OBSERVAÇÃO 1
Primeiro: é
importante que vocês leiam o texto Mensagem da CC à Liga dos Comunistas. Este
texto foi escrito em Londres, em março de 1850, há 170 anos portanto. É
assinado por Marx e Engels (ao final estas observações, incluo uma tradução
débil, para o português).
No texto, os
dois dizem que em qualquer revolução a burguesia irá "querer terminar a
revolução o mais rápido possível ... é nosso interesse e nossa tarefa tornar a revolução permanente até que todas as classes mais ou menos proprietárias
tenham sido expulsas de suas posições dominantes, até que o proletariado tenha
conquistado o poder do Estado e até que a associação dos proletários tenha
progredido suficientemente - não apenas em um país, mas em todos os países
líderes do mundo - que a competição entre os proletários desses países cesse e,
pelo menos, o forças decisivas de produção estão concentradas nas mãos dos
trabalhadores. "
A última
frase do texto é: Ihr Schlachtruf muß sein: Die Revolution in Permanenz. Seu
grito de batalha deve ser: A revolução permanente ou revolução em permanência
ou algo parecido com isso, a depender da tradução.
Quem quiser
conferir o original em alemão, pode ir aqui: http://www.glasnost.de/klassiker/zent.html
Esta insight
é uma das fontes da “teoria” da “revolução permanente”.
OBSERVAÇÃO
DOIS
É importante
que vocês leiam o que foi escrito por Parvus, ou melhor dizendo: Alexandre
Israel Helpland, conhecido como Parvus (ou Alexandre Molotov ou Alexandre
Moscovich).
Parvus
nasceu em 1867 e morreu em 12/12/1924. Era de família judia. Nasceu na
Bielorrúsia e se forma em filosofia em Zurique, no ano de 1891 (em 1889, quem
chefa em Zurique: Rosa Luxemburgo). Embora russo, militará no Partido Social
Democrata Alemão. Em 1905 ele consegue participar dos eventos da Revolução, é
preso, mandado para a Sibéria, consegue fugir e escreve um livro a respeito
deste período. Antes, ele havia escrito artigos muito interessantes no Iskra,
onde fez previsões certeiras sobre a situação mundial e sobre a evolução da
guerra e de seus impactos sobre a Rússia. Esses artigos (10/2 e 5/3) vão
influenciar muito Trotsky, que aliás esteve preso junto com Parvus.
Depois deste
episódio, a vida de Parvus vai se dirigindo para outro caminho: os negócios.
Conflitos com Máximo Gorki (intermediados por Rosa), cinco anos em Istambul,
venda de armas, conspirações de grande vulto. Seu grande lance foi ter
participado da operação que entrou para a história como o “trem blindado”, no
qual Lenin regressou para a Rússia (dizem as más línguas que Lenin trouxe
também dinheiro). Parvus morre em dezembro de 1924, numa mansão que dizem tinha
32 quartos.
Na internet,
é possível achar alguns dos textos de Parvus. Infelizmente, a única biografia
que eu conheço dele está em inglês. The merchant of revolution: the life of
Alexander Israel Helpland (Parvus) 1867-1924. Foi escrita por Winfried B.
Scharlau e por Zbynek A. B. Zeman. Publcada em janeiro de 1965. Desconheço que
tenha sido traduzida para espanhol ou para o português.
Existe um
belo resumo biográfico, no endereço: https://spartacus-educational.com/Alexander_Parvus.htm#references
Quem
entender alemão, tem um minidocumentário de 15 minutos disponível aqui: https://www.youtube.com/watch?v=tZ9YwY4T5zs
Quem
entender russo, tem outro minidocumentário aqui: https://www.youtube.com/watch?v=bP8AWXuGYeY
E aqui: https://www.youtube.com/watch?v=XcXGgqlOah0
Também para
quem domine o inglês, tem uma ótima coletânea de artigos, intitulada Witnesses to Permanent
Revolution: The Documentary Record.
Os autores são Richard
Day e Daniel Gaido (não confundir com o autoproclamado presidente da
Venezuela). Este livro é uma coletânea, organizada em 2011, com artigos de Kautsky, Mehring,
Plekhanov, Ryazanov, Rosa, Trotsky e Parvus.
OBSERVAÇÃO TRÊS
Leiam o livro “En los orígenes de la revolución
permanente: El joven Trotski”. É um livro muito interessante, escrito por um cidadão chamado
Alain Brossat, em 1976. Este eu não consegui localizar em pdf e portanto, quem quiser
tem que buscar, é da Siglo XXI. E o preço é acessível.
https://www.traficantes.net/libros/en-los-or%C3%ADgenes-de-la-revoluci%C3%B3n-permanente
OBSERVAÇÃO
QUATRO
Leiam o livro A
revolução permanente, do próprio Trotski. O livro é de 1930. Este livro contém,
segundo Claudin, com quem estou de acordo, três ideias fundamentais:
-a questão da
passagem da revolução democrática à revolução socialista
-a
caracterização da revolução socialista
-o caráter
internacional da revolução: “a revolução socialista não pode ser levada a cabo
nos limites nacionais (...) começa sobre o terreno nacional, desenvolve-se na
arena internacional e se conclui na arena mundial. A revolução socialista,
logo, faz-se permanente no sentido novo e mais amplo do termo: só termina com o
triunfo definitivo da nova sociedade sobre o nosso planeta”.
Não há, como
alerta Claudin, reflexão adequada sobre as descontinuidades durante a
permanência; segundo a crítica mordaz de Gramsci: “é apenas uma previsão
genérica que se apresenta como um dogma e se destrói a si mesma porque não se
expressa nos fatos”.
Mensagem da Direcção Central
à Liga dos Comunistas[N79]
Karl Marx/Friedrich Engels
Março de 1850
Primeira Edição: Distribuído sob forma de panfleto em 1850.
Publicado pela primeira vez por F.Engels na 3.a edição de: K. Marx,
Enthüllungen über den Kommunisten-Prozess zu Köln, Hottingen-Zürich, 1885.
Fonte: Obras Escolhidas em três tomos, Editorial"Avante!" -
Edição dirigida por um colectivo composto por: José BARATA-MOURA, Eduardo
CHITAS, Francisco MELO e Álvaro PINA.
Tradução: Eduardo CHITAS.
Transcrição: José Braz e Maria de Jesus Coutinho, junho 2006.
HTML: Fernando A. S. Araújo, junho 2006.
Direitos de Reprodução: © Direitos de tradução em língua portuguesa
reservados por Editorial "Avante!" - Edições Progresso Lisboa - Moscovo, 1982.
A Direcção Central à Liga
Irmãos:
Nos dois anos de revolução 1848-49, a Liga
afirmou-se duplamente; por um lado, porque os seus membros intervieram
energicamente no movimento por toda a parte, na imprensa, nas barricadas e
campos de batalha, à frente nas fileiras do proletariado, da única classe
decididamente revolucionária. A Liga afirmou-se, além disso, pelo facto de a
sua concepção do movimento, tal como foi exposta nas circulares dos congressos
e da Direcção Central de 1847, assim como no Manifesto Comunista, se
ter mostrado a única correcta; pelo facto de as expectativas formuladas nesses
documentos se terem plenamente realizado e a concepção das condições sociais do
momento, antes só em segredo propagada pela Liga, estar agora na boca dos
povos, abertamente apregoada nas praças públicas. Ao mesmo tempo, a sólida
organização inicial da Liga enfraqueceu significativamente. Uma grande parte
dos membros, que participou directamente no movimento revolucionário, acreditou
que passara o tempo das sociedades secretas e que bastava a acção pública.
Alguns círculos e comunidades deixaram afrouxar e adormecer pouco a pouco as
suas ligações com a Direcção Central. Assim, enquanto o partido democrático, o
partido da pequena burguesia, se organizava cada vez mais na Alemanha, o
partido operário perdia o seu único apoio sólido, quando muito permanecia
organizado nalgumas localidades para objectivos locais e, por isso, no
movimento geral, caiu inteiramente sob o domínio e a direcção dos democratas
pequeno-burgueses. Tem de se pôr termo a este estado de coisas, tem de se
estabelecer a autonomia dos operários. A Direcção Central compreendeu esta
necessidade e, por isso, logo no Inverno de 1848-49, enviou à Alemanha um
emissário, Joseph Moll, para a reorganização da Liga. A missão de Moll não teve entretanto efeito duradouro, em
parte porque os operários alemães não tinham, então, colhido ainda experiências
suficientes, em parte porque a interrompeu a insurreição de Maio passado[N74]. O próprio Moll pegou em armas, entrou no exército de
Baden-Palatinado e tombou, em 29 de Junho(1), no recontro de Murg. Nele, perdeu a Liga um dos seus mais
antigos, mais activos e mais seguros membros, que estivera em actividade em
todos os congressos e Direcções Centrais e já antes realizara com grande êxito
uma série de viagens em missão. Após a derrota dos partidos revolucionários da
Alemanha e da França, em Julho de 1849, quase todos os membros da Direcção
Central voltaram a encontrar-se em Londres, completaram as suas fileiras com
novas forças revolucionárias e empreenderam com renovada energia a reorganização
da Liga.
A reorganização da Liga só pode ser conseguida
através de um emissário e a Direcção Central considera da maior importância que
o emissário parta neste preciso momento, em que está iminente uma nova
revolução, em que o partido operário deve, portanto, apresentar-se o mais
organizado, o mais unânime e o mais autónomo possível, para não ser outra vez,
como em 1848, explorado e posto a reboque pela burguesia.
Dissemo-vos, irmãos, logo em 1848, que os burgueses
liberais alemães em breve iam aceder à dominação e que imediatamente virariam o
seu recém-conquistado poder contra os operários. Vistes como isto se consumou.
De facto, foram os burgueses que logo após o movimento de Março de 1848 tomaram
conta do poder de Estado e se serviram desse poder para empurrar imediatamente
os operários, seus aliados na luta, para a anterior posição de oprimidos. Se a
burguesia não pôde conseguir isto sem se ligar com o partido feudal afastado em
Março e até, finalmente, sem ceder de novo a dominação a este partido feudal
absolutista, pelo menos assegurou para si condições que, pelos apuros
financeiros do governo, lhe poriam a dominação nas mãos a longo prazo e lhe
assegurariam todos os seus interesses, caso fosse possível que o movimento
revolucionário enveredasse desde então por um desenvolvimento dito pacifico. A
burguesia nem sequer teria necessidade, para assegurar a sua dominação, de se
tornar odiosa por medidas violentas contra o povo, uma vez que todos esses
passos violentos foram já executados pela contra-revolução feudal. Mas o
desenvolvimento não tomará esta via pacífica. Pelo contrário, está próxima a
revolução que o há-de acelerar, seja ela provocada por um levantamento autónomo
do proletariado francês, seja pela invasão da Santa Aliança[N80] contra a Babel revolucionária[N81].
E o papel que os burgueses liberais alemães
desempenharam perante o povo em 1848, esse papel tão traiçoeiro, será assumido,
na revolução que se avizinha, pelos pequeno-burgueses democratas, que ocupam
agora na oposição o mesmo lugar que os burgueses liberais antes de 1848. Este
partido, o partido democrático, mais perigoso para os operários do que o
anterior partido liberal, consiste em três elementos:
I. As partes mais avançadas da grande burguesia,
que têm por objectivo a queda imediata e completa do feudalismo e do
absolutismo. Esta fracção está representada pelos antigos conciliadores de
Berlim, que propunham a recusa dos impostos.
II. Os pequeno-burgueses
democrático-constitucionais, cuja finalidade principal durante o movimento
precedente foi a fundação de um Estado federal mais ou menos democrático, como
o ambicionavam os seus representantes, a Esquerda da Assembleia de Frankfurt e,
mais tarde, o Parlamento de Stuttgart, e como eles próprios o ambicionavam na
campanha pela Constituição Imperial[N82]
III. Os pequeno-burgueses republicanos, cujo ideal
é uma República federativa alemã, à maneira da Suíça, e que se dão agora o nome
de vermelhos e de sociais-democratas porque alimentam o piedoso desejo de abolir
a pressão do grande capital sobre o pequeno, do grande-burguês sobre o pequeno.
Os representantes desta fracção eram os membros dos congressos e comités
democráticos, os dirigentes das associações democráticas, os redactores dos
jornais democráticos.
Todas estas fracções se intitulam, agora, depois da
sua derrota, republicanas ou vermelhas, precisamente como em França os
pequeno-burgueses republicanos se intitulam agora socialistas. Onde quer que
ainda encontrem, como em Württemberg, na Baviera, etc., a oportunidade de
perseguir os seus fins por via constitucional, aproveitam a ocasião para manter
as suas velhas frases e para mostrar, na acção, que em nada mudaram.
Compreende-se, de resto, que a mudança de nome deste partido nada modifica
perante os operários, mas demonstra simplesmente que é agora obrigado a fazer
frente à burguesia aliada ao absolutismo e a apoiar-se no proletariado.
O partido democrático pequeno-burguês é muito
poderoso na Alemanha. Abrange não somente a grande maioria dos habitantes burgueses
das cidades, os pequenos negociantes industriais e os mestres artesãos: conta
entre os seus seguidores os camponeses e o proletariado rural enquanto este
último não tiver encontrado um suporte no proletariado autónomo das cidades.
É esta a relação do partido operário revolucionário com a democracia
pequeno-burguesa: está com ela contra a fracção cuja queda ele tem em vista:
opõe-se-lhe em tudo o que ela pretende para se consolidar a si mesma.
Os pequeno-burgueses democratas, muito longe de
pretenderem revolver toda a sociedade em benefício dos proletários
revolucionários, aspiram a uma alteração das condições sociais que lhes torne
tão suportável e cómoda quanto possível a sociedade existente. Por isso
reclamam, antes de tudo, a diminuição das despesas públicas mediante a
limitação da burocracia e a transferência dos principais impostos para os
grandes proprietários fundiários e grandes burgueses. Reclamam, além disso, a
abolição da pressão do grande capital sobre o pequeno, por meio de instituições
públicas de crédito e de leis contra a usura que lhes tornassem possível, a
eles e aos camponeses, obter em condições favoráveis adiantamentos do Estado em
vez de os obterem dos capitalistas; e ainda o estabelecimento das relações de
propriedade burguesas no campo, pela completa eliminação do feudalismo. Para
realizarem tudo isto, necessitam de uma Constituição democrática, seja ela
[monárquica] constitucional ou republicana, que lhes dê a maioria, a eles e aos
seus aliados, os camponeses, e de uma organização comunal democrática que ponha
nas suas mãos o controlo directo da propriedade comunal e uma série de funções
actualmente exercidas pelos burocratas.
Além disso, a dominação e o rápido aumento do
capital devem ser contrariados, em parte pela limitação do direito sucessório,
em parte pela entrega ao Estado do maior número possível de trabalhos. No que
se refere aos operários, antes de mais está assente que devem, como até agora,
permanecer operários assalariados, apenas desejando os pequeno-burgueses democratas
que os operários tenham melhor salário e uma existência mais assegurada;
esperam eles conseguir isto [confiando], em parte, ao Estado a ocupação dos
operários e através de medidas de beneficência; numa palavra, esperam subornar
os operários com esmolas mais ou menos disfarçadas e quebrar a sua força
revolucionária tornando-lhes momentaneamente suportável a sua situação. As
reivindicações da democracia pequeno-burguesa, aqui resumidas, não são
defendidas por todas as fracções ao mesmo tempo e muito poucos são aqueles que
se apercebem delas na sua totalidade, como objectivo definido. Quanto mais
longe forem indivíduos isolados ou fracções de entre eles, tantas mais destas
reivindicações eles farão suas; e os poucos que vêem no atrás mencionado o seu
próprio programa hão-de julgar ter-se com isto estabelecido, porém, o máximo a
esperar da revolução. Mas estas reivindicações não podem bastar de modo algum
ao partido do proletariado. Ao passo que os pequeno-burgueses democratas querem
pôr fim à revolução o mais depressa possível, realizando, quando muito, as
exigências atrás referidas, o nosso interesse e a nossa tarefa são tornar
permanente a revolução até que todas as classes mais ou menos possidentes
estejam afastadas da dominação, até que o poder de Estado tenha sido
conquistado pelo proletariado, que a associação dos proletários, não só num
país, mas em todos os países dominantes do mundo inteiro, tenha avançado a tal
ponto que tenha cessado a concorrência dos proletários nesses países e que,
pelo menos, estejam concentradas nas mãos dos proletários as forças produtivas
decisivas. Para nós não pode tratar-se da transformação da propriedade privada,
mas apenas do seu aniquilamento, não pode tratar-se de encobrir oposições de
classes mas de suprimir as classes, nem de aperfeiçoar a sociedade existente,
mas de fundar uma nova. Não resta dúvida alguma que a democracia
pequeno-burguesa alcançará por um momento a influência preponderante na
Alemanha no curso de desenvolvimento da revolução. Pergunta-se, pois, qual vai
ser, perante ela, a posição do proletariado e especialmente da Liga:
1. enquanto durarem as actuais condições, em que
também são oprimidos os democratas pequeno-burgueses;
2. na próxima luta revolucionária, que lhes dará a
preponderância;
3. após essa luta, durante o tempo da sua
preponderância sobre as classes derrubadas e o proletariado.
1. No momento presente, em que os pequeno-burgueses
democratas são oprimidos por toda a parte, eles pregam ao proletariado em geral
a união e a conciliação, estendem-lhe a mão e aspiram à formação de um grande
partido de oposição que abarque todos os matizes no partido democrático; isto
é, anseiam por envolver os operários numa organização partidária onde
predominem as frases sociais-democratas gerais, atrás das quais se escondem os
seus interesses particulares e onde as reivindicações bem determinadas do
proletariado não possam ser apresentadas por mor da querida paz. Uma tal união
resultaria apenas em proveito deles e em completo desproveito do proletariado.
O proletariado perderia toda a sua posição autónoma arduamente conseguida e
afundar-se-ia outra vez, tornando-se apêndice da democracia burguesa oficial.
Essa união tem de ser recusada, por conseguinte, da maneira mais decidida. Em
vez de condescender uma vez mais em servir de claque dos democratas burgueses,
os operários, principalmente a Liga, têm de trabalhar para constituir, ao lado
dos democratas oficiais, uma organização do partido operário, autónoma, secreta
e pública, e para fazer de cada comunidade o centro e o núcleo de agrupamentos
operários, nos quais a posição e os interesses do proletariado sejam discutidos
independentemente das influências burguesas. Quão pouco séria é, para os
democratas burgueses, uma aliança em que os proletários estejam lado a lado com
eles, com o mesmo poder e os mesmos direitos, mostram-no por exemplo os
democratas de Breslau, os quais no seu órgão, a Neue Oder-Zeizung[N83], atacam
furiosamente os operários organizados autonomamente, a quem intitulam de
socialistas. Para o caso de uma luta contra um adversário comum não é preciso
qualquer união particular. Assim que se trate de combater directamente um
adversário, os interesses dos dois partidos coincidem momentaneamente e, como
até agora, também no futuro esta ligação, só prevista para o momento, se
estabelecerá por si mesma. Compreende-se que nos conflitos sangrentos que estão
iminentes, como em todos os anteriores, são principalmente os operários que,
pela sua coragem, a sua decisão e abnegação, terão de conquistar a vitória.
Como até agora, os pequeno-burgueses em massa estarão enquanto possível
hesitantes, indecisos e inactivos nesta luta, para, uma vez assegurada a vitória,
a confiscarem para si, exortarem os operários à calma e ao regresso ao seu
trabalho [a fim de] evitar os chamados excessos e excluir o proletariado dos
frutos da vitória. Não está no poder dos operários impedir disto os democratas
pequeno-burgueses, mas está no seu poder dificultar-lhes o ascendente perante o
proletariado em armas e ditar-lhes condições tais que a dominação dos
democratas burgueses contenha em si desde o início o germe da queda e que seja
significativamente facilitado o seu afastamento ulterior pela dominação do
proletariado. Durante o conflito e imediatamente após o combate, os operários,
antes de tudo e tanto quanto possível, têm de agir contra a pacificação
burguesa e obrigar os democratas a executar as suas actuais frases terroristas.
Têm de trabalhar então para que a imediata efervescência revolucionária não
seja de novo logo reprimida após a vitória. Pelo contrário, têm de mantê-la
viva por tanto tempo quanto possível. Longe de opor-se aos chamados excessos,
aos exemplos de vingança popular sobre indivíduos odiados ou edifícios públicos
aos quais só se ligam recordações odiosas, não só há que tolerar estes exemplos
mas tomar em mão a sua própria direcção. Durante a luta e depois da luta, os
operários têm de apresentar em todas as oportunidades as suas reivindicações
próprias a par das reivindicações dos democratas burgueses. Têm de exigir
garantias para os operários assim que os burgueses democratas se prepararem
para tomar em mãos o governo. Se necessário, têm de obter pela força essas
garantias e, principalmente, procurar que os novos governantes se obriguem a
todas as concessões e promessas possíveis — o meio mais seguro de os
comprometer. Têm principalmente de refrear tanto quanto possível, de toda a
maneira mediante a apreciação serena, com sangue-frio, das situações, e pela
desconfiança não dissimulada para com o novo governo, a embriaguês da vitória e
o entusiasmo pelo novo estado de coisas que surge após todo o combate de rua
vitorioso. Ao lado dos novos governos oficiais, têm de constituir imediatamente
governos operários revolucionários próprios, quer sob a forma de direcções
comunais, de conselhos comunais, quer através de clubes operários ou de comités
operários, de tal maneira que os governos democráticos burgueses não só percam
imediatamente o suporte nos operários, mas se vejam desde logo vigiados e
ameaçados por autoridades atrás das quais está toda a massa dos operários. Numa
palavra: desde o primeiro momento da vitória, a desconfiança tem de dirigir-se
não já contra o partido reaccionário vencido, mas contra os até agora aliados
[do proletariado], contra o partido que quer explorar sozinho a vitória comum.
2. Mas, para poderem opor-se enérgica e
ameaçadoramente a este partido, cuja traição aos operários começará desde a primeira
hora da vitória, têm os operários de estar armados e organizados. Tem de ser
conseguido de imediato o armamento de todo o proletariado com espingardas,
carabinas, canhões e munições; tem de ser contrariada a reanimação da velha
milícia burguesa dirigida contra os operários. Onde não se consiga este último
ponto, os operários têm de procurar organizar-se autonomamente como guarda
proletária, com chefes eleitos e um estado-maior próprio, eleito, e pôr-se às
ordens, não do poder do Estado mas dos conselhos comunais revolucionários
formado pelos operários. Onde os operários estejam ocupados por conta do
Estado, têm de conseguir o seu armamento e organização num corpo especial com
chefes eleitos ou como parte da guarda proletária. Sob nenhum pretexto podem as
armas e munições sair-lhes das mãos, qualquer tentativa de desarmamento tem de
ser frustrada, se necessário, pela força. Liquidação da influência dos
democratas burgueses sobre os operários; organização imediata, autónoma e
armada dos operários; obtenção das condições mais dificultosas e
compromissórias possível para a inevitável dominação temporária da democracia
burguesa — tais são os pontos principais que o proletariado, e portanto a Liga,
devem ter presentes durante e após a insurreição iminente.
3. Logo que os governos se tenham nalguma medida
consolidado, começará de imediato a sua luta contra os operários. Para poder
fazer frente, com força, aos pequeno-burgueses democratas, é necessário, antes
de tudo, que os operários estejam autonomamente organizados e centralizados em
clubes. Após a queda dos governos existentes, a Direcção Central dirigir-se-á
logo que possível para a Alemanha, convocará imediatamente um congresso e nele
fará as propostas necessárias para a centralização dos clubes operários sob uma
direcção estabelecida no centro principal do movimento. A rápida organização,
pelo menos de uma união provincial de clubes operários, é um dos pontos mais
importantes para o fortalecimento e desenvolvimento do partido operário. A mais
próxima consequência da queda dos governos existentes será a eleição de uma
Representação nacional. O proletariado deve aqui cuidar de que:
I. Uma quantidade de operários não seja excluída,
por quaisquer chicanas de autoridades locais e de comissários do governo, seja
a que pretexto for.
II. Por toda a parte, ao lado dos candidatos
democráticos burgueses, sejam propostos candidatos operários, na medida do
possível de entre os membros da Liga e para cuja eleição se devem accionar
todos os meios possíveis. Mesmo onde não existe esperança de sucesso, devem os
operários apresentar os seus próprios candidatos, para manterem a sua
democracia, para manterem a sua autonomia, contarem as suas forças, trazerem a
público a sua posição revolucionária e os pontos de vista do partido. Não
devem, neste processo, deixar-se subornar pelas frases dos democratas, como por
exemplo que assim se divide o partido democrático e se dá à reacção a
possibilidade da vitória. Com todas essas frases, o que se visa é que o
proletariado seja mistificado. Os progressos que o partido proletário tem de
fazer, surgindo assim como força independente, são infinitamente mais
importantes do que o prejuízo que poderia trazer a presença de alguns
reaccionários na Representação. Surja a democracia, desde o princípio, decidida
e terrorista contra a reacção, e a influência desta nas eleições será
antecipadamente aniquilada.
O primeiro ponto em que os democratas burgueses
entrarão em conflito com os operários será o da supressão do feudalismo; tal
como na primeira Revolução Francesa, os pequeno-burgueses entregarão aos
camponeses as terras feudais como propriedade livre, quer dizer, pretendem
deixar subsistir o proletariado rural e criar uma classe camponesa
pequeno-burguesa, que atravessará o mesmo ciclo do empobrecimento e
endividamento em que está agora o camponês francês.
No interesse do proletariado rural e no seu próprio
interesse, os operários têm de opor-se a este plano. Têm de exigir que a
propriedade feudal confiscada fique propriedade do Estado e seja transformada
em colónias operárias, que o proletariado rural associado explore com todas as
vantagens da grande exploração agrícola; desde modo, o princípio da propriedade
comum obtém logo uma base sólida, no meio das vacilantes relações de
propriedade burguesas. Tal como os democratas com os camponeses, têm os
operários de unir-se com o proletariado rural[N84]. Além disso, os democratas ou trabalharão directamente para
uma República federativa ou, pelo menos, se não puderem evitar uma República
una e indivisível, procurarão paralisar o governo central mediante o máximo
possível de autonomia e independência para as comunas(2) e províncias. Frente a este plano, os operários têm não só de
tentar realizar a República alemã una e indivisível, mas também a mais decidida
centralização, nela, do poder nas mãos do Estado. Eles não se devem deixar
induzir em erro pelo palavreado sobre a liberdade das comunas, o autogoverno,
etc. Num país como a Alemanha, onde estão ainda por remover tantos restos da
Idade Média, onde está por quebrar tanto particularismo local e provincial, não
se pode tolerar em circunstância alguma que cada aldeia, cada cidade, cada
província ponha um novo obstáculo à actividade revolucionária, a qual só do
centro pode emanar em toda a sua força. — Não se pode tolerar que se renove o
estado de coisas actual, em que os alemães, por um mesmo passo em frente, são
obrigados a bater-se separadamente em cada cidade, em cada província. Menos do
que tudo pode tolerar-se que, através de uma organização comunal pretensamente
livre, se perpetue uma forma de propriedade —, que ainda se situa aquém da
propriedade privada moderna e por toda a parte se dissolve necessariamente
nesta — a propriedade comunal, e as desavenças dela decorrentes entre comunas
pobres e ricas, assim como o direito de cidadania comunal, subsistente, com as
suas chicanas contra os operários, ao lado do direito de cidadania estatal. Tal
como na França em 1793, o estabelecimento da centralização mais rigorosa é
hoje, na Alemanha, a tarefa do partido realmente revolucionário(3).
Vimos como os democratas vão chegar à dominação com
o próximo movimento e como vão ser forçados a propor medidas mais ou menos
socialistas. Perguntar-se-á que medidas devem os operários contrapropor. Os
operários não podem, naturalmente, propor quaisquer medidas directamente
comunistas no começo do movimento. Mas podem:
1. Obrigar os democratas a intervir em tantos lados
quanto possível da organização social até hoje existente, a perturbar o curso
regular desta, a comprometerem-se a concentrar nas mãos do Estado o mais
possível de forças produtivas, de meios de transporte, de fábricas, de
caminhos-de-ferro, etc.
2. Têm de levar ao extremo as propostas dos
democratas, os quais não se comportarão em todo o caso como revolucionários mas
como simples reformistas, e transformá-las em ataques directos contra a
propriedade privada; por exemplo, se os pequeno-burgueses propuserem comprar os
caminhos-de-ferro e as fábricas, têm os operários de exigir que esses
caminhos-de-ferro e fábricas, como propriedade dos reaccionários, sejam
confiscados simplesmente e sem indemnização pelo Estado. Se os democratas
propuserem o imposto proporcional, os operários exigirão o progressivo; se os
próprios democratas avançarem a proposta de um [imposto] progressivo moderado,
os operários insistirão num imposto cujas taxas subam tão depressa que o grande
capital seja com isso arruinado; se os democratas exigirem a regularização da
divida pública, os operários exigirão a bancarrota do Estado. As reivindicações
dos operários terão, pois, de se orientar por toda a parte segundo as
concessões e medidas dos democratas.
Se os operários alemães não podem chegar à
dominação e realização dos seus interesses de classe sem passar por todo um
desenvolvimento revolucionário prolongado, pelo menos desta vez têm eles a
certeza de que o primeiro acto deste drama revolucionário iminente coincide com
a vitória directa da sua própria classe em França e é consideravelmente
acelerado por aquela.
Mas têm de ser eles próprios a fazer o máximo pela
sua vitória final, esclarecendo-se sobre os seus interesses de classe, tomando
quanto antes a sua posição de partido autónoma, não se deixando um só instante
induzir em erro pelas frases hipócritas dos pequeno-burgueses democratas quanto
à organização independente do partido do proletariado. O seu grito de batalha
tem de ser: a revolução em permanência.
Londres, Março de 1850
Notas de rodapé:
(1) A edição de 1885 indica, por engano, a data de
19 de Julho. (retornar ao texto)
(2) O termo “comuna” (Gemeinde) é aqui
empregue em sentido amplo. Designa também os municípios. (retornar ao texto)
(3) Há que lembrar hoje que esta passagem assenta
num mal-entendido. Considerava-se então como certo — graças aos falsificadores
bonapartistas e liberais da história — que a máquina administrativa centralizada
francesa fora introduzida pela grande Revolução e manejada, designadamente pela
ConvençãoN85, como arma indispensável e decisiva para a vitória sobre a reacção
monárquica e federalista e sobre o inimigo externo. Mas é actualmente um facto
conhecido que durante toda a Revolução, até ao 18 de BrumárioN86, o conjunto da
administração dos departamentos, distritos e comunas consistia em serviços
públicos eleitos pelos próprios administrados e agia com inteira liberdade, nos
limites das leis gerais do Estado; que este autogoverno provincial e local,
semelhante ao americano, se tornou precisamente a mais poderosa alavanca da
Revolução, e isso até ao ponto em que Napoleão, imediatamente após o seu golpe
de Estado do 18 de Brumário, se apressou em substitui-la pela administração dos
prefeitos ainda hoje existente, a qual, portanto, foi desde o começo um puro
instrumento da reacção. Mas assim como o autogoverno local e provincial não
contradiz a centralização política nacional, tão-pouco está ele necessariamente
ligado a esse estreito egoísmo cantonal ou comunal que tanto nos choca na Suíça
e que em 1849 todos os republicanos federalistas da Alemanha do sul queriam
como regra na Alemanha. (Nota de Engels à edição de 1885.) (retornar ao texto)
Notas de fim de Tomo:
[N74] Trata-se das insurreições das massas
populares na Alemanha em Maio-Julho de 1849 em defesa da Constituição imperial
(adoptada pela Assembleia Nacional de Frankfurt em 28 de Março de 1849, mas
rejeitada por uma série de Estados alemães). Estas insurreições tinham um
carácter espontâneo e disperso e foram esmagadas em meados de Julho de 1849. -
142, 179. (retornar ao texto)
[N79] A Mensagem da Direcção Central à Liga
dos Comunistas foi escrita por Marx e Engels em fins de Março de 1850,
quando tinham ainda esperança num novo ascenso da revolução. Ao desenvolver a
teoria e a táctica do proletariado na revolução iminente, Marx e Engels
sublinhavam em particular na Mensagem a necessidade da criação
de um partido proletário independente e da separação dos democratas
pequeno-burgueses. A ideia dirigente fundamental formulada pelos fundadores do
marxismo na Mensagem é a ideia da “revolução em permanência”,
que deve conduzir à eliminação da propriedade privada e das classes e à criação
de uma nova sociedade.
A Mensagem da Direcção Central foi difundida secretamente
entre os membros da Liga dos Comunistas. Em 1851, este documento, encontrado
pela polícia prussiana nas mãos de vários membros da Liga dos Comunistas que
foram presos, foi publicado nos jornais burgueses alemães e num livro de dois
funcionários da polícia: Wermuth e Stieber. - 178. (retornar ao texto)
[N80]Santa Aliança: agrupamento reaccionário
dos monarcas europeus, fundada em 1815 pela Rússia tsarista, pela Áustria e
pela Prússia para esmagar os movimentos revolucionários de alguns países e
manter neles regimes monarco-feudais. - 180, 213, 322. (retornar ao texto)
[N81] Trata-se da capital da França, Paris,
considerada desde os tempos da revolução burguesa francesa dos fins do século
XVIII o foco da revolução. - 180. (retornar ao texto)
[N82] Esquerda da Assembleia de Frankfurt:
ala esquerda pequeno-burguesa da Assembleia Nacional, convocada depois da
revolução de Março na Alemanha, que começou as suas reuniões em 18 de Maio de
1848 em Frankfurt-am-Main. A principal tarefa da Assembleia consistia em pôr
fim ao fraccionamento político da Alemanha e elaborar uma constituição para
toda a Alemanha. No entanto, devido à cobardia e às vacilações da sua maioria
liberal, à indecisão e à inconsequência da ala esquerda, a Assembleia receou
tomar nas suas mãos o poder supremo e não foi capaz de ocupar uma posição
decidida sobre as questões fundamentais da revolução alemã de 1848-1849. A
Assembleia foi obrigada a transferir-se para Stuttgart. Em 18 de Junho de 1849
foi dissolvida pelas tropas. - 180, 373. (retornar ao texto)
[N83] Neue Oder-Zeitung (Nova
Gazeta do Oder): jornal democrático-burguês alemão que, com este título, se
publicou em Breslau (Wroclaw) entre 1849 e 1855. Em 1855 Marx foi correspondente
deste jornal em Londres. - 183. (retornar ao texto)
[N84] As opiniões aqui expostas sobre a questão
agrária estão estreitamente ligadas à apreciação geral formulada por Marx e
Engels nos anos 40 e 50 sobre as perspectivas de desenvolvimento da revolução.
Os fundadores do marxismo consideravam então, como mostrou Lénine, que o
capitalismo já estava caduco e o socialismo já se aproximava. A partir daqui,
Marx e Engels manifestam-se na Mensagem contra a entrega aos
camponeses da terra confiscada aos latifundiários, pela sua transformação em
propriedade do Estado e a entrega á disposição de colónias operárias do
proletariado agrícola associado.
Apoiando-se na experiência da Revolução Socialista de Outubro na Rússia e na
experiência do movimento revolucionário noutros países, Lénine desenvolveu as
concepções marxistas sobre a questão agrária. Reconhecendo a conveniência da
conservação preferencial das grandes empresas agrícolas depois da revolução
proletária nos países capitalistas avançados, escreveu: “Seria no entanto o
maior erro exagerar ou estereotipar esta norma e não admitir nunca a entrega
gratuita de uma parte das terras dos expropriadores
expropriados ao pequeno campesinato e por vezes até ao campesinato médio da
vizinhança.” (Ver Obras Escolhidas de V. I. Lénine em três
tomos, Edições “Avante!” - Edições Progresso, Lisboa-Moscovo, 1979, t. 3, p.
362). - 186. (retornar ao texto)
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