domingo, 2 de junho de 2024

Sobre os argumentos do Proifes, segundo o professor Gil

Tem circulado, em alguns grupos de zap petistas, um texto intitulado "Em defesa do termo de acordo assinado pelo PROIFES com o governo".

O texto é assinado pelo professor Gil Vicente Reis de Figueiredo, da UFSCar, que foi o primeiro presidente do PROIFES.

Parafraseando Lula, os dois primeiros parágrafos do texto se dedicam a "remoer o passado". O primeiro parágrafo fala dos acordos assinados pelo Proifes, o segundo parágrafo critica o papel desempenhado pelo Andes nos anos 2000.

Infelizmente, o professor não fala nada sobre a existência de uma oposição dentro do Andes, oposição encabeçada por petistas, que teve 41% dos votos na última eleição (e resultado similar nas eleições anteriores). Esta omissão, como é óbvio, tem o objetivo de igualar a base do Andes com sua diretoria e esta, com o PSTU. Sua descrição dos fatos é, portanto, parcial e capciosa.

A partir do terceiro parágrafo, o professor começa a analisar, segundo ele de "forma factual e objetiva, os eventos relativos à campanha salarial de 2024". Curiosamente, nessa análise factual e objetiva não há nenhuma, absolutamente nenhuma, referência a greve dos professores e dos técnicos administrativos. É como se os pontos positivos e os avanços (ambos existem) na proposta do governo tivessem sido produto da generosidade do governo e da genial capacidade negociadora do Proifes.

Aliás, a palavra "greve" só aparece uma vez no texto do professor Gil, para se referir a greve de 2004. Por sinal, sugiro que façam uma busca no texto (reproduzo abaixo) atrás das palavras "luta" e "mobilização" e suas variantes. É um exercício muito didático, que nos deixa a pensar sobre que tipo de sindicalismo é esse que parece ter alergia a determinadas palavras.

Tirante estes detalhes acima referidos, a análise do professor Gil é correta sob muitos aspectos, seja na crítica a pontos da proposta inicial do Andes, seja na defesa de detalhes da proposta final do governo, seja ao apontar problemas na contraproposta apresentada no dia 27. Mas para não cansar as pessoas com números e percentuais, me limito a dizer que, da missa o professor nos conta apenas um terço. 

Primeiro terço faltante: não é fato que a "evolução progressiva do diálogo negocial entre o PROIFES e o governo" tenha decorrido das supostas ou reais fragilidades da proposta do Andes e, também, da suposta ou real qualidade da proposta do Proifes. Como ficou evidente para mim - ao ouvir o relato dado à executiva nacional do PT pelo próprio Feijóo, negociador do governo - assim como ficou evidente para muitos outros, houve um jogo combinado entre o governo e o Proifes. E esse jogo acelerou, quando o Feijóo percebeu que a greve estava crescendo. Mas, como se diz, isso faz parte, embora diga muito acerca da concepção dos personagens envolvidos. 

Sigamos. 

Segundo terço faltante: o professor afirma textualmente que a proposta apresentada pelo Proifes "não recuperaria, como sabemos, as perdas havidas nos dois governos anteriores, mas, nas circunstâncias e considerada a atual correlação de forças políticas existente, a nível nacional, representaria um avanço"; e afirma, também textualmente, que "o termo de acordo recém assinado entre o PROIFES e o governo federal não representa a recomposição almejada pela categoria após anos de arrocho salarial imposto pelos que atacaram seguidamente a educação, mas significa e deve ser visto como um desejável início de recuperação, que necessitará ser fortemente aprofundado mais adiante. E que precisará ser acompanhado por uma vigorosa ampliação da destinação de mais verbas para as Universidades e Institutos Federais".

Traduzindo o que o professor disse: o Proifes aceitou reajuste zero em 2024, o que é particularmente grave para os aposentados, porque considera que "na atual correlação", "isso representaria um avanço", um "desejável início de recuperação". Estas afirmações são verdadeiras? Em parte, sim, óbvio. Mas seria possível avançar mais: esta é a opinião de uma parte do PT, a começar por 13 presidentes/as de associações docentes que integram o Andes, número (13) aliás maior do que o número total de associações que integram o Proifes.

Não se trata, portanto, de radicalismo da ultraesquerda. Se trata de uma opinião, embasada em números, de gente que é petista de carteirinha, que faz oposição à diretoria do Andes, que demarca o tempo todo com o esquerdismo e que, coletivamente, representa mais do que o Proifes inteiro. 

A minoria (Proifes) pode estar certa e a maioria (Andes, Sinasefe) pode estar errada? Por suposto que sim! Nós, petistas que atuamos no Andes, podemos estar errados? Podemos, claro. E podemos ser derrotados? Podemos, óbvio. Mas o fato é que provamos, por a mais b, que o custo total de aceitar a contraproposta do Andes é totalmente assimilável "na atual correlação", como se pode ver aqui: A viabilidade fiscal da proposta da greve dos docentes das IFES (jornalggn.com.br).

Mas, para além destas acacianas, há duas outras coisas que precisam ser ditas.

Primeiro: se o governo quer achar um desfecho para a greve (que, lembramos, não existe no relato do professor Gil), o governo precisa negociar com as entidades que representam a maioria dos que estão em greve. E precisa negociar algum tipo de reposição em 2024 e, também, apontar alguma perspectiva em outras pautas, a começar pelo tema do orçamento global. 

Segundo: a pergunta feita pelo professor Gil, no parágrafo final do seu texto, vale para ele mesmo. A pergunta é:  "Como pode uma entidade (...) prejudicar concretamente a categoria que diz representar?" Foi isso que o Proifes fez, ao fazer um pas de deux com o Feijóo, exatamente quando o governo dava sinais de que podia ceder.

Não vou discutir aqui o funcionamento interno do Proifes, o fato de que parte de sua base estava e segue em greve etc e tal. Isso é irrelevante para o que estou discutindo aqui. O que é relevante é que o Proifes ajudou o Feijóo a encerrar as negociações, num momento que pode ter sido adequado para o Feijóo, mas certamente não era adequado para a categoria que o Proifes diz representar.

O resto, os leitores podem concluir sem que precise ser dito.


Segue o texto criticado

Em defesa do termo de acordo assinado pelo PROIFES com o governo

 

No dia 27 de maio de 2024, após quase seis meses de negociações, o governo federal assinou com o PROIFES-Federação mais um termo de acordo – o sexto de uma série histórica que começou cerca de duas décadas atrás, pouco depois da fundação da entidade. Em 2007 foi celebrado o primeiro acordo, com reajuste significativo dos salários dos docentes do magistério superior (MS), além da extinção do caráter produtivista de gratificação produtivista existente à época, beneficiando os docentes aposentados. Em março de 2008, outro importantíssimo acordo foi firmado, desta vez criando a nova carreira do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico (EBTT), que possibilitou a expansão da rede de Institutos Federais, criada e ampliada nos sucessivos governos Lula e Dilma. Em 2011 houve a incorporação de gratificações, além de modesta reposição (4%). Em 2012, a celebração de novo pacto entre PROIFES e o governo federal, implementado em três etapas, elevou os salários (isonômicos) de docentes do MS e do EBTT ao maior patamar real dos quinze anos anteriores. Em 2015, por último, foi possível alcançar, com a assinatura de acordo com a presidente Dilma, a reestruturação plena das carreiras docentes: após três etapas, em agosto de 2017, agosto de 2918 e agosto de 2019, toda a malha salarial passou a ter uma estrutura lógica, permitindo a dedução dos vencimentos dos docentes de qualquer classe, nível, titulação e regime de trabalho a partir do salário-piso (auxiliar 20h, graduado).

A ANDES desempenhou um papel importante no cenário de redemocratização, nas décadas de 80 e 90 do século passado. Entretanto, aparelhada que foi, ao final desse período, por grupos partidários do espectro sectário da esquerda, deixou de defender os interesses dos professores já a partir dos anos 2000, envolvendo-se seguidamente em embates contra os governos do campo democrático e popular. Assim foi quando organizaram, ainda em 2004, a primeira greve contra o governo Lula. Foi exatamente por divergir radicalmente da postura desses grupos, que qualificavam o então governo como ‘tão neoliberal como o de FHC’, e, portanto, como ‘inimigo da classe trabalhadora’, com o qual seria impossível um processo de negociação que redundasse em avanços, que um conjunto expressivo de professores rompeu com a ANDES, ainda em 2004, criando o PROIFES. A trajetória da ANDES, desde então, vem sendo lastimável. Foi contra a política de cotas. A seguir, lançou-se numa cruzada nacional contra o REUNI. No seu 53º CONAD, em Palmas, 26-30 junho de 2008 (Relatório Final, página 131) aprovou “Intensificar o combate ao programa REUNI dentro de cada IFES, articulando a intervenção das seções sindicais do ANDES-SN, propondo amplas mobilizações e ações unificadas com estudantes e técnicos-administrativos para impedir, na prática, os projetos e planos de reforma universitária do governo, fazendo a denúncia de suas consequências deletérias, conforme resoluções do ANDES-SN”. A partir daí, patrocinou, junto com os estudantes, invasões de reitorias, de norte a sul do País, baseando-se no ‘fato’ de que assembleias gerais de docentes em todo o Brasil teriam posição contra o REUNI. Mais adiante, em 2016, recusou-se a ANDES a qualificar o golpe contra a presidente Dilma como golpe. Mas, mais do que isso, em 28 de junho de 2016, a ANDES solicitou, obteve e participou de reunião com a Secretaria Executiva do MEC, como pode ser visto na foto abaixo, onde foi reivindicar a revogação, pelo governo Temer, do acordo assinado entre o PROIFES e a presidente Dilma. Nessa ocasião, o presidente da ANDES pediu ao então governo que não sancionasse o Projeto de Lei 4251/2015, que consolidava esse acordo e que rediscutisse o tema com a ANDES. Felizmente, não foi atendido. 

Analisamos agora, de forma factual e objetiva, os eventos relativos à campanha salarial de 2024.

A ANDES inicialmente reivindicou 53,05% de reajuste linear para os docentes federais, como categoria que só havia tido reajustes salariais em duas etapas, em 2016 e 2017. Além disso, fechou com o SINASEFE uma proposta com sete pontos, objetivando a ‘reestruturação de carreiras’. A proposta era de péssima qualidade e, se aprovada, seria um desastre para os docentes federais, suas carreiras e instituições, bem como para a produção do conhecimento, com grave prejuízo para o Brasil. Dentre vários aspectos anacrônicos da proposta, do ponto de vista da excelência acadêmica, destacamos dois. Em primeiro lugar, previa-se a extinção de classes, com a criação, em seu lugar, de 13 níveis. Com isso, em vez de chegarem a titular em 19 anos, os docentes passariam a precisar de 24 anos, com enorme prejuízo para ativos e aposentados, o que certamente tornaria essas carreiras menos atrativas, além do que deixariam de dialogar com quaisquer outras, no país ou no mundo – seguramente um grave retrocesso. Em segundo lugar, a proposta da ANDES-SINASEFE previa a redução da retribuição de titulação – no caso dos doutores, por exemplo, de 115% para 75%. Ou seja, a diminuição do estímulo à qualificação acadêmica!!! A ANDES-SINASEFE, na sequência, optaram por esconder de suas bases essa indefensável proposta, e acabaram por sugerir que reestruturações fossem discutidas mais adiante, em mesa setorial. Ao mesmo tempo, a ANDES insistiu todo o tempo em se posicionar contra a fusão das classes iniciais, bem como igualmente contra a elevação de degraus entre níveis, conforme proposta pelo PROIFES.

A má qualidade da proposta de reestruturação da ANDES, aliada ao irrealismo dos índices de recomposição propostos conduziram à situação de costume: a evolução progressiva do diálogo negocial entre o PROIFES e o governo, culminando em proposta feita pela Federação e sua subsequente aceitação parcial.

A proposta do PROIFES de reestruturação era a seguinte: 1) fusão das duas primeiras classes das carreiras (A/B, no MS e DI/DII, no EBTT) em uma única, passando os docentes a começar suas carreiras (e a serem enquadrados, no caso dos que já estão nas carreiras) no atual nível salarial de B2/DII 2 – isso daria um aumento de 16,3% aos salários de entrada de ambas as carreiras (MS e EBTT), para além da reposição linear que viesse a ser acordada; e 2) elevação, de 4% para 5%, dos degraus dos níveis de C/D (adjunto e associado, no MS) e de DIII/DIV (no EBTT), propiciando elevação adicional dos salários nos níveis mais altos das carreiras. Já a proposta de recomposição salarial previa 3,5% em 2024, 9,5% em 2025 e 4,0% em 2026. O efeito combinado dessas demandas produziria o seguinte resultado:

a)   Docentes em início da carreira (doutores em regime de 40h, dedicação exclusiva, como é o caso da maioria), passariam dos atuais R$10.4815 para R$14.369,72 em 2026, com aumento nominal de 37,09%.

b)  Docentes no meio da carreira (adjuntos 4/DIII 4 - idem), passariam dos atuais R$14.468,15 para R$17.549,66 em 2026, com aumento nominal de 21,30%.

c)   Docentes no final da carreira (titulares – idem), passariam dos atuais R$ 22.377,71 para R$27.934,39, com aumento nominal de 24,83%.

Essa proposta não recuperaria, como sabemos, as perdas havidas nos dois governos anteriores, mas, nas circunstâncias e considerada a atual correlação de forças políticas existente, a nível nacional, representaria um avanço.

Em resposta, o governo aceitou quase que integralmente a reestruturação do PROIFES, com pequenas alterações em alguns degraus. Aceitou também, quase com os mesmos números, as reposições de 2025 e 2026, mas não concedeu nenhum percentual de reajuste em 2024. Com isso, a proposta do governo apresentada em 15 de maio de 2024 (objeto da assinatura do termo de acordo), produziu os seguintes resultados:

a)     Docentes em início da carreira (doutores em regime de 40h, dedicação exclusiva, como é o caso da maioria), passam dos atuais R$10.4815 para R$13.753,95 em 2026, com aumento nominal 31,22%.

b)    Docentes no meio da carreira (adjuntos 4/DIII 4 - idem), passam dos atuais R$14.468,15 para R$16.877,23 em 2026, com aumento nominal de 16,65%.

c)     Docentes no final da carreira (titulares – idem), passam dos atuais R$ 22.377,71 para R$26.326,78, com aumento nominal de 17,65%.

Ressalte-se, portanto, que a proposta final do governo foi inferior à do PROIFES e, apesar disso, foi aceita de forma majoritária pelas bases da entidade, razão pela qual, em respeito à democracia interna da Federação, o acordo de 27 de maio de 2024 foi assinado.

Por último, mostraremos, do ponto de vista técnico e objetivo, o significado da última ‘contraproposta’ apresentada pela ANDES ao governo, isso já no dia 27 de maio de 2024, quando já não havia margem para negociação. A ‘contraposta’ é a seguinte: reajuste de 3,69% em agosto de 2024; 9% em 2025; e 5,16% em 2026; nenhuma mudança deve ser feita nos degraus da atual da carreira e, também, não deve haver fusão das duas primeiras classes, como proposto pelo PROIFES e aceito pelo governo.

Veja a seguir qual seria o resultado produzido por essa proposta nos salários dos docentes federais em 2026, caso aceita:

a)   Docentes em início da carreira (doutores em regime de 40h, dedicação exclusiva, como é o caso da maioria), passariam dos atuais R$10.481,65 para R$12.457,86 em 2026, com aumento nominal 18,85%.

b)  Docentes no meio da carreira (adjuntos 4/DIII 4 - idem), passariam dos atuais R$14.468,15 para R$17.195,98 em 2026, com aumento nominal de 18,85%.

c)   Docentes no final da carreira (titulares – idem), passariam dos atuais R$ 22.377,71 para R$26.596,81, com aumento nominal de 18,85%.

A conclusão é que a ANDES, no afã de seguir adiante em sua disputa sindical menor, acabou por fazer ao governo uma proposta muito inferior à apresentada pelo PROIFES. Até aí, a situação seria apenas digna de nota. Mas os números acima mostram que, pior do que isso, embora a proposta daquela entidade para os docentes no meio ou final de carreira leve, em 2026, a números semelhantes aos já pactuados, os salários propostos para o início da carreira seriam inferiores (também em 2026) aos já concedidos em R$1.296,09 – um prejuízo superior a 12%! Como pode uma entidade pedir para o governo piorar a proposta que já assinou e, assim, prejudicar concretamente a categoria que diz representar? Definitivamente, é um pleito que, em seu mérito, não merece consideração ou guarida.

Por fim, há que se reconhecer que o termo de acordo recém assinado entre o PROIFES e o governo federal não representa a recomposição almejada pela categoria após anos de arrocho salarial imposto pelos que atacaram seguidamente a educação, mas significa e deve ser visto como um desejável início de recuperação, que necessitará ser fortemente aprofundado mais adiante. E que precisará ser acompanhado por uma vigorosa ampliação da destinação de mais verbas para as Universidades e Institutos Federais, patrimônio inestimável do povo brasileiro, a ser preservado e ampliado pelos que defendem políticas públicas do campo democrático e popular.

 

Gil Vicente Reis de Figueiredo, UFSCar.

Primeiro presidente do PROIFES.

1º de junho de 2024.


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