segunda-feira, 24 de fevereiro de 2025

O sucesso do "post" de Fevereiro

Ele talvez não saiba, mas está fazendo sucesso.

Refiro-me a José Luís Fevereiro, dirigente do PSOL.

Mais exatamente a um post escrito por ele e que reproduzo ao final.

José Dirceu, Henrique Fontana, Jacy Afonso e muitos outros replicaram o post de Fevereiro em grupos de zap integrados por petistas.

É sintomático que tantos petistas apreciem e divulguem um texto que, já no título, trata o governo Lula e o PT como "mal menor".

O titulo do posto de Fevereiro, para quem ainda não leu, é escrito em maiúsculas e diz o seguinte: "NÃO ESTAMOS BEM COM LULA, MAS ESTAREMOS PIOR SEM ELE".

É sintomático, também, que Fevereiro tenha escrito um texto que, no fundo, reconhece o fracasso (ainda que temporário) da aposta do PSOL, a saber, o de se constituir como uma alternativa de massas ao PT.

Claro que Fevereiro não escreve isto desta forma. Acho que nem pensa isso. O que ele escreve é o seguinte: "O fato concreto é que o que resta de classe trabalhadora orientada politicamente pela esquerda ainda é a parcela que levou Lula ao poder em 2002 e o manteve competitivo eleitoralmente até hoje . Não há espaço social para uma alternativa com alguma expressão de massa a Lula . Estou no Psol desde a sua fundação e defendi corretamente a nossa localização na oposição aos governos petistas de 2003 a 2016. Era outro período político, havia espaço para disputar influência e , mesmo lentamente, construir uma alternativa a esquerda em contraposição ao Lulismo. A alternativa à direita era o projeto da direita liberal comandado pelo PSDB. No atual período político não existe esse espaço. O que resta de classe trabalhadora orientada pela esquerda pode ser insuficiente para derrotar a extrema direita e é esta que se coloca como alternativa".

Aqui está uma das muitas diferenças entre a esquerda que ficou no PT e a esquerda que saiu do PT: esta última acreditava que havia espaço para construir uma alternativa de esquerda, com grande influência popular, fora e contra o Partido dos Trabalhadores.

Esta crença desembocou em "cisões" que "deram errado": PCO, PSTU, Consulta Popular e PSOL não conseguiram suplantar a influência do PT. 

Mais do que isso, alguns destes que saíram do PT pela esquerda, passaram a gravitar em torno do PT e, falemos as coisas como são, gravitam e não necessariamente defendendo posições de esquerda.

Claro que isto é duro de assumir. Talvez por este motivo, ao invés de reconhecer que não "não há espaço social para uma alternativa com alguma expressão de massa" ao PT, Fevereiro diga que "não há espaço social para uma alternativa com alguma expressão de massa a Lula". 

Algumas das consequências deste tipo de raciocínio chegam a ser teatrais: basta ver o esforço que um certo dirigente do PSOL faz para copiar até mesmo os trejeitos de Lula.

Isto posto, Fevereiro parte de uma afirmação com a qual não estou de acordo. Não concordo que a explicação para a crescente influência da extrema-direita em setores da classe trabalhadora esteja nas "mudanças estruturais profundas na classe trabalhadora e na sua forma de inserção no processo produtivo".

A explicação para a influência da extrema-direita é essencialmente política. 

Se a esquerda brasileira tivesse tido outra política, a história poderia ter sido completamente diferente, seja no plano objetivo (as tais mudanças estruturais teriam sido diferentes do que foram), seja no plano subjetivo (a cultura política da classe trabalhadora seria outra).

E, mesmo hoje, em que as tais mudanças estruturais já ocorreram, é possível abordar a situação com políticas diferentes. Aliás, vamos lembrar que o nazismo e o fascismo cresceram em tempos em que a classe trabalhadora emergente era mais Bertolucci/Noveciento do que hoje. Provando que entre o objetivo e o subjetivo "há mais coisas do que pode imaginar nossa vã filosofia".

Aliás, se não entendermos que a razão é essencialmente política e, portanto, a influência da extrema-direita precisa ser superada politicamente, entraremos num beco sem-saída. Afinal, como alterar as estruturas sem política? E como ter outra política, se as estruturas "conspiram" contra nós? 

Obvio que as condições objetivas pesam e muito. Mas elas não determinam diretamente a ação política. Vide o recente resultado da eleição alemã, mais precisamente o resultado do Linke e do partido da Sarah.

Dito de outro jeito, discordo da afirmação de Fevereiro segundo a qual a "mudança de perfil da classe trabalhadora deu chão para a derrubada de Dilma Rousseff, deu base social para a vitória de Bolsonaro em 2018, e mantém a extrema direita como principal alternativa de poder no Brasil". 

O que "deu chão" para a derrubada de Dilma foram decisões políticas (inclusive de política econômica) equivocadas, combinada com uma ofensiva geral da classe dominante, que uma parte da esquerda não quis ver. 

(Aliás, quem não quis ver o que estava acontecendo foram duas partes da esquerda: de um lado, as parcelas mais moderadas do PT, que achavam que como éramos moderados, a classe dominante seria moderada conosco; e parcelas radicais do PSOL e outros setores anti-petistas, que achavam que o governo do PT satisfazia a classe dominante e portanto a classe dominante não tinha motivo algum para derrubar o PT do governo.)

O que "deu chão" para a vitória de Bolsonaro em 2018 foi o STF e tudo o mais. E quem mantém a extrema-direita como "principal alternativa de poder" não é nenhum setor da classe trabalhadora, mas sim o capital financeiro e o agronegócio. 

Fevereiro baseia sua análise, entre outras fontes, em pesquisa feita pela Fundação do PSOL. Diz ele: "Para a maioria da classe trabalhadora na informalidade, no trabalho plataformizado ou por conta própria, o assalariamento não é mais um objetivo. Escutei isso em grupos focais de pesquisa conduzida em 2023 na Fundação Lauro Campos/ Marielle Franco". 

Curiosamente, pesquisa feita pela Fundação Perseu Abramo, vinculada ao PT, sugere conclusões diferentes acerca de qual seria a ambição da classe trabalhadora, jovens inclusive. Assim como sugere conclusões diferentes acerca de como a classe trabalhadora enxerga o papel do Estado. 

Ademais, vejam que curioso: o maior apoio eleitoral do PT ainda está entre os pior remunerados. Ou seja: o PT tem mais votos na parcela da classe que "não está inserida". Se o que Fevereiro fala fosse verdade, tal apoio não teria explicação.

De resto, estou totalmente de acordo com Fevereiro no seguinte: o governo Lula 3 está apostando "numa reedição dos governos Lula 1 e Lula 2 em condições muito mais adversas . Obviamente não está dando certo". E também estou de acordo noutra coisa: "quem se propõe a ser oposição de esquerda a Lula, na sua maioria nem o problema consegue localizar". 

Verdade. Mas não acho que o problema dessa parcela esquerdista esteja em sonhar com "a volta de uma classe trabalhadora assalariada/ celetista como motor da história". Entre outros motivos porque a classe trabalhadora que foi "motor da história", por exemplos em revoluções como a Russa, a Chinesa e a Cubana, nunca foi predominantemente "assalariada/celetista".

Também estou de acordo com Fevereiro que é "necessária uma mudança de rumos por parte do governo mas apontar essa necessidade não pode se confundir com a campanha de desconstrução que parte da esquerda vem realizando".

Entretanto, para fazer esta mudança de rumos é preciso convencer as pessoas de que outra política é possível. E para fazer este convencimento, é preciso localizar corretamente nosso problema. Nosso problema não é principalmente objetivo, não é principalmente estrutural. Nosso problema é principalmente subjetivo, é principalmente político.

Noutras palavras: esta classe trabalhadora que temos é perfeitamente capaz de apoiar a esquerda. Mas para isso é preciso que, pelo menos, a esquerda seja capaz de apoiar muito mais todos os setores da classe trabalhadora.

Quem acha que já está fazendo o máximo possível na atual correlação de forças tem, como é óbvio, todos os motivos para gostar do post de Fevereiro. A estes, aos que se satisfazem até mesmo com o fato de serem chamados de mal menor, cabe lembrar o seguinte: em alguns momentos da historia, como este em que vivemos, a maior prudência está em ser audacioso.


SEGUE O TEXTO COMENTADO

NÃO ESTAMOS BEM COM LULA, MAS ESTAREMOS PIOR SEM ELE

Não dá para analisar a atual conjuntura política sem entender as mudanças estruturais profundas na classe trabalhadora e na sua forma de inserção no processo produtivo que fizeram com que parte dela esteja sob hegemonia da extrema direita.

Lula e o PT são fruto do ascenso da luta de classes na década de 80 , impulsionada por uma classe trabalhadora assalariada urbana que, mesmo não sendo majoritária como fração dentro dos trabalhadores em geral, era hegemônica.

Na década de 80 qualquer jovem de 20 anos ambicionava chegar em casa com a sua 1a carteira de trabalho assinada. A indústria representava 29% do PIB e o trabalho industrial historicamente é melhor remunerado. Os milhões de trabalhadores informais ou por conta própria ambicionavam ser assalariados porque isso significava renda mais alta e o acesso aos direitos da CLT ( férias, 13 salário, previdência social plena) .

3 décadas de desindustrialização relativa( hoje o PIB industrial mal chega a 11%) e de acelerada robotizaçao e automação do trabalho industrial acabaram com as concentrações operárias e com as expectativas de trabalho assalariado de melhor qualidade. O que resta é contratação no setor de serviços, pior remunerado, muito menos organizado sindicalmente por ser mais disperso e por isso sujeito também a escalas de trabalho abusivas( 6 X 1), e a maior assedio moral .

Para a maioria da classe trabalhadora na informalidade, no trabalho plataformizado ou por conta própria, o assalariamento não é mais um objetivo. Escutei isso em grupos focais de pesquisa conduzida em 2023 na Fundação Lauro Campos/ Marielle Franco.

Para esse contingente enorme da classe trabalhadora o Estado é mais visto como um estorvo ( que fiscaliza, controla , pune e cobra impostos ) do que como garantidor de direitos. A ideologia liberal anti-estado é muito presente.

A insatisfação latente não é mais polarizada pela esquerda com uma agenda de mudanças mas por um discurso abstrato anti sistema vocalizado pela extrema direita ,onde o sistema são as conquistas da luta da classe trabalhadora nos últimos 150 anos , nas quais esta parcela da classe não está inserida .

Esta mudança de perfil da classe trabalhadora deu chão para a derrubada de Dilma Rousseff, deu base social para a vitória de Bolsonaro em 2018 , e mantém a extrema direita como principal alternativa de poder no Brasil .

O governo Lula ou não percebeu isto ou não sabe como agir face ao problema e apostou numa reedição dos governos Lula 1 e Lula 2 em condições muito mais adversas . Obviamente não está dando certo.

Quem se propõe a ser oposição de esquerda a Lula, na sua maioria nem o problema consegue localizar . Seguem sonhando com a volta de uma classe trabalhadora assalariada/ celetista como motor da história. Se inspiram nos filmes de Bertolucci ( Noveciento) e querem aquela classe trabalhadora para chamar de sua .

O fato concreto é que o que resta de classe trabalhadora orientada politicamente pela esquerda ainda é a parcela que levou Lula ao poder em 2002 e o manteve competitivo eleitoralmente até hoje . Não há espaço social para uma alternativa com alguma expressão de massa a Lula .

Estou no Psol desde a sua fundação e defendi corretamente a nossa localização na oposição aos governos petistas de 2003 a 2016. Era outro período político, havia espaço para disputar influência e , mesmo lentamente, construir uma alternativa a esquerda em contraposição ao Lulismo. A alternativa à direita era o projeto da direita liberal comandado pelo PSDB.

No atual período político não existe esse espaço. O que resta de classe trabalhadora orientada pela esquerda pode ser insuficiente para derrotar a extrema direita e é esta que se coloca como alternativa.

A vitória de Milei, a volta de Trump, ambos com um programa muito mais radicalizado, mostra o que poderá vir se Lula perder em 2026. É necessária uma mudança de rumos por parte do governo mas apontar essa necessidade não pode se confundir com a campanha de desconstrução que parte da esquerda vem realizando tanto em relação ao governo como em relação às principais figuras públicas do Psol que está na base do governo.

Não me preocupa eventual impacto dessa campanha na disputa de massas porque esse pessoal não tem alcance para isso. Mas têm capacidade para desmotivar e desmobilizar parte da militância, no momento em que se avizinha uma batalha de suma importância . Não vou , ao contrário do que eles em geral fazem, tratá-los com desqualificaçoes morais. A divergência é dramática, mas é política.

Estamos mal com Lula, estaremos muito pior sem ele


2 comentários:

  1. https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2024/08/26/reforma-trabalhista-informalidade-autonomos-clt-carteira-assinada.htm

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  2. Acho ótimo, depois de ler e me surpreender com a dolorosa avaliação de fracasso na concorrência pela esquerda, que finalmente reconhecem que não é possível mais compor um samba como Tom Jobim.
    Nem escrever um romance como Hemingway.
    Alguns ainda tentam superar os bolcheviques (rrsss) mas não tem a determinação do mais medíocre deles, Koba.
    Todos erram, ok.
    Tratem de consertar. Voltem ao PT como os jesuítas um dia retornaram a sua igreja.
    Uni-vos cabeçudos de todo o mundo!

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