quarta-feira, 8 de janeiro de 2025

O discurso de Lula no 8 de janeiro

Importante ouvir os dois discursos feitos por Lula, no ato em defesa da democracia, realizado no dia 8 de janeiro de 2025.

Os dois discursos - o oficial e o improviso - podem ser assistidos aqui: Lula faz ato em defesa da democracia pelos 2 anos do 8 de janeiro

Como todo discurso, teve seus pontos altos e outros nem tanto.

Entre os pontos muito altos do discurso oficial, destaco o fato de Lula ter reafirmado que só haverá democracia no Brasil, quando o povo tiver seus direitos sociais garantidos.

Reestabelecer esse sentido amplo da democracia é algo essencial, se quisermos que a defesa da democracia seja feita pelo conjunto do povo, não apenas por uma elite.

Destaco também a reafirmação de que todos os golpistas devem ser punidos.

Antes do discurso oficial, Lula fez um discurso de improviso.

Nesse improviso, Lula disse que "a democracia é tão boa, que ela permitiu que um torneiro mecânico sem diploma universitário chegasse a presidente da República, na primeira alternância concreta de poder neste país. Isso só pode acontecer na democracia, não pode acontecer noutro regime".

Em seguida, Lula disse que você pega a fotografia da Revolução Russa de 1917, não tem um operário na foto (...) porque eram os intelectuais, os ativistas políticos, os estudantes, as pessoas com um pouco mais de grau, porque historicamente sempre se pensou que trabalhador não prestava para nada a não ser para trabalhar. As pessoas não imaginavam que os trabalhadores pudessem organizar um partido e chegar à presidência da República (...)".

Não sei a qual foto Lula está se referindo. Talvez seja uma foto (ver abaixo) que me contaram ele teria visto no famoso Instituto Smolny, em São Petersburgo. 

Mas existem milhares de fotos mostrando o oposto, a saber: que foi ampla e decisiva a participação dos trabalhadores, com destaque para os operários fabris, inclusive metalúrgicos, na Revolução de Outubro de 1917 e guerra civil que veio depois. 

Aliás, é isso que consiste a alma e o motor das grandes revoluções, como a Russa, a Chinesa e a Cubana: a participação massiva das classes trabalhadoras. E por isso mesmo as revoluções são profunda e incomparavelmente democráticas.

Talvez, ao falar dos "intelectuais, ativistas, estudantes, pessoas com um pouco mais de grau", Lula tenha querido se referir não à Revolução Russa como um todo, mas aos que dirigiram a Revolução, especialmente os integrantes do Partido Bolchevique.

De fato, muita gente fala que a direção da Revolução Russa de 1917 coube a uma elite de intelectuais.

Mas isto tampouco é exato. 

Como foi demonstrado, entre outros, por George Haupt e Jean-Jacques Marie, no "estado maior" bolchevique "a proporção de militantes operários, não apenas por sua origem social, mas também por sua presença na produção, igualava, se não superava, a proporção que havia nos quadros dirigentes dos grandes  partidos socialdemocratas europeus da época. Este fenômeno é tanto mais significativo tendo em vista que o microcosmo dos quadros dirigentes não era recrutado a partir de um macrocosmos de um partido de massas composto em grande medida por operários - como foi o caso, por exemplo, do partido socialdemocrata alemão - mas sim nas condições, mais perigosas e delicadas, da ilegalidade".

Quem quiser ler a íntegra do livro citado acima, está aqui: Los_bolcheviques_por_ellos_mismos-K.pdf

Apesar de incorreta, a afirmação de Lula tem um lado extremamente positivo.

Afinal, se entendi direito o que ele quis dizer, concordo: só haverá democracia no Brasil se a classe trabalhadora se mobilizar e se organizar e lutar. 

E para isto segue sendo fundamental, sempre, que a esquerda brasileira tenha na sua direção uma grande proporção de trabalhadores, "não apenas por sua origem social, mas também por sua presença na produção".

Aliás, deixo a pergunta: hoje, na direção da esquerda brasileira, a proporção de militantes operários, "não apenas por sua origem social, mas também por sua presença na produção", é maior ou menor do que no Partido Bolchevique em 1917?

A resposta a pergunta acima talvez ajude a explicar parte das dificuldades que  a esquerda brasileira enfrenta hoje.

As fotos abaixo (assim como a anterior) são do antigo gabinete de Lênin no Instituto Smolny.






2 comentários:

  1. Caro Walter,

    Interessante seu ponto de vista e dedicação para defender Lula nessa complicada fala. Agora, precisamos entender que a sua defesa não falou sobre o todo que o presidente comentou. Como fica a questão sobre Cuba? Ainda mais considerando a proximidade e admiração mútua com Fidel. Seria isso mesmo que Lula falou aquilo que ele pensa do histórico revolucionário Cubano e do país que tanto nos é solidário? Isso torna a fala pior, e a defesa ainda mais incompleta.

    Proponho uma outra mirada: a fala do Lula diz mais sobre o presente e a situação das esquerdas do que sobre suas viagens pelo mundo. Explico abaixo.

    Já há alguns meses setores ligados ao PT demonstram um incômodo gigante com uma tal "disputa das bases" que outros partidos e setores de esquerda tem feito com o petismo, como se isso não acontecesse há mais de 30 anos. Inclusive essas pessoas não tem falado nada sobre a perda de popularidade do presidente, e seu consequente impacto nas bases que as pesquisas de opinião tem apresentado. Soma-se isso ao desejo de "censura" que petistas têm feito contra as opiniões divergentes, a história de que "só pode criticar quem torce pelo ou apoia o governo".

    Esse quadro está bem desenhado, claríssimo ainda mais aqui no Sul, onde o PT parte para as ações e tentativas de hegemonia principalmente contra o PSOL, seja nas eleições, nos sindicatos ou agora nos mandatos já atuantes.

    Em SC por exemplo, nas eleições o PT lançou um assessor parlamentar de senador do PSDB como candidato criticando a candidatura do PSOL como de direita. E agora no legislativo, na capital o PT acusa o PSOL de não defender uma liderança na câmara de esquerda, ao mesmo tempo em que na maior cidade do Estado o PT apoia a candidatura de direita. Tudo para criar fatos políticos de que só o PT é uma esquerda de verdade, e manter a narrativa de que só o PT tem base, só o PT tem enraizamento, etc, etc, etc. Poderíamos entrar em outros exemplos também como os ataques das mídias petistas à novos projetos de comunicação da esquerda radical, ou chiliques gigantescos publicados por em outros blogs de esquerda após derrotas acachapantes em debates de grandes figuras sindicalistas contra intelectuais mais jovens.

    Acredito que a fala de Lula deva ser lido nesse sentido, representa o ethos do partido contra as esquerdas mais radicais para qual o petismo vem perdendo certa base. E olha que eu nem acho que essa perda é quantitativa, mas qualitativa mesmo - o que num momento de falta de renovações de quadros, e aparições cada vez mais constrangedoras de grandes figuras do partido abertamente advogando por uma rumada à direita, pode incomodar ainda mais. E se isso chegou ao presidente parece que o incômodo é grande.

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  2. Lula não é o que fala ou o que esconde.
    Lula é o que ele faz.
    Assim como Napoleão, diria o velho Hegel.

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