanto a isto.
Já na América do Sul, há uma hegemonia política das forças pró-integração autônoma. Mas nos últimos anos, a crise internacional e as contradições internas ampliaram as dificuldades, especialmente no eixo Brasil-Argentina-Venezuela.
No caso do Brasil: não há integração sem um papel mais ativo do Brasil, no plano político e econômico. Mas nossa atuação prática está muito aquém do necessário.
No caso da Argentina: o agravamento da situação econômica e a crescente mobilização da oposição ampliam as pressões sobre o kirchnerismo. No caso da Venezuela, a sucessão de Chavez terá consequências que ainda não estão claras.
Evidente que não vai durar para sempre a situação atual, de equilíbrio relativo entre as forças pró “integração subordinada” e as forças pró “integração autônoma” Ademais, a situação de equilíbrio tende a favorecer, no médio prazo, aqueles que são favoráveis à integração subordinada.
Tudo indica que o ano de 2013 será absolutamente decisivo: será o ano de controlar os problemas econômicos da Argentina, acomodar politicamente a situação na Venezuela, relançar o crescimento acelerado no Brasil.
Será o momento, também, de acelerar o processo de integração regional, para o que será necessária uma atitude mais pró-ativa do tripé Brasil-Argentina-Venezuela.
Será o momento de neutralizar a operação Arco do Pacífico, através de três movimentos: ajudar a que tenha êxito o processo de negociação FARC-Santos; recuperar o governo peruano para o projeto de integração regional;  trabalhar pela vitória da centro-esquerda nas eleições chilenas, com base num programa de maior colaboração do Chile com Unasul e Mercosul.
Será um momento, ainda, de reforçar a institucionalidade da esquerda na Venezuela, Bolívia e Equador, aprendendo com os últimos acontecimentos na Venezuela, que confirmam a necessidade de múltiplas lideranças de massa e fortes organizações partidárias.
No curto prazo, temos pela frente a eleição paraguaia, no dia 21 de abril. As forças de esquerda estão divididas em três listas parlamentares e três candidaturas presidenciais. A esquerda pode sofrer uma derrota não apenas eleitoral, mas também política.
No caso do México, América Central e Caribe, cabe analisar os movimentos iniciais do novo governo mexicano, acompanhar de perto o processo eleitoral salvadorenho, e estabelecer vínculos mais profundos com as novas gerações dirigentes na Nicarágua e em Cuba.
No caso de Cuba, a visita de Yoani Sanchez ao Brasil mostra como uma parcela da direita segue aferrada a um padrão de luta ideológica típica da Guerra Fria. E mostra, também, que na esquerda há tanto quem caia na provocação, quando quem seja seduzido pelo discurso da direita, ao ponto de apresentar Yoani como uma Mandela tropical.
Por fim: embora a contradição principal seja “integração autônoma” versus “integração subordinada”, a dinâmica regional é atravessada por outras variáveis, em especial a contradição entre “neoliberalismo conservador” versus “desenvolvimento com bem estar social”.
Na maior parte dos países da região, só vai haver desenvolvimento com bem estar social (seja na forma mitigada, seja na forma de transição socialista), se houver integração autônoma. E, por outro lado, só haverá apoio social para a integração, se ela aparecer aos olhos da maioria do povo como um instrumento para o desenvolvimento com bem estar social.
Neste sentido, embora o projeto de integração seja entre Estados e povos, e não entre governos ideologicamente afins, é muito importante reforçar e destacar nosso projeto ideológico simultaneamente generoso e radical.
Isto remete para uma questão de longa duração, que é a constituição de um pensamento latinoamericano e caribenho de massas, em favor da integração e de medidas democrático-populares e socialistas.
Neste terreno, da luta cultural no sentido amplo da palavra, o Brasil segue entre os países mais atrasados.

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