1 – A Venezuela ainda está em clima de comoção pela perda de Hugo Chávez. Você que foi um dos representantes do PT na cerimônia de homenagem a Chávez, poderia descrever o drama vivido pela maioria da população venezuelana.
Tenho dúvida se drama é a palavra exata. Os setores populares estão
comovidos, estão tristes, mas ao mesmo tempo a moral é muito alta, há uma
imensa combatividade. O povo venezuelano é muito politizado, tanto o chavismo
quanto a oposição. A fila para o velório é imensa, fala-se em cerca de 100 mil
pessoas ao dia.
2 - Muito se tem falado sobre o legado político de Chávez.
Qual é a real importância dele, não somente para a Venezuela, mas para a
própria América Latina?
Eu acho o mesmo que
está na nota do Partido dos Trabalhadores: Chávez ficará para a história como
um dos heróis da América Latina. Claro que a direita não pensa isto e está fazendo
de tudo para desqualificar as realizações do seu
governo. Exemplo disto é a revista Veja e a revista Época desta semana. É
importante que o PT enfrente este debate, até porque a experiência do governo
Chávez (1999-2013) tem muito a nos ensinar acerca dos problemas e das
possibilidades de uma estratégia de transição ao socialismo, a partir da
conquista eleitoral de governos, nas atuais condições históricas.
3 – A postura antineoliberal, as idéias antiimperialistas e a crença na
Revolução Bolivariana de Chávez influenciaram vários líderes na América Latina,
como Rafael Correa, no Equador, Evo Morales, na Bolívia, e mesmo Ollanta
Humala, no Peru. O bolivarismo continuará influenciando novos líderes no
continente?
De fato, a prática e
o pensamento de Chávez influenciaram e vão continuar influenciando por muito
tempo diversos setores da esquerda regional e mundial. Claro que varia muito a
natureza e a amplitude desta influência, seus aspectos negativos e positivos. Precisamos
levar em conta que aquilo que chamamos de “pensamento chavista” inclui pelo
menos cinco traços: a preocupação em construir uma
doutrina, vinculando o passado (Bolívar), o presente (integração) e o futuro
(socialismo do século XXI); uma linha militar, segundo a qual a revolução
bolivariana é pacífica, mas não é desarmada; um internacionalismo hiperativo, com
um forte componente de solidariedade material; a valorização da participação
democrática, não apenas eleitoral, do povo; e a compreensão de que a polarização
político-ideológica é, no fundamental, positiva. De toda forma, o “chavismo” surgiu e prosperou sob determinadas condições históricas,
políticas e sociais, motivo pelo qual é um erro imaginar que trata-se de um
modelo a copiar.
4– O embaixador Samuel Pinheiro Guimarães manifestou preocupação com as
“incertezas políticas” para o continente latino-americano após a morte de
Chávez e pediu vigilância aos governos de Dilma Rousseff e de Cristina
Kirchner. Você vê algum risco real?
De fato, os Estados
Unidos e seus aliados, tanto na Europa quanto aqui na América Latina, querem
aproveitar a morte do Chávez para desestabilizar o processo venezuelano e, com
isso, afetar o conjunto da esquerda regional, especialmente naqueles países que
receberam mais apoio da Venezuela (Cuba e Nicarágua, entre outros).
Também é fato que, por razões
políticas e econômicas, a extensão, o ritmo e a capacidade de pronta-resposta
da Venezuela tendem a reduzir-se, pelo menos por algum tempo.
Considerando que o Brasil já
entrou de fato em período de disputa eleitoral, e considerando a situação
argentina e venezuelana, podemos prever que o processo de integração regional continuará
sofrendo, ao menos no curto prazo, uma certa “crise de direção”. Numa
conjuntura internacional como a que vivemos, que exige mais velocidade e
intensidade na integração, devemos mesmo estar preocupados e precisamos mesmo
tomar medidas urgentes.
5 - Na sua opinião, qual é o maior desafio político para a
Venezuela sem seu grande líder?
Além de eleger Maduro e dar continuidade ao processo, eu apontaria o mesmo
desafio de outros processos similares: consolidar institucionalmente as transformações
políticas e sociais que estão em curso naquele país, fazendo com que funcionem
a base de direções coletivas e não dependam da capacidade individual deste ou
daquele líder. E isto não vale apenas para a Venezuela: em vários outros
países, inclusive aqui no Brasil, é comum ouvir as pessoas falarem de “grandes
líderes”, “chefes” e “comandantes”, sem se dar conta de que do ponto de vista
estratégico isto geralmente é um elemento de debilidade, não de força.
6 - Qual o poder de fato da oposição venezuelana comandada por
Caprilles?
Muito poder. Tem apoio internacional externo, apoio empresarial interno,
força nos meios de comunicação, controlam espaços institucionais e tem um
eleitorado expressivo, ao redor de 40%. Não devemos subestimar a força da
oposição venezuelana. O importante, na minha opinião, é isolar os setores
golpistas e anti-democráticos da oposição. Na Venezuela, há liberdade de
imprensa e liberdade de organização partidária, portanto a oposição pode,
dentro da legalidade, disputar a direção do país e o controle do governo.
7 - Nicolás Maduro, considerado o sucessor de Chávez, será
eleito presidente nas eleições de abril?
Chávez, antes de ir
para Havana fazer seu tratamento, disse em cadeia nacional de TV algo mais ou
menos assim: se algo me acontecer, peço que votem em Nicolás Maduro. Ao
fazê-lo, Chávez evitou qualquer tipo de disputa interna nas fileiras do
chavismo; e também tornou possível este slogan popular que se ouve nas ruas de
Caracas: “com Chávez e Maduro, o povo está seguro”. Nenhum analista, nem mesmo
da oposição venezuelana, duvida que Nicolás Maduro será eleito presidente no
dia 14 de abril. Aí é que vão começar os grandes desafios. Para
ajudar, cabe a nós fazer aquilo que está na nota divulgada pelo PT, no dia da
morte de Chávez: dar todo o apoio para que a Venezuela continue no caminho das
transformações econômicas, sociais e políticas iniciadas em 1999, quando Chávez
tomou posse.
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