sexta-feira, 10 de janeiro de 2025

Emir e o "todoísmo”

Quero comentar a seguinte mensagem de Emir Sader:


Mas antes de entrar no grão, uma preliminar: o debate a respeito do que disse Lula acerca da Revolução de 1917 e acerca da Revolução Cubana não é algo secundário, que nada tenha que ver com objetivo do ato de 8 de janeiro de 2025.

Pelo contrário: concordemos ou não com o que disse Lula a respeito, ele está certo ao tratar destes temas em seu discurso.

Transcrevo a seguir o que Lula disse a respeito: "(…) a democracia é tão boa, que ela permitiu que um torneiro mecânico sem diploma universitário chegasse a presidente da República, na primeira alternância concreta de poder neste país. Isso só pode acontecer na democracia, não pode acontecer noutro regime (...) "eu de vez em quando fico brincando, você pega a fotografia da Revolução Russa de 1917, não tem um operário na foto, você pega a fotografia da revolução cubana, também não tem operário, porque eram os intelectuais, os ativistas políticos, os estudantes, as pessoas com um pouco mais de grau, porque historicamente sempre se pensou que trabalhador não prestava para nada a não ser para trabalhar. As pessoas não imaginavam que os trabalhadores pudessem organizar um partido e chegar à presidência da República (...)".

Ao dizer que uma "alternância concreta de poder" só pode "acontecer na democracia, não pode acontecer noutro regime"; e engatar isso com uma referência crítica às revoluções Russa e Cubana, Lula estabeleceu uma indevida contraposição entre "democracia" e "revolução".

Tal contraposição não faz sentido, entre outros motivos porque foram as revoluções que tornaram possível o surgimento do que chamamos, hoje, de democracia.

Sobre este aspecto do problema, Emir Sader - salvo engano de minha parte - escolheu nada dizer.

Emir se concentra noutro aspecto do problema, a saber, a composição social do processo revolucionário e de sua direção.

A esse respeito, repito o que Lula disse: “eu de vez em quando fico brincando, você pega a fotografia da Revolução Russa de 1917, não tem um operário na foto, você pega a fotografia da revolução cubana, também não tem operário, porque eram os intelectuais, os ativistas políticos, os estudantes, as pessoas com um pouco mais de grau, porque historicamente sempre se pensou que trabalhador não prestava para nada a não ser para trabalhar. As pessoas não imaginavam que os trabalhadores pudessem organizar um partido e chegar à presidência da República (...)".

Não sei de que fotos Lula está falando. Se for das revoluções como um todo, há milhares de fotos - tanto de Cuba quando da Rússia - demonstrando o óbvio: a imensa participação de trabalhadores em geral, assalariados em particular, inclusive operários. 

Aliás, foram revoluções por isso: viraram o mundo de ponta-cabeça.

Mas é mesmo provável que - como Emir aponta - a “brincadeira” de Lula diga respeito às direções. Aliás, como comentei noutro texto, há uma história engraçada que me contaram, relacionada a uma foto que Lula teria visto no Instituto Smolny. 

Partindo desse pressuposto, Emir diz que Lula estaria certo, pois "quem dirigiu as revoluções russa e cubana não foram operários, foi gente de outros setores sociais". 

Diferente de Emir, sei muito pouco sobre a composição social do processo revolucionário cubano. Assim, vou me limitar ao caso da Rússia.

Lenin evidentemente não era operário. Assim, Emir estaria correto se tivesse dito que "o principal dirigente da revolução russa não foi um operário".

Mas se considerarmos a cúpula do Partido Operário Social Democrata Russo (bolchevique) ou a cúpula dos Sovietes de Toda a Rússia, Emir deixa de estar correto. 

O fato histórico é que a direção do processo revolucionário russo coube a dirigentes de origem popular. Não se tratou apenas de "apoio". 

Outra discussão, muito interessante mas impossível de desenvolver aqui, é sobre o papel dos operários estrito senso nos processos revolucionários (e também nas situações não revolucionárias). E também sobre o papel dos intelectuais de esquerda.

Seja daqueles que Emir chama de "esquerdoides [que] ficam nervosos e esbravejam", seja dos “todoístas” inspirados no Hu Guaofeng.

Para quem não lembra, trata-se de um dirigente do Partido Comunista Chinês, que cumpriu um papel importante na queda da Gangue dos Quatro, mas que é mais lembrado por ter dito que “todas” as orientações de Mao sempre estavam corretas e deviam ser obedecidas.

“Todas”!!

Sempre!!

Depois o PC da China mudou de linha, “emancipou as mentes” e passou a “buscar a verdade nos fatos”. Uma orientação que me parece bem mais saudável, mesmo que desagrade os áulicos.




4 comentários:

  1. Lula tem mentalidade pragmática.
    Metade de seu mandato se passou.
    A torcida a favor está irritada, mas torce pela vitória. A torcida adversária, sempre irritada, joga duro e faz antijogo.
    Agora é hora de expectativa pois dia 29 tem Copom. Bola pro lado ou hora de subir o time pra fazer os gols?
    Múcio tá na hora de sair. BC precisa por os juros no chão.
    Movimentos sociais e dos trabalhadores, jovens e sociedade civil precisam voltar as suas organizações políticas e sacudir essas burocracias (no bom sentido) e unificar para conquistar vitórias.
    Terra, redução da jornada, fim da violência policial, alimentação barata e de qualidade.
    Retórica de Lula precisa mexer com os brios da esquerda.
    A torcida tem que empurrar o time.
    Vai Lula! Vai PT!

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  2. Sinceramente, não vejo motivo para tanto bafafá em torno dessa fala de Lula. Essencialmente, ele opta pela democracia liberal e desconfia de processos revolucionários. Pode-se debater tal opção, mas ele está correto quando diz que a revolução russa foi dirigida por não-operários. Me refiro às lideranças principais, não a subalternos ou dirigentes locais. Aliás, o próprio Lenin era o primeiro a afirmar a incapacidade de as massas operárias desenvolverem a tal "consciência social-democrata" por si sós, só conseguiriam chegar no tradeunionismo. Lenin era elitista e presunçoso, afirmava claramente que a direção caberia a um segmento de intelectuais (inclusive, porque a própria concepção de socialismo "científico" etc., foi obra de intelectuais, não de peões ou operários de graxa na cara). Isso por si só deveria encerrar qualquer polêmica em torno desse assunto.

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  3. A versão dos fatos é usada para uma ou outra finalidade e Lula, com apoio de um fã clube irracional se volta para o que ele comandar que seja destacado.

    O tempo todo a alegação de que Lula nada consegue fazer, no que seia transformação real para o povo, porque estaria sob o comando de um Congresso direitista é usada para justificar sua inoperância quanto às suas promessas da campanha eleitoral: recuperação da Petrobrás aos brasileiros, revogação (depois mudou para reedição) das "contrarreformas" de Temer, diminuição dos juros do BC, entre outras disposições.

    Demonstrando que o poder prático do presidente, na ELOGIADA DEMOCRACIA, ser relativo ou até irrisório, mesmo o Brasil sendo presidencialista e não parlamentarista.

    Nesse aspecto, ser Presidente seria uma espécie de cargo sem poder algum de comando, uma espécie de cargo de honra apenas.

    Sob essa democracia, o desejo dos milhões de eleitores do presidente e seu projeto eleito é submetido e limitado ao projeto político dos que têm poder econômico e elegem com apenas milhares de votos os presidentes da Câmara, do Senado por meio das centenas de deputados que patrocina (esses votos somados não chegam nem perto daqueles obtidos pelo presidente "imobilizado" por eles. Ou seja, democracia que permite que o desejo de menos eleitores se sobreponha aos milhõed obtidos pelo cargo presidencial).

    Nesse caso, a democracia que elege um operário não significa muito, para além da ilusão pessoal do eleito e seus eleitores sobre REAL PODER DECISÓRIO, pois tratar-se-ia de uma DEMOCRACIA BURGUESA CAPITALISTA estruturada em INSTITUIÇÕES DO ESTADO composta por Três Poderes Republicanos que têm garantidos os acessos aos cargos de comando em dois deles - legislativo e judiciário - só pela parcela rica do país! As regras, permissões, legislações e julgamentos são definidos pelos ricos do país.

    Na prática, se trata de uma democracia de aparências que resulta em falso contentamento!

    Um operário até se torna presidente, mas não manda nada e nem transforma a real desigualdade produzida pelo sistema, apenas corrige um pouco as sequelas que jamais deixaram de ser consequência do modelo econômico definido para essa democracia burguesa que prioriza o acúmulo de riqueza para poucos, às custas da exploração da quase totalidade que é doutrinada a ver esse sistema como PERENE E IMUTÁVEL.

    Um provimento do cargo de um presidente de origem miserável é ótimo para garantir que a imagem de liberdade seja propagandeada como fato, quando só é uma tática de amansamento dos eleitores, sem significar VERDADEIRAMENTE que uma DEMOCRACIA POPULAR COMANDE OS DESTINOS DA MAIORIA.

    É uma democracia de quem "ganha, mas não leva" que dá ao presidente eleito a sensação de que a DEMOCRACIA burguesa é um caminho aberto a todos, já que ele mesmo conquistou um de seus cargos mais altos.

    Em seus discursos de cooptação absoluta à Democracia Burguesa se expõe como o grande feito ser seu próprio caso, sem considerar a condição de acuo, pressão e imobilidade diante do outro Poder dominado sempre por ricos. Continua sendo só um operário comandado por patrões que usa faixa decorativa presidencial.

    E assim segue não como presidente dos operários, mas como um bom diafarce para que a classe dominante siga oprimindo, expropriando, espoliando, torturando, matando à vontade!!!

    O capitalismo oferece UMA DEMOCRACIA QUE ILUDE AOS TOLOS COOPTADOS COM A IDEIA DE QUE ELEIÇÕES PARA GOVERNO proporciona PODER POLÍTICO. Este segue nas mãos de endinheirados impunes, privilegiados e sádicos.

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