(sem revisão)
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Um companheiro de São José dos Campos (SP) me enviou agora
há pouco duas mensagens.
A primeira diz assim: “Os Rasputins do partido : Valter
Pomar e Breno Altmann que gostam de história
e fazer digresões deveriam relembrar seus livros”.
A segunda informa que o autor da frase acima estaria se
baseando num texto de Cláudio Daniel, intitulado “Para entender a chapa
Lula-Alckmin”.
Reproduzo ao final o texto.
O texto começa dizendo o seguinte: “A tática eleitoral
defendida por setores do PT, ainda não oficializada pelo Partido, tem gerado
controvérsias, sobretudo por parte de grupos trotsquistas, como o PSOL, que
desejam uma chapa 100% de esquerda, sem nenhum tipo de aliança com partidos
burgueses ou líderes de direita como Geraldo Alckmin. O tema merece debate
aprofundado”.
Realmente, o tema merece debate aprofundado. Um bom começo
seria evitar simplificações. Por exemplo: se a tática de aliança com Alckmin é
defendida por setores do PT, isto significa que outros setores do PT não
defendem esta tática. Como a decisão será tomada pelo PT (e não pelo PSOL ou pelo
PCdoB), é obviamente mais relevante debater a opinião destes setores do PT do que
debater a opinião de “grupos trotsquistas” do PSOL.
Pois bem: entre os setores do PT contrários a uma aliança
com Alckmin há nuances. Mas eu desconheço que exista alguém defendendo “nenhum
tipo de aliança com partidos burgueses ou líderes de direita”. Afinal, trata-se
de uma eleição de dois turnos, num país como o Brasil, numa conjuntura como a
de 2022.
Nuances a parte, os setores do PT contrários a tal “tática
ainda não oficializada” são 100% contrários a entregar a vice-presidência para
um neoliberal golpista. São coisas um pouco diferentes: “entregar a vice” e “não
fazer nenhum tipo de aliança”.
O autor do texto vai buscar argumentos em 1847. Diz que
Marx, Engels, Lênin, Stálin e Dimitrov defenderam isto ou aquilo. Este jeito de
argumentar - tirar citações do seu contexto e usar isto como argumento de autoridade
- é um método que não é cientificamente sério.
Por exemplo: Marx e Engels escreveram o Manifesto Comunista no
final de 1847, num momento histórico de revoluções burguesas contra a ordem
feudal. E o que aconteceu em 1848-1849? A burguesia prometeu ao proletariado “liberdade,
igualdade e fraternidade”; mas traiu a revolução e ofereceu ao proletariado “infantaria,
cavalaria e artilharia”. O trocadilho genial é do Marx.
Lênin morreu em 1924, portanto ele estava morto quando a
Internacional Comunista aprovou a política da Frente Popular. Mas ao longo de
sua atuação, Lenin defendeu diferentes posições táticas acerca da burguesia. Afinal,
como ele dizia, a essência do marxismo é a análise concreta da realidade concreta
(e não repetir citações fora de contexto).
Stalin também defendeu posições diferentes acerca de como
tratar a burguesia, algumas tão “gentis” que ele ressuscitasse no Brasil de
2022 correria o risco de acusado de “trotsquista” pelos “claudios danieis” da
vida.
E Dimitrov? Recomendo ler o citado relatório, pois nele há
frases sobre a burguesia que não tem absolutamente nada que ver com a lenda
difundida pelo Claudio Daniel.
O Informe apresentado por Dimitrov no VII Congresso Mundial
da Internacional Comunista, no dia 2 de Agosto de 1935, pode ser lido no link a
seguir:
https://www.marxists.org/portugues/dimitrov/1935/fascismo/index.htm
Neste documento há um item específico sobre a frente popular.
Vejamos o que diz o texto:
“A frente popular antifascista
“Na mobilização das massas trabalhadoras
para a luta contra o fascismo, temos como tarefa especialmente importante a
criação de uma extensa frente popular antifascista, sobre a base da frente
única proletária. O êxito de toda a luta do proletariado está intimamente unido
à criação da aliança de luta do proletariado com os camponeses trabalhadores e
com as massas mais importantes da pequena burguesia urbana, que formam a
maioria da população, mesmo nos países industrialmente desenvolvidos.
“O fascismo, em suas campanhas
de agitação destinadas à conquista de tais massas, tenta opor as massas
trabalhadoras da cidade e do campo ao proletariado revolucionário e assustar os
pequenos burgueses com o fantasma do «perigo vermelho». Temos que devolver os
tiros e indicar aos camponeses trabalhadores, aos artesãos e aos trabalhadores
intelectuais, de onde os ameaça o verdadeiro perigo; temos que os fazer ver
concretamente quem joga sobre os camponeses a carga das contribuições e
impostos, quem os suga por meio de juros usurários, expulsa de seu terreno o
camponês e sua família e o condena ao desemprego e à mendicância. Precisamos
esclarecer objetivamente, explicar paciente e tenazmente, quem arruína os
artesãos à força de impostos e taxas de todo gênero, de rendas pesadas e de uma
concorrência insuportável para eles, quem atira à rua e priva de trabalhos as
extensas massas dos trabalhadores intelectuais.
“Mas isto não basta.
“O fundamental, o decisivo,
para estabelecer a frente popular antifascista, é a ação decidida do
proletariado revolucionário em defesa das reivindicações destes setores e, em
particular, dos camponeses trabalhadores, de reivindicações que estejam na
razão dos interesses primordiais do proletariado, combinando no decorrer da
luta as aspirações da classe operária com estas reivindicações.
“Para a criação da frente
popular antifascista, tem grande importância saber abordar de maneira acertada
todos os partidos e organizações que envolvem uma parte considerável de
camponeses trabalhadores e as massas principais da pequena burguesia urbana.
“Nos países capitalistas, a
maioria destes partidos e organizações — tanto econômicas como políticas — se
encontra ainda sob a influência da burguesia e acompanha esta. A composição
social destes partidos e organizações não é homogênea. Nela aparecem, ao lado
dos camponeses muito ricos; ao lado de pequenos comerciantes, homens de grandes
negócios; mas a direção está na mão dos últimos, os agentes do grande capital.
Isto nos obriga a dar a estas organizações um tratamento diferente, levando em
conta que, com frequência, a massa de seus filiados não conhece a verdadeira
face política de sua própria direção. Em determinadas circunstâncias, podemos e
devemos dirigir nossos esforços no sentido de ganhar para a frente popular
antifascista estes partidos e organizações ou setores isolados deles apesar de
sua direção burguesa. Assim acontece atualmente na França, por exemplo, com o
partido radical; nos Estados Unidos, com as diversas organizações de granjeiros
(farmers); na Polônia com o «Stronictwo Ludowe»; na Iugoslávia com o Partido
Camponês croata; na Bulgária com a Liga dos Agricultores; na Grécia com os
«agraristas», etc. Mas, independentemente disto, de que existam possibilidades
de atrair estes partidos e estas organizações para a frente popular, nossa tática
tem que ser orientada, sob quaisquer condições, no sentido de arrastar para a
frente popular antifascista os pequenos burgueses camponeses, artesãos, etc.,
envolvidos neles”.
“Assim, pois, como vedes,
temos que acabar por completo com o menosprezo e a atitude depreciativa, que
surgem com bastante frequência em nossa situação, a respeito dos diversos
partidos e organizações de camponeses, artesãos e de massas da pequena
burguesia urbana”.
Como se pode perceber, ao contrário do que escreveu Claudio Daniel,
a maior preocupação do Dimitrov é libertar as massas da influência da burguesia.
Vejamos agora um outro trecho, que fala de como deveria ser
um governo:
“Exigimos de todo governo de frente única uma
politica completamente diversa. Exigimos-lhe que realize determinadas
reivindicações cardiais revolucionárias consoantes com a situação, como, por
exemplo, o controle da produção, o controle sobre os bancos, a dissolução da
polícia, sua substituição por uma milícia operária armada, etc. Há quinze anos,
Lenin nos convidava a que concentrássemos toda a atenção «em procurar formas de
transição ou de aproximação para a revolução proletária». Poderá acontecer que
o Governo de frente única seja, numa série de países, uma das formas
transitórias mais importantes. Os doutrinários «de esquerda» passaram sempre de
longe em relação a esta indicação de Lenin, falando somente da «meta», como
propagandistas limitados, sem preocupar-se jamais com as «formas de transição».
E os oportunistas de direita tentaram estabelecer uma «fase democrática
intermediária especial» entre a ditadura burguesa e a ditadura do proletariado,
para sugerir à classe operária a ilusão de um pacífico passeio parlamentar de
uma ditadura a outra. A esta «fase intermediária» fictícia chamavam também
«forma de transição», e invocavam inclusive o nome de Lenin! Mas não foi
difícil descobrir a fraude, pois Lenin falava de uma forma de transição e de
aproximação da «revolução proletária», isto é, a destruição da ditadura
burguesa, e não de uma formá transitória qualquer entre a ditadura burguesa e a
proletária”.
Espero que estes dois
trechos sejam suficientes para perceber que i/Dimitrov escreve num contexto
histórico muito diferente do nosso e ii/a opinião dele sobre a burguesia não
tem nada que ver com a lenda difundida por Cláudio Daniel. Num resumo: frente
popular não é igual a frente com a grande burguesia.
Adiante: Claudio Daniel lembra que na década de 1930 houve na
França e na Espanha governos de “coalizões formadas por comunistas,
anarquistas, social-democratas e setores da burguesia que se opunham ao
fascismo”. Verdade. E como foi que terminaram? No caso da França, traindo a esquerda.
No caso da Espanha, derrotado pelos fascistas. E um dos motivos da derrota – no
caso da Espanha – foi ter aceito a dicotomia “ou fazer a revolução ou fazer a
guerra civil”. Não fizeram a revolução e perderam a guerra civil.
Sobre a China, o Claudio Daniel fornece uma informação totalmente
falsa. Ele diz: “na China, Mao Zedong firmou uma aliança com o militar
nacionalista e autoritário Chiang Kai Shek, líder do Kuomitang, ao longo de
quase duas décadas, para apoiar a unificação do território chinês, dividido
entre os vários senhores da guerra das diversas províncias chinesas, e depois
para lutar contra as forças de ocupação japonesa. Esta aliança só foi rompida
em 1945”.
A verdade é: até 1927 o Partido Comunista fez uma aliança com
o Kuomitang contra os “senhores da guerra”. E de 1937 até 1945 houve uma aliança
entre o PC e o Kuomitang contra os japoneses. Mas entre 1927 e 1937 houve uma
guerra civil entre o Kuomitang e o Partido Comunista. Guerra civil que foi
retomada entre 1945 e 1949. Portanto, é falso, é mentira, é ignorância histórica
que a aliança durou “quase duas décadas”.
Mas esta mentira tem seu motivo de ser: em 1927 o PC foi traído,
atacado e massacrado pelo Kuomitang (dezenas de milhares de assassinados). Detalhe:
o PC da China afirma, em seus documentos oficiais, que um dos motivos do
massacre foi o “desvio de direita”, as posições de direita que prevaleciam na
direção do PC. Obviamente, falar disso não contribui para quem defende as
posições de Claudio Daniel.
Claudio Daniel usa como argumento para defender uma aliança
com Alckmin o tratado Molotov-Ribentrop. Provavelmente ele quer argumentar que
podemos fazer aliança com qualquer um, desde que isso nos ajude a atingir
nossos objetivos. Falando em tese, concordo com isso. O problema é: nosso
objetivo neste ano de 2022 é derrotar a pessoa do Bolsonaro ou é derrotar a
política do Bolsonaro. Se for derrotar a pessoa, vale aliança até com o Moro e
com o Mourão. Mas se nosso objetivo é derrotar não só a pessoa, mas também a
política de Bolsonaro, então é preciso criar as condições para derrotar a
política neoliberal (pois, vamos lembrar, a política do governo Bolsonaro é
neoliberal). E a pergunta é: aliança com Alckmin e com a direita gourmet ajuda
a derrotar o neoliberalismo??
O principal problema dos exemplos citados antes e os outros
(Cuba, Angola, Moçambique etc.) reside nisso: nenhum deles responde o que fazer
na situação concreta em que estamos, no Brasil de 2022.
O Claudio Daniel (e quem acredita em suas opiniões) tem alguma
obsessão particular contra “o menchevique Leon Trotsky e seus discípulos”. Mas
a obsessão é tão grande, que o torna cego às evidências históricas. Trotsky foi
mesmo menchevique, depois rompeu com os mencheviques, virou independente,
depois entrou no Partido Bolchevique, do qual foi expulso. Ao longo de décadas
de atuação política, é mentira que ele nunca tenha defendido “qualquer acordo
ou aliança tática com setores da direita ou da burguesia”. Há, claro, setores
da esquerda – alguns se declaram seguidores de Trotsky, alguns não – que tem
posição por princípio contra qualquer aliança. Mas, repito, este não é o caso
dos setores do PT que se opõe a fazer uma aliança que entregue a
vice-presidência para um golpista neoliberal.
Aliás, ontem ouvi um cidadão muito respeitável defender Alckmin
com o seguinte argumento: comparando-o com José de Alencar. Eu votei contra
José de Alencar ser vice de Lula em 2002, mas a comparação não tem pé nem
cabeça. Os fatos são: Alencar era um crítico da política pró-capital financeiro
do PSDB, Alckmin sempre foi um defensor das políticas neoliberais.
Deixando de lado as comparações históricas sem pé nem
cabeça, Claudio Daniel diz que “a tática defendida por Lula e setores do PT tem
os seguintes objetivos: conquistar o maior número de votos possível no estado
de São Paulo, para garantir a vitória no primeiro turno e evitar a polarização
ideológica em hipotético segundo turno; acalmar o empresariado nacional, que
sempre viu Lula e o PT com desconfiança; tirar Alckmin das eleições estaduais
em São Paulo, abrindo uma brecha para a possível vitória de Fernando Haddad,
que poderá ser o primeiro governador petista no principal estado da federação e
ninho histórico dos tucanos; caso o Congresso Nacional tenha maioria de
esquerda, Alckmin será uma figura decorativa, sem poder algum; caso a maioria
seja de direita, Alckmin poderá ser o interlocutor entre o Palácio do Planalto
e o Legislativo”.
A lista de objetivos acima é uma aplicação do que eu chamo
de “teoria do tudo de bom”. Vamos por partes:
1/”conquistar o maior número de votos possível no estado de
São Paulo, para garantir a vitória no primeiro turno e evitar a polarização
ideológica em hipotético segundo turno”
-a polarização ideológica não estará posta em “hipotético
segundo turno”, ela está posta desde já, portanto se o objetivo é este, perda
de tempo;
-não vencemos no primeiro turno em 2002, nem em 2006, nem em
2010, nem em 2014. É possível vencer no primeiro turno em 2022? Hipoteticamente
sim, mas construir uma política com este objetivo é temerário. Em 2006 e em
2014 teve gente confiando nisso e o efeito prático foi péssimo;
-os cálculos eleitorais sobre SP partem do pressuposto de que
o eleitorado tucano vai acompanhar Alckmin, mais ou menos como o eleitorado
petista acompanha Lula não importa quem seja seu vice. Digamos que isso é uma
hipótese não comprovada pelas pesquisas divulgadas até agora;
2/”acalmar o empresariado nacional, que sempre viu Lula e o
PT com desconfiança”
-a única coisa capaz de acalmar o empresariado nacional é manter
e ampliar os seus lucros. Isto não se garante com um vice, isto se garante com
a adoção de determinadas políticas de governo. O problema é: será possível, no
Brasil de 2022-2026, no atual cenário mundial, implementar uma política “ganha-ganha”,
ou seja, que ao mesmo tempo amplie os lucros do empresariado e melhore a vida
do povo?
3/”tirar Alckmin das eleições estaduais em São Paulo,
abrindo uma brecha para a possível vitória de Fernando Haddad, que poderá ser o
primeiro governador petista no principal estado da federação e ninho histórico
dos tucanos”
-espero que Haddad ganhe as eleições de São Paulo, mas
convenhamos a aposta é alta, a saber, a de que o eleitorado tucano de SP (que
votou 45 nas últimas 7 eleições vai agora votar 13 duas vezes...);
4/” caso o Congresso Nacional tenha maioria de esquerda,
Alckmin será uma figura decorativa, sem poder algum; caso a maioria seja de
direita, Alckmin poderá ser o interlocutor entre o Palácio do Planalto e o
Legislativo”
-achar que pode haver maioria de esquerda no Congresso
Nacional é um delírio. E entregar a Alckmin o papel de interlocutor é repetir o
mesmo erro já cometido ao entregar a Temer este papel.
Claudio Daniel lembra, no final de seu texto, que “essa é
uma aliança tática, não permanente, que tem o objetivo de isolar e derrotar
Bolsonaro e permitir a adoção de uma agenda política democrático-popular. Não é
uma frente para se fazer a revolução, pelo simples fato de que a revolução é
feita pela violência organizada das massas, liderada por um partido
marxista-leninista, e não o resultado de uma eleição dentro do velho estado
burguês”.
Eu não sei em que mundo vive o Cláudio Daniel. No mundo em que
eu vivo, no Brasil de 2022, a disjuntiva não é “frente eleitoral com a
burguesia” versus “frente revolucionária”. A discussão é sobre a natureza da
frente eleitoral. Alguns defendem uma frente democrática popular, outros
defendem uma frente tão ampla que inclui golpistas e neoliberais.
Os que defendem uma frente com golpistas e neoliberais têm o
direito de fazê-lo, mas deveriam ser honestos e reconhecer que o governo
resultante desta frente não adotará uma “agenda política democrático-popular”.
Uma frente com Alckmin vai dar numa agenda social-liberal.
Claudio fala outras coisas que prefiro não comentar, pois também
sou pragmático e acho melhor não dar atenção para cortina de fumaça.
Aliás, só comentei este texto a pedido do meu amigo de São
José dos Campos.
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SEGUE O TEXTO COMENTADO
"PARA ENTENDER A CHAPA LULA-ALCKMIN.
A tática eleitoral defendida por setores do PT, ainda não oficializada pelo Partido, tem gerado controvérsias, sobretudo por parte de grupos trotsquistas, como o PSOL, que desejam uma chapa 100% de esquerda, sem nenhum tipo de aliança com partidos burgueses ou líderes de direita como Geraldo Alckmin. O tema merece debate aprofundado.
Já no Manifesto Comunista, Marx e Engels defendem que os comunistas devem se aliar à burguesia sempre que esta assumir uma postura progressista – por exemplo, numa revolução democrática contra regimes monárquico-feudais ou governos autoritários.
Esta posição foi retomada por Lênin, Stalin e a III Internacional, que desde o famoso relatório apresentado pelo líder comunista búlgaro Dimitrov passou a apoiar as Frentes Populares contra o fascismo. Esta política da III Internacional foi implementada na década de 1930 em países como a França e a Espanha, em que ascenderam ao poder coalizões formadas por comunistas, anarquistas, social-democratas e setores da burguesia que se opunham ao fascismo.
Na China, Mao Zedong firmou uma aliança com o militar nacionalista e autoritário Chiang Kai Shek, líder do Kuomitang, ao longo de quase duas décadas, para apoiar a unificação do território chinês, dividido entre os vários senhores da guerra das diversas províncias chinesas, e depois para lutar contra as forças de ocupação japonesa. Esta aliança só foi rompida em 1945, quando ocorreu a guerra civil entre comunistas e nacionalistas, que culminou com a revolução socialista chinesa de 1949 e a fuga dos nacionalistas para ilha chinesa de Taiwan, que se autoproclamou “independente” com apoio dos EUA, ocupando a vaga pertencente à China na ONU até meados da década de 1970.
A União Soviética, por sua vez, após ver recusada a sua proposta de uma frente antifascista pelos governos da Inglaterra e da França, assinou um Tratado de Não-Agressão com a Alemanha de Hitler. Essa tática genial de Stalin permitiu que a URSS, entre 1939 e 1941, pudesse produzir milhares de tanques, aviões, submarinos e outras armas para a guerra inevitável contra o III Reich. Com essa política acertada de Stalin, o Exército Vermelho conseguiu impor dura derrota às tropas nazistas, expulsá-las do território soviético e de toda a Europa Oriental, até a conquista de Berlim Oriental, onde os soldados soviéticos hastearam a bandeira vermelha com a foice e o martelo sobre as ruínas do Reichstag.
Já nos anos 1950-1960-1970, em Cuba, Angola, Moçambique e outros países, os comunistas também formaram frentes com setores da burguesia, para enfrentar o colonialismo, o imperialismo, conquistar a democracia e posteriormente avançarem na construção do poder popular e do socialismo. Durante todo esse período, o menchevique Leon Trotsky e seus discípulos se opuseram de maneira enfática contra qualquer acordo ou aliança tática com setores da direita ou da burguesia, alegando a “independência política da classe operária”. Curiosamente, ao longo desse período, os trotsquistas nunca fizeram nenhuma revolução vitoriosa, em lugar algum do mundo.
No caso brasileiro, a tática defendida por Lula e setores do PT tem os seguintes objetivos: conquistar o maior número de votos possível no estado de São Paulo, para garantir a vitória no primeiro turno e evitar a polarização ideológica em hipotético segundo turno; acalmar o empresariado nacional, que sempre viu Lula e o PT com desconfiança; tirar Alckmin das eleições estaduais em São Paulo, abrindo uma brecha para a possível vitória de Fernando Haddad, que poderá ser o primeiro governador petista no principal estado da federação e ninho histórico dos tucanos; caso o Congresso Nacional tenha maioria de esquerda, Alckmin será uma figura decorativa, sem poder algum; caso a maioria seja de direita, Alckmin poderá ser o interlocutor entre o Palácio do Planalto e o Legislativo.
Claro: essa é uma aliança tática, não permanente, que tem o objetivo de isolar e derrotar Bolsonaro e permitir a adoção de uma agenda política democrático-popular. Não é uma frente para se fazer a revolução, pelo simples fato de que a revolução é feita pela violência organizada das massas, liderada por um partido marxista-leninista, e não o resultado de uma eleição dentro do velho estado burguês. Na atual correlação de forças, não é possível pensarmos numa ruptura revolucionária – não temos um Partido Comunista autêntico, nem um Exército Popular – logo, a única alternativa viável hoje é a da Frente Popular, com Alckmin ou outro representante da burguesia como vice de Lula.
De nada adiantaria lançarmos uma candidatura 100% de esquerda, porque ela seria derrotada e teríamos mais quatro ou oito anos de fascismo no Brasil. Este é um pensamento pragmático e marxistas são pragmáticos. Insistir na tática aventureira dos trotsquistas é fazer o jogo do fascismo e do imperialismo, que aliás é o único papel que eles desempenharam na história desde a sua origem até os dias de hoje."
Cláudio Daniel
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