Belford Roxo, Peter Pan, Capitão
Gancho e o cara dos heterônimos: tudo junto e misturado
Um certo jornalista, escrevendo acerca dos debates
internos do PT, informou que eu chamei Quaquá de intelectual orgânico. Pelo tom
como o cidadão escreveu, suspeito que ele não tem noção exata do que se trata.
Para quem estiver na mesma condição que ele, recomendo uma visita rápida ao
Antonio.
Isto posto, repito: Quaquá é um intelectual
orgânico de um setor da esquerda brasileira, especificamente de um setor que
está tentando converter o PT em um partido populista convencional. Antes que o
mesmo jornalista se alvoroce: como intelectual orgânico, “populista” não é um
xingamento, é uma categoria política.
Por tudo isso, como considero importante ler e
debater aquilo que Olavo de Carvalho escreve, ainda que o personagem me cause
repugnância, considero muito mais importante ler e debater aquilo que Quaquá
escreve. Afinal, mesmo que o estilo dele seja, na minha opinião, demasiado
violento e deletério, ou por isso mesmo, sua influência em certos meios é
crescente.
Basta dizer que Quaquá foi o principal protagonista
daquilo que ele mesmo denominou de “batalha de Belford Roxo”, da qual saíram
derrotados 6 ex-presidentes nacionais do PT, entre outros tantos. Por principal
protagonista, leia-se, foi quem tentou dar dignidade teórica a uma aliança
pragmática com um prefeito bolsonarista.
Claro que a vitória de Quaquá, na batalha de
Belford Roxo, não deriva propriamente da qualidade de seus argumentos. Os que
votaram a favor (e os que não votaram e silenciaram) têm seus motivos, e não
são motivos de natureza, digamos, teórica. Mesmo assim, é importante conhecer
os argumentos utilizados, pois de alguma maneira eles vão criando escola e
causando danos para além da geopolítica do Rio de Janeiro, termo cunhado até
onde eu sei pelo André Ceciliano, aliado de Quaquá na batalha de Belford Roxo.
Vamos então aos argumentos, tal e qual aparecem num
texto intitulado “Entre ser de esquerda e se dizer de esquerda”,
divulgado se não me engano no dia 10 de agosto de 2020. Peço de antemão
desculpas pelo método adotado – ler e comentar cada frase ou parágrafo; é que,
as vezes, só glosando.
Quaquá começa seu texto assim: “Eu costumo dizer
que o discurso esteticamente de esquerda, ou revolucionário, nem sempre leva a
uma prática de esquerda e revolucionária. No mais das vezes, leva mesmo a um
retrocesso e a derrota das classes populares no embate da luta de classes. Ou
seja, acabam servindo à direita”.
Quaquá, acho eu, militou no passado numa tendência
acusada de esquerdista. Não é o meu caso: minha militância começou em uma
organização acusada do oposto. Talvez por isso, nossas sensibilidades sejam
distintas. Manias a parte, é óbvio que há várias maneiras de servir à direita:
uma delas é a citada por Quaquá (o esquerdismo); a outra é o direitismo, a
conciliação de classe, aquela aliança em que o lado de lá ganha tudo, ou quase,
e o lado de cá perde tudo, ou quase.
Quaquá sabe disso. Por qual motivo, então, ele não fala
disso, nem que seja para constar? Alguém mal intencionado diria: porque ele
está fazendo exatamente isto em Belford Roxo e não se fala de corda, em casa de
enforcado. Mas como não sou mal intencionado, prefiro uma explicação mais
neutra: Quaquá provavelmente acha que o maior perigo, para o PT, neste momento,
é o esquerdismo.
É por isso que ele começa o segundo parágrafo do
seu texto afirmando o que segue: “Não se ganha uma guerra no isolamento.
Como na guerra, na luta de classes, na luta política real, se ganha o embate
identificando claramente quem é o inimigo principal e quem é o secundário. Daí
é preciso buscar aliados para vencer esse inimigo principal, atraindo inclusive
os secundários e explorando eventuais contradições e desacordos que estes
tenham como o inimigo principal. Pode-se nem mesmo traze-lo para nosso lado, mas
dividi-lo e neutraliza-lo já é de grande utilidade”.
Leio e releio o parágrafo acima e não consigo
discordar do que está escrito. O problema não está, portanto, no que está
escrito. Mas em saber se o que está sendo feito – no caso em tela, Belford Roxo
– corresponde ao que está prescrito. Waguinho e a deputada federal que, ó
tristeza, acha legal se nomear “do”, seriam por acaso “aliados” na luta contra
o bolsonarismo? Apoiar alguém como Waguinho ajudaria a vencer o bolsonarismo??
Na cidade de Belford Roxo, certamente não ajuda. O
PT vem diminuindo de tamanho na cidade, desde que esta aliança começou. Na Baixada
Fluminense, ajuda? No estado do Rio, ajuda? No país ajuda?? Não consigo achar
provas disso, muito antes pelo contrário. E Quaquá não dá, tampouco, nenhuma
prova disso. Portanto, ele usa uma teoria correta, para respaldar uma prática
que não é a aplicação da teoria citada, mas sim outra coisa.
Aliás, essa é uma dificuldade que enfrentamos,
quando se trata de analisar alguns dos argumentos de Quaquá. Ele muitas vezes
encadeia axiomas, como se isso demonstrasse os argumentos. Por exemplo: depois
de afirmar que não se ganha uma guerra no isolamento, ele pula para outro
parágrafo. Nele, afirma o seguinte: “No Brasil a esquerda sempre possuiu em
torno de 25 a 30% de apoio social e de voto nas eleições. São os votos que o PT
anteriormente a intervenção de 1998 tinha e depois o PSOL, com Freixo, passou a
ter na capital do Rio, por exemplo. Eram os votos que Lula tinha nacionalmente,
um pouco mais, um pouco menos, dependendo da eleição: 1989; 1994; 1998...”
A conclusão implicitamente sugerida é: quando
tínhamos de 25% a 30% estávamos isolados. Antes de seguir adiante,
vejamos se esta conclusão é verdadeira. Para isso, façamos um exercício mental:
voltemos para 1989. Naquele ano, Lula teve 17% dos votos no primeiro turno. No
segundo turno de 1989, Lula chegou a 47% dos votos e quase ganhou a eleição.
Como foi que passamos do “isolamento” para a quase vitória? A resposta tem que incluir
o seguinte: ao longo de 9 anos, acumulamos forças, mesmo que as vezes as custas
de ficar isolados (como no Colégio Eleitoral, na crítica ao Plano Cruzado, no
Congresso Constituinte, na intransigência, na “pureza” etc.).
Dizendo de outra forma: o processo pelo qual um
partido minoritário eleitoralmente, se converte em majoritário eleitoralmente,
é muito complexo. Simplificar este processo, com frases do tipo “não se ganha
uma guerra no isolamento” (ou simplificações equivalentes, ainda que de sentido
oposto), pode servir na melhor das hipóteses para justificar políticas erradas.
Um exemplo disto está no parágrafo seguinte do
texto de Quaquá, onde se pode ler o seguinte: “a grande contribuição que a
CNB (a corrente Interna majoritária do PT - Construindo um Novo Brasil) deu ao
partido, e o PT deu a história do Brasil, e a história da esquerda brasileira,
foi a mudança na tática eleitoral e na efetivação da estratégia democrática e
popular em 2002”.
Ou seja: as grandes novidades que o PT introduziu
na política brasileira (e na prática da esquerda brasileira), entre 1980 e
2002, são secundarizadas frente a “grande contribuição” que teria sido dada em
2002.
Talvez por obtusidade, não consigo compreender o
resultado de 2002, desconsiderando tudo o que foi feito desde 1980. Podemos
concordar ou discordar da política de alianças adotada em 2002; podemos
concordar ou discordar da “Carta aos Brasileiros”; mas mesmo supondo que ambas
tenham sido indispensáveis, na melhor das hipóteses elas teriam acrescentado –
a tudo aquilo que o PT já havia acumulado entre 1980 e 2002 – um tanto que
faltava para vencer as eleições presidenciais.
E mesmo que a Carta e as alianças de 2002 tivessem
agregado o que faltava, elas não foram as responsáveis pelo que foi acumulado
nos 22 anos anteriores. Para dar números, tivemos 31% dos votos no primeiro
turno de 1998 e 46% dos votos no primeiro turno de 2002. Mesmo supondo que os
15% a mais tenham resultado, integralmente, da Carta e das alianças de 2002,
estes 15% não teriam adiantado nada sem os 31% que tinham sido acumulados
antes.
Este é o núcleo da divergência que tenho com todo o
argumento de Quaquá: ele parece raciocinar como se o passado estivesse dado e
fosse imperdível. E não percebe que sua postura unilateral e “radical”, em
favor de certas alianças e concessões, nos conduzirá a perder, a desacumular
aquilo que conquistamos antes. E o resultado final é, como vimos no Rio de
Janeiro tantas vezes, nos isolar ainda mais que antes.
Quaquá afirma que “muitos foram contra e foi
difícil aprovar internamente a aliança com o PL e garantir a vice do Lula para
Zé Alencar. Sem a tática de atrair o centro, dificilmente Lula teria sido
eleito presidente da república em 2002. Teríamos continuado a correr atrás do
próprio rabo. A disputar apenas os 30% do eleitorado progressista e de esquerda
tradicional do Brasil”.
Como se pode ler no texto acima, nem Quaquá está
100% seguro do que ele afirma peremptoriamente. Numa frase ele diz que “sem a
tática de atrair o centro”, “teríamos continuado a correr atrás do rabo”. Mas
noutra frase ele reconhece que “dificilmente Lula teria sido eleito”. Dificilmente
não é impossível; portanto, Quaquá admite que outra tática seria possível e
poderia levar ao mesmo resultado.
A rigor, ninguém era contra disputar o centro. A
divergência real era como e quando fazer isso. Se no primeiro ou no segundo
turno; se incluindo na coligação ou na chapa como vice; se fazendo mais ou
menos concessões programáticas. Essa era a divergência real. Quaquá simplifica
o debate, talvez porque na época deste debate ele estivesse defendendo posições
diferentes das que ele defende hoje e tivesse, mesmo, uma posição mais digamos
“simplificada”. Ou, talvez, ele simplifique o debate daquela época, para forçar
uma analogia entre 2002 e 2020.
Antes que me acusem de exagerar, vamos ler o
parágrafo seguinte: “Na época os dirigentes que conceberam e efetivaram a
ferro e fogo essa política, Ze Dirceu, Delúbio, Genoíno, etc foram acusados de
traidores e direitistas pelos mesmos que hoje advogam (e também advogavam
naquela época) o isolamento do PT, para no máximo, até os partidos de esquerda.
A turma que se contenta a disputar os 30% e a perder abraçados na fé e na
pureza”.
Para bom entendedor, meio parágrafo basta: os que
criticavam Dirceu e Genoino em 2002, são os mesmos que criticam
Quaquá e André Ceciliano em 2020. Nos dois casos, os críticos defenderiam o
“isolamento do PT”, preferindo “perder abraçados na fé e na pureza”. Acho que o
nome disto é sofisma. Pois não dá para comparar o José Alencar com o Waguinho;
não dá para comparar uma aliança com um empresário para derrotar FHC, com uma
aliança com um bolsonarista para... para o que mesmo?? Para derrotar Bolsonaro
é que não é...
Não sei se Quaquá acredita mesmo que exista alguma
analogia entre 2002 e 2020. Para simplificar, falo por mim: fui contra as duas
alianças, por motivos diferentes. Por exemplo: em 2002, eu achava que era um
preço desnecessário a pagar, embora reconhecesse que ampliava as chances de
vitória. Em 2020, eu acho que é um estorvo, que nos custa caro, sem devolver
nada em troca. Ou melhor: me baseando em uma afirmação de Ceciliano ao
Diretório Nacional do PT, vamos eleger um bolsonarista, em troca de dois
vereadores.
Acreditando ou não na analogia 2002/2020, Quaquá
afunda o pé na jaca e afirma o seguinte: “O fato é que a política foi
correta e nos deu a vitória eleitoral em 2002. Pela primeira vez se elegeu um
operário presidente do Brasil. Pela primeira vez um presidente oriundo de uma
organização de esquerda e do movimento de organização popular e operária foi
eleito presidente do país. Um fato histórico, a partir de uma política de
alianças e de uma estratégia correta. Tivéssemos seguido o que os
pseudo-revolucionários e o que a pseudo-esquerda advogava, teríamos perdido a
eleição e Lula não teria sido presidente do Brasil”.
Ou seja: embriagado pelas próprias palavras, Quaquá
desmente aqui o que acabou de escrever ali. Antes: “Sem a tática de atrair o
centro, dificilmente Lula teria sido eleito presidente da
república em 2002.” Agora: “Tivéssemos seguido o que os pseudo-revolucionários
e o que a pseudo-esquerda advogava, teríamos perdido a eleição e Lula não
teria sido presidente do Brasil”.
Este exemplo que dei acima é demonstrativo da
seriedade com que Quaquá manipula as frases (não vou falar em “argumentos”,
pois de verdade não se trata disso) em seu texto. Seu foco não é a
demonstração, a sustentação de um determinado raciocínio. Seu foco é a
desqualificação do oponente: “pseudo-revolucionários”, “pseudo-esquerda”. De
novo, não sei o que Quaquá pensava da aliança, na época em que ela foi feita.
Mas temo que ele esteja brigando mais com os seus demônios, do que com os
argumentos realmente utilizados por quem participou do debate.
Depois que se enfia o pé na jaca pela primeira vez,
há quem goste. Nos parágrafos seguintes, Quaquá disserta sobre a esquerda
mundial. Vamos ver o que ele fala, ponto a ponto.
Ponto 1: “Essa pseudo esquerda anda tendo como
parâmetro a nova esquerda europeia, ou Bernie Sanders, no Partido Democrata
americano. Transplantam, como sempre, de lá para cá o universo conceitual e as
fórmulas prontas de explicação dos fenômenos políticos e sociais. Primeiro
erram, porque lá na Europa e nos EUA, é verdade que a esquerda hegemônica desde
o século XX: a social democracia, integrou-se ao regime e fez uma aliança
orgânica com a burguesia depois do pós guerra. Com a quebra do pacto social
democrático pela burguesia, os partidos da esquerda hegemônica europeia ficaram
ao lado da burguesia contra os trabalhadores e embarcaram na defesa
desavergonhada das contra-reformas neoliberais”.
Não sei quem, dos que se opuseram a aliança em
Belford Roxo com um bolsonarista, adotaria como parâmetro Bernie Sanders
ou a esquerda europeia. Mas mesmo que possa existir, duvido que seja algo expressivo,
motivo pelo qual a afirmação de Quaquá não passa de uma artimanha retórica.
Pois, insisto, o que está em jogo não é uma divergência sobre fazer ou não
fazer alianças com o centro. A divergência está em fazer ou não fazer alianças
com a direita, com bolsonaristas; e, o que é pior: por motivos locais e
pragmáticos.
Ponto 2: “Mas é sociologicamente incorreto
transplantar essa análise para o Brasil, como sempre fazem com seu pensamento
colonizado e dogmático. A esquerda hegemônica no Brasil: o PT, não fez acordo
orgânico com a burguesia, e não atuou para destruir o pouco de conquistas
sociais dos brasileiros e brasileiras. Pelo contrário, foram os governos Lula e
petistas que avançaram com direitos em um momento difícil da esquerda mundial.
Quando a esquerda sucumbia ao neoliberalismo e a tal terceira via, que nada
mais era do que a submissão as políticas neoliberais, Lula e o PT no Brasil
apontavam um caminho de mudança sociais e incorporação dos trabalhadores e do
povo a economia e a sociedade, sem paralelo naquele momento, no mundo”.
Admitamos, para simplificar, que o que está dito
acima seja 100% correto. Pergunto: o que isto tem que ver com o que estamos
discutindo? Pois vejamos: não estamos discutindo o PT. Nem o governo Lula. Nem
estamos questionando uma aliança com o centro. A discussão é sobre Waguinho, um
bolsonarista...
Ponto 3: “Não foi o podemos na Espanha; não foi
o Syriza na Grécia; nem o PS renovado de Portugal com sua politica vitoriosa;
nem o Chavismo na Venezuela; nem os Democratas nos EUA; na época, nem os
chineses… quem tirou 30 milhões de pessoas da miséria em seu país; ou
incorporou 4 milhões de jovens das classes populares as universidades… Aqui se
produziu na prática o efeito civilizatório de 3, 4 revoluções cubanas. Foi esse
o legado do Lula e do PT, fruto da política majoritária levada ao fim e ao cabo
pela CNB. Não foi a toa que praticamente toda a nova esquerda europeia e os
lideres dos movimento de renovação da sociais democracia europeia tem Lula como
exemplo e possuem por ele imensa admiração e solidariedade”.
No trecho acima, Quaquá está mais do embriagado,
está inebriado pelas suas próprias palavras. Não bastasse a esquerda dos EUA e
a da Europa, ele enfia no pacote a Venezuela, Cuba e a China. Mas, inebriado ou
não, ele não joga dinheiro fora. A frase sobre os chineses é um primor: “na
época, nem os chineses”. Como não se sabe de que época estamos falando, vai
saber... (embora os dados globais sobre as políticas chinesas sejam públicos e
não confirmem a afirmação de Quaquá). Já a frase sobre Cuba chega a ser
poética, de tão malandra que é: “Aqui se produziu na prática o efeito
civilizatório de 3, 4 revoluções cubanas”. Como Cuba tem cerca de 10
milhões de habitantes, como as mudanças citadas no Brasil atingiram cerca de 34
milhões, daí surgem os números mágico de “3,4”. Mas demonstra, também, que
Quaquá não tem a menor noção do que seja o “efeito civilizatório” de uma
revolução, pois a de Cuba resiste há décadas aos Estados Unidos e a nossa não
conseguiu resistir a uma ofensiva golpista protagonizada por uma elite de
merda.
Quaquá sabe disso. Ele usa a retórica demagógica,
mas não é tonto, longe disso. Já no parágrafo seguinte, ele afirma: “Claro
que cometemos o erro de não organizar o povo. De achar que a democracia
brasileira tinha alguma solidez e que a burguesia brasileira pudesse ter o
mínimo de compromisso com o jogo democrático. Mas não fomos só nós da CNB que
não organizamos o povo para o embate pela democracia. Quem na esquerda fez
isso? Ou seja, os que se autoproclamam mais revolucionários que os outros
organizaram 1, 2, 1000 ou 100 mil pescadores no Ministério da Pesca, que foi
pela maior parte do tempo dirigido pela Articulação de Esquerda? Todas as
correntes internas do PT tiveram espaço no governo Lula e Dilma. Quantos
exércitos organizaram? Quantos milhões de brasileiros e brasileiras
organizaram? Quantos milhares? Sejamos mais modestos… quantas centenas de
pessoas organizaram?”
O parágrafo acima confirma: Quaquá é como aqueles
atores do teatro moderno, que trocam de roupa no meio do palco. Sai o estadista
que discute a política internacional, entre o chefete de facção interna. Mas
mesmo no esterco, há qualidades. Comecemos pelo começo: “Claro que cometemos
o erro de não organizar o povo. De achar que a democracia brasileira tinha
alguma solidez e que a burguesia brasileira pudesse ter o mínimo de compromisso
com o jogo democrático”. Perfeito, estamos de acordo que este erro foi cometido.
Mas a pergunta é: será que este erro tem alguma relação com o que foi
apresentado, parágrafos antes, como um grande acerto? Na nossa opinião, tem: embora
não fosse necessário ser assim, na prática a escolha por fazer
determinadas alianças e determinadas concessões conduziu o Partido a baixar a
guarda e a cometer os erros citados.
Ao invés de discutir esta questão, ao invés de se
perguntar se havia alguma falha em nossa estratégia, Quaquá se preocupa
unicamente em tirar o seu da reta. Primeiro, reduz todo o problema a “não
organizar o povo”, quando o problema é bem maior (por exemplo, envolve
política de cultura, política de comunicação, política de defesa, política de
segurança pública etc.). Segundo, afirma de cara que “não fomos só nós da
CNB que não organizamos o povo para o embate pela democracia”. Um
comportamento típico de quem, com medo de levar a culpa, não quer discutir o
malfeito.
Mas como já foi dito, mesmo no esterco aparecem
coisas belas. Vamos ler de novo a frase do parágrafo de Quaquá: “Mas não
fomos só nós da CNB que não organizamos o povo para o embate pela democracia.
Quem na esquerda fez isso? Ou seja, os que se autoproclamam mais
revolucionários que os outros organizaram 1, 2, 1000 ou 100 mil pescadores no
Ministério da Pesca, que foi pela maior parte do tempo dirigido pela
Articulação de Esquerda? Todas as correntes internas do PT tiveram espaço no
governo Lula e Dilma. Quantos exércitos organizaram? Quantos milhões de
brasileiros e brasileiras organizaram? Quantos milhares? Sejamos mais modestos…
quantas centenas de pessoas organizaram?”
Tirante o sectarismo, vamos ao núcleo lógico do
argumento de Quaquá: a organização do povo para o embate pela democracia
é algo a ser feito pelas tendências, pelas tendências que tiveram espaço no
governo, e a organização do povo deve ser feita através do governo. Ou
seja: bêbado de entusiasmo pelo seu próprio discurso, Quaquá deixa escapar uma
visão totalmente institucionalizada da chamada “organização do povo”.
Como já dissemos antes, muita coisa deveria ter sido feita pelo governo, para
defender a democracia, por exemplo no âmbito das forças armadas e da
comunicação. Mas achar que a organização do povo deveria ser feita pelo governo,
é um modo de encarar o problema que, suspeito, tenha mais que ver com a
tentativa de exportar para o mundo a experiência singular de Maricá.
No parágrafo seguinte de seu texto, Quaquá afirma
que “há uma divergência essencial entre a estratégia da CNB e a da auto
proclamada esquerda petista em relação a estratégia de transformação social. Em
relação de como se dá o processo revolucionário no Brasil. Para eles a
revolução é um ato apoteótico, quase carnavalesco… O povo desperta numa sexta
feira, se da conta do carnaval e vai pra avenida tomar o palácio de inverno.
São presos ao enredo da Rússia de 17. Todo ano e o ano todo o mesmo enredo. Pra
nós a revolução é construída na vida, em processo, a cada dia, avançando a cada
vitória e superando cada derrota”.
Buenas, como Minas Gerais, a esquerda do PT são
muitas. E mesmo assim, embora eu conheça um pouco nossa fauna e nossa flora,
não consigo encontrar quem se enquadre neste enredo carnavalesco descrito por
Quaquá: “Para eles a revolução é um ato apoteótico, quase carnavalesco… O
povo desperta numa sexta feira, se da conta do carnaval e vai pra avenida tomar
o palácio de inverno. São presos ao enredo da Rússia de 17”. E para variar,
tampouco consigo entender direito o que tudo isso tem que ver com a aliança com
um bolsonarista em Belford Roxo. Isto posto, entendo que Quaquá tenha
autoridade para falar acerca da CNB. Assim, vamos ver o que ele afirma ser a
estratégia da CNB.
Primeiro: “a revolução é construída na vida, em
processo, a cada dia, avançando a cada vitória e superando cada derrota”. A
frase é bonita, mas o sentido lógico dela é inverter outra frase famosa, a
saber: “Quando o extraordinário se torna cotidiano, é a revolução”. Ou
seja: aquilo que Quaquá chama de revolução é o que o senso comum chama de acúmulo
de forças; aceita esta definição quaquaista, o sentido específico da
palavra “revolução” se perde totalmente.
Segundo, Quaquá afirma que: “Nossa estratégia é
a constituição de maiorias sociais e políticas. Não existe revolução sem
maiorias sociais organizadas e conscientes do papel de transformar a sociedade.
Revolução de vanguarda não é revolução, ou é golpe ou é uma tomada de poder que
se transformará em ditadura. Nossa estratégia, a da CNB e a do PT, é a
estratégia democrática de formação de maioria e qualificação substantiva
permanente da democracia, ampliando-a, incorporando o povo, avançando na
formação cultural do povo, abrindo espaços de participação e politização. Sendo
assim, cada prefeitura que ganhamos, cada governo do Estado, cada vez que
ocupamos a Presidência da República e mudamos a vida concreta e real de milhões
de seres humanos concretos, estamos jogando água no açude da revolução
brasileira”.
O debate sobre a “estratégia da maioria” é bem
antigo. Lembro de uma discussão que fizemos a respeito, dentro da velha e boa
Articulação dos 113, creio que em 1987, quando suspeito que Quaquá defendia
posições muito diferentes das atuais.
Quem tiver interesse no debate de mérito a respeito
desta questão, pode ler aqui:
http://valterpomar.blogspot.com/2011/09/gilney-ataca-novamente.html
Mas, como sabemos, Gilney Viana é contra o apoio a
um bolsonarista em Belford Roxo. E mesmo eu, que não estou de acordo com a tal
“estratégia da maioria”, acho que usar este argumento para defender o apoio a
um bolsonarista é simplesmente forçar a mão. Me lembra Palloci
defendendo as taxas de juros altíssimas e outras barbaridades, como se aqueles
absurdos fossem a única alternativa disponível nos marcos da estratégia
defendida pela CNB.
Quaquá, num ato falho, começa seu parágrafo
seguinte dizendo que “até acredito que não é por pura maldade que boa parte
da pseudo esquerda petista que crítica a CNB, com o mesmo discurso da direita
mais raivosa e ideológica, que dizia que quando Lula criou o Bolsa Família,
aquilo era politica assistencialista; ou que o ProUni era errado, pois
fortalecia as universidades privadas. É porque eles tem uma visão idealista,
hegeliana, e, no frigir dos ovos, elitista do mundo. A revolução é um ato
ideal, um ato puro, um ato teatral e carnavalesco, puro, controlado pelas
ideias e pela estética que se forma na cabeça deles. Assim, da pra voltar e
corrigir o que não esta bonitinho no texto... Não interage com o povo,
não interage com a realidade. O povo na verdade não é o agente concreto e
principal. O povo é só o glacê e a decoração de um bolo sem massa”.
Como ele, acho até que não é por pura maldade que
ele escreve o que escreve. Pelo contrário: a hipocrisia é a homenagem que o vício
rende à virtude. Para justificar uma aliança com um bolsonarista, motivada pelo
mais puro pragmatismo, Quaquá tenta dourar a pílula de tudo quanto é jeito.
Mas, como não podia deixar de ser, o excesso de velas põe fogo na igreja. Por
exemplo: chamar uma parte do PT de “pseudo esquerda” vá lá, mas dizer que “boa
parte” desta “pseudo esquerda” critica a CNB “com o mesmo discurso da direita
mais raivosa e ideológica” é algo que não tem pé, nem cabeça.
Quaquá talvez esteja se referindo a amigos antigos
dele próprio, que saíram do PT. Pois, por motivos óbvios, os setores do PT que
têm críticas ao Bolsa Família e ao ProUni não repetem o “mesmo discurso” da
“direita mais raivosa e ideológica”. Não custa lembrar, aliás, que quem está
defendendo uma aliança com um amigo desta direita é Quaquá. Portanto, a
psicologia explica a raiva com que o cidadão investe contra seus críticos,
chegando ao ponto de gritar “pega ladrão”, para ver se distrai a atenção.
Mas voltemos ao que diz Quaquá sobre a estratégia
da CNB: “A nossa estratégia é o da revolução das maiorias; da revolução
democrática; da revolução com o povo; da estratégia democrática e popular que
pressupõe mudar a vida do povo; melhorar suas condições materiais de vida;
elevar sua condição de apropriação dos bens culturais. Pressupõe casa melhor;
bairros melhores; salários melhores; mais tempo livre; mais educação; mais
saúde; mais condições de valorização, produção e consumo crítico de bens
culturais, os populares e os clássicos universais. Esse é um processo longo,
extenso e em rede. Se dá, na organização popular nos bairros e periferias; se
dá, na organização nas fabricas e escolas; se dá, nas nossas Prefeituras e nas
políticas transformadoras que realizamos, também em maior escala nos nossos
governos estaduais”.
Isso tudo está muito bom. Mas nisso tudo, como o
próprio Quaquá admite implicitamente, falta um tema: o poder de Estado.
Revolução que não toca no poder de Estado, não é revolução. E, portanto, esta
longa exposição feita por Quaquá não informa nada sobre o núcleo das
divergências que existem dentro do PT, a saber: como construir e
conquistar o poder de Estado. Sem entrar neste debate, qualquer
conversa sobre revolução é para boi dormir. Embromação.
Ao invés de dar alguma resposta para esta questão,
Quaquá troca de novo de roupa em pleno palco e afirma: “Temos muito que
melhorar? Temos! Nosso partido precisa ser mais orgânico e estar mais presente
de forma militante e organizado nas periferias? Precisa! Devemos ser menos
inorgânicos e menos comitês eleitorais e sermos mais partido movimento e partido
escola de formação do povo? Precisamos? Mas onde a dita esquerda dirige os
diretórios estaduais e municipais fazem diferente? Não! Então a tarefa de
organização do PT é de todos nós! E a culpa polos erros também!”
A linha de argumentação é conhecida: os acertos
são todos meus, os erros são todos nossos. Mas o problema principal da
argumentação de Quaquá, como já dissemos antes, não é esta generosidade
reversa, é a empulhação. Ele simplesmente não discute o tema central de
qualquer estratégia, de qualquer processo que se queira chamar de revolução: o
poder de Estado.
Talvez no fundo ele ache que o problema se resolva
elegendo governos, e que para eleger governos precisamos de alianças, logo a
revolução depende de termos... uma ampla política de alianças, e quanto mais
ampla, mais eficaz. Donde ganha sentido a pompa e circunstância com que ele
fundamenta a aliança com o, palavra dele, “malandro” de Belford Roxo.
Devolvamos a palavra ao Quaquá: “Não será com
o abandono da política de alianças que foi vitoriosa em 2002 que vamos corrigir
os erros de não termos fortalecido a Frente de Esquerda no âmbito da coalizão
maior de nossos governos; e de não termos organizado o povo para sustentar a
democracia. Corrigir os erros não significa jogar fora a criança junto com a
água do banho. Significa antes e sobretudo, reter o que foi positivo e corrigir
os erros”. A frase é bonita, mas o argumento é pura prestidigitação. O
que está em questão, no debate sobre Belford Roxo, não é a “política de
alianças vitoriosa em 2002”. O que está em jogo é outro tipo de política de
alianças, com um bolsonarista.
Como todo mágico, Quaquá precisa desviar a atenção
do que suas mãos estão fazendo. Por isso, logo depois de equiparar José de
Alencar com Waguinho, ele ataca indiretamente a presidenta Dilma: “Infelizmente
é isso que a pseudo esquerda petista quer fazer. Aliás vem fazendo desde que
ganhou força ainda no governo Dilma. Foi essa inclusive uma das causas de nossa
derrota, porque tem esse pessoal tem vocação para o isolamento”.
E, tendo vestido de novo as roupas de chefete de
fração, ele ataca: “Me lembro de um episódio que vivi como prefeito no
governo Dilma. Fui ao palácio numa audiência com o ministro da Articulação
Política do governo, o deputado federal Pepe Vargas do PT do RS e da DS. Fui
inclusive muito bem recebido pelo chefe de Gabinete, que havia sido prefeito de
uma simpática cidade do Rio Grande do Sul, com quem fiquei conversando por meia
hora antes de ser recebido pelo ministro. Ele me contou que também tinha sido
prefeito e que havia perdido a reeleição por apenas 3%. E emendou: o PP queria
aliança conosco, e o candidato deles teve 6%, não aceitei fazer aliança com a
direita. Perdemos, mas mantivemos nossa posição ideológica! Saí de lá dizendo:
Fudeu! Isso não pode dar certo! Essa é a visão de nossa articulação política? O
resultado nós vimos qual foi…”
Cada vez que eu vejo alguém como o Quaquá metendo a
boca no governo da presidenta Dilma, eu me pergunto: onde estava vossa senhoria
em 2015, no congresso do PT realizado em Salvador, no debate acerca da política
econômica de Levy?
Teria outras perguntas a fazer, mas já me
contentaria em saber a resposta para esta pergunta, pois ela basta para
demonstrar a farsa da argumentação. O erro decisivo cometido pelo governo Dilma
não foi produto da pureza ideológica, muito antes pelo contrário.
Evidentemente, Quaquá pensa diferente. Vejamos o
que diz o parágrafo seguinte: “De lá pra cá tem sido essa a tônica. Melhor
ser derrotado mas não perder a pureza ideológica. Eu pergunto: e o povo da
cidade? que certamente teve a vida melhorada por um governo petista e de
esquerda? Não se levou em conta? A mesma coisa serve para o Brasil. As
alianças, num país onde o nível de consciência do povo é arcaico, fruto de anos
de escravidão e iniquidades por parte das elites, que produziu um imenso
embrutecimento das classes populares, levam em conta não uma vontade de pureza,
mas uma necessidade política. Levam em conta a análise concreta da realidade
nacional. Da diversidade da realidade nacional.”
Sim, é fato: as alianças devem levar em conta tudo
isso e muito mais. O “tudo isso” explica romper a aliança com o PSB em Recife.
O “muito mais” explica a aliança com um bolsonarista em Belford Roxo. Quaquá
não percebe que sua prédica contra a “pureza” é tão exagerada, que é impossível
não perceber que ele está querendo naturalizar... a impureza como
critério.
Quaquá, como muitos outros, usa o nome de Lula como
argumento de autoridade. Neste caso ele tem alguma razão, como se pode ler no
parágrafo a seguir: “Nessas eleições municipais fomos nós da CNB , instados
pela liderança do presidente Lula, que defendemos a tática de lançar
candidaturas próprias nas capitais e nas cidades reprodutoras de TV e as acima
de 200 mil eleitores. Em Recife, por exemplo, a DS apoiou a intervenção contra
Marilia Arraes. Como correntes que se auto proclamam “mais à esquerda”
defenderam alianças com o “Republicanos” em Caxias, no Maranhão. Então não
venham querer transformar Belford Roxo no centro do mundo! Porque Belford Roxo,
aquela cidade abandonada da Baixada Fluminense, onde Lula tinha 67% das
intenções de votos mesmo na cadeia (injustamente, diga-se com todas as letras),
e, quando foi impedido de concorrer, e os votos “dele” migraram para Bolsonaro,
é parte de uma complexa rede de cidades onde o PT precisa definir a melhor
tática para o povo local e para nosso fortalecimento para a disputa de 22”.
Infelizmente, Quaquá não desenvolve a argumentação.
Ele poderia, por exemplo, nos contar se vê alguma relação entre o apoio dado
pelo PT a Waguinho em 2016 e o resultado eleitoral obtido por Haddad em Belford
Roxo em 2018. E poderia, também, responder se ele é adepto da filosofia “ou
restaure-se a moralidade, ou todos nos locupletemos”. Pois veja: todas as
tendências do Partido devem ter, nas suas fileiras, quem implemente uma
política errada. Mas o Diretório Nacional do Partido não é câmara de
compensação bancária, que fica sopesando débitos e créditos das tendências. É
uma instância dirigente, que precisa decidir o que é melhor para todo o
Partido. Por isso, a questão é: alianças com bolsonaristas são úteis para o PT?
São indiferentes? São negativas?
Quaquá sabe muito bem que o problema é esse. Tanto
é que escreve, de forma audaciosa, que “Waguinho não é bolsonarista. Muito
menos é de esquerda. Doutor Tancredo disse uma vez, perguntado se o PSD era
comunista como Jango ou racionario como Magalhaes Pinto e Carlos Lacerda, ele
respondeu: “Meu filho, entre a Bíblia e O Capital, o PSD fica com o Diário
Oficial”. Não entender esse caráter histórico de uma parcela da política e dos
políticos brasileiros é se abster de disputar a maioria e ficar preso aos 30%
da esquerda. É deixar que nossos adversários da direita e do fascismo os
atraia, rompendo as relações com o mundo e a vida real”.
Eu não sei exatamente quais são os critérios que
Quaquá utiliza para definir o que é um “bolsonarista”. Mas os critérios que
estão na política de alianças aprovada pela direção nacional do PT incluem o
seguinte: “Nas situações em que o PT não encabeça a chapa e o candidato seja
de um partido que não integre o espectro citado acima, somente serão permitidas
alianças táticas e pontuais se autorizadas pelo Diretório Estadual, desde que
candidato(a) tenha compromisso expresso com a oposição a Bolsonaro e suas políticas
e não tenha práticas de hostilidade ao PT e aos presidentes Lula e Dilma”.
Waguinho se enquadra nesses critérios ou não?
Novamente, Quaquá sabe da verdade muito mais do que
eu. Por isso, ele novamente troca de roupa no palco e, no parágrafo seguinte,
afirma o que segue: “Tentar demonizar os adversários internos. Usar imagens
e episódios pontuais como verdade. Atacar e difamar oponentes do mesmo campo
nas redes é tática tão fascista como a dos bolsonaristas. Eu mesmo fui alvo de
ofensas de pseudos militantes de esquerda até em postagem familiar do dia dos
pais, em foto com meu neto e meu filho… Isso é prática de gente de esquerda? De
gente que se diz libertaria? São práticas tão fascistas quanto as dos
bolsonaristas!”
Pronto: de promotor de uma aliança com
bolsonaristas, ele vira vítima. E o assunto que importa – Waguinho se
enquadra nos critérios aprovados? – fica para trás. Mas, como sabemos,
Quaquá não tem physique du rôle de vítima. E no parágrafo
seguinte, ele espanca sem dó nem piedade: “Um anacrônico e caricatural
dirigente de uma das correntes da pseudo esquerda petista me chamou de traidor
e disse que não me chamaria de companheiro. Como se eu não fosse dormir por
conta disso... Atitudes como deste personagem, que parece ter saído tardiamente
de uma adaptação mal feita para o teatro nacional dos “10 anos que abalaram o
mundo”, onde essa espécie de Peter Pan jacobino, vem incentivando sua minguada
Ospália a agredir todos os que não usam seu nariz vermelho. Podia ser uma
suástica…. Não se diferencia da empáfia dos filhos de Bolsonaro.”
Fico pensando nos motivos que levaram Quaquá a
escolher, de todos os personagens possíveis, o simpático Peter Pan. Talvez ele
não conheça a história, só as versões simplificadas (quem não tiver paciência
de ler a respeito, recomendo pelo menos assistir a Finding Neverland, um
filme de 2004 que tem Johnny Depp no papel principal).. Ou talvez a leitura de meus
textos sobre a crise dos 40 (crise dos 40 do PT) tenham levado ele à analogia
com um personagem conhecido por não querer envelhecer. Pode ser isto ou podem
ser outros motivos, vai saber o que passa na cabeça das pessoas. Mas eu não
posso deixar de pensar que foi um ato falho: quem acusa seu oponente de Peter
Pan, pode estar querendo assumir o papel de Capitão Gancho.
Devaneios literários a parte, o melhor do texto de
Quaquá está por vir: “Essas figuras minoritárias e sem importância na vida
real eu entendo, como entendo o universo magico e lúdico das crianças. Mas ver
ex-presidentes do PT assinando um manifesto sobre Belford Roxo? um ato dessa
magnitude, da junção urgente e imoerativa de ex-presidentes, uns que até
defenderam a expulsão de outros do partido, só se explicaria se houvesse
uma ameaça a história do PT. Será que a desejo de arrivismo com a atual
presidência vale o ridículo? vale o apequenamento? Cheguei a brincar que a
esquerda teve na história sua batalha contra o fascismo em momentos dramáticos
e decisivos. Trotsky venceu os exércitos brancos e a sanha fascista (quando o
termo ainda nem tinha sido cunhado historicamente) de restauração; Stalin
venceu e derrotou os nazistas na Batalha de Stalingrado; Fidel expulsou os
mercenários e agentes da Cia em Praia Girón. Nossos presidentes escolheram a
Batalha de Belford Roxo…”
Tanto Quaquá, quanto André Ceciliano, não pouparam
ofensas contra os ex-presidentes nacionais do PT. Isso apesar de um deles ser
tido e havido como um dos principais líderes e inspiradores da CNB. Fico
pensando se alguém intelectualmente mais sério, frente a crítica dos seis, não
teria se perguntado: “será que não estou fazendo algo errado?” Mas Quaquá parece
não ter dúvidas. Pior: ainda insinua que a motivação da crítica dos
ex-presidentes seria o “arrivismo com a atual presidência”. Vindo dele esta
frase, só posso concluir que a triste verdade é que Quaquá não tem limites. E o
que é ainda pior: ele não tem limites, não na batalha pela humanidade, não na
batalha pelo Brasil, não na batalha pelo socialismo. Ele não tem limites na
luta por uma aliança... com um bolsonarista.
Isto é que, no fundo, no fundo, mais me preocupa
nesta coisa toda. Mais do que a aliança em si, que é um desastre, considero
terrível que a maioria do Diretório Nacional tenha se dobrado a certas razões
que é melhor a razão desconhecer. Já vi isso acontecer, outras vezes, na
história recente do PT. Para citar dois casos em que estou pessoalmente
envolvido, vi as pessoas defendendo Pallocci e defendendo Delcídio, contra
todas as evidências. Vi no que deu. Todos vimos.
Mas voltemos a operação glosa. Nos parágrafos
finais do seu texto, Quaquá diz o seguinte:
“A CNB precisa dirigir o PT e o PT dirigir o
Brasil rumo a revolução democrática e popular. Não podemos ficar presos a um
esquerdismo infantil. Temos vocação para a disputa do poder. Temos vocação
para, ao ganhar governos, mudar a vida das pessoas concretas. De um povo real
que vive na total precariedade e, com nossos governos, passa a ter um mínimo de
dignidade. Esse mínimo de dignidade possibilita que milhões consumam, comam,
morem, estudem, acreditem em si próprios, deem passos rumo a dignidade humana.
Primeira etapa de uma luta por emancipação”.
“Quem sonha, vive e atua em favor de uma
revolução sem povo, construída nas nuvens e na sua teoria pura, pode não querer
se embrenhar no mato e pisar na lama das periferias, da Baixada Fluminense, do
Capão Redondo ou de qualquer periferia desse país, onde o povo sofre e a vida é
torta. Quem quer uma revolução democrática e popular atua na realidade.
identifica no território os adversários principais e os aliados
circunstanciais. Fortalece sua organização e sua militância. Prepara as
vitorias futuras e atrai aliados para isso”.
Quaquá saiu do esquerdismo, mudou de política, mas
a fé missionária típica do esquerdismo não saiu dele. Especialmente nesses dois
parágrafos, Quaquá aparece tomado da fúria verbal dos que se acreditam o último
biscoito do pacote. Ele parece mesmo acreditar que sabe tudo e conhece tudo acerca
do povo, enquanto os demais não sabem de nada e não conhecem nada. Digamos que
ele saiba muito, mas nem por isso ele está certo em propor a aliança que
propôs. Lembremos, por outro lado, que a lista dos que se opuseram a ele não é
composta por pessoas que não têm experiência e serviços prestados à causa do
povo, pelo contrário. Isso não dá a estas pessoas a condição de acertar sempre;
mas seria recomendável pelo menos escutar a crítica delas.
Mas Quaquá não está nem aí. Segundo ele diz no
parágrafo final de seu texto, “nós queremos construir desde já a vitória do
Lula ou do Haddad em 2022. Não podemos perder tempo com lutas intestinas e com
a transformação do secundário em principal. Transformar Belford Roxo na sua
batalha pessoal de Stalingrado é além de obtusidade, má fé e falsificação
histórica. A CNB precisa dar rumo a essa náu do PT. Caso contrário esses
marinheiros de video-game da pseudo esquerda petista vão nos fazer ficar
parados no porto, à deriva, uma espécie de deriva da inércia, sem sequer ter
saído no mar pra navegar. Afundaremos parados no cais. Se os lusitanos a quem
tanto acusam pelos males nacionais tem algo a ensinar é que “Navegar é preciso!”
Pois é, dizem os estudiosos que antes de lusitana,
a frase é romana: Navigare necesse, vivere non est necesse. Mas, de fato,
ela ganhou fama moderna com um genial lusitano. Nos dois casos, a frase
completa sempre incluía um “viver não é preciso”. Seja como for, Quaquá sabe
escolher, pois há toda uma polêmica exatamente sobre a relação entre o poeta e
o salazarismo, embora nesta polêmica ninguém chame ninguém de “malandro”. De um
dos textos desta polêmica, eu saco uma citação de algum heterônimo, citação que
me parece conforme o espírito deste debate, pois versa sobre os efeitos
supostamente positivos de certas opções: “A obra principal do fascismo é o
aperfeiçoamento e organização do sistema ferroviário. Os comboios agora andam
bem e chegam sempre à tabela. Por exemplo, você vive em Milão; seu pai vive em
Roma. Os fascistas matam seu pai mas você tem a certeza que, metendo-se no
comboio, chega a tempo para o enterro”.
(não revisado, pode conter erros)
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